domingo, 5 de julho de 2015

A PRAIA DOS SONHOS - PARTE V








Fernando abriu a porta do seu chalé, e deparou com a seguinte cena: Jorginho estava debruçado em desespero sobre o corpo caído do irmão, tentando despertá-lo. Seus olhos estavam turvos de lágrimas. Leo, de bruços, deixara um rastro de sangue pleo chão de madeira. Fernando gritou por Anita, que veio correndo acudir, e ambos conseguiram erguer Leo e colocá-lo na cama. Felizmente, ao tentar descobrir de onde jorrava o sangue, após examinar o corpo do rapaz, Fernando viu que se tratava de um corte no supercílio esquerdo - região muito irrigada, e que normalmente sangra muito quando há um corte. Anita fez um curativo, usando um kit de primeiros socorros que encontrou sob o balcão da recepção, e após limpar o corpo do rapaz com um pano úmido, ajudou Fernando a vestir-lhe o pijama. Leo abriu os olhos, agradeceu e disse que estava bem, embora parecesse bêbado, e logo adormeceu. O casal entreolhou-se, pois também tinham visto alguns hematomas roxos nas costas e no olho esquerdo do rapaz. Anita achava que ele tinha bebido demais e se envolvido em alguma briga.

Só então os dois se lembraram de Jorginho.

Foram encontrá-lo sentado nas escadas da varanda, o rosto escondido entre os braços, soluçando. Fernando e Anita se aproximaram, sentando cada um a um lado, abraçando-o. Fernando falou primeiro:

-Não se preocupe, seu irmão está bem. Era só um pequeno corte, provavelmente ele caiu...

O menino enxugou os olhos com as costas da mão, e negou com a cabeça:

-Foram eles de novo.

Anita indagou:

-Eles quem?

-Os policiais. De vez em quando, eles batem nele, tomam nosso dinheiro. Porque meu irmão fuma maconha. Acham que ele é bandido. Mas eu sei que ele não é, só faz isso porque... é tudo tão difícil, sabe...

Anita já estava chorando copiosamente ao escutar a história do menino, e Fernando tentava conter-se.

-Mas vocês precisam denunciar estes policiais.

-Não adianta. Se a gente fizer isso, eles matam meu irmão. São eles que mandam. e se meu irmão morrer, eu fico sozinho.

Anita interviu:

-Mas não se preocupe, nós mesmos vamos fazer isso. Denunciaremos estes policiais malvados.

Jorginho olhou para ela, os olhos vermelhos, e a sensatez do menino comoveu-a:

-Não faz isso não, tia. Depois vocês vão embora, e eles pegam a gente.

Fernando disse:

-Ele tem razão, querida.

Anita respirou fundo, e enquanto ajudava Jorginho a erguer-se, foi dizendo:

-Vamos esquecer tudo isso por enquanto, meu menino. Vou preparar o café da manhã, e depois que comermos, vamos levar o café para o seu irmão, OK? Mas me diga: ele sempre bebe?

-Não, meu irmão nunca bebeu antes. Ele não suporta álcool, passa mal. Todo mundo na vila sabe disso.

Mais uma vez, Anita e Fernando se entreolharam, e ambos sabiam exatamente o que o outro estava pensando: Jorginho estaria mentindo?

Mais tarde, Fernando e Anita conversavam na praia. Leo, já se sentindo melhor, tomara um banho e estava jogando video game com o irmão. Anita disse:

-Eles são duas crianças, Fernando. Duas crianças sozinhas, expostas a qualquer tipo de perigo nesse fim de mundo, sujeitas à aproveitadores e pessoas muito cruéis. Temo pelo destino deles. Se eu ao menos pudesse ajudar em alguma coisa...

-Conversei com Leo, e ele me disse que não bebeu; pelo menos, não voluntariamente. Os policiais o obrigaram. Disseram que , caso ele reclamasse pela surra, poderiam dizer que ele estava bêbado, e fora encontrado promovendo baderna na cidade.

Anita cobriu a boca, horrorizada:

-E quanto eles levaram?

-Não muita coisa. Apenas alguns trocados que ele tinha no bolso... e o relógio de pulso que fora do pai.

Anita estava indignada:

-Mas que gente miserável! Espero que apodreçam no inferno!

-Anita... o que você acharia se nós... quero dizer, eu já falei com Leo sobre esta possibilidade, e me desculpo por não ter consultado você antes, mas é que foi tão de repente... mas o que você acharia de levá-los embora com a gente?

Anita permaneceu em silêncio, os olhos esbugalhados durante alguns segundos, tentando recuperar-se do susto. Decidiram, há muitos anos, que não teriam filhos. As crianças não eram seu forte, ele sabia muito bem, e concordara com ela. Quando Fernando queria estar com crianças, convidava seus sobrinhos ou filhos de amigos para o final de semana, e vinham arranjando-se muito bem sem elas. Mas ela sentia que daquela vez, poderia realmente vir a amar muito aquelas crianças - pois mesmo tendo vinte e poucos anos, para ela, Leo também não passava de uma criança. 

Mesmo assim, decidiu não se precipitar:

-Está falando em apenas levá-los conosco ou adotá-los?

-Não sei ainda. Depende de você.

Ela hesitou:

-Se importa se eu pensar no assunto? Foi tão de repente, e você sabe como eu me sinto quanto a ter filhos.

Ele a abraçou, concordando com a cabeça:

-Se você não quiser, eu vou entender. Mas precisamos ajudá-los de alguma forma.

Ela concordou.

À noite, quando já estavam na cama, após fazerem amor, Anita segurou a mão de Fernando sob o lençol:

-Eu já tenho uma resposta.

