tag:blogger.com,1999:blog-35878502679533453762024-03-18T07:16:11.279-03:00 CAMINHOS DA IMAGINAÇÃO - por Ana BailuneESTE É UM BLOG ONDE PUBLICO MINHAS HISTÓRIAS. NÃO AS SUBMETO A NENHUM TIPO DE REVISÃO, ENTÃO, DEVEM ESTAR CHEIAS DE ERROS - ASSIM COMO A VIDA REAL. MAS OS PERSONAGENS NASCERAM, E ESTÃO VIVOS POR AÍ...Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.comBlogger532125tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-90269023996176526912024-02-29T17:23:00.005-03:002024-03-18T07:15:38.433-03:00A RUA DOS AUSENTES - Parte 4<p> </p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4dNGvkw3Tx8OJw3b_1i8HFRQPjNHnV95Qi34hkVv3xvOOrCcZDbk_0jptiqdy9aZv_6LcINBG5uel85IeDDrwyZTglX0fIZD6Zr13JmingMI7BTORC8eMX8VHb2xEOOMKBl2RxszmlF50ppEZ9zbvTE1L0lKsQuMVzdQMhlPmlcYIqgKkCiCjLw5fS7I/s714/8f7a7f21b8c41aeeac639bc8e9764035.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="714" data-original-width="473" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4dNGvkw3Tx8OJw3b_1i8HFRQPjNHnV95Qi34hkVv3xvOOrCcZDbk_0jptiqdy9aZv_6LcINBG5uel85IeDDrwyZTglX0fIZD6Zr13JmingMI7BTORC8eMX8VHb2xEOOMKBl2RxszmlF50ppEZ9zbvTE1L0lKsQuMVzdQMhlPmlcYIqgKkCiCjLw5fS7I/w265-h400/8f7a7f21b8c41aeeac639bc8e9764035.jpg" width="265" /></a></div><br /><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">PARTE 4 – A DÉCIMA TERCEIRA CASA<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eduína estava sentada em um banco do parque.
Era uma cinzenta manhã de quinta-feira, e o vento frio fustigava seus cabelos,
fazendo com que eles cobrissem seu rosto de vez em quando. Ela tinha as mãos
nos bolsos do sobretudo de lã marrom, que estava um tanto surrado, e vestia
calças jeans desbotadas, as pernas justas para dentro das botas longas de
camurça. Em volta dela, um grupo de pombos e passarinhos marrons se alimentavam
do alpiste que ela jogava no chão de vez em quando.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Já estava sem emprego há quase duas semanas, e
a casa ainda não tinha sido vendida. Porém, ela estava otimista, pois naquela
tarde, o corretor anunciou que receberiam um cliente em potencial. E ela
pensava que estava vendendo sua casa sem sequer ter para onde ir. Pela primeira
vez na vida, sentiu um arrepio de medo na base da espinha, e exatamente naquele
momento, uma voz que não era dela falou alto dentro de sua cabeça:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Não se preocupe! Tudo vai dar certo, e você
vai ser feliz.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela olhou em volta, procurando alguém que
pudesse estar por perto, mas não viu ninguém. Estava frio demais, e o parque se
encontrava quase vazio. Ela começou a caminhar de volta para sua casa, que não
ficava muito longe dali. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eduína ainda não sabia, mas naquela manhã, seu
destino estava sendo desenhado com cores fortes e precisas. Porque na cidade de
Pico Negro, um advogado taciturno e idoso preparava uma carta que seria enviada
para ela naquele mesmo dia, convidando-a para a leitura do testamento de sua
bisavó Évora Siqueira Camargo – de cuja existência Eduína sequer suspeitava.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Tudo então começou a acontecer rápido demais: o
visitante adorou sua casa, e na manhã seguinte, foram ao cartório efetuar a
transferência do imóvel, pagando à vista. Deram-lhe 30 dias para entregar o
imóvel. Mas ela sabia que não precisaria de tanto tempo. Ao mesmo tempo, vendeu
também o terreno. E quando ela voltou para casa naquela tarde, encontrou o
sóbrio envelope de cor creme na sua caixa de correio. Dentro dele, além do
convite para a leitura do testamento, havia uma passagem de avião.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eduína, que sempre fora uma moça calma e quase
fria, de repente se viu em um turbilhão. Não sabia que tivera uma bisavó. E
esta bisavó era a avó de sua mãe verdadeira, que ela nunca conhecera. Pensou,
pela primeira vez na vida, que em algum lugar, ela tinha ou tivera uma família
de verdade, que era sangue do seu sangue, e que eles a tinham mandado embora
quando criança.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela não estava familiarizada com aqueles
sentimentos. Na verdade, ela nunca estivera muito familiarizada com qualquer
sentimento intenso, e ela não gostava daquilo. Uma coisa, era ter a impressão
de que seu destino estava escrito, e outra, era recebê-lo dentro de um envelope
e ter que pegar um avião indo para uma cidade distante e estranha para
encontrar alguma coisa que ela ignorava totalmente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Era a primeira vez que Eduína viajaria de
avião. Não tinha medo, estava se sentindo confortável na primeira classe,
paparicada pelos comissários de bordo bonitões que flertavam com ela. Quando o
avião decolou, ela sentiu um leve arrepio na base da coluna, mas logo se
acalmou, e duas horas mais tarde, estava de pé no aeroporto, onde um senhor de
idade com a cara fechada segurava um cartaz com o nome dela.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Lázaro carregou a única bagagem da moça para o
Buick preto, cumprimentando-a entre os dentes, e Eduína não tentou ser
simpática. Seguiram mudos todo o trajeto até a Rua dos ausentes, e ela reparou
que por onde passavam, as pessoas seguiam o carro com olhares curiosos. Lázaro
estacionou em frente ao portão de ferro da guarita e saiu do carro para
abri-lo. O portão rangeu. Enquanto ele dirigia vagarosamente pela Rua dos
Ausentes, Eduína contemplava as mansões antigas e sombrias, as árvores
centenárias e os paralelepípedos entremeados de musgo verde-escuro aveludado. Era
como se estivessem em uma realidade paralela, totalmente diferente do clima
alegre e festivo da pequena cidade por onde tinham acabado de passar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A rua era quieta, e ela não via viva alma. Os
casarões silenciosos pareciam guardar segredos. Eram como pessoas idosas de
olhos fechados, mas prontas para despertar a qualquer momento. Ela falou pela
primeira vez, dirigindo-se a Lázaro:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Não mora ninguém aqui? As casas estão todas
vazias?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Lázaro grunhiu uma resposta:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">- Algumas estão vazias, outras não. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela quase perguntou uma outra coisa, mas foi
interrompida por ele:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Chegamos. É esta a sua casa. Foi devidamente
pintada e limpa, e a despensa e o freezer estão abastecidos. O advogado a
espera na sala de estar. Pode entrar, a porta está aberta. Se precisar de
alguma coisa, moro na casa branca junto à entrada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eduína olhou para a casa imponente e quase
ameaçadora, e não conseguiu acreditar no que via. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-O senhor disse ‘minha casa?’ <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Lázaro saiu do carro e colocou a bagagem de
Eduína na entrada, junto ao portão. Depois, entrou no carro e saiu sem
despedir-se dela.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A moça respirou profundamente. Reparou na
beleza do lugar, que embora sombrio, parecia seguro. Havia muitos pássaros nas
copas das árvores, e eles pareciam observá-la. Também avistou alguns esquilos,
e junto ao portão, encontrou um gatinho preto que a seguiu para dentro da casa.
Ela empurrou a pesada porta de madeira, que rangeu, saudando-a. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Adentrou o living de piso de mármore preto e
branco, onde deixou sua bagagem, e caminhou vagarosamente pela sala de estar,
onde uma grande<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>lareira que ocupava toda
uma parede tinha sido acesa. Em volta dela, sofás de veludo verde escuro, e uma
escura mesa de centro de madeira pesada, cujos pés imitavam patas de leão. As
paredes pintadas de creme suavizavam a austeridade da mobília. Ela olhou para
sua esquerda, onde viu um senhor de costas para a porta, sentado à mesa da sala
de jantar examinando documentos. Ele parecia ser muito idoso. Eduína pigarreou
a fim de chamar sua atenção, e ele se levantou vagarosamente, apoiando-se na
mesa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Boa tarde, senhorita Eduína! Sou o Dr.
Ferdinando Alves. Prazer em conhecê-la. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela ensaiou um sorriso que não surgiu nos
lábios:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Olá, como vai?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele fez sinal para que ela entrasse na sala de
jantar, e se sentasse em frente a ele. Eduína percebeu que suas mãos estavam
geladas, e torceu os dedos sob a tampa da mesa. Dr. Alves deu início à leitura
do testamento. Equanto ele lia, ela olhava em volta e via retratos pintados de
uma mulher, que concluiu que deveria ser sua avó quando jovem, e de algumas
outras pessoas que presumivelmente, eram membros de sua família desconhecida.
Todas as pinturas retratavam pessoas sérias e elegantes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ao final da leitura, ele limpou os óculos:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Você tem alguma pergunta?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eduína escutou um relógio bater quatro horas da
tarde. A sala começava a escurecer.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Então... esta casa é minha, e tudo que tem
nela me pertence? E também todo esse... dinheiro, propriedades, e até mesmo um
avião? Eu sou uma mulher rica?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele acenou com a cabeça, concordando, enquanto
recolocava os óculos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Mas... e os demais membros da minha família?
Onde estão?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Uma coisa de cada vez, mocinha. Por enquanto,
instale-se e descanse. Alguém virá amanhã de manhã para assumir os cuidados com
a casa, uma arrumadeira e uma cozinheira. Elas já trabalham aqui há muito
tempo, desde que sua mãe nasceu. Com o recente passamento de sua bisavó, elas
se retiraram por alguns dias. Mas logo estarão de volta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eduína finalmente acreditou que tudo aquilo era
verdade: aquela casa, onde sua mãe tinha nascido e que pertencia à sua família
há mais de duzentos anos, agora era sua. Mas por que ela tinha sido deixada em
um orfanato, para que alguém a adotasse, já que eram todos tão ricos?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Após a saída de Dr. Alves, ela decidiu conhecer
a casa. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Aquele que seria seu quarto tinha sido arrumado
e limpo, e lençóis frescos e perfumados cobriam o colchão de molas macio.
Encimando a arrumação da cama, um belíssimo edredom de penas de ganso
totalmente branco e travesseiros que de tão macios, pareciam nuvens. A lareira
do quarto tinha sido acesa. Uma muda de camisola e robe de cetim tinha sido
deixada sobre a cama, junto com um par de pantufas emplumadas cor de creme.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela foi até o banheiro, e ao avistar a enorme
banheira de louça bem no meio do cômodo, imediatamente começou a enchê-la;
sentia-se em um cenário de filme. Entornou na água os sais de banho perfumados
e também o líquido sedoso e perolado que produziu uma espuma branca<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>e densa. Eduína deixou-se ficar ali, e acabou
adormecendo. Acordou uma hora e quinze minutos depois, e deu com o gato preto
que entrara na casa sentado em frente a banheira, fitando-a calmamente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele a seguiu de volta para o quarto, esperando
no tapete enquanto ela se vestia. Seu estômago deu sinal, e Eduína lembrou-se
que ainda não comera o dia todo, e já tinha anoitecido. Ela foi para a cozinha,
seguida pelo seu novo amigo silencioso. Ao abrir o armário para encontrar
ingredientes para um sanduíche, deparou com latas de comida para gatos
arrumadas em uma prateleira. Eram dezenas delas. O gato miou, a cauda erguida,
andando em volta dela. Eduína serviu-o, pensando que ele morava ali afinal, e
deveria ter pertencido à sua bisavó.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela encontrou uma terrina de sopa ao abrir a
geladeira, e torrando o pão do armário, aqueceu a sopa e começou a comer. Nunca
tinha comido algo tão maravilhoso, e era apenas uma simples sopa! “A fome é o
melhor tempero”, ela pensou. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ao terminar de comer e passar pelo corredor,
casualmente olhou-se no espelho e percebeu que estava diferente: ainda era a
mesma Eduína de sempre, mas incrivelmente, sua beleza aumentara. Ela não sabia
explicar o que havia acontecido, apenas que sua pele estava imaculada, sem nem
mesmo as sardas discretas que ela sempre tivera sobre o nariz. Os olhos tinham
um brilho mais vivo, e os cabelos, que já eram bonitos, estavam mais cheios e
sedosos que antes. O contorno do seu corpo também mudara, tornando-se mais elegante.
Eduína pensou: “Já faz tanto tempo que eu realmente não me olhava no espelho,
que nem tinha reparado no quanto sou bonita. É isso.”<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mas ela sabia instintivamente que não era só
aquilo. Havia alguma coisa estranha com aquela casa e aquela rua. E até mesmo,
com aquele gato, que a seguia religiosamente aonde quer que ela fosse. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eduína sentou-se um pouco no sofá de veludo
verde da sala de estar, olhando as brasas da lareira ainda estavam acesas. O
gato sentou-se na poltrona em frente a ela, as patas dianteiras sob o corpo
como um perfeito iogue de olhos entreabertos. Ela o chamou, fazendo sinal para
que ele se aproximasse, e ele imediatamente pulou da poltrona e subiu no sofá,
acomodando-se ao lado dela, a cabeça em seu colo. Eduína acariciou-o até que
ele adormecesse. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela acabou adormecendo logo em seguida. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Despertou de repente, mas em torpor, sem
conseguir abrir totalmente os olhos ou mover o corpo. Vislumbrava pessoas
cochichando em volta dela, e rostos opacos que se aproximavam do rosto dela,
observando-a, mas ela não conseguia falar ou se mover. Mas não sentia medo.
Estava tranquila, pois estava em família. Nada tinha a temer. Sabia que
tomariam conta dela. E o gato velaria por seu sono.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(continua...)</span></p>
<span face=""Calibri",sans-serif" lang="PT-BR" style="font-size: 11pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Arial; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><br clear="all" style="break-before: page; mso-special-character: line-break; page-break-before: always;" />
</span>
<p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-45119989307168532982024-02-19T16:38:00.001-03:002024-02-19T16:38:05.796-03:00A RUA DOS AUSENTES - PARTE 3<p> </p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjV6KNUtFDkRJA_6b4DBvq-s2_Zm3TATKHpg9pSlt19ZiN3klVdZT86YBXh71P4t53id6IiJKQ_Ru5nlU3kxqICJxmlsOvnKoN3JrjcS5KFkAZK5lgcOafH5r-nSH3ZLrYaRDl_3Bu5OIP0QfFIIwGioz1R8wOLf0PgjmZNkJtbE37OEhwAeFK6J_4NL0E/s960/14725769_1201795486546508_1991889974924057389_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="960" data-original-width="714" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjV6KNUtFDkRJA_6b4DBvq-s2_Zm3TATKHpg9pSlt19ZiN3klVdZT86YBXh71P4t53id6IiJKQ_Ru5nlU3kxqICJxmlsOvnKoN3JrjcS5KFkAZK5lgcOafH5r-nSH3ZLrYaRDl_3Bu5OIP0QfFIIwGioz1R8wOLf0PgjmZNkJtbE37OEhwAeFK6J_4NL0E/s320/14725769_1201795486546508_1991889974924057389_n.jpg" width="238" /></a></div><br /><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">PARTE 3 - EDUÍNA<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Há muitos quilômetros dali, mais precisamente,
a quase mil quilômetros, Eduína preparava-se para dormir, após um dia de
trabalho no shopping center, onde era gerente de uma loja de roupas. Devemos
saber que ela era uma moça de cabelos pretos, lisos e escorridos, alta e magra,
que chamava a atenção pela beleza de seus olhos verde escuros e seu ar de
mistério. Não tinha muitos amigos. Na verdade, não tinha amigo nenhum, apenas
os colegas de trabalho com quem se relacionava somente no horário de
expediente. Jamais conhecera seus pais, tendo sido adotada e criada por um
casal de meia idade que falecera em um acidente de carro quando ela completou
dezoito anos. Deles, ela herdou uma pequena casa em um bairro de classe média,
algumas dívidas e uma solidão imensa. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Apesar de ser muito bonita, aos quase vinte e
dois anos de idade Eduína nunca tivera um namorado, pois os rapazes a evitavam
por motivos que nem mesmo eles conheciam. Ela era tratada com respeito e
distância desde os tempos da escola. Ninguém a convidava para as festinhas de
aniversário ou bailes de debutantes, e ela não se sentia ofendida. No fundo,
Eduína sabia que seu destino não estava ali, entre aquelas pessoas comuns e
superficiais, e eles intuíam a mesma coisa sobre ela. Alguns comentavam que não
se sentiam à vontade perto dela. Uma de suas colegas de classe, durante uma
conversa dissera: “Não sei o que é. Não é que ela seja estranha, ou antipática.
