quinta-feira, 2 de julho de 2015

A PRAIA DOS SONHOS - PARTE IV



Sentada na areia, Anita olhava o pontinho distante boiando sobre as águas verdes, e seu coração se apertava: estavam muito longe da praia. Fernando, Jorginho e Leo tinham ido pescar de barco. Leo assegurou-a de que não havia perigo, mas Anita não podia deixar de se preocupar.
Lembrou-se da hora do almoço, quando os quatro tinham se sentado à mesa da varanda para uma leve refeição que ela mesma oferecera-se para preparar, que consistiu em uma salada verde, arroz e camarões empanados. Ela mandara vir os camarões prontos de um restaurante na cidade, já que a geladeira de Leo não oferecia muitas opções ... 

Enquanto comiam, ela pode perceber melhor a alegria espontânea de Leo, e seu lado protetor em relação ao irmão mais novo. Ficara sabendo que Leo levava Jorginho à escola todos os dias em sua velha motocicleta, e lembrando-se da estrada de chão esburacada que tinham percorrido para chegar até aquele lugarejo, Anita temeu por eles. Mas Leo sorriu e disse que estavam acostumados àquela vida. Mesmo assim, ela deu Graças a Deus por estarem no período de férias e ela não ter que presenciar a cena dos dois se afastando montados naquela velharia. Quando Fernando tocou novamente no assunto “pais”, perguntando quando eles voltariam, Jorginho baixou os olhos, e Leo, sorrindo ainda mais, murmurou um “Daqui a um tempinho” e mudou logo de assunto.

No barco, Fernando vivia  a fantasia de ter o  filho secretamente sonhado, que nunca tivera. Observava cada gesto de Jorginho com interesse, dando a ele toda a atenção que o menino pedia. Vibrava com ele a cada peixe pescado, ajudando-o a recolocar as iscas, e ficando feliz todas as vezes em que conseguia trazer à tona um sorriso ao rosto do menino. E ele sabia que os sorrisos existiam, embora estivessem presos dentro dele por algum motivo. Jorginho também divertia-se como há muito tempo não acontecia. Depois da morte dos pais, Fernando fora o único adulto que realmente dera-lhe atenção – além do irmão, é claro – mas o irmão era, como ele mesmo dizia, “meio-maluquinho,” não sendo talhado para tomar conta de um menino como Jorginho. Aos poucos, Fernando foi conseguindo aproximar-se cada vez mais da alma daquele menino, e ao final da pescaria, era como se já se conhecessem há muito tempo.

À noite, Anita pegou-o pensativo e distante, a cabeça apoiada nos braços que formavam um travesseiro enquanto ele olhava o teto, deitado na cama. Ela falou com ele, e tão distraído estava, que a princípio, não respondeu-lhe. Ela precisou chama-lo novamente, e Fernando olhou-a como se estivesse chegando de uma longa viagem... ela repetiu a pergunta:

-Vamos sair para jantar?

Ele imediatamente concordou, e perguntou se ela se importaria se ele convidasse os meninos para irem com eles. Ela disse que estava pensando em um jantar mais romântico, mas quando viu a decepção no rosto dele, acabou mudando de ideia, e foram todos à vila de carro. E no restaurante, ela percebeu que fizera uma boa escolha, ao ver todos felizes, brincando, rindo e conversando. Até mesmo o semblante triste de Jorginho se modificara. 

Quando chegaram à pousada, Fernando foi até o quarto de Jorginho, onde os dois jogaram vídeo game durante uma hora, e Anita, cansada, foi dormir. Ao deixar o quarto de Jorginho, após cobri-lo com carinho após o menino cair no sono ainda segurando a maquete, Fernando resolveu dar uma caminhada na praia. A lua cheia estava branca e muito iluminada, pairando em um céu estrelado e perfeito. A brisa do mar era quase fria, e ele fechou o zíper do seu casaco.  Já tinha caminhado durante dez minutos quando avistou alguém sentado em uma pedra. Era Leo. Fernando aproximou-se devagar, e percebeu que ele estava fumando. Ao chegar mais perto, também notou o cheiro inconfundível do cigarro de maconha. Ao vê-lo aproximar-se, Leo teve um leve sobressalto, erguendo-se, mas Fernando fez um gesto com a mão, acalmando-o, e foi logo dizendo:

-Não se preocupe, eu também fumava um de vez em quando, quando eu tinha a sua idade. Esse é dos bons?

