quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A CASA DO CAMINHO DE PEDRAS - PARTE VIII






Maria não bateu; encontrou a porta entreaberta, e entrou. Deparou com Aurora parada no meio da sala, e as amigas (ainda eram amigas?) se olharam. Havia lágrimas nos olhos de ambas. Aurora não sabia o que dizer. Qualquer coisa, seria a coisa errada. Lembrou-se da maneira como Maria tinha sido sua amiga e companheira, ajudando-a sempre com tudo, ouvindo-a e respeitando seus silêncios e segredos. Chorou, ao lembrar-se da maneira como confiou nela mesmo sem nada saber a seu respeito. 

Maria pensou na primeira vez em que pusera os olhos sobre Aurora, há dois anos; achou-a fascinante! Desde aquele dia, sentiu-se tão atraída por ela (embora não admitisse) que fez de tudo para que se tornassem amigas. Quando Aurora recusava, gentilmente, sua intimidade, ela ressentia-se, mas sempre tentava de novo mais tarde. Finalmente, ficou exultante ao sentir que quebrara o gelo entre as duas. Achou que nada jamais as separaria, desde o dia em que fora convidada a entrar naquela casa. 

Aurora adivinhava a onda de pensamentos que emanava de Maria, e sentia muito por não poder corresponder aos seu sentimentos, pois sabia que Maria sairia daquela casa muito magoada naquele mesmo dia... quando Maria caminhou em sua direção, pegando-lhe a mão, ela não quis ouvir o que sabia que ela diria:

-Aurora... 

Sua voz estava embargada, e ela ainda lutava contra seus sentimentos, que eram-lhe estranhos. Mas naquele momento, eles pareciam-lhe, apesar de tudo, bem claros. Ela disse seu nome novamente, a voz entrecortada pela dor:

-Aurora... 

Mas ao olhar para os olhos da amiga, compreendeu que ela não partilhava, e nem partilharia, jamais, dos mesmos sentimentos. Sentiu seu coração partir-se ao meio, e uma enorme dor tomar conta de si. Achou melhor evitar uma situação ainda mais embaraçosa, e assim, não disse as palavras que gritavam dentro de seu coração. Olhou-a ainda mais uma vez, apertando-lhe a mão com carinho. Não conseguia ter raiva dela. Não guardaria qualquer tipo de rancor ou mágoa. Sentia apenas ciúmes por saber que há apenas alguns minutos, Pedro tivera nos braços o grande amor de sua vida, ali mesmo, naquela casa, naquela cama que ela conseguia ver de onde estava. Ainda poderiam voltar a ser amigas? Achava difícil, mas ela ia tentar, e tentaria também livrar-se daqueles sentimentos e desejos que, para ela, tinham sido considerados ‘anormais’ até conhecer Aurora. 
Aurora pediu a ela que se sentasse, enquanto ia até a cozinha buscar-lhe um copo de água com açúcar para que ela se acalmasse. 

Fraca e imersa em tristeza, Maria obedeceu sua amiga (ou ex-amiga?), sentando-se na poltrona junto à mesinha com o abajur. Foi quando ela viu o papel dobrado, que deixava à mostra os olhos de uma moça. Olhos que ela conhecia muito bem. Rapidamente, e sem saber o motivo, colocou-o no bolso da jaqueta. 
Aurora voltou com o copo de água, oferecendo-o à Maria. Quando ela terminou de beber, deixou um gole que foi bebido por Aurora. Respirando fundo, Aurora olhou para Maria. Ela olhou para ela também, sorrindo tristemente, mas já bem mais calma. 

-Aurora, você o ama?

Aurora encolheu os ombros:

-Em primeiro lugar, eu não quis que nada disso acontecesse, e nem ele, mas foi mais forte que nós. 
-Eu sei... e eu compreendo muito bem o Pedro. E compreendo qualquer um que se sentisse de repente tão apaixonado por você. Porque... eu...

Aurora interrompeu-a:

-Mas respondendo à sua pergunta: não, eu não amo o Pedro, e compreendi isso agora mesmo. Foi apenas uma paixão passageira. Na verdade, eu amo o João. Sempre amei, e sempre amarei, eu acho.

O coração de Maria murchou mais um pouco ao ouvir aquelas palavras.

-E você, Maria? Como vocês vão ficar depois disso?

-Bem, nós rompemos lá fora. Acho que fizemos a coisa certa, sabe? Eu não o amava mais. Acho que nunca amei, somente senti-me segura ao lado dele, que se aproximou de mim após a morte de meus pais em um acidente. Ele foi um amor... Ficamos amigos, e começamos a namorar. Foi uma consequência, nenhum dos dois parou para pensar se queria realmente que as coisas caminhassem daquela forma. Foi acontecendo. 

-Então... 

-Então acho que está tudo bem, afinal de contas. Mas penso que o Pedro está muito apaixonado por você.

-Eu não teria tanta certeza assim.

Enquanto aquela conversa acontecia, Pedro dirigia seu carro e pensava na pergunta de Maria: ele amava Aurora?

Pensou muito. Pensou intensamente no que ele sentira quando estava com Aurora. Achou que nunca sentira nada igual, com nenhuma outra garota. Seria o fascínio de envolver-se com alguém um pouco mais velho que ele, uma mulher misteriosa, que guardava um segredo? Pensou que nem sequer a achava muito bonita; mas o magnetismo e a sensualidade que emanavam dela, eram algo que ele nunca tinha visto em outra mulher. Uma resposta importante, ele já possuía: não amava Maria. Estava feliz por ter descoberto aquilo antes que ambos arruinassem suas vidas. 

Ele sabia – sentia – que Aurora não era para ele, e que ela não o amava. Era apenas uma mulher solitária e apaixonada, que precisava satisfazer seus desejos, contidos há muito tempo. A química entre eles tinha sido perfeita, mas era apenas um rastilho de pólvora que logo acabaria. Teve sua resposta: embora estivesse loucamente apaixonado por ela, não via a si mesmo passando o resto de sua vida ao lado de Aurora.

Naquele momento, tomou uma importante decisão: aceitaria aquela oferta de emprego em outra cidade. Fez uma curva na estrada, que o levou por um novo caminho, e nunca mais voltou . Ainda sentia o cheiro daquele corpo, mas soube que logo a esqueceria. Restava-lhe a curiosidade: quem era ela? Por que estava se escondendo ali, naquela pequena cidade, quando tinha tantos potenciais? Abriu o porta-luvas, onde ainda guardava um dos cartazes que havia recolhido dos quadros de aviso da faculdade. Aurora o fitava na fotografia.




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada por visitar-me. Adoraria saber sua opinião. Por favor, deixe seu comentário.

A RUA DOS AUSENTES - PARTE 5

  PARTE 5 – AS SERVIÇAIS   Um lençol de luz branca agitando-se na frente do rosto dela: esta foi a impressão que Eduína teve ao desperta...