Só não me sinto à vontade. Tenho a impressão de que ela lê a gente por
dentro...”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Após a morte dos pais adotivos, alguns a
visitaram levando tortas, bolos e pratos salgados, mas permaneceram por poucos
minutos, tal o desconforto que sentiam sob seu olhar penetrante. E eles tinham
razão de se sentirem desconfortáveis, pois a moça era capaz de captar os
verdadeiros sentimentos das pessoas: medo, curiosidade, pena, indiferença. Quase
não havia traços de empatia sincera por ela ou pela sua recente orfandade. A
maioria deles estavam ali por obrigação social ou curiosidade. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eduína continuou sua vida após os três dias de
luto concedidos a ela por lei. Na verdade, não sentia um grande amor pelos pais
adotivos, apenas gratidão por a terem criado, afeto e uma certa distância.
Tratava-os com respeito, partilhando com eles coisas corriqueiras sobre a
escola e o que havia aprendido. Comemoravam seu aniversários sempre a três, com
um bolo que era confeitado por sua mãe, um refrigerante que o pai levava para
casa e um pequeno presente, que era geralmente um livro, alguma peça de roupa ou
material escolar. Entre os três parecia haver um acordo silencioso de não se
amarem, mas de se tratarem com muito respeito e afeto calculado. Eduína nada
sabia sobre seu passado, e nunca se importara em perguntar onde tinha sido
adotada, por quê, ou quem eram seus verdadeiros pais. Ela vivia a vida sem se
preocupar. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Gostava de caminhar pelo parque da pequena
cidade onde viviam e observar os pássaros, esquilos e insetos. Não tinha
nenhuma curiosidade sobre seu passado ou sobre seu futuro. Porque ela sabia,
instintivamente, que seu destino, embora ela nada conhecesse sobre ele,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>já tinha sido traçado, e que bastava esperar
por direcionamento.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Após a morte dos pais ela continuou fazendo o
que sempre fazia: ia ao trabalho, cumpria suas funções com esmero e dedicação e
ao final de cada dia, após passar no mercado, jantava, assistia a algum filme
ou lia um dos seus livros e ia dormir. Nos finais de semana, limpava a casa. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eduína não frequentara a faculdade, pois os
pais adotivos não tinham recursos financeiros, e ela, nenhum interesse em
aprender mais do que já sabia. E o que ela sabia era alguma coisa que crescia
dentro dela a cada dia, aumentando gradativamente a cada aniversário, algo que
ela aprendia através do seu instinto. Era sofisticada, discreta, altiva.
Interessava-se em ler sobre assuntos que os jovens da sua idade nem cogitavam:
espiritualidade, a cura através das plantas, os chakras, aromaterapia,
cromoterapia, cristais e seus usos. Também sentia uma grande conexão com os
animais. Eles pareciam entendê-la e se aproximarem dela. Alimentava todos os
animais de rua que encontrava, mas não os levava para casa, pois entendia que
eles tinham amor pela sua liberdade e não gostariam de serem resgatados para viverem
trancafiados em abrigos ou quintais mínimos, sujeitos às neuroses de seus
tutores ou protetores. Cães e gatos de rua gostavam de serem alimentados,
tratados e deixados em paz para viverem suas vidas em liberdade, como sempre
haviam sido acostumados. Mas ela tinha grande pena dos animais que haviam sido
criados em casas e abandonados por seus donos após algum tempo, pois sentia na
pele a solidão e o medo deles. E ela tinha conseguido resgatar alguns e
encaminhá-los a novos tutores, apesar da desaprovação dos pais adotivos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Assim vivia Eduína. É claro que uma moça tão
bonita, um dia tivera um namorado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Cláudio a conheceu no shopping center. Entrara
na loja onde ela trabalhava para comprar um presente para sua namorada pelo seu
aniversário. Mas ao colocar os olhos em Eduína, ele não conseguiu se concentrar
mais no que estava fazendo ali, e convidou-a para tomar um café com ele.
Surpresa, Eduína aceitou o convite, mais por curiosidade do que por sentir-se
atraída pelo rapaz alto e de pele moreno-escura. Ela nem reparou muito nos
músculos acentuados sob a camiseta ou os cabelos crespos cortados rentes ao couro
cabeludo, formando uma linha precisa em volta do rosto de queixo quadrado. E
ela nunca perguntou sobre sua namorada, nunca quis saber se ele a tinha deixado
por ela, apesar de ele tê-la informado sobre aquilo. Os dois começaram a sair
juntos na noite seguinte, indo ao cinema e depois, jantar. Eles falaram sobre
coisas corriqueiras – o trabalho, as mudanças climáticas, música.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Durante a maior parte do tempo em que estiveram
sentados à mesa do restaurante, Eduína sentiu-se fascinada pelas mãos dele, as
unhas claras e lisas com meias-luas brancas sobre a pele escura, os dedos
longos. Ela sempre se sentia atraída pelas mãos das pessoas, e podia intuir
coisas sobre elas observando-as. E ela intuiu que Cláudio era um rapaz
sonhador, vaidoso, e ao mesmo tempo que passava a imagem de alguém arrojado,
era na verdade bastante tímido e inseguro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Após o jantar ele a levou em casa, e quando o
carro parou diante do portão, ela perguntou se ele gostaria de entrar, o que
ele aceitou imediatamente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Dentro da casa, ela preparou um café forte e
serviu-o na sala de estar. Ela mesma não gostava muito de café, e tomou apenas
um copo de água. Cláudio olhou em volta e reparou na simplicidade da casa quase
nua de adornos, e também na limpeza e organização. Perguntou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Você mora aqui sozinha?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela pareceu sair de um transe, demorando um
pouco para responder, um tom de casualidade na voz:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Ah, sim. Meus pais morreram há dois anos.
Acidente de carro. Desde então vivo sozinha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele achou estranha a frieza dela:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Nossa, eu... sinto muito!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela sorriu:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Obrigada. O café está bom? Não estou muito
acostumada a fazer café, sabe. Não gosto de café. Prefiro um suco de frutas, ou
água, ou chá.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Cláudio achou estranha<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>maneira como ela mudara de assunto, mas não
fez comentários e achou melhor não insistir. Tentou soar casual como ela:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Está muito bom, Eduína, obrigada. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Um silêncio tenso desceu sobre eles, que
olharam em volta, para as paredes brancas, as cortinas brancas, a mesa de
centro de madeira vazia de adornos, a não ser por um pequeno vaso de flores
artificiais que pertencera à mãe. Finalmente, os olhares de ambos foram parar
sobre o piso de tábuas corridas imaculadamente encerado e desprovido de
tapetes. Cláudio pousou a xícara sobre a mesa:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Bem, está ficando tarde. E nós trabalhamos
amanhã, certo?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela se levantou rapidamente, quase em um salto:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Não vá ainda! <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele ficou parado no meio da sala, e Eduína
caminhou até ele devagar, os olhos verdes sem deixar os olhos dele, quase
hipnotizando-o, sentindo o forte desejo que emanava dele e que ele nem tentava
disfarçar. Ele apenas sussurrou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Você sabe que eu tenho uma garota.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela não respondeu, e desajeitadamente, beijou-o
na boca. Logo, o beijo desajeitado tornou-se uma fogueira onde os dois se
consumiram pelo resto da noite. E ela queria sempre mais, deixando-o totalmente
esgotado na manhã seguinte, e ele percebeu que ela era virgem, o que o deixou
ainda mais excitado. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Quando o dia clareou, Cláudio sentia-se ao
mesmo tempo feliz e estranho. Não sabia explicar a si mesmo as suas sensações,
a não ser que terminaria com sua namorada naquele mesmo dia, pois achava ter encontrado
o amor da sua vida. Era como se Eduína tivesse feito com que cada dia de sua
existência finalmente fizesse sentido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">E eles namoraram durante seis meses,
encontrando-se diariamente. Não falavam muito quando estavam juntos, a não ser
o essencial, e ele logo se acostumou com a maneira de ser da moça. Eduína era
quieta, e diferentemente de sua ex-namorada, não demonstrava ciúmes e não
gostava de sair com seu<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>grupo de amigos,
que aos poucos, foram se afastando, embora ela jamais tivesse exigido aquilo
dele. Eles diziam que não se sentiam à vontade perto dela. Cláudio foi
aconselhado por eles a não se envolver tão rapidamente, mas ele estava
completamente apaixonado. Nem percebia que seu sentimento não era compartilhado
por Eduína, achando que suas maneiras frias e seu jeito calado eram apenas a
personalidade dela. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O sexo era sensacional; algo que ele jamais
pensara em experimentar antes. Eduína era sexy, naturalmente sexy. E quando
estavam juntos, ela se entregava totalmente a ele, que pensava estar dominando
a situação, mas na verdade, sem que ele percebesse, ficava totalmente à mercê
dos desejos dela.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Iam ao cinema, pois lá, podiam ficar algumas
horas sem falar (pensamento de Eduína). Gostavam também de passear pelo parque,
e Cláudio sempre se espantava com a facilidade com que os animais se
aproximavam dela, comendo da sua mão. Durante a semana, eles trabalhavam.
Cláudio era engenheiro civil, e trabalhava em uma construtora local. Assim, a
vida deles ia acontecendo sem sobressaltos, e Cláudio cada vez mais se sentia
envolvido por ela, como se Eduína estivesse destinada a ele desde sempre. E ele
fazia muitos planos; alguns compartilhava com ela, que o escutava calada,
sorrindo às vezes, mas delicadamente mudando de assunto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Até que em uma noite de sábado, após uma sessão
de cinema, enquanto comiam pipoca e caminhavam juntos na calçada em direção ao
carro, ela disse:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Cláudio, acho melhor nos separarmos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele estancou o passo, e ela continuou
caminhando um pouco, até que parou e olhou para trás:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Você me leva em casa?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Atônito, Cláudio balbuciou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-O que você... Eduína, você quer terminar
comigo? É isso, ou é brincadeira? É brincadeira, não é?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela arregalou os olhos:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Não. Eu não brincaria com uma coisa dessas,
Cláudio. É que já estamos juntos há seis meses, e eu não quero me casar agora.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele riu:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Mas... eu também não quero!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Então, para quê continuar? Eu não quero me
casar, e nem você. Por que continuar?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Ora, Eduína... é claro que eu contei a você
sobre meus planos de nos casarmos, mas não é para agora... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">- Disse bem: seus planos. Alguma vez você se
perguntou se os meus planos eram os mesmos que os seus? Por que continuar,
Cláudio?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele tentava esconder seu desespero, torcendo os
dedos dentro dos bolsos do casaco.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Porque eu... eu amo você, estou apaixonado! E
você também. Não é? O que isso tem a ver com casamento?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Olha, eu sou sempre muito objetiva, sabe.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Gosto muito de você, Cláudio, mas não me vejo
casada com você, tendo filhos, acordando juntos todos os dias... eu preciso ser
sincera. O sexo é excelente, mas sexo não é tudo. Existem mais coisas que são
importantes para ficar com alguém. A gente se diverte juntos, é verdade, e
gosto da sua companhia, mas não sinto que fomos feitos um para o outro, sabe.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Aquelas palavras atingiram-no como um soco. Ele
percebeu que nunca a vira tão eloquente. E ela estava sendo eloquente
justamente no momento em que estava causando a ele uma grande dor. Era
impressão ou ela sentia um pequeno prazer ao destruir seus sonhos? Não; não
poderia ser verdade, ela o estava testando. Cláudio sorriu, mais uma vez
tentando esconder o nervosismo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Ah, já percebi! Na verdade, você acha que eu
não estou levando a gente a sério. Mas eu estou, e quero provar para você.
Vamos noivar!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela riu alto:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-O que é isso, você ficou louco? Eu estou
terminando com você, Cláudio, será que não fui clara?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele pareceu confuso. Lágrimas chegaram à tona
dos seus olhos, e ele engoliu em seco, pois chorar na frente dela seria
humilhação demais. Mas logo após aquele pensamento, ele se viu de joelhos
diante de Eduína, que olhava para os lados, vendo as pessoas que passavam pela
calçada e os observavam.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Case-se comigo, Eduína! Por favor!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela ergueu as mãos para cima, num gesto de impaciência:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Cláudio, pare de fazer papel ridículo! As
pessoas estão olhando!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele olhou em volta e se pôs de pé. Olhou para
ela, impotente, sentindo-se cada vez mais triste. Eduína sacudiu a cabeça,
respirando fundo, e segurando as mãos dele, tentou chamá-lo à razão:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Cláudio, por que tornar a vida tão complicada?
Nós tivemos momentos bons, nos divertimos, construímos uma grande amizade. Mas
eu tenho que dizer a verdade, e ela é: eu não quero me casar com você! Então
não vejo motivos para continuarmos juntos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Você tem outra pessoa, não é? É isso, você
conheceu alguém!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele puxou as mãos, cruzando os braços e
tentando conter o choro. Ela respondeu, a voz quase implorando por compreensão:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Não, eu não tenho ninguém, e nem quero ter.
Eu... estou pensando em... mudar a minha vida, sei lá... minha rotina está
chata, sem sentido. Eu quero descobrir coisas. É como se algo me puxasse para
um determinado destino que eu ainda não sei qual é, mas a única coisa que eu
sei, é que você não vai caber nele. Não tem como encaixar você ou qualquer
outra pessoa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">E naquela noite, Eduína deixou de encontrar-se
com Cláudio. O rapaz ficou arrasado, mas decidiu que seria melhor aceitar e
seguir com sua vida, pois quando um não quer, dois não brigam. Foi uma
separação inconformada e dolorida da parte dele, e libertadora da parte dela. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Na cama, enquanto os primeiros clarões da manhã
de domingo penetravam pelas frestas das persianas, Eduína sentiu-se mal. Foi
algo repentino, um forte enjôo, e ela quase não teve tempo de chegar ao
banheiro para vomitar. E ela vomitou durante vários minutos, colocando para
fora litros de um líquido amarelo escuro que ela não sabia de onde vinha. As
sensações foram horríveis, de dor no peito e esgotamento, mas ao mesmo tempo,
ela sabia que estava sendo limpa. E não era apenas o seu corpo que estava sendo
limpo, mas toda a sua energia, sua alma. De manhã, ligou para a loja e disse
que não trabalharia, pois estava doente. As pessoas estranharam, pois em quatro
anos de trabalho, aquela era a primeira vez que Eduína faltava. Ela agradeceu
pela preocupação, disse que já se sentia melhor, embora esgotada, mas que não
se sentia bem o suficiente para trabalhar, e que compensaria trocando sua folga
de segunda-feira com outra pessoa. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Naquele dia, ela tomou muito chá. Fez uma dieta
liquida que limpou-a por dentro, e ficou na cama, dormindo por horas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Na segunda-feira de manhã acordou sentindo-se
melhor, mas a caminho do trabalho, teve que sair do ônibus às pressas para
vomitar na calçada. Foi ajudada por uma mulher de meia-idade, que conduziu-a a
um posto de saúde e ficou com ela até que fosse atendida. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Pediram-lhe vários exames. Deram-lhe alguns
antieméticos na veia e mandaram-na para casa com um atestado médico para três
dias. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Mas ela não melhorou. Vomitava absolutamente
toda a água, suco ou sopa que colocasse no estômago. Acabou tendo que voltar ao
posto médico, onde foi internada. Uma enfermeira que cuidava dela, perguntou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Quer que eu chame alguém da família?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">E ela se deu conta de que não tinha ninguém.
Mas aquilo não causou nenhuma dor, apenas uma compreensão conformada de que sua
vida seguiria por um caminho solitário.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Os exames não mostraram nada de errado com a
saúde de Eduína. Como ela estivesse se sentindo melhor e os vômitos tivessem
passado, deram-lhe altas e ela foi para casa. Na manhã seguinte, ao chegar ao
trabalho, disseram-lhe que estava sendo demitida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eduína assinou os papéis da demissão sem
questionar ou tentar se defender, sabendo que estava assinando permissão para
uma nova fase de sua vida que começaria em breve. Despediu-se brevemente dos
colegas e saiu da loja sem olhar para trás. Ao invés de se sentir insegura a
respeito do futuro, antes de ir para casa ela caminhou até uma imobiliária e
pediu que fizessem uma avaliação de seu imóvel, colocando-o à venda. Os pais o
tinham doado para ela em vida dias antes do acidente, portanto, não haveria
nenhum problema em vendê-lo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela ainda se lembrava da noite, após o jantar,
em que eles tinham comunicado o fato a ela. Sua mãe e pai adotivos a chamaram
para uma conversa, e sentaram-se à mesa da cozinha. Os dois se entreolharam, e
o pai disse:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Eduína, queremos que saiba que fizemos uma
doação em vida a você da casa e de tudo o que há nela. Temos também um pequeno
terreno fora da cidade que não vale muito, mas é seu. Ainda não acabamos de
pagar o carro, mas ele está no seguro, e caso alguma coisa aconteça, você terá
direito a uma indenização. Fora isso, tenho algumas dívidas no banco... mas
eles não podem tomar a casa de você. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eduína indagou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Mas por que fizeram isso?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A mãe, torcendo as mãos nervosamente,
respondeu:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Filha, a gente nunca sabe o dia de amanhã.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Mas o olhar trocado entre a mãe e o pai deu a
ela a certeza de que sim, eles sabiam exatamente o que o dia de amanhã lhes
traria. Ela ficou preocupada com eles, mas uma voz interior lhe disse que não
se preocupasse, pois tudo seria como deveria ser.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(CONTINUA...)</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZg-Stvpxn_MPVvn0BEcsoy-n9sZqqw3J8dhSrNnUVAIgmV1KceWbnNyG2dn5UpmpWtdhpXVKDFUzQXi1ESDvCMjk4hmC9JyDZyBfMovI11OTjun-CYW4wzX88Z_P47yYTjMBMt9EBS2u_Cw9BZe7i1WT6W7XF7wmGfDuVAOpORNNZhSx5gbOb_Vu2Z-Y/s430/caligrafia_separador.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="50" data-original-width="430" height="37" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZg-Stvpxn_MPVvn0BEcsoy-n9sZqqw3J8dhSrNnUVAIgmV1KceWbnNyG2dn5UpmpWtdhpXVKDFUzQXi1ESDvCMjk4hmC9JyDZyBfMovI11OTjun-CYW4wzX88Z_P47yYTjMBMt9EBS2u_Cw9BZe7i1WT6W7XF7wmGfDuVAOpORNNZhSx5gbOb_Vu2Z-Y/s320/caligrafia_separador.png" width="320" /></a></div><br /><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span><p></p>
<span lang="PT-BR" style="line-height: 107%;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 14.6667px;"><br /></span></div>
</span>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-67216212598093358742024-02-14T17:13:00.007-03:002024-02-14T17:13:46.662-03:00A RUA DOS AUSENTES - Parte 2<p> </p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7-qWnF0wR_RCOC939wbU6zoy-2VHc-Ao8qqKVVVvPVEtzfkTk6XPP_X96WLLb4p7k8MjOqdaxhp5g8zFh-Ldf20thyphenhyphenX4Xh7WctoQpEOYNZicsI82Mk1OMad8GLFOl01ixFFYIYo-xuBNIkAYu-RnqL0bzG3gdZE8WhFZZcQSnrSk1i96M9cNuCHRyUtg/s1600/elfo%20mulher.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1200" data-original-width="1600" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7-qWnF0wR_RCOC939wbU6zoy-2VHc-Ao8qqKVVVvPVEtzfkTk6XPP_X96WLLb4p7k8MjOqdaxhp5g8zFh-Ldf20thyphenhyphenX4Xh7WctoQpEOYNZicsI82Mk1OMad8GLFOl01ixFFYIYo-xuBNIkAYu-RnqL0bzG3gdZE8WhFZZcQSnrSk1i96M9cNuCHRyUtg/w400-h300/elfo%20mulher.jpg" width="400" /></a></div><br /><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">PARTE 2 – NOTÍCIAS<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">E aquela sexta-feira 13 ainda tinha muitas
histórias para contar. A primeira delas ocorreu no final da tarde, quando
Lázaro adentrou o pub Mário’s. A porta rangeu mais que o normal quando ele a
empurrou, e o burburinho típico do local silenciou durante alguns segundos
enquanto o velho encurvado se dirigia ao balcão pedindo uma dose de gin. Ele já
não era visto por ali há meses. Conhecido por não falar quase nada e só
responder por monossílabos, sem nunca olhar diretamente no rosto das pessoas –
apenas quando ele mesmo o desejava – Lázaro parecia ainda mais soturno do que o
normal, se é que isso era possível.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Os homens curiosos desejavam saber mais, e a
curiosidade deles causava desagradáveis calores e coceiras pelos corpos
agasalhados. Finalmente, um deles se aproximou de Lázaro, sendo observado por
todos os demais, e pigarreando ruidosamente, cumprimentou-o:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Boa noite, Lázaro, há quanto tempo, hein?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Lázaro apenas tocou a aba do chapéu que jamais
tirava, mas sem olhar para ele. O homem olhou em volta, procurando apoio, e
alguns o incentivaram com um leve aceno de cabeça. Ele continuou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Então. Vimos quando o carro fúnebre entrou na
cidade esta manhã e foi até a Rua dos Ausentes. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele aguardou, esperançoso, achando que Lázaro
contaria a história. Naquele momento, o bar estava em silêncio quando Lázaro
olhou-o brevemente, e passou os olhos pelo bar, tomando seu gim de uma só vez,
finalizando o evento com uma breve careta e colocando o copo de volta sobre o
balcão com força. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Lázaro se levantou, dizendo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-E viram mesmo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Enquanto ele cruzava a distância do balcão até
a saída do bar, uma voz se fez ouvir:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Conte-nos mais, Lázaro! Quem morreu?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ele estancou, a mão na maçaneta, e respondeu
sem olhar para trás:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">-Como vocês podem ver, não fui eu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">E dizendo aquilo, ele saiu para a cidade onde
uma névoa cinzenta e gelada encobria as luzes dos postes e faróis de carros.
Entrou em seu Buick preto, e acelerando, foi embora. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">No dia seguinte, sábado, as pessoas percorriam
os jornais em busca de alguma nota fúnebre – e a encontraram.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Morrera Évora Siqueira Camargo, 98 anos de
idade, moradora da Rua do Silêncio, e seria cremada em uma cerimônia particular
na cidade vizinha de Porto Seguro. “Que Deus desse paz à sua alma,” diziam as
velhas da cidade, falsamente demonstrando um luto que não sentiam e <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>fazendo o sinal da cruz, se entreolhando
significativamente. Algumas pessoas diziam: “Nem sabia que ela ainda estava
viva!”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Alguns curiosos ainda tiveram o trabalho de, na
manhã de domingo, percorrer os 120 quilômetros que separavam as duas cidades a
fim de tentarem ver o que acontecia no velório da velha senhora, mas como era
uma cerimônia totalmente privada, nada ou quase nada conseguiram vislumbrar.
Porém, trouxeram consigo algumas histórias fragmentadas sobre um pequeno grupo
de pessoas – não mais que doze, não menos que dez - elegantemente vestidas que
mal se comunicavam umas com as outras, mas que ao mesmo tempo, pareciam demonstrar
um enorme conforto e intimidade entre elas. Todas elas aparentavam estar na
idade madura, entre quarenta e setenta anos. Após a cerimônia, o pequeno grupo
deixou o local, entrando imediatamente em seus carrões, alguns dirigidos por
motoristas particulares, rumo a lugares que os curiosos não sabiam explicar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Voltando ao dia anterior – sábado – após a
remoção do féretro pela manhã, logo após o almoço um<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>acontecimento inédito<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>trouxe uma onda de mistério e especulações
ainda maiores à cidade de Pico Negro: um enorme bando de pássaros negros
percorreu os céus da cidade. Eram corvos. Eles passaram voando e grasnando, sem
pousarem em qualquer local, indo em direção à Rua do Silêncio. Dizem os mais
exagerados que eram mais de mil e quinhentos pássaros, mas como alguém poderia
tê-los contado? Após o estranho evento, eles não foram mais vistos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Naquela tarde, caiu uma chuva torrencial que
durou quase uma hora, com muitos raios e trovões, o que era atípico para aquela
estação. Os moradores recolheram-se em suas casas, deixando as ruas e
estabelecimentos comerciais totalmente vazios até o anoitecer, mesmo após a
chuva ter parado. Então, no início da noite, após o fechamento do comércio
local, alguns homens dirigiram-se ao Mario’s a fim de compartilharem suas
superstições uns com os outros.<o:p></o:p></span></p>
<span lang="PT-BR" style="line-height: 107%;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 14.6667px;"><br /></span></div><div style="text-align: center;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 14.6667px;">(Continua)</span></div><div style="text-align: center;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 14.6667px;"><br /></span></div><div style="text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEih_jRdBgSsZW08-UB4o2H2_3sdSvEtU9T8aHsdPGRMqZxtYxXSzgqZPWJIZyXHQ1nkcVkdXobJpGstgKN8cA-YMG1gKlll68aqDI7HjHFntU8xGQYAh5_Avg48UdGLX7RSntIMOQxZe8ef1ZtxA59ZvxaS09kwjz05MMV-2-u-KkVHdiW3EIgG_PWoMT4/s250/images%20(12).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="250" data-original-width="201" height="250" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEih_jRdBgSsZW08-UB4o2H2_3sdSvEtU9T8aHsdPGRMqZxtYxXSzgqZPWJIZyXHQ1nkcVkdXobJpGstgKN8cA-YMG1gKlll68aqDI7HjHFntU8xGQYAh5_Avg48UdGLX7RSntIMOQxZe8ef1ZtxA59ZvxaS09kwjz05MMV-2-u-KkVHdiW3EIgG_PWoMT4/s1600/images%20(12).jpg" width="201" /></a></div><br /><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 14.6667px;"><br /></span></div>
</span>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-87875049388877633992024-02-06T10:49:00.000-03:002024-02-06T10:49:03.110-03:00A RUA DOS AUSENTES - PARTE 1<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizFmFSeJjRwmukWwjsU1jt-zuvExBhrKqDtHccXmLD4Z2wZQ324736hZ0E4r-EJNgfvawtCUMQZ3RwWgZo_Qva4TO0tKcbGk8ZUPw8szYfnJM-XURrCAFgW584ETRpm8YtQmYol_WF4vQDtmwGmpDhWTqswItYzAP8pEHk_-K_8zRB06cQzCKMfm0LlJo/s1366/Friburgo%20046_edited.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1366" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizFmFSeJjRwmukWwjsU1jt-zuvExBhrKqDtHccXmLD4Z2wZQ324736hZ0E4r-EJNgfvawtCUMQZ3RwWgZo_Qva4TO0tKcbGk8ZUPw8szYfnJM-XURrCAFgW584ETRpm8YtQmYol_WF4vQDtmwGmpDhWTqswItYzAP8pEHk_-K_8zRB06cQzCKMfm0LlJo/w400-h300/Friburgo%20046_edited.jpg" width="400" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 18.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">A RUA DOS
AUSENTES<o:p></o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">PARTE 1 – A RUA E A CIDADE<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Algumas pessoas acreditam que as casas têm
almas. São vestígios e influências das almas que as habitaram ao longo dos
anos, mas também possuem uma alma própria, uma personalidade, que se cria
independentemente de quem vive ou viveu nelas. O Feng Shui ensina que há vários
fatores que influenciam a energia de uma casa: o local onde ela é construída,
se é voltada para o norte ou para o sul, se os cômodos são harmoniosamente
distribuidos, se os habitantes são pessoas que brigam muito ou se são
pacíficos, se passam veios d’água sob o terreno, etc., e cada um desses e de
outros fatores não mencionados aqui
dirão se uma casa e suas energias são saudáveis ou não. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Para outras pessoas, uma casa nada mais é do
que um lugar para onde se volta à noite após o trabalho, como um dormitório,
uma caixa que os abriga apenas. Não se preocupam sequer em decorá-la ou
limpá-la, nem sentem qualquer vínculo com ela. Ao escolherem uma moradia, levam
em conta somente a conveniência do local onde ela se encontra, sem se
importarem com coisas como a vizinhança, o barulho, se há árvores por perto ou
não. Basta que esta casa ou apartamento estejam situados próximos ao local de
trabalho ou estudos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">As casas da Rua do Silêncio, que ficava na
pequena cidade montanhosa de Pico Negro, eram todas construídas há mais de cem
anos (dizem que, algumas delas, há mais tempo do que isso) são da primeira espécie. Pelo menos, é o que
a história conta. A Rua do Silêncio, segundo dizem, foi escolhida por antigos
membros de uma seita misteriosa devido à sua proximidade com um bosque, que
fica bem ao final desta rua sem saída, e das muitas árvores antigas, que
existiam antes das construções e que foram preservadas até os dias atuais. Era
uma rua larga, de calçadas também largas, e as casas ficavam alguns bons metros
de distância umas das outras. O bosque era cercado por um lago muito profundo,
e a única entrada por terra era através da rua. Devido às lendas que foram
crescendo ao longo dos anos (e de alguns afogamentos que ocorreram no local, de
adolescentes que decidiram desafiar uns aos outros nadando no lago nos anos
setenta), os moradores da cidade evitavam o local, alegando que seria perigoso
ou até mesmo, assombrado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Também era fato conhecido (embora ninguém mais
se lembrasse de como eles haviam surgido) de que a geometria das casas seguia
uma ordem estabelecida, e que todas elas tinham o mesmo número de cômodos,
dispostos exatamente da mesma maneira. Todas elas eram casas brancas. Todas
elas ficavam no fundo do terreno, tendo a parte dos fundos bem próxima e
voltada para a floresta, totalmente impossível de ser avistadas por quem
passasse na rua (mesmo que apenas os próprios moradores o fizessem). Todas elas
tinham um pequeno lago com uma fonte no terreno do jardim da frente, e a água
de cada fonte jorrava das mãos, jarras ou
bocas de figuras mitológicas, como Pan, Diana, dragões, fadas, etc.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Por causa do grande número de árvores dispostas
em ambos os lados, a Rua do Silêncio não era exatamente uma rua ensolarada e
luminosa. O sol incidia principalmente no verão, entre oito da manhã e cinco da
tarde, sendo filtrado pelas folhas das árvores e indo iluminar os quintais
protegidos por grades de ferro. Já nos meses mais frios – final de outono e
todo o inverno – o grande astro dava o ar de sua presença apenas entre dez da
manhã e duas da tarde, pois passava rente às copas das árvores do bosque. Sendo
assim, o musgo grudava em espessas camadas de veludo verde escuro nos cantos
dos muros, calçadas e troncos de árvores, e a rua tornava-se especialmente fria
e úmida nesta época.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Não era qualquer pessoa que tinha acesso à Rua
do Silêncio; sendo uma rua sem saída, era também uma rua com entrada limitada
por uma guarita, sempre vigiada. Apenas os moradores e seus convidados podiam
entrar. Por esse motivo, e também devido às histórias contadas sobre as pessoas
que lá moravam e a seita misteriosa à qual pertenciam, entrar na Rua do
Silêncio era como um rito de passagem para grupos de crianças e adolescentes,
que apostavam que seriam capazes de circundar a guarita pela mata e de, entrando
na rua, pular a cerca de alguma casa, tocar a campainha e sair correndo antes
de serem descobertos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">E assim tem sido por muitos anos, desde que a
rua existe, e muitas das histórias contadas (ou inventadas) sobre os moradores
e suas casas vinham dessas visitas furtivas feitas pelos adolescentes – embora
com a total desaprovação dos pais destes. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">As treze casas eram daquele tipo de casas dos
tempos em que as construções eram obras de arte: o esmero estava presente em
cada detalhe, grade, formato de telhado (todas elas tinham a fachada de chalés
vitorianos, com algumas variações) e jardins. As casas tinham roseiras de
várias cores, e também folhagens exóticas que não eram encontradas facilmente
entre as plantas locais. E tudo parecia crescer e florescer sem muito esforço,
assim como o musgo nos caminhos de pedras que levavam do portão às portas de entrada
das casas. Havia total harmonia entre as construções, mas mesmo assim, mas
dizia-se que cada casa tinha a personalidade de quem nela morava. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Sim, o verbo está no passado. Porque nos dias
de hoje, dizem que ninguém mais vive na Rua do Silêncio – a não ser Lázaro, o
vigia, um homem muito velho, de cuja idade ninguém se lembra mais, porém cada
pessoa daquele bairro afirma têlo conhecido quando criança, e ele já era velho
desde então. Em tempos antigos, Lázaro era visto na mercearia, nas farmácias,
nos mercados e demais estabelecimentos comerciais, sempre dirigindo um elegante
Buick preto cuja origem era desconhecida – (alguns diziam que tinha sido presente
de um dos moradores da rua), fazendo compras e cumprindo tarefas que lhe eram
encomendadas. Porque os habitantes não eram de sair muito, nem de se relacionar
com outras pessoas que não morassem na Rua do Silêncio. Lázaro respeitava a
privacidade de seus patrões e jamais tecia qualquer tipo de comentário sobre
suas vidas. “Era mais fiel do que um cão,” as pessoas diziam. Talvez por isso
tivesse mantido seu emprego há tanto tempo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">E nos dias de hoje, todos afirmam que o vigia
atual é outra pessoa, pois não seria possível que alguém vivesse por tantos
anos, já sendo tão velho. Ninguém se lembra mais quando Lázaro tinha começado a
trabalhar como vigia na Rua do Silêncio, ou quem cumpria sua função antes dele,
e quando alguém toca no assunto, durante as conversas tardias nos bares do
bairro, ou nas calçadas onde mulheres seguram suas vassouras e fingem estar
varrendo, as pessoas ficam estranhamente confusas e acabam mudando de assunto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Os antigos dizem que os moradores das treze
casas da Rua do Silêncio eram pessoas muito misteriosas. Era difícil ver uma
delas, pois quando saíam de casa, era quase sempre no final da tarde ou à
noite, em seus carros luxuosos cujas janelas estavam sempre fechadas. Ocasionalmente,
porém, alguém dizia ter visto um deles, dizendo ser pessoas muito elegantes
que sempre vestiam marrom, preto ou
cinza. Mas quando alguém pedia mais detalhes sobre eles, ninguém conseguia se
lembrar de mais nada. Era estranho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Dizem que havia crianças em algumas casas, mas
elas não frequentavam as escolas locais, nem tinham amigos na vizinhança.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Duas gerações viveram e morreram naquele
bairro, e por isso, a Rua do Silêncio foi aos poucos sendo esquecida,
tornando-se uma lenda muito vaga, uma história que os antigos contavam, algo
como uma lenda urbana, e apesar da presença constante na guarita de um homem velho com cara de poucos amigos
que diz chamar-se Lázaro, ninguém tem mais paciência de ficar especulando sobre
mais nada. E assim, todos concluíram que os moradores das treze casas da Rua do
Silêncio já tinham ido dessa para melhor ou se mudado para outros locais, e que
as casas estão todas desabitadas, e que os herdeiros, desinteressados nos
antigos mausoléus cuja manutenção deveria custar muito caro, mantém Lázaro na
guarita apenas para vigiar o que resta do seu patrimônio até que as casas sejam
vendidas. Mesmo assim, ninguém parece interessado em comprá-las.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Apesar da placa enferrujada onde se lê “Rua do
Silêncio,” as pessoas se referem ao local apenas como Rua dos Ausentes,
justamente por acreditarem que ninguém mais mora ali, a não ser Lázaro, que
habita uma casinha modesta no começo da rua, junto à guarita. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">O restante do bairro tinha sido invadido pelo
progresso, mas a Rua dos Ausentes conserva-se intacta, imutável, com todos os
seus mistérios e segredos imaginados e inimagináveis.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Se há algum poder mágico sobre a rua que faz
com que os moradores da cidade a deixem em paz nos dias de hoje, é controverso.
Alguns acreditam que sim, há alguma coisa estranha a respeito da rua; já
outros, menos supersticiosos, declaram que é tudo bobagem, uma lenda criada
pelos próprios moradores para que ninguém invada suas propriedades. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Se você chegasse junto à guarita nos dias de
hoje e olhasse através das grades de ferro, veria além delas uma curva fechada
em rua larga de paralelepípedos cobertos de musgo, ladeada por pinheiros e
eucaliptos. Mal conseguiria vislumbrar a ponta do telhado da primeira casa, que
fica à direita. E é claro, veria também a casinha branca encardida pelo musgo e
pelo passar dos anos onde habita nosso controverso Lázaro (ou seja lá quem
for). Há, quase sempre, fumaça saindo pela chaminé. Raramente alguém vê Lázaro
na cidade nos dias atuais, pois dizem que ele se rendeu à tecnologia e faz a
maior parte de suas compras de casa, através da internet. Mas ninguém tem
certeza. As pessoas adoram especular sobre a vida alheia. Os mais imaginativos
afirmam que Lázaro se alimenta de caça e pesca, e de algumas coisas que ele
mesmo cultiva. Na verdade, ninguém sabe.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">A Rua dos Ausentes (vamos usar este nome, o
mais popular, daqui em diante) e suas histórias estiveram adormecidas por
muitos anos, desde que o último morador foi visto. Mas ela não morreu; suas
casas permaneceram adormecidas (quem sabe, seus estranhos moradores também
estivesse imersos em um profundo sono), esperando que alguma coisa acontecesse.
Quase esquecida, a rua aproveitou-se da passagem do tempo para criar novo
fôlego. E na calada da noite, enquanto a cidade dormia, algo estava em ebulição
dentro daquelas casas, saido pelas chaminés e subindo pelos troncos das
árvores, indo mergulhar nas profundezas verdes do lago.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">E foi em uma manhã fria de junho, sexta-feira
13, que a cidade ainda sonolenta de Pico Negro viu chegar um antigo carro
fúnebre preto reluzente, dirigindo vagarosamente pelas ruas geladas pelas temperaturas baixas da noite,
indo em direção à Rua dos Ausentes. As crianças que estavam a caminho da escola
paravam boquiabertas, apontando para ele. Os donos das pequenas casas
comerciais, mercadinhos e padarias chegavam até as portas de seus
estabelecimentos, seguidos por funcionários mais afoitos que logo eram enxotados
de volta para os seus postos de trabalho, todos eles tecendo comentários
especulativos em voz baixa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Sr. Antônio, português de nascença, um homem de
sessenta e dois anos que vivia com sua esposa Maria e proprietário da Padaria
do Pão Português, torceu o bigode, e sua esposa (mais velha que ele alguns anos
e que ostentava um buço considerável) repetiu o gesto do marido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">Logo, o Mario’s único pub da cidade, estava
cheio àquela hora nada usual. As doze mesas de quatro cadeiras cada e o velho
balcão de madeira escura com dez assentos encontravam-se totalmente lotados, e
algumas pessoas permaneciam de pé, espalhadas em grupos de três ou quatro,
todos bebericando cafés e chás batizados com licores e rum. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR">E foi por volta do meio-dia que o carro fúnebre
passou de volta, cruzando novamente o centro da cidade em direção à estrada. As
pessoas deixaram seus afazeres novamente para observar a fumaça do cano de
descarga desaparecendo em direção ao sol. <o:p></o:p></span></p>
<span lang="PT-BR" style="line-height: 107%;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 14.6667px;"><br /></span></div>
</span>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR"> </span></p></div><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;">(Continua)</div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjeNrHCBrIdGqCr7vpdbTnwgm7390TOVA0rV7fJA_TzZErdmttBOPhyphenhyphenliW4isqbCW7s4OtGaQ6YKHor_XV0RSF0_rU_UIrrx_ObfyzFd-EqM6M4thQ8nc6GyKOA0uvJUshTFXh0jQH1ctoEHb5p-KjgIheRNtlxeJZ-1dWgAKK65NQe3JwFO7du5_ovrRQ/s1300/BORBOLETA%203.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1299" data-original-width="1300" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjeNrHCBrIdGqCr7vpdbTnwgm7390TOVA0rV7fJA_TzZErdmttBOPhyphenhyphenliW4isqbCW7s4OtGaQ6YKHor_XV0RSF0_rU_UIrrx_ObfyzFd-EqM6M4thQ8nc6GyKOA0uvJUshTFXh0jQH1ctoEHb5p-KjgIheRNtlxeJZ-1dWgAKK65NQe3JwFO7du5_ovrRQ/s320/BORBOLETA%203.jpg" width="320" /></a></div><br /><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;"> </div><p></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-39437017254184171812023-12-12T11:30:00.001-03:002023-12-12T11:30:08.580-03:00O ANDARILHO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhj5TsyFZd-8uQtS_PRk3tnsQ3DiSujNoiQamQC5zO4yuj0a3tWOGUtXCwddOO_6TNgSX9W-7ExR4et_taEH4BeYGf5XhP9XF8BINecL7ZvEjhGSwYvgkR0b75vcxlvd9uzB_wlKmPTK0pg-4nPNZQ5x_Bafx-hrs-d-PCs3ZA_YmZttF80GK_o3SoTcSw/s500/exposicao-argentina_f_004.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="500" data-original-width="500" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhj5TsyFZd-8uQtS_PRk3tnsQ3DiSujNoiQamQC5zO4yuj0a3tWOGUtXCwddOO_6TNgSX9W-7ExR4et_taEH4BeYGf5XhP9XF8BINecL7ZvEjhGSwYvgkR0b75vcxlvd9uzB_wlKmPTK0pg-4nPNZQ5x_Bafx-hrs-d-PCs3ZA_YmZttF80GK_o3SoTcSw/w400-h400/exposicao-argentina_f_004.jpg" width="400" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"> Não conseguia ficar parado por muito tempo - por isso, todos o conheciam como O Andarilho. Ninguém se lembrava quando ele tinha aparecido na cidade. No início, chamou atenção devido à sua figura tristonha e calada. A maneira como ele alugou um quarto na pensão local sem fazer qualquer exigência, e já na manhã seguinte desapareceu mata adentro por três dias, despertou a curiosidade alheia. </p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Mas apenas momentaneamente.</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Ele não era de muita conversa, e nem dava abertura a perguntas íntimas. Vivia a sua vida e não pisava duro no viver alheio. Nada perguntava, nada queria saber. Seu ofício consistia na venda de peças de bijuteria que ele mesmo fabricava e vendia, mas as pessoas achavam que sua renda não provinha dali; era apenas um hobby. O que ele ganhava através da venda de suas pobres peças com certeza não seria suficiente sequer para pagar o aluguel do seu quartinho.</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">E ele de vez em quando sumia mata adentro por três dias. Certa vez, um grupo de adolescentes seguiu-o para ver o que fazia. Viram-no pescando no rio, descansando sobre as pedras escaldadas pelo sol de inverno, observando os pássaros. </p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Havia uma pequena caverna onde ele se escondia quando chovia. Os meninos viram quando ele entrou nela, mas apesar de terem ficado horas observando-o de seus esconderijos, jamais o viram sair. Quando o dia cedeu lugar ao crepúsculo, eles voltaram para suas casas e para seus pais aflitos. O Andarilho só retornou três dias depois. </p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">O Andarilho era uma dessas figuras curiosas, quase folclóricas, que existem em todas as cidades. Ele envelhecia seus anos, as pessoas iam envelhecendo junto com ele, novas pessoas nasciam, outras morriam e algumas iam embora pra sempre da cidade. E ele estava ali. E de vez em quando, ele sumia. Por três dias.</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Até que um dia ele não voltou. Cinco dias se passaram antes que alguém decidisse que seria melhor ir atrás dele. </p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Encontraram suas roupas dobradas dentro da caverna, sobre os sapatos gastos. Dele, nem sinal. Vasculharam o rio, a mata, os vãos sob as montanhas. E então desistiram. E quando o fizeram, se deram conta de que não sabiam nem mesmo o seu nome verdadeiro. Um deles decidiu que deveria haver algum registro sobre ele na pensão. E foram todos até lá para verificar.</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">O dono da pensão - o mesmo, desde que O Andarilho surgira - verificou seu grosso e encardido livro de registros, e encontrou o dia no qual O Andarilho tinha chegado. Não foi nada difícil, já que poucas pessoas se hospedaram na pensão decadente naquela época. </p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Ele tinha escrito o nome dele ali, e também registrado um número de documento. Havia também uma assinatura, ele se lembrava bem. </p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Mas ao abrir o livro naquela página, percebeu que nada mais havia. Estava vazia. Em branco.</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">O Andarilho sumiu. E de repente, sua figura tornou-se lenda local, nome de loja e de alameda. Alameda do Andarilho. Logo, surgiram relatos sobre algumas pessoas que o viram ascender em uma nuvem, e de milagres que havia realizado. Construíram um templo em sua homenagem, e os peregrinos começaram a chegar. Todos contavam lendas sobre como ele tinha ascendido aos céus e sido levado por uma nave interestelar. </p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Enquanto isso, seu corpo jazia no fundo negro do rio, preso sob uma pedra. Mas os milagres continuavam. E os peregrinos chegavam. E a cidade prosperava. </p><p style="text-align: center;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZgDVq8qdA7uW5AbLEZRUbjYwMrHNdbZOL7jI-Wfk8MSVaWSDvlxkPJH6HZxtDbg5_c4gOyCtJPZKUxIAw3IDLQOSRXBSGWPpLtYalXSQZW5_t3GNVXjHXpZ7B6Nqj7z6LeyJ_HS4f6CC6x_DJVLeaF7iLFxS6jVtRJrusK29muI-NRL6SvpcHUFqLpLU/s337/images%20(26).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="76" data-original-width="337" height="72" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZgDVq8qdA7uW5AbLEZRUbjYwMrHNdbZOL7jI-Wfk8MSVaWSDvlxkPJH6HZxtDbg5_c4gOyCtJPZKUxIAw3IDLQOSRXBSGWPpLtYalXSQZW5_t3GNVXjHXpZ7B6Nqj7z6LeyJ_HS4f6CC6x_DJVLeaF7iLFxS6jVtRJrusK29muI-NRL6SvpcHUFqLpLU/s320/images%20(26).jpg" width="320" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-59973966551629158462023-02-23T18:55:00.003-03:002023-02-23T18:57:34.382-03:00SOB CONTROLE<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgs6erRlS8rAIaori1jdkdyguoSquhFZ7jOd3CshyRIGf-X4indesmF4GDRWb1s8to36_lz3ybBJO7gztq2nsCjNN132UbKc8kJLjPmhi6lz9jTxWenht_I2clnpKZ3LSKHV_xaEd_HqJS4p8w327McTW8sOWUFtPPWobHSQKtQjgF6cauciJpgyQEf/s673/f798b6ce7c55c22ab3b6340850106461.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="673" data-original-width="494" height="376" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgs6erRlS8rAIaori1jdkdyguoSquhFZ7jOd3CshyRIGf-X4indesmF4GDRWb1s8to36_lz3ybBJO7gztq2nsCjNN132UbKc8kJLjPmhi6lz9jTxWenht_I2clnpKZ3LSKHV_xaEd_HqJS4p8w327McTW8sOWUFtPPWobHSQKtQjgF6cauciJpgyQEf/w276-h376/f798b6ce7c55c22ab3b6340850106461.jpg" width="276" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"> Joanna chegou àquela festa à qual preferiria não ter ido - mas como vocês já devem saber, muitas vezes sacrifícios são necessários para que se mantenha a paz... sua mãe havia implorado para que ela fosse; afinal, não aguentava mais dar desculpas pela sua ausência nas reuniões de família. </p><p style="text-align: center;">Assim que Joanna pôs os pés na porta, viu a prima Margareth, filha do aniversariante, vir quase correndo em sua direção:</p><p style="text-align: center;">-Demorou por que? </p><p style="text-align: center;">- Oi, Margareth, tudo bem? Boa noite pra você também.</p><p style="text-align: center;">Desvencilhando-se da prima, Joanna tentou levar seu presente ao aniversariante, seu tio Lúcio, que dava gargalhadas em um grupo de amigos de risos amarelos após ele mesmo ter contado (quem sabe, pela milésima vez) uma de suas piadas sem graça. Ao vê-la, o tio pegou o presente, e sem abri-lo, jogou-o dentro de uma caixa de papelão junto com outros presentes e aceitou os cumprimentos de feliz aniversário, lascando mais uma gracinha:</p><p style="text-align: center;">- Olá, querida sobrinha! Grato pela sua nobre presença desta vez, já que nas últimas duas festas você não compareceu. Mas e o cara metade? Não veio?</p><p style="text-align: center;">Joanna deu uma risadinha, sentindo todos os olhos presos nela:</p><p style="text-align: center;">- Ele está em uma viagem de negócios, tio. </p><p style="text-align: center;">Lúcio riu, e procurando a aprovação dos demais com os olhos, umedeceu os lábios antes de soltar mais um comentário profano:</p><p style="text-align: center;">- Viagem de negócios, hein... sei... e essa viagem deve ser alta, loira, com peitões...</p><p style="text-align: center;">Joanna franziu as sobrancelhas e não respondeu, pedindo licença e se afastando, sentindo os olhos alheios pregados em suas costas e escutando a gargalhada insana do tio. Tia Helga passou com uma bandeja de copos de uísque barato, e Joanna, agarrando um deles, entornou o líquido garganta abaixo sem pensar. Ao sentir o peito e a garganta queimarem, ela fez uma careta.</p><p style="text-align: center;">Resolveu sentar-se em uma poltrona afastada do grupo, enquanto observava a festa. Mas sua paz durou bem pouco, pois logo viu sua avó caminhando em direção a ela:</p><p style="text-align: center;">-Não fala mais com os pobres, menina?</p><p style="text-align: center;">-Ah, oi, vó, desculpe, não vi a senhora.</p><p style="text-align: center;">-Então precisa colocar óculos o quanto antes. E como vão as coisas?</p><p style="text-align: center;">Logo, duas outras tias idosas juntaram-se a elas. A mais velha, ao sorrir, deixou aparecer o batom vermelho na ponta do dente. Joanna tentou soar simpática:</p><p style="text-align: center;">-Está tudo indo bem, vó. E a senhora, tudo bem?</p><p style="text-align: center;">-Melhor se eu pudesse morrer conhecendo meu bisneto antes. Já engravidou? Ainda não? Qual o seu problema?</p><p style="text-align: center;">A tia do batom no dente emendou:</p><p style="text-align: center;">-A função do casamento é ter filhos. Mulher que não tem filhos não é natural. E você já passou dos trinta, pelo que eu sei.</p><p style="text-align: center;">A outra tia acrescentou, arregalando os olhos:</p><p style="text-align: center;">-Você sabe... o relógio biológico...</p><p style="text-align: center;">A avó concordou com a cabeça, enquanto Joanna olhou o seu relógio de pulso - não o biológico:</p><p style="text-align: center;">-Sabe, está ficando tarde. Preciso ir. Amanhã tenho que acordar cedo.</p><p style="text-align: center;">A avó respondeu:</p><p style="text-align: center;">-Mas amanhã é sábado! Fica mais um pouco.</p><p style="text-align: center;">-Mas eu tenho uma reunião logo cedo, e...</p><p style="text-align: center;">A avó interrompeu-a:</p><p style="text-align: center;">-Já disse, você vai ficar até partir o bolo, é falta de educação sair da festa antes do bolo.</p><p style="text-align: center;">O rosto de Joanna esquentou, e ela respirou mais profundamente, se perguntando o que ela estava fazendo ali. De repente, uma das tias começou a falar com detalhes da sua cirurgia de apêndice, dos sintomas, sobre como ela descobriu o problema, o que o médico tinha dito. A tia do batom emendou a conversa falando sobre seu colesterol, e a avó abriu a bolsinha para mostrar os remédios controlados que tomava.</p><p style="text-align: center;"> Ao olhar para o outro lado da sala, Joanna deparou com Cláudia, sua irmã mais velha, olhando para elas com ar divertido. Joanna arregalou os olhos, pedindo para ser resgatada, mas Cláudia soltou uma gargalhada e sumiu no corredor em direção à cozinha. As duas nunca tinham sido grandes amigas, e Cláudia sustentava uma certa inveja da irmã mais nova.</p><p style="text-align: center;">Uma hora mais tarde, com uma dor fininha no meio dos olhos e bocejando sem parar, ela finalmente conseguiu uma brecha para interromper a conversa, ao ver sua própria mãe adentrar a sala trazendo o bolo de aniversário. Disparou:</p><p style="text-align: center;">-Olhem, é o bolo. Já vão cantar parabéns.</p><p style="text-align: center;">E dizendo aquilo, levantou-se correndo, seguida pelas três "gentis" senhoras. Uma delas falou às suas costas: </p><p style="text-align: center;">-Mas Joanna, você não me explicou ainda: não tem filhos porque não quer ou porque é seca mesmo?</p><p style="text-align: center;">Joanna mal acreditava no que tinha acabado de escutar. Virou-se tão bruscamente, que acabou esbarrando na mãe, fazendo com que o bolo se esparramasse no chão. Ela instintivamente cobriu os lábios com as mãos, enquanto a tia berrava:</p><p style="text-align: center;">-Mas que desastrada! </p><p style="text-align: center;">O tio bradou:</p><p style="text-align: center;">-Paguei uma nota preta nesse bolo para isso! Como você conseguiu estragar tudo, menina?</p><p style="text-align: center;">Enquanto a mãe tentava recolher o que tinha sobrado do bolo, ajudada pela esposa de seu tio aniversariante, a irmã gargalhava. A avó desferiu um doloroso beliscão em seu braço:</p><p style="text-align: center;">-Mas que porcaria, Joanna! Isso é coisa de hormônios! Teus hormônios não estão sendo utilizados como devem, e dá nisso! Destempero!</p><p style="text-align: center;">Naquele momento, Joanna explodiu; sentiu a sala tornar-se cada vez mais abafada, como se as paredes se curvassem sobre ela. Viu a raiva e o escárnio no rosto de cada um dos parentes e conhecidos - alguns riam, outros cochichavam, outros xingavam. De repente, Joanna não era mais ela mesma. Ou então, quem sabe, finalmente ela se tornara ela mesma?</p><p style="text-align: center;">-Vão todos vocês para o inferno - ela gritou.</p><p style="text-align: center;">Houve um silêncio geral, interrompido apenas por alguns 'ohs' escandalizados. Aquilo apenas incentivou-a:</p><p style="text-align: center;">-Quero que vocês todos vão para os quintos dos infernos! Comam esse bolo do chão como porcos que são! Lambam o piso, e depois sirvam-se de bebida no vaso sanitário! Eu odeio vocês! Desde sempre, tenho sido abusada e criticada por todos vocês, que só são gentis comigo quando precisam de alguma coisa! Mas agora acabou a assistência jurídica gratuita, por parte de meu marido, e as consultas médicas gratuitas da minha parte! Vão todos para os quintos dos infernos! Eu não aguento maaaaais!!!</p><p style="text-align: center;">Lentamente, Joanna acordou do seu próprio delírio, enquanto sua mãe, que tinha conseguido salvar uma parte do bolo, espetava nele algumas velinhas. O "Parabéns a você" começou a ser cantado, seguido pelo tradicional "É pique!", e depois pelo irritante "Com quem será."</p><p style="text-align: center;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjq9wjmFkp-sZqKg2prsOFQKQc_W6nzPtpM9jMSkhEQY-saNAPQg5LippeTTllX30I5rgte6ZCCqV_-wreonUD__eAjNaJGFVAXTK1eG3e3WSO9qX_HhaxvJcekdPn20hyI31rkcS7wY-ynrJL6rZiAZ7cE2OnEHyZU1J9rMeP2nGqdwuHL0obDMDdZ/s407/_SEPARADORES.gif" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="131" data-original-width="407" height="103" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjq9wjmFkp-sZqKg2prsOFQKQc_W6nzPtpM9jMSkhEQY-saNAPQg5LippeTTllX30I5rgte6ZCCqV_-wreonUD__eAjNaJGFVAXTK1eG3e3WSO9qX_HhaxvJcekdPn20hyI31rkcS7wY-ynrJL6rZiAZ7cE2OnEHyZU1J9rMeP2nGqdwuHL0obDMDdZ/s320/_SEPARADORES.gif" width="320" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-77419905834109397732023-02-17T11:04:00.000-03:002023-02-17T11:04:15.041-03:00A MENINA E O LEÃO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0NBIu7i0tW0gPxOFArSOm5VhceqTGrhkoe3SrCtOUhtlA58pNMyhR0S-6qr3vIch-eM0XUW8JBVDTLa6FOqPnIGTEiiHP5pX3L3SWlN-Uzc4kSgiolN9POpES7Apaf39QM2EGDq4YGozKA-8rjL4ETZnj7wnUN8AFa1ojJUAvi9EODSBt2jna0CxT/s1024/leao-branco.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="768" data-original-width="1024" height="443" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0NBIu7i0tW0gPxOFArSOm5VhceqTGrhkoe3SrCtOUhtlA58pNMyhR0S-6qr3vIch-eM0XUW8JBVDTLa6FOqPnIGTEiiHP5pX3L3SWlN-Uzc4kSgiolN9POpES7Apaf39QM2EGDq4YGozKA-8rjL4ETZnj7wnUN8AFa1ojJUAvi9EODSBt2jna0CxT/w428-h443/leao-branco.jpg" width="428" /></a></div><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Era uma vez uma menina que adotou um leão perdido que ela achou na floresta, junto à sua fazenda, enquanto ela mesma também estava perdida. Ela se apaixonou pela beleza dos seus olhos dourados, e a maciez aveludada do seu pelo, que se deitava ao peso dos seus dedos vagarosos.</p><p style="text-align: center;">Os dois voltaram juntos para a casa da menina, e naquela noite, eles conversaram até adormecer, se aquecendo junto à lareira, enquanto uma noite fria e branca se desenhava lá fora, nas molduras das vidraças. </p><p style="text-align: center;">Na manhã seguinte, ao preparar o café da manhã, ela percebeu que o leão não se agradava das coisas que ela comia; ele queria carne. Mas por algum motivo, ele se fez de cansado demais para ir à caça do seu próprio alimento, e então a menina, com pena do leão, resolveu fazer aquilo por ele. Assim estabeleceu-se um acordo silencioso entre os dois: ela caçava para o leão e ele protegia a casa enquanto ela estivesse fora, caçando ou trabalhando.</p><p style="text-align: center;">Às vezes a menina chegava em casa e não encontrava o seu leão; ele desaparecia por horas e horas, só voltando à noite, faminto e cansado. Um dia ela resolveu segui-lo para ver para onde ele ia, e surpresa, descobriu que o leão tinha uma família - pai, mãe e irmãozinhos. Ele sempre levava um pedaço da sua carne - a que a menina caçava - para alimentar sua família. Ela teve pena, e convidou a todos para viver com ela na fazenda.</p><p style="text-align: center;">Logo, ela percebeu que teria que trabalhar muito mais a fim de sustentar a todos eles, que nada faziam, a não ser tomar conta da fazenda enquanto ela estava fora. E isso eles faziam muito bem, pois ninguém mais se aproximava do local! O carteiro, o leiteiro, o padeiro e os amigos da menina desapareceram de vista ao serem recebidos por leões ferozes ao tentar visitá-la. Logo, a menina mal mantinha contato com sua própria família. E a família do leão era absorvente e muito exigente.</p><p style="text-align: center;">Quando estavam todos em casa, a menina percebia que eles a deixavam de fora das conversas e atividades. Quando ela os interrompia, tentando fazer parte do grupo, era olhada com desdém e tratada com complacência e indiferença. Às vezes, eles deixavam bem claro que ela jamais seria uma deles, pois não tinha o mesmo pedigree. A mamãe leoa era muito ciumenta, e fazia de tudo para humilhar a menina. Os leõezinhos, muito dependentes e frágeis, estavam sempre pedindo coisas ao leão, recusando-se a aprender a fazer as coisas sozinhos, e também eram demasiadamente ciumentos. Papai leão, um patriarca feroz, defendia a sua clã de qualquer admoestação da menina, dizendo que ela deveria sentir-se honrada por ter permissão de pelo menos permanecer perto deles.</p><p style="text-align: center;">Mas a menina amava o leão, e fazia tudo por ele, que só era realmente bom com ela quando precisava de alguma coisa. </p><p style="text-align: center;">Um dia, a menina adoeceu, e não pôde sair para caçar a comida dos leões. Eles até cuidaram dela no início, mas logo se cansaram. Após três dias de cama, eles a devoraram, repartindo suas carnes magras entre eles. Depois, voltaram para a floresta a procura de outra menina que lhes desse guarida.</p><p style="text-align: center;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlwwvTxGkhiNqqFEs2xX3PUj0x_rGN5ieiDAvSQaQzpgYSrt0WGvD-BzExtd4zW1ee4Wk0Eyptsdo8aYxGgdVCzK0WmjDwmTnicIpPP7BJnGfdQk7lFr7FI0yOh0yB0rjgOwQyZ9s9TxLQMO7ODqUcmsQH3PrkPYxoAJW7lHoasdJKhd_X0XK0TWmH/s430/caligrafia_separador.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="50" data-original-width="430" height="37" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlwwvTxGkhiNqqFEs2xX3PUj0x_rGN5ieiDAvSQaQzpgYSrt0WGvD-BzExtd4zW1ee4Wk0Eyptsdo8aYxGgdVCzK0WmjDwmTnicIpPP7BJnGfdQk7lFr7FI0yOh0yB0rjgOwQyZ9s9TxLQMO7ODqUcmsQH3PrkPYxoAJW7lHoasdJKhd_X0XK0TWmH/s320/caligrafia_separador.png" width="320" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-79822475234909041542022-10-28T19:10:00.001-03:002022-10-28T19:10:17.596-03:00A VISITA DO AVÔ - conto curto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg23hsULJ4m-saaj5s-mqTmUXVliGTq52Hcfi2nFuNKL6my0jD8bIa-Ili_iH7ttotNLq_50KKfa1ddFyGT0Z8ecKyxOMlr2BbAmFiiNOSBcjihkkNepbwDJ7NIJCABCwZx89uGEDbofEvua9jzqz2A03ZOjejHK6cxsU1iaalTsLAJ-EJfdBxc9fjH/s640/012406687a6b4d92f5d6470d6d254899.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="640" data-original-width="457" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg23hsULJ4m-saaj5s-mqTmUXVliGTq52Hcfi2nFuNKL6my0jD8bIa-Ili_iH7ttotNLq_50KKfa1ddFyGT0Z8ecKyxOMlr2BbAmFiiNOSBcjihkkNepbwDJ7NIJCABCwZx89uGEDbofEvua9jzqz2A03ZOjejHK6cxsU1iaalTsLAJ-EJfdBxc9fjH/w458-h640/012406687a6b4d92f5d6470d6d254899.jpg" width="458" /></a></div><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">A tarde tinha sido quente, e o sol se punha entre as cores fortes do horizonte, o canto insistente das cigarras e os piados dos sabiás se recolhendo para dormir. Georgia brincava nos degraus que de sua casa que davam para a cozinha, alheia ao canto modorrento das cigarras e a tudo o mais que acontecia em volta dela. Sua mãe estava no banho.</p><p style="text-align: center;">Rapidamente, a noite tomava o espaço. Georgia ergueu a cabeça ao ouvir ruídos de passos vindos da lateral da casa, e ao ver o avô, que parou junto à parede e abriu os braços, ela correu na direção dele, largando sua boneca nova sobre o degrau. O avô enfiou a mão no bolso do paletó, e retirou-a cheia de balas que a menina recolheu na saia do vestido, indo depositá-las na mesa da cozinha enquanto o avô a seguia. </p><p style="text-align: center;">No fogão, a panela de pressão chiava no fogo baixo. O avô depositou sobre a mesa um pacote, onde havia um doce de leite que era metade de chocolate, geleia marmorizada e algumas maçãs perfumadas. Georgia estava feliz ao ver o avô, que não aparecia muito, pois morava longe. Ao mesmo tempo, ela sabia que alguma coisa estava errada, embora não soubesse dizer o quê.</p><p style="text-align: center;">O avô e a menina conversaram durante algum tempo. Ele perguntou sobre as coisas da escola, e ela mostrou a ele a sua boneca nova, sentando nos joelhos do avô. A conversa ia bem, enquanto lá fora o canto dos sabiás e cigarras tinha sido substituído pelo cricrilar dos grilos. Dentro da casa só havia luz, mas a porta da cozinha que dava para o quintal dos fundos estava aberta, mostrando a escuridão intensa e aveludada que se acumulara. </p><p style="text-align: center;">Georgia percebeu que, aos poucos, a escuridão se aproximava dos degraus, subindo um a um. Ela se sentia segura na presença do avô, entretanto. Mas de repente, ele ficou sério, dizendo:</p><p style="text-align: center;">-Georgia, minha querida, eu não posso ficar muito tempo. </p><p style="text-align: center;">Ela não entendeu nada, pois a mãe sequer tinha terminado o banho, e ele nunca ia embora tão rápido. </p><p style="text-align: center;">- O avô não vai dormir aqui hoje?</p><p style="text-align: center;">Ele sorriu tristemente, dizendo que não, e acrescentou:</p><p style="text-align: center;">- Só vim para me despedir de vez. Estive esse tempo todo olhando por vocês, mas agora eu preciso ir embora. </p><p style="text-align: center;">Georgia sentiu que estava crescendo aos poucos no colo do avô, e foi sentar-se em uma cadeira que arrastou para ficar bem em frente a dele, de onde ela podia olhá-lo melhor. Ela só então notou que ele não parecia mais tão velho. O avô segurou as duas mãos da agora moça, dizendo:</p><p style="text-align: center;">-Antes de ir, preciso alertar a você: algo muito ruim está para acontecer no mundo. </p><p style="text-align: center;">Georgia ficou confusa:</p><p style="text-align: center;">-Mas... eu e a mamãe ficaremos bem?</p><p style="text-align: center;">O avô olhou-a profundamente antes de responder:</p><p style="text-align: center;">- Não se preocupe, sua mãe já está comigo há alguns anos. Você não se lembra, Georgia?</p><p style="text-align: center;">E ela se lembrou. Não havia ninguém tomando banho, e nem poderia haver, pois sua mãe já estava morta há treze anos. </p><p style="text-align: center;">Ao olhar novamente para o avô, percebeu que ele estava um pouco transparente em algumas partes, o que a deixou bastante desconfortável, pois lembrou-se que o avô morrera quando ela tinha oito anos de idade, há mais de vinte anos. Ele ainda pôde dizer:</p><p style="text-align: center;">- Pegue todo o dinheiro que você tiver, e compre comida e água. Compre enlatados, coisas que duram, pois estão chegando tempos em que será muito difícil comprar certas coisas. Compre velas, querosene, remédios, e consiga uma arma para se proteger. Avise ao seu marido. Considere plantar alguma coisa, você tem um quintal grande. </p><p style="text-align: center;">E então Georgia se lembrou que era casada. </p><p style="text-align: center;">Havia muitas perguntas que ela gostaria de fazer ao avô, mas não havia mais tempo.</p><p style="text-align: center;">A escuridão começou a entrar pela porta da cozinha cada vez mais rápido. Ela pensou em fechar a porta, mas estava paralisada. Fechou os olhos por um curto espaço de tempo, e ao abri-los novamente, o avô tinha desaparecido e ela estava completamente cercada pela escuridão, que acariciava sua pele de maneira mórbida e com dedos extremamente gelados e ásperos. </p><p style="text-align: center;">Georgia despertou no sofá da sala de seu apartamento, o coração disparado. Lá fora, os sabiás e cigarras cantavam. </p><p style="text-align: center;">Sobre a mesa, havia algumas balas iguais às que seu avô costumava levar para ela quando a visitava.</p><p style="text-align: center;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAQSMwVMCtcQqjnOyujlI_MOyac_kjk5ti_hrEebD9Klw5wF7KUkYhF_U6M_LcuJjRcyJ_sl6BjBScVPgsFT5LgzZ5MaKCcDckTWGGqFwJwDDCI7sk_XGZ99T5PODiVvRW01ocUQ13f6yp5WJoehJoslfy3iayCB0utAWd9Up3P4XdCdXxTeKERj-P/s1300/BORBOLETA%203.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1299" data-original-width="1300" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAQSMwVMCtcQqjnOyujlI_MOyac_kjk5ti_hrEebD9Klw5wF7KUkYhF_U6M_LcuJjRcyJ_sl6BjBScVPgsFT5LgzZ5MaKCcDckTWGGqFwJwDDCI7sk_XGZ99T5PODiVvRW01ocUQ13f6yp5WJoehJoslfy3iayCB0utAWd9Up3P4XdCdXxTeKERj-P/s320/BORBOLETA%203.jpg" width="320" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-50527425038344464482022-08-11T07:55:00.005-03:002022-08-11T07:56:39.326-03:00SEGUIR PARA TRÁS - parte 12 FINAL<p style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiroU_TV4-jqSr4eOCWZRQ5Ri9rAY7cJqND6YM8ed-k8MwFiVTO0chZmCnfJJX98uwZpbGEnd5-qyl39sLCHYAHoNP8FXxzH9otqtNfVjvqLxzLqlBWSKZ-eCwXpqoK7s_LXH29URijDomOj5tLRQAom3hxUcA8WkzIJSySF8Z1f16EYXspkPSGjvLk/s1600/angeles-caidos-mis-imagenes-de-hadas-duendes-elfos-parte-indalo-y-duendecilla.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1200" data-original-width="1600" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiroU_TV4-jqSr4eOCWZRQ5Ri9rAY7cJqND6YM8ed-k8MwFiVTO0chZmCnfJJX98uwZpbGEnd5-qyl39sLCHYAHoNP8FXxzH9otqtNfVjvqLxzLqlBWSKZ-eCwXpqoK7s_LXH29URijDomOj5tLRQAom3hxUcA8WkzIJSySF8Z1f16EYXspkPSGjvLk/w400-h300/angeles-caidos-mis-imagenes-de-hadas-duendes-elfos-parte-indalo-y-duendecilla.jpg" width="400" /></a></div><br /> <p></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">PARTE 12</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Joana – a essa altura não consigo mais chamá-la de minha avó – está à porta quando a abro. Ela parece constrangida, carregando uma bandeja com café e croissants como se fosse a empregada da casa. Saio do caminho, e ela deposita a bandeja sobre a cama, mas eu não estou com fome, e me sento à penteadeira, fingindo observar alguma coisa invisível na minha pele. Tenho consciência dos meus pijamas surrados, humilhados diante da roupa impecável que ela está usando às quase dez horas da manhã: blusa de seda rosa- pálida e saias plissadas cor de creme, que caem sem nenhuma protuberância sobre suas pernas, a barra da saia criando uma roda esvoaçante em volta dela quando ela se mexe. Ela diz:</p><p style="text-align: center;">- Quero que você saiba que para mim não mudou nada. Você continua sendo minha neta. E quero manter esse laço com você, agora que nada mais nos impede.</p><p style="text-align: center;">Eu respiro fundo, me virando para ela:</p><p style="text-align: center;">- Para mim mudou tudo, Joana. Descobri que minha mãe nunca foi minha mãe, e que todo mundo mentiu para mim desde a primeira vez que colocaram os olhos sobre a minha cara. E quem poderia ter desfeito essa mentira, apenas a sustentou. Imagine só descobrir que você não é você!</p><p style="text-align: center;">-Não é assim, Valentina. É certo que algumas verdades importantes foram escondidas, e eu jamais compactuei com isso. Paguei o preço por querer dizer a verdade, e o preço foi não poder estar mais próxima a você. Porém, sua mãe... ela fez o que pensou ser melhor para você. E seu pai... bem, não creio que ele tinha realmente muita consciência do que fazia. Sempre foi um egoísta... </p><p style="text-align: center;">Ela percebe que está indo longe demais:</p><p style="text-align: center;">-Me desculpe, eu não queria falar mal dele.</p><p style="text-align: center;">-Pode falar, já não faz mais diferença nenhuma para mim.</p><p style="text-align: center;">Eu estou quebrada, magoada e me sentindo um peixe fora d’água dentro da minha própria vida. Meu futuro é uma incógnita. Digo isso em voz alta.</p><p style="text-align: center;">-Meu futuro é uma incógnita, e não vejo nenhuma possibilidade de...</p><p style="text-align: center;">Não consigo completar a frase, pois um nó se forma na minha garganta. E ele dói com força. Ela então me diz algo que me faz despertar de uma forma que eu nunca tinha despertado antes.</p><p style="text-align: center;">-Valentina, não saber o que fazer do futuro tem um lado bom: você pode fazer qualquer coisa, você tem toda a sua vida para escolher o que fazer. Você tem todas – absolutamente todas – as possibilidades diante e você, e se você deixar, eu vou estar por perto para garantir que você possa fazer o que quiser. Terá todo o meu suporte financeiro, apoio emocional, amizade e... amor.</p><p style="text-align: center;">Uma luz se acende em mim. Ela tem toda razão, e percebo que tenho duas escolhas diante de mim: viver sendo amarga o resto da vida, presa ao passado e ao que as pessoas me fizeram, ou então me abrir para a vida, aceitando o apoio e o amor que ela me oferecia. Olho para aquela mulher bela e estranha que tem os olhos marejados e de repente sinto uma fome enorme, e me sento diante da bandeja do café da manhã de pernas cruzadas:</p><p style="text-align: center;">-Em primeiro lugar, vou começar comendo tudo isso aqui. Depois, se você puder, gostaria de conhecer Paris.</p><p style="text-align: center;">Ela sorri, e concordando com a cabeça, me deixa sozinha.</p><p style="text-align: center;">E nós duas passamos o dia todo juntas, após nos despedirmos de meu avô, que fica muito feliz ao nos ver tão unidas. Ele parece melhor naquela manhã, e passamos algum tempo juntos, conversando e rindo. Descubro que meu avô é uma pessoa doce, acessível e também bondoso. Nada do que meu pai costumava dizer que ele era. Eu sei que o tempo de vida dele está terminando, e me sinto com sorte por conhecê-lo antes disso.</p><p style="text-align: center;">Eu e minha avó entramos em todas as lojinhas e butiques da Monstparnasse, e nos sentamos para almoçar na mesinha de um restaurante que fica na calçada. O motorista coloca as nossas compras no carro. Minha avó me diz que meus primos estão vindo para me conhecer. Logo estaremos todos juntos.</p><p style="text-align: center;">No final da tarde, ao chegar em casa cansada e feliz, verdadeiramente feliz pela primeira vez na vida, resolvo checar as mensagens do meu celular, que andou tocando o dia todo. </p><p style="text-align: center;">Há duas mensagens de meus tios, as quais decido ignorar. Visualizo e não respondo, pois quero que eles saibam o quanto estou furiosa com eles. Percebo que, na verdade, eu sequer gosto muito deles. Sempre tive aquela tolerância velada em relação à minha tia, e uma certa indiferença beirando à antipatia em relação ao meu tio. E também sentia a mesma coisa vindo deles, talvez uma certa obrigação de tomar conta de mim. Existem pessoas nas nossas vidas que, apesar de as amarmos, não gostamos delas. </p><p style="text-align: center;">E há uma mensagem gravada de Jonathan.</p><p style="text-align: center;">“Oi, Valentina, espero que esteja tudo bem por aí. Então... a Pri infelizmente teve um aborto espontâneo, mas ela está bem. No fundo, achou que foi melhor assim, e eu... também... Desculpa estar te contando isso assim, mas... achei que você deveria saber. A gente vai sair do apartamento assim que conseguirmos um outro lugar. (aqui há uma longa pausa). Eu queria que você soubesse que eu sinto sua falta. Não amo mais a Pri. E nem quero ficar com ela. Nós dois concordamos nisso, o lance entre a gente acabou. E eu queria muito recomeçar a nossa história. (outra pausa). Ela está te mandando lembranças e agradecendo por tudo. Mas sabemos que não tem nada a ver ficarmos morando aqui. Bem, a gente ainda vai morar junto, mas só para dividir as despesas. Eu estou com saudades da gente, Valentina. Por favor, responda essa mensagem.”</p><p style="text-align: center;">Escuto a mensagem mais algumas vezes. Também sinto saudades de Jonathan, mas percebo de repente que alguma coisa importante que estava para nascer entre nós também foi abortada pela notícia da gravidez de Pri, e agora tinha sido enterrada. Ainda gosto dele, mas não da forma que eu pensava que poderia vir a gostar. Me sinto indecisa. Fico pensando se deveria voltar ao Brasil e nos dar uma nova chance. Mas acho que não. Como disse Joana – minha avó – eu tinha muita vida pela frente, e os caminhos todos abertos para tomar as decisões que eu quisesse, na hora que eu quisesse. Sem pressa, sem mentiras, sem pressões.</p><p style="text-align: center;">Meus primos chegam hoje à noite. Vou conhecer os filhos de minha prima. Vou saber, pela primeira vez, o que é ter uma família de verdade. Sem mentiras, sem subterfúgios. Acho que eu mereço essa chance de ser feliz e de mudar a minha vida.</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">FIM</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"> </p><div style="text-align: center;"><br /></div>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-39973645336190240472022-08-01T15:23:00.003-03:002022-08-01T15:23:38.238-03:00SEGUIR PARA TRÁS - Parte 11<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuWrTfkUtkXuEkzLVSvTpUGkHPmtiCP0QchFvFGcKj4JEXXdZjb8JF9eg87MNPLtm-pwZWpzrq3nziYSFSXpkJoR7W_PX3Ch2SRyxiq7pHk89lcodLxy-tR-CI2oRwvIjkHWM0TufOTdn751qt3DzRQggXmSkRkKvbTkWJp5upAdGLe1YKEOyO4RT_/s1600/elfo%20selvagem.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1200" data-original-width="1600" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuWrTfkUtkXuEkzLVSvTpUGkHPmtiCP0QchFvFGcKj4JEXXdZjb8JF9eg87MNPLtm-pwZWpzrq3nziYSFSXpkJoR7W_PX3Ch2SRyxiq7pHk89lcodLxy-tR-CI2oRwvIjkHWM0TufOTdn751qt3DzRQggXmSkRkKvbTkWJp5upAdGLe1YKEOyO4RT_/s320/elfo%20selvagem.jpg" width="320" /></a></div><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"> PARTE 11</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Estou diante da cama onde meu avô descansa. Ele se ajeita ao me ver, estendendo os braços para mim. Caminho hesitante na direção dele, e me sento na cama, deixando que ele segure as minhas mãos. Vejo bondade no seu rosto macilento e consumido pela doença. Olho os vidros de remédios na mesa de cabeceira, e a enfermeira que deixa o quarto discretamente a um sinal de Joanna. As duas cochicham no corredor, e quando minha avó entra no quarto, ela parece ter envelhecido alguns anos. </p><p style="text-align: center;">Ele não fala nada sobre o meu passado, só me trata e me recebe como sua neta verdadeira. Não fala nada sobre meus pais, não me pergunta sobre nada, a não ser sobre o futuro, se eu preciso de alguma coisa, se eu sou feliz, se eu já decidi o que vou estudar, se eu vou continuar em Paris, morando com eles, ou se eu gostaria de ter meu próprio apartamento. Tantas perguntas me deixam zonza, e prefiro tentar sorrir e me esgueirar delas. Dez minutos após a minha chegada, a enfermeira entra no quarto, administra mais medicamentos e ele adormece. Este é o contato face a face que tenho com aquele que pensei ser o meu avô, após muitos anos. </p><p style="text-align: center;">Na sala de estar, Joanna me deixa sozinha alguns momentos. Eu estou sentada em um sofá confortável, estilo bem antigo. O apartamento nem é tão grande quanto eu imaginava, mas é elegante e muito aconchegante. Há muitos objetos que parecem ser valiosos espalhados sobre os móveis. No centro de uma mesa de jacarandá, um vaso em estilo indiano que parece ser antigo muito caro. As sanefas sobre a s janelas são de brocado e as cortinas têm tecidos esvoaçantes cor de creme. Há flores, flores naturais espalhadas pelo cômodo. De vez em quando, a enfermeira passa atrás de mim sem fazer barulho, a não ser pelas solas emborrachadas dos seus sapatos rangendo de leve. Existem três sacadas que dão para a rua na sala. Fico curiosa para ver a vista, mas não consigo me mover, de tão pouco à vontade que eu me sinto. Estou com fome. Uma senhora começa a por a mesa para o almoço. Mesa para dois. A enfermeira passa atrás de mim novamente e eu me viro para vê-la carregando um carrinho com um prato de sopa e um pouco de água em um copo alto. </p><p style="text-align: center;">Joanna entra na sala, e murmura algo em francês. Depois me convida para ir até a mesa e me sentar, enquanto a criada nos serve fatias de pão, água, uma salada verde e vinho. Fico pensando se aquele seria o almoço. Comemos em silêncio, e assim que terminamos, nossos pratos são retirados e substituídos por outros, onde há um pequeno pedaço de carne assada perfumada, arroz e batatas cozidas. Eles comem muito pouco por aqui. Minha enorme fome, antes da doença de meu pai, estava acostumada a pratos imensos de massas. Faço um esforço para não devorar tudo com apenas duas garfadas. Finalmente, somos servidas de frutas cortadas, queijo e um pudim que mais parece um mini pudim de casa de boneca. Meu estômago ronca alto, esperando pelo prato principal quando já estamos na sobremesa. Entendo o porquê de eles serem tão magros, mas me lembro que eu também sou. Também me lembro que no meu caso, a magreza não é hereditária, que desde a morte de meu pai, eu tinha perdido vários quilos. Joanna me observa, e sinto carinho no seu olhar. Ela às vezes me sorri, e falamos um pouco sobre a comida.</p><p style="text-align: center;">- Gostou da refeição? Está satisfeita?</p><p style="text-align: center;">Minto. Ainda poderia comer aquilo mais três vezes. Não comia nada desde que entrara no avião, na noite anterior, e já passavam de duas da tarde. Mesmo assim, eu sorrio e respondo:</p><p style="text-align: center;">-Sim. Obrigada.</p><p style="text-align: center;">Joanna sugere que eu vá para o “meu quarto” descansar um pouco após o almoço. Sinto que ela quer um pouco de privacidade, então me deixo conduzir até um pequeno e agradável quarto, todo pitado de azul claro, onde as roupas de cama e as cortinas são cor de creme. Ao lado da cama, sobre o chão de madeira fosca, um criado mudo antigo onde descansa um pequeno abajur também antigo de cúpula de vidro. Sobre a colcha creme, algumas almofadas em tons pastel. Ao lado da cama, vejo a minha mala. Bem na frente do estreito corredor que divide a cama e a penteadeira, por cima desta, um espelho no qual me assusto com minhas olheiras cinzentas. De repente, todo o cansaço do mundo se abate sobre meus ombros, e eu sinto um enorme sono. Há um pequeno banheiro no quarto, com uma ducha. Tomo uma chuveirada quente e rápida antes de me deitar sob as cobertas e apagar completamente.</p><p style="text-align: center;">Não se foi devido ao efeito dos comprimidos que engoli para segurar a ansiedade (tomei mais um antes de deitar), só volto a despertar na manhã seguinte, com batidas à minha porta. </p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">(continua...)</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Em breve, a parte 12. Estou sem tempo...</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilApnpFRLlEBDqMKWdD4Sy7v-y1l9S6qxZQt68nnSfDatjibHhLF_zlHAYzjbH1sxjCzZS60rckkg6I06kQ7xVV8VaO3nPqEguOI6N9o46lKon0MSRT7PbM2MOmpACcy2PVDOVbhf5wclbqV3fnYLuj9-XM_2MWGS5DpO-1EW6tzqdBGqdlXgWGTr_/s430/caligrafia_separador.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="50" data-original-width="430" height="37" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilApnpFRLlEBDqMKWdD4Sy7v-y1l9S6qxZQt68nnSfDatjibHhLF_zlHAYzjbH1sxjCzZS60rckkg6I06kQ7xVV8VaO3nPqEguOI6N9o46lKon0MSRT7PbM2MOmpACcy2PVDOVbhf5wclbqV3fnYLuj9-XM_2MWGS5DpO-1EW6tzqdBGqdlXgWGTr_/s320/caligrafia_separador.png" width="320" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"> </p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-50476182530153398312022-07-06T10:33:00.002-03:002022-07-06T10:38:39.075-03:00SEGUIR PARA TRÁS - Parte 10<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj12955ijhInqWMID8ERADucQiiIzPaiKG5HNorIdoZrlKlrSF2LL4cfppTQZD2NCHQn9Xw8iRHB09pBY1BwiQh27tWn0_Ududf_zS2LLWs79_QKQeIczSYQt6600oFUUll4O545Bx5HTB9Te5uiySt1AOnJdR4-OrwxUdmvFuydr1BqxB_7DvfJb6X/s400/livros%20velhos.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="287" data-original-width="400" height="288" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj12955ijhInqWMID8ERADucQiiIzPaiKG5HNorIdoZrlKlrSF2LL4cfppTQZD2NCHQn9Xw8iRHB09pBY1BwiQh27tWn0_Ududf_zS2LLWs79_QKQeIczSYQt6600oFUUll4O545Bx5HTB9Te5uiySt1AOnJdR4-OrwxUdmvFuydr1BqxB_7DvfJb6X/w400-h288/livros%20velhos.jpg" width="400" /></a></div><br /><p style="text-align: center;">SEGUIR PARA TRÁS Parte 10</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">A viagem foi mais longa e mais solitária do que eu pensava que seria. Tomei remédio para ansiedade antes de embarcar, já que aquela seria minha primeira viagem internacional e sozinha. Meus tios me levaram ao aeroporto. Nos despedimos com abraços desajeitados, e eles me fizeram prometer que eu voltaria. Mas todos sabíamos que aquilo ainda não estava definido.</p><p style="text-align: center;">A tripulação foi muito gentil comigo quando repararam no quanto eu estava insegura. Uma das comissárias até conversou um pouco comigo, e quando pousamos, ela me deu algumas informações sobre como resgatar minha bagagem. Foi muito paciente e carinhosa. </p><p style="text-align: center;">Segui os outros passageiros e esperei, como ela tinha me indicado, até que minhas malas passaram na esteira. Coloquei-as no carrinho, caminhei até a porta e lá estava minha avó me esperando.</p><p style="text-align: center;">Aquela mulher alta, de cabelos muito brancos elegantemente presos em um coque, é a minha avó. Ela me olha com seus olhos azuis (que nem são tão frios como sempre me diziam ser) e sorri. Vejo que ela está usando calças jeans estilo ‘flair’ e uma blusa branca de mangas longas muito chique, o tecido com caimento perfeito, um laço mole e branco escorregando do pescoço até o meio dos seios. Ela é tão bonita! Imediatamente, eu me lembro de minha mãe e do quanto ela era comum, sem atrativos especiais. Mas logo percebo alguns traços dela no rosto de minha avó. Aquilo me traz lágrimas aos olhos inesperadamente, e eu praguejo baixinho. Seco-as com as costas da mão enquanto caminho na direção dela, tentando parecer segura. Reparo no homem alto e forte, aparentando uns cinquenta anos ao lado dela; o motorista, suponho.</p><p style="text-align: center;">Já não nos vemos há muitos anos. Só conseguia me lembrar do rosto dela ao olhar as fotos. Ela agora parece bem mais velha, mas igualmente bela. Quando chego mais perto, ela me segura pelas mãos e me olha da cabeça aos pés; nos abraçamos, e sinto que o abraço dela é caloroso. Ela diz: “Seja bem-vinda!” enquanto faz sinal ao homem, que pega o carrinho com as minhas malas. Nós o seguimos até o carro, um sedan cuja marca desconheço, mas que é de um azul profundo e parece luxuoso. </p><p style="text-align: center;">Paris nem é tão bonita assim. Parece uma cidade que já teve seus tempos áureos, mas que agora está um pouco suja. Vejo muita gente pelas ruas – imigrantes, conforme minha avó explica. Mas a Torre Eiffel é implacável, e não consigo segurar um “Uau” de admiração ao vê-la pela janela do carro. Minha avó comenta:</p><p style="text-align: center;">- Paris já foi bem melhor. Se quiser, podemos visitar a torre, mas hoje em dia está até um pouco perigoso, por causa de assaltos. Mas com certeza sua prima ficará muito feliz em levar você. </p><p style="text-align: center;">-Olho para ela:</p><p style="text-align: center;">-Minha prima? A filha de Tia Agnes, irmã de mamãe?</p><p style="text-align: center;">Ela sorri:</p><p style="text-align: center;">-Claro! Quem mais? </p><p style="text-align: center;">-Ela está aqui?</p><p style="text-align: center;">- Sim. Vai ficar algumas semanas. Quer conhecer você. </p><p style="text-align: center;">- Mas... eu não falo francês!</p><p style="text-align: center;">-Não se preocupe. Georgette fala português fluentemente. Já morou e estudou em Portugal durante seis anos. Fez amigos por lá, e de vez em quando, passa algum tempo em Cintra. </p><p style="text-align: center;">-E meu primo? Ele está aqui também?</p><p style="text-align: center;">- Rodolpho? Não, está morando em Londres. Estuda e trabalha por lá. Mora em uma república, imagine! Poderia ter seu próprio apartamento, mas acha mais divertido assim.</p><p style="text-align: center;">- E quanto ao Tio Charles?</p><p style="text-align: center;">Minha avó balança a cabeça levemente:</p><p style="text-align: center;">-Ele e sua tia se separaram há mais ou menos um ano. Ele vive longe daqui. Tem outra família. A mulher dele tem quase a metade da idade de Agnes, e eles tiveram um bebê recentemente.</p><p style="text-align: center;">Meu estômago dá voltas; ela estava me falando sobre a minha família, e eu teria que conhecê-los um dia. Sei que Tia Agnes é muito sofisticada (conforme meu pai vivia repetindo, ele a chamava de “Aquela metida da sua tia”, embora só tivessem se encontrado duas ou três vezes). E quanto a Georgette, eu não sei nada sobre ela. Só tinha visto uma foto que encontrei entre as coisas dele, depois que ele morreu. Na foto, ela é só uma criança, uma menina bonitinha de cabelos ruivos cacheados. Pergunto sobre meu avô, e ela diz:</p><p style="text-align: center;">- Ele está melhor, por enquanto, mas não sabemos como estará amanhã. A doença dele (o rosto dela se entristece) é um pouco grave, e com a idade...</p><p style="text-align: center;">- Olho para sua pele bem cuidada; sei que minha avó tem algo entre setenta e setenta e cinco anos, embora não aparente, mas que meu avô é bem mais velho que ela. Ela me sorri:</p><p style="text-align: center;">-Mas vamos falar de coisas boas. Como você tem se saído, agora que está vivendo sozinha?</p><p style="text-align: center;">Eu me espanto com a pergunta, pois sei que ela não deseja realmente escutar a história de minha vida desde que meu pai morreu. Por isso, demoro a responder, procurando as palavras certas. Mas acabo dizendo a pior coisa que eu poderia ter dito:</p><p style="text-align: center;">- Escute, vovó...</p><p style="text-align: center;">Ela me interrompe, rindo:</p><p style="text-align: center;">- Me chame de Joana, por favor. Meus netos não me chamam de vovó.</p><p style="text-align: center;">- Ok, Joana. Sei que você e meu avô não gostavam de meu pai. Vim aqui em busca de respostas. </p><p style="text-align: center;">Ela arregala os olhos, erguendo as sobrancelhas tingidas. Vejo seus lábios se trasformando em uma letra ‘o’, e depois voltando lentamente ao lugar. Surge na minha mente a ideia de que a minha vida não anda para frente, só pra trás. Quanto mais eu me lanço em direção ao futuro, mais a vida me puxa para o passado. Mas compreendo que para seguir em frente, a gente precisa resolver as pendengas do passado. Minha avó põe os óculos escuros, que a deixam com aparência fria e impessoal. Ela diz alguma coisa em francês ao motorista, que começa a retornar, mudando de direção – sei, pois coisas que já tinham aparecidao à janela voltam a aparecer. Penso se ela não vai me levar de volta ao aeroporto, quando ela diz:</p><p style="text-align: center;">-Que respostas você está buscando, Valentina?</p><p style="text-align: center;">Aquilo me pega de surpresa, e hesito ao responder:</p><p style="text-align: center;">-Por exemplo... hã... por que vocês odeiam meu pai? Por que minha mãe praticamente cortou laços com vocês? </p><p style="text-align: center;">-Você tem certeza de quer mexer nesse ninho de abelhas? Não acha que a vida é bem melhor quando aceitamos as coisas como elas são? Você tem a sua história, e mesmo que seus pais estejam mortos, você tem uma vida inteira pela frente, para escolher viver como quiser. Talvez muitas coisas mudem, e essa mudança não vai ser para melhor.</p><p style="text-align: center;">Agora eu estou realmente curiosa. Ela parece estar me provocando. O rosto dela é totalmente inexpressivo por trás dos óculos escuros. Ela fecha o vidro que separa os assentos da frente do carro e o nosso. Acho isso chique. Penso, ao mesmo tempo, que talvez meus tios tenham razão, e que ela me convidou apenas para destruir a imagem que eu guardo do meu pai – um tipo de vingança póstuma? Mas isso não faz sentido.</p><p style="text-align: center;">A Torre Eiffel enfeita novamente a paisagem. Olho para ela, e penso que seria muito fácil subir até o topo e me jogar lá de cima, acabando com todos os meus problemas. Enfio a mão no bolso do meu casaco, e tateio meus comprimidos para ansiedade. Eles me trazem algum tipo de segurança. Eu me sinto pequena perto de minha avó... de Joanna. Ela me olha longamente, as mãos no colo, apertando os próprios dedos nervosamente, mas tentando aparentar frieza. Sinto que ela faz um esforço grande para não desmoronar emocionalmente. Joanna diz:</p><p style="text-align: center;">- Antes de qualquer coisa, quero que você saiba que não ter tido muito contato com você enquanto você crescia não tem nada a ver com falta de... amor da nossa parte. Fizemos de tudo, fizemos o possível para que você fosse parte da família, mas seus pais... minha filha... sua mãe, principalmente, não permitiu. No fim, acabamos desistindo de vez. </p><p style="text-align: center;">-Por que foi assim? Por que minha mãe não ia querer que eu tivesse contato com vocês? Com os meus avós, tios e primos?</p><p style="text-align: center;">-Exatamente porque ela não queria que você descobrisse a verdade sobre ... </p><p style="text-align: center;">Ela faz um gesto de negação com a cabeça. Retira os óculos escuros, me olha nos olhos, e eu vejo que eles estão úmidos. Ela os aperta com as pontas dos dedos. Eu espero. Pacientemente, em silêncio. Sinto que a minha vida vai mudar radicalmente, mais uma vez, a partir dali. Tenho vontade de pedir que ela pare o carro, e sair correndo de volta ao Brasil. Mas eu me seguro. E ela se solta, as palavras saindo de dentro de sua boca como uma forte enxurrada de águas há muito tempo represadas.</p><p style="text-align: center;">-Você... não é filha de minha filha Bia. Sua mãe se chamava... Fernanda.</p><p style="text-align: center;">Minha cabeça dá um nó. Fernanda, a primeira esposa de meu pai, era minha verdadeira mãe? Mas como? Tento manter a calma, Meus dedos abrem o envelope do remédio, dentro do bolso, e rapidamente levo um comprimido à boca, engolindo-o sem água, como já estou tão acostumada a fazer. Joanna (não posso mais chamá-la de minha avó) acompanha meu gesto, mas não diz nada. Ela continua:</p><p style="text-align: center;">-Você já escutou esse nome antes?</p><p style="text-align: center;">A percepção de que eu estou em um país estrangeiro, com uma pessoa que não é nada minha, me atinge como uma bala de revólver, e me sinto extremamente só. Sem querer, caio em um choro convulsivo. De pena de mim mesma. De ter sido tão enganada a minha vida inteira, pelos meus pais, tios, pessoas que eu pensava serem a minha família...</p><p style="text-align: center;">Minha vó me passa uma caixa de lenços de papel, mas antes, tira um para si mesma. Ficamos as duas chorando, sem nos olharmos, durante alguns minutos. Consigo dizer:</p><p style="text-align: center;">- E sei quem é Fernanda. Minha tia Atena, ela me contou que... Fernanda tinha sido a primeira esposa de meu pai.</p><p style="text-align: center;">Ela concorda com a cabeça. Diz:</p><p style="text-align: center;">- Ela foi a primeira esposa de seu pai, e estava casada com ele quando ele e Bia se conheceram. Ela engravidou, morreu no seu parto, e seu pai e minha filha... tomaram você como filha natural deles. Seu pai tinha um amigo no cartório que fez a papelada toda. No início, eu e meu marido não concordamos, mas quando a vimos... tão pequena, inocente... nós a amamos no primeiro momento, e estávamos dispostos a fazer tudo por você, Valentina, mas queríamos que você soubesse da verdade. Não queríamos que você crescesse sem conhecer sua verdadeira história. Mas Bia foi contra. E seu pai também. Queriam que você acreditasse que era realmente filha de sua mãe. Por eles, você nem ficaria sabendo que Fernanda um dia existira. </p><p style="text-align: center;">Minha cabeça começa a doer, mas eu sei que assim que o remédio surtir efeito, a dor passará e eu mergulharei em um confortável estado de semi-torpor. Eu não sei o que fazer com toda essa informação. Joanna continua, escolhendo as palavras agora com cuidado:</p><p style="text-align: center;">- Para nós, você é da nossa família, é a criança que Bia amou e cuidou, e que nós aprendemos a amar também, apesar da distância. </p><p style="text-align: center;">Me lembro das poucas vezes que eles tinham me visitado, e do quanto tinham sido carinhosos comigo. Também das raras vezes em que nos falamos ao telefone ou através de aplicativo, e do quanto minha mãe sempre permanecia ao lado, monitorando a nossa conversa o tempo todo e decidindo quando ela terminaria. Depois, com meu pai, foi ainda mais difícil manter contato com eles. Ele dizia coisas terríveis sobre a família de minha mãe. Algumas daquelas coisas tinham influenciado a minha opinião sobre eles, de forma que não fiz mais questão de manter contato. </p><p style="text-align: center;">Me lembro também de que ao arrumar o armário de meu pai, depois de sua morte, eu tinha queimado a única fotografia que eu poderia ter de minha mãe. E se a família dela perseguiu meu pai durante tanto tempo após a morte dela, por que haviam desistido de repente?</p><p style="text-align: center;">Pergunto aquilo à minha avó:</p><p style="text-align: center;">-Onde estão meus verdadeiros avós?</p><p style="text-align: center;">Vejo que ela se sente ferida com o que acabo de dizer, mas não saberia perguntar de outra forma. Ela responde:</p><p style="text-align: center;">- Sinto muito, Valentina, mas ambos já são falecidos. </p><p style="text-align: center;">-E quanto aos meus tios, primos?...</p><p style="text-align: center;">-Fernanda era filha única. – Ela coloca uma mão sobre as minhas, que estão no meu colo: - Sinto muito.</p><p style="text-align: center;">Eu sinto aquele contato me incomodando, e retiro as minhas mãos de sob as dela. Não entendo o motivo, já que ela foi a única pessoa que me contou a verdade. Peço a ela que me leve de volta ao aeroporto, mas ela me rebate:</p><p style="text-align: center;">-Por favor, Valentina, você está aqui, passe alguns dias conosco ao menos... nos dê uma chance de nos fazermos conhecer por você. Para nós, você é a nossa neta! Amamos você tanto quanto amamos nossa outra neta. Muitas vezes, a família da gente pode ser definida por outros laços que não os de sangue.</p><p style="text-align: center;">Odeio o que meu pai me fez, e esse ódio começa a ser algo pessoal. Ele mentiu sobre mim, sobre a minha identidade e a minha história; traiu minha mãe verdadeira, e depois, a mãe que me criou. Envolveu a todos nessa mentira horrorosa e fez o que podia para que eu jamais soubesse da verdade, mesmo após a sua morte. Com a anuência e ajuda dos meus tios. Sinto que a vida que vivi até agora nunca foi minha.</p><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;">(CONTINUA...)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQw98w0F4bX-8W2gXy-7DvR0POm3xu8DklSrS65sbOPYS8j9nCAgwgBIZAOy3t0m_0-9SoJxBgNmBtgRKsDTyQX8jWRBzX436whrE4Mu8nqtX_SJoNcNGAmvY3QB52JPZN7a5W-iJkMAi6Wo0GDweVtQFlAdWYkkfFILQ5Pmzwqo-AE60Ek8o28QbB/s300/giphy.gif" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="300" data-original-width="294" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQw98w0F4bX-8W2gXy-7DvR0POm3xu8DklSrS65sbOPYS8j9nCAgwgBIZAOy3t0m_0-9SoJxBgNmBtgRKsDTyQX8jWRBzX436whrE4Mu8nqtX_SJoNcNGAmvY3QB52JPZN7a5W-iJkMAi6Wo0GDweVtQFlAdWYkkfFILQ5Pmzwqo-AE60Ek8o28QbB/s1600/giphy.gif" width="294" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;"><br /></div>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-82895543015114034112022-06-27T10:39:00.001-03:002022-06-27T10:39:11.300-03:00SEGUIR PARA TRÁS - Parte 9<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaUvUwb0N_AJ_sCACXFFJf3tGplsRLE8zqTHZqVVfY4tUYO7cqX7ablmJh-2u__wdp82U3vEG1zgqt6O9Xubu0_PBGtRT64CokGfYAatfURZBAYgGqEA-_457habSVG0oIo9ZZYoB1W8wyNEkXp9IV1lgcoCNsI0NIzQ340GESBles1xp402QXDw79/s846/6efb38fb4d5eec357064ab200a3a2966.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="846" data-original-width="564" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaUvUwb0N_AJ_sCACXFFJf3tGplsRLE8zqTHZqVVfY4tUYO7cqX7ablmJh-2u__wdp82U3vEG1zgqt6O9Xubu0_PBGtRT64CokGfYAatfURZBAYgGqEA-_457habSVG0oIo9ZZYoB1W8wyNEkXp9IV1lgcoCNsI0NIzQ340GESBles1xp402QXDw79/w266-h400/6efb38fb4d5eec357064ab200a3a2966.jpg" width="266" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"> Parte 9</p><p style="text-align: center;">Minha conversa com Jonathan não foi nada fácil. Eu descobri que estava mais apaixonada por ele do que eu pensava, e deixá-lo para que se case com outra não estava nos meus planos. Mas a gente não pode planejar tudo. Eu realmente acreditava que tinha resolvido as coisas, mas dois dias depois que a Priscila me visitou, ele socou minha porta de manhã.</p><p style="text-align: center;">Estou tomando café da manhã na cozinha, ainda de pijamas, meio descabelada, e sei que é ele à porta. Respiro fundo antes de abrir, tentando controlar a minha ansiedade que de repente sobe dos meus pés até o topo da cabeça, me deixando trêmula. Os olhos dele estão rodeados por um par de olheiras escuras, e também estão bem vermelhos. Olho para ele à porta, os cabelos úmidos da chuva fina que cai naquela manhã de domingo. Faço sinal para ele entrar.</p><p style="text-align: center;">Ele me segura pelos ombros:</p><p style="text-align: center;">-Eu não posso deixar você, Valentina, eu estou completamente apaixonado! Não faça isso com a gente...</p><p style="text-align: center;">- Minha voz sai tão embargada quanto a dele:</p><p style="text-align: center;">- Não tem jeito, o que a gente pode fazer? Ela tá grávida, Jonathan! </p><p style="text-align: center;">- Isso é terrível... eu não estou pronto para ser pai de ninguém... eu sequer tenho onde cair morto, ou onde morar com ela... ela não é a mulher que eu amo. Eu não quero isso para a minha vida, Valentina. Não quero ficar ligado a ela dessa maneira. Você não pode me obrigar a isso.</p><p style="text-align: center;">- Mas o que você quer fazer? Se você é o pai dessa criança... não vejo como... </p><p style="text-align: center;">Eu me jogo no sofá, totalmente esgotada. Minhas mãos tremem. Ele se joga do meu lado, e segura a minha mão com a mão gelada dele. Ambos estamos chorando. No fundo, somos duas crianças perdidas. Chego à conclusão de que a gente precisa de ajuda. Digo aquilo a ele bem devagar.</p><p style="text-align: center;">-Acho que a gente precisa de ajuda, Jonathan. E se vocês contassem para o pessoal da Instituição?</p><p style="text-align: center;">Ele nega com a cabeça:</p><p style="text-align: center;">- É uma saída... mas a Priscila não quer. Sabe que eles vão fazer de tudo para colocar a criança para adoção, ou então vão movê-la para outro tipo de instituição onde ela vai poder ficar com o bebê. Bem, ela cresceu lá, não queria sair. Sem contar com o fato de que eles vão me demitir, pois já sou de maior, e eu vou perder o emprego e o quarto. </p><p style="text-align: center;">- Mas nem tudo o que se quer, se pode. Vocês precisam achar uma solução então, já que você não quer casar com ela. Ela tem que ceder de algum lado. Ou então... eu posso falar com meus tios. Eles poderiam ter uma solução.</p><p style="text-align: center;">Ele levanta do sofá, as mãos na cabeça:</p><p style="text-align: center;">-O que? Não! Eu nem conheço eles. São dois estranhos para mim. E eu vi a maneira como seu tio me olhou naquele dia que passou de carro e viu a gente na varanda.</p><p style="text-align: center;">Ele se acalma, sentando-se ao meu lado de novo:</p><p style="text-align: center;">-E tem mais, Valentina: eu jamais aceitaria que você abrisse mão do seu aluguel para ceder o apartamento para a gente. Isso é absurdo. </p><p style="text-align: center;">-Mas... e se fosse só para ela, então? Eu não cobro nada pelo aluguel, ela pode ficar enquanto precisar.</p><p style="text-align: center;">Ele tentou sorrir:</p><p style="text-align: center;">-Você é uma pessoa muito incrível. Mas olha... a gente se conhece há pouco tempo, nossas realidades são diferentes. A gente começou a vida de maneira diferente. Você não tem nada a ver com os nossos problemas, na verdade. Valentina, eu juro que jamais queria ser um problema pra você... mais uma tristeza na sua vida.</p><p style="text-align: center;">Ignoro a última frase dele.</p><p style="text-align: center;">- Mas eu posso ajudar. A única maneira que eu sei ajudar é essa. Vocês se mudam para o apartamento, você arranja um emprego, sustenta seu filho.</p><p style="text-align: center;">Ele tem um sobressalto:</p><p style="text-align: center;">-“Meu filho...” Isso é tão ... estranho.</p><p style="text-align: center;">Sinto vontade de abraçá-lo, mas isso só vai complicar as coisas. Na verdade, eu não queria estar na pele dele. Ou na dela. Eu continuo, com a frieza e praticidade que adquiri de meu pai:</p><p style="text-align: center;">- Você não precisa se casar com ela. Com o tempo, as coisas se ajeitam... vocês podem morar juntos no começo. Depois, você trabalha e pode pagar um lugar pra você ficar.</p><p style="text-align: center;">Ele não responde.</p><p style="text-align: center;">-As coisas às vezes parecem horríveis no início, mas com o tempo, tudo se ajeita – eu digo. Sei que você está desesperado agora, mas... um filho é um filho... não se joga fora.</p><p style="text-align: center;">Ele me olha de um jeito que eu sei exatamente o que ele está pensando, mas tento ignorar meus próprios instintos: por ele, Priscila faria um aborto e acabaria com todo esse problema. E todos viveriam felizes para sempre? Eu duvido. Não viveríamos felizes. </p><p style="text-align: center;">Ele me olha, e seu olhar vai se modificando, e de repente, sinto que tudo o que mais o preocupa somos nós dois. Este é o problema. É isso que está impedindo que ele faça o que é certo. Eu me levanto e vou até a gaveta da cabeceira, onde pego as chaves do apartamento na gaveta da cômoda. Hesito, sem saber se estou fazendo a coisa certa. Cada passo que eu dou é dolorido, pois eu sei que estou me despedindo dele. Mas eu sou jovem. Ainda amarei outra pessoa. </p><p style="text-align: center;">Chego na sala, onde o encontro sentado no mesmo lugar, olhando para o chão. Estico as chaves para ele. Ele as olha. Digo:</p><p style="text-align: center;">-Essas são as chaves do apartamento. Não renovarei o contrato, já avisei aos locatários. Ele está mobiliado. Acredito que estará livre daqui a um ou dois meses. Tudo o que vocês precisam fazer, é esconder que a Priscila está grávida até lá. Ele é pequeno, mas dá para começar. O aluguel nem é minha principal renda. Acredite, não preciso dele. Minha mãe me deixou uma boa grana, meu pai me deixou esta casa e um pouco de dinheiro; tenho outras formas de renda.</p><p style="text-align: center;">Ele começa a chorar muito. Balanço as chaves diante dele, minha voz se eleva:</p><p style="text-align: center;">-Pega logo, Jonathan! Não torne tudo ainda mais difícil. E olha... neste envelope tem grana. Leve a Priscila ao médico. É meu ginecologista pessoal, ele vai indicar um bom obstetra.</p><p style="text-align: center;">-Eu me sinto... humilhado.</p><p style="text-align: center;">-Não é hora para ter orgulho. Uma criança depende de vocês.</p><p style="text-align: center;">- Mas e nós, Valentina?</p><p style="text-align: center;">-Não tem mais “nós.”</p><p style="text-align: center;">Tento fazer a minha voz soar dura, mas ela se quebra no meio da frase. Ele me abraça forte de repente, e eu me deixo ficar de olhos fechados nos braços dele. </p><p style="text-align: center;">E então estão acabadas as tardes passeando com ele. As tardes sob as cobertas assistindo filmes, as voltas no caminhão da Instituição. Fim das tentativas tão árduas de controlarmos a nossa libido, os nossos instintos. Não mais carinhos, não mais o cheiro dele, a batida na porta que me elevava o espírito. Solidão de novo. A mais pura, intensa, imensa solidão. Eu estou voltando. Estou seguindo para trás.</p><p style="text-align: center;">Dezesseis dias depois, estou sentada diante dos meus tios. Sei que perdi peso de novo. Meus tios me olham, mas não fazem comentários sobre as roupas mais largas que o normal, embora me olhem com preocupação.</p><p style="text-align: center;">- E então, Tia Atena, é isso. Resolvi aceitar o convite da minha avó.</p><p style="text-align: center;">Meus tios estão me olhando, incrédulos. Estamos sentados na cozinha da casa deles, tomando uma xícara de chocolate quente. Tio Heitor parece indignado, mas quando ele vai abrir a boca, Tia Atena dá um chute nele por baixo da mesa. Eu sei, pois ela erra o chute e acaba me acertando. Deixo escapar um “ai”, mas todo mundo entende tudo. Ele respira fundo e não diz nada, mas vejo o rosto dele ficando vermelho e sei que ele vai explodir a qualquer momento. Tia Atena diz:</p><p style="text-align: center;">-Mas... o que fez você mudar de ideia tão rápido? Você me disse que estava começando a namorar...</p><p style="text-align: center;">-É, mas não deu certo. E eu quero passar um tempo com meus avós, pois eles também são a minha família. </p><p style="text-align: center;">Eu não quero contar a verdade toda porque sei que Tia Atena e Tio Heitor vão ser contra eu deixar o Jonathan e a Priscila morando lá. Mas o apartamento é meu, e eu faço o que quiser. O inquilino acabou vagando o apartamento mais cedo, e Priscila e Jonathan se mudaram para lá. Falei com eles por telefone. Nenhum dos dois pareciam estar felizes, mas pelo menos, estavam aliviados. Jonathan conseguiu um emprego de barman em um bar badalado da cidade, enquanto Priscila conseguiu um emprego online trabalhando de casa. A vida continuaria para todos nós. </p><p style="text-align: center;">Mas estou diante dos meus tios agora, decidindo a minha vida; continuo:</p><p style="text-align: center;">-Não vou me mudar para lá, vou ficar apenas alguns dias ou semanas.</p><p style="text-align: center;">Tio Heitor explode finalmente:</p><p style="text-align: center;">-O suficiente para aquela ... aquela senhora encher sua cabeça contra o seu pai! Ela vai inventar uma porção de histórias horríveis sobre ele – ele berra.</p><p style="text-align: center;">Eu perco a compostura:</p><p style="text-align: center;">-E por que ela faria isso? Meu pai está morto, e minha mãe também. Ela não teria motivos. Eu não tenho nada a ver com essa história deles.</p><p style="text-align: center;">Tia Atena tenta acalmar os ânimos:</p><p style="text-align: center;">-Parem de gritar, ou então os vizinhos vão chamar a polícia... Heitor, ela tem direito a visitar os avós. </p><p style="text-align: center;">Ele a fuzila com o olhar. Eu alinhavo tudo:</p><p style="text-align: center;">-Ela tem razão. Tenho o direito, e vou. De primeira classe. No próximo mês.</p><p style="text-align: center;">-Mas você ainda estará em período de aulas! – ele diz.</p><p style="text-align: center;">-Mas eu já passei de ano, tenho nota sobrando. Posso ir um mês mais cedo.</p><p style="text-align: center;">Tio Heitor bufa de indignação:</p><p style="text-align: center;">- Acho que seu pai cometeu um erro enorme emancipando você! Deveria tê-la deixado sob a nossa guarda!</p><p style="text-align: center;">Arregalo os olhos:</p><p style="text-align: center;">-Sério? Por que? Eu sei muito bem cuidar de mim! Meu pai fez um ótimo trabalho comigo, tio. Não precisam se preocupar. Não estou aqui pedindo permissão, tio, apenas comunicando minha decisão. Afinal, devo muito a vocês. (Abrando o tom de voz).</p><p style="text-align: center;">Tia Atena está coma cabeça apoiada na mão, cotovelo sobre a mesa, enquanto desenha círculos com o dedo no tampo de madeira. Sei que eu os estou decepcionando. Mas é a minha vida.</p><p style="text-align: center;">Mais tarde, nós jantamos juntos a macarronada quase fria e sem sabor da minha tia, que naquela noite estava ainda pior, e então, após ajudá-la a lavar os pratos, eu me despeço deles e vou embora para casa. </p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">(continua...)</p><p style="text-align: center;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgazo4ptdiI5WuvoqUpDbC3ALvgcqOh0mR27qkitI99bpav7RzvD6JKPD_FFnedDreurIDiqFRFg_eJND8BTRaRA8AihG2wejbX7567FusWLx3vix90MKLb_XMLpdvTaVQAk9BehhJI8mspZ7aqVbOS18VDa2CD0yaDp5DMz49lRmW9YFIRXVfNNuSc/s225/images%20(8).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="225" data-original-width="225" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgazo4ptdiI5WuvoqUpDbC3ALvgcqOh0mR27qkitI99bpav7RzvD6JKPD_FFnedDreurIDiqFRFg_eJND8BTRaRA8AihG2wejbX7567FusWLx3vix90MKLb_XMLpdvTaVQAk9BehhJI8mspZ7aqVbOS18VDa2CD0yaDp5DMz49lRmW9YFIRXVfNNuSc/