Leo sentou-se na pedra, dando espaço para que Fernando sentasse junto dele, e estendeu-lhe o cigarro, dizendo:

-É dos melhores. 

Fernando tragou profundamente, deixando que o sabor da maconha trouxesse consigo algumas lembranças boas. Sentiu-se jovem novamente. Leo olhou-o, e riu. Ele retribuiu o sorriso. 
-Muito obrigada pelo que fez por nós hoje, Fernando, principalmente pelo que fez por meu irmão. Há muito tempo eu não o via tão contente.

-Há quanto tempo?

Leo, distraído, quase falou mais do que desejava:

-Desde que nossos pais... – ele hesitou, olhando o mar lá longe, brilhando ao luar. Completou: -viajaram.

Fernando ficou em silêncio durante algum tempo, e disse:

-Seus pais não viajaram, não é? Eles ... estão mortos, não estão?

Antes de responder, Leo deu uma profunda tragada:

-Tudo bem... é verdade.

-E o que aconteceu?

-Um acidente de carro, há um ano e pouco... ficamos sozinhos. Meu pai sonhava em construir uma pousada. Comprou este terreno, começou a fazer as casas... a vida era perfeita. Íamos a uma boa escola, eu pensava que seria um grande empresário, que ajudaria meu pai na pousada. Minha mãe tinha planos. Pensava em abrir um restaurante, divulgar tudo na internet. “Esse lugar promete,” eles diziam... e de repente... todos os sonhos viraram fumaça. A vida da gente muda tanto em tão pouco tempo...

Fernando pegou o cigarro, dando mais uma tragada:

-É... 

Uma gaivota perdida gritou ao longe. 

-Sabe, Leo, eu acho que... se me permite opinar...

-Vá em frente.

-Este lugar não é bom para Jorginho.

-Já pensei em vender tudo e ir embora, logo depois de enterrar meus pais. Mas para onde iríamos? E quando o dinheiro acabasse? Aqui , pelo menos, estamos perto de pessoas que conhecemos. E tenho a chance de continuar o sonho de meu pai. Sinto que aqui é o nosso lugar, nossa terra. Estamos perto dos nossos pais, ou do que restou deles...

-Vocês não tem nenhum parente, alguém que poderia acolhê-los?

-Temos uma tia. Mas meu tio – ou melhor, o marido dela – não quis a gente.

Fernando sentiu o coração bater mais forte, junto à garganta, e seu olhar se turvou. Num impulso, disse:

-E se vocês fossem embora conosco? Vocês poderiam ficar em nossa casa. Você voltaria a estudar, concluiria sua faculdade, e Jorginho poderia ter uma vida melhor também... sabe, nós não temos filhos, e eu acho que...

Leo interrompeu-o, jogando a guimba longe:

-Fernando, a gente mal se conhece! Somos apenas estranhos. Logo vocês vão embora, e nunca mais pensarão em nós. Como eu poderia ir embora com vocês, deixar para trás toda a minha vida? Não... obrigada.

Dizendo aquilo, Leo afastou-se correndo. Fernando, chocado com a resposta do rapaz, ainda ficou por ali, colocando as ideias em ordem. Achou que talvez ele tivesse demonstrado entusiasmo demais, e que Leo estava certo: eram apenas estranhos. E ele tinha feito uma oferta a Leo sem nem mesmo conversar com Anita a respeito. E se ela dissesse que não concordava? Percebeu o quanto tinha sido irresponsável e egoísta ao fazer tal proposta. 

Leo subiu em sua motocicleta e voltou à vila. A noite ainda era uma criança para ele.

Na manhã seguinte, o sol mal tinha saído quando Anita e Fernando foram despertados pelo  motor barulhento da motocicleta de Leo. Fernando abriu os olhos, e ficou escutando enquanto Leo desligava o motor e depois, os passos lentos no chão de madeira da varanda. Logo em seguida, escutou um baque surdo, como algo pesado que caía, e uma porta se abrindo, e a voz de Jorginho gritando:

-Leo! Leo! Levanta, por favor! Leo!

(continua...)




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