Ele apertou a mão dela:

-Minha é resposta é: sim.

Os dias que se seguiram foram muito bons, apesar do triste acontecimento ainda recente. O casal levou os meninos em longos passeios, distantes horas daquele lugarejo. Compraram-lhes roupas novas, novos games para Jorginho, sapatos, cortes de cabelo, algumas novas peças para a motocicleta de Leo, tintas para terminar de pintar as casinhas da pousada. Os meninos não queriam aceitar, mas Fernando e Anita muito insistiram, dizendo que realmente desejavam ajudá-los.

Enquanto lanchavam num shopping, Leo disse:

-Eu queria agradecer muito pelos presentes, em meu nome e em nome do meu irmão. Muito obrigada... mas eu tenho que confessar uma coisa. Uma mentira que eu contei.

Olhou para o irmão, e este devolveu-lhe o olhar, dando-lhe forças para continuar:

-É que... nunca houve uma suíte master. E também nunca houve  hóspedes americanos.

Leo baixou os olhos. Fez-se um silêncio constrangedor  à mesa, e depois o casal explodiu em uma gargalhada. Foi Fernando quem falou:

-A gente já sabia, Leo. Deixa isso pra lá.

Anita completou:

-Saibam que, apesar do pouco tempo que nos conhecemos - fazem apenas cinco dias desde que chegamos - nós já gostamos sinceramente de vocês. E... nós adoraríamos que viessem conosco. Gostaríamos muito de tê-los como nossos filhos.

Fernando continuou:

-Queremos adotá-los.

Os irmãos se entreolharam. O entusiasmo no rosto do mais jovem era visível, mas o irmão mais velho respondeu, após alguns segundos silenciosos:

-Bem... eu acho que já sou meio-grandinho... agradeço, mas... não, obrigada, eu já tive meus pais, e eles se foram. Mas sempre serão meus pais. Entretanto, eu sei que vocês tem condições de dar uma vida bem melhor ao meu irmão, e se ele concordar, poderá ir com vocês. 

O sorriso do irmão apagou-se.

-Eu não vou te deixar!

Fernando tentou conciliar:

-Escutem, não precisam responder agora, podem pensar bem antes. Será uma mudança radical na vida de vocês. Terão uma vida mais tranquila, melhores condições materiais, boas escolas, faculdade, boas roupas...

E Anita o interrompeu:

-E todo o amor que nós pudermos lhes dar. Nós já amamos vocês.

Dizendo aquilo, ela estendeu as mãos sobre a mesa, segurando as mãos dos meninos. Jorginho correspondeu-a, mas Leo afastou a mão, escondendo-a sob a mesa. Tinha os olhos baixos. O silêncio que se fez ocupava todo o espaço em volta deles. Anita tinha lágrimas nos olhos, e seu coração apertou-se ao sentir-se rejeitada por Leo. Mas Fernando sabia que tinham que dar tempo ao tempo, e decidiu mudar de assunto:

-Que tal um big sorvete para cada um?

Os meninos permaneceram em silêncio. Jorginho olhava para Leo como se esperasse uma instrução sobre como agir. Finalmente, Leo olhou para o irmão, e compreendeu que seria bem melhor para ele crescer em uma família normal, em um lugar seguro  e confortável, tendo boa educação e sendo amado. Mas para ele, a vida já tinha decidido os rumos. Ele não poderia ir a lugar nenhum. Tinha que ficar e tentar continuar o negócio que os pais sonharam. Afinal, já era homem feito, e não um garotinho que dependia de um casal para terminar de criá-lo. Ele disse:

-Tenho uma contraproposta: Jorginho vai com vocês, enquanto eu fico por aqui durante mais um tempo, e depois a gente vê...

Jorginho foi logo dizendo:

-Eu não vou a lugar nenhum sem você!

Anita tentou convencê-lo:

-Mas Jorginho, Leo poderá nos visitar ou mudar-se para nossa casa a hora que ele quiser. Nós pagaremos pelas passagens, e se ele aceitar, mandaremos dinheiro para ele, nós o ajudaremos. E ele será sempre bem-vindo à nossa casa, a hora que ele quiser.

-Mas vocês moram muito longe!

Leo disse:

-Jorginho, vai ser bom pra você. Eu vou parar de... você sabe... se eu parar de fumar maconha, os policiais vão me deixar em paz. Não terão mais nada para usar contra mim, e eu farei obras na pensão, construirei mais um chalé, colocarei tudo na internet. terei meu próprio dinheiro, e se você decidir voltar mais tarde, será bem vindo... pense bem, vocês poderão vir sempre que quiserem, duas, três vezes por ano. tudo o que eu preciso para dar um jeito na minha vida, é de um pouco de incentivo, uma chance, e Fernando e Anita a estão oferecendo a mim, a nós! E será bem mais fácil se eu não precisar me preocupar tanto com você, sabendo que está bem, seguro, alimentado, vestido, sendo educado. Você poderá fazer novos amigos.

Jorginho parecia dividido. 

Fernando concordou com Leo:

-Jorginho, já os tenho - a ambos - como filhos. Eu jamais abandonarei seu irmão, ou você. Mesmo que decida não ir conosco, farei de tudo para que nada lhes falte enquanto vivermos. E de qualquer maneira, ambos estarão seguros e ficarão bem. (e olhando para Leo:) Mas adoraria ter os dois conosco.

E foi a vez de Jorginho dizer:

-Acho que eu quero pensar um pouco...

Anita abraçou-o:

-Pense o quanto quiser. Nós esperaremos. E tomara que a sua resposta seja a melhor. E que você, Leo, mude de ideia e venha conosco.


(continua...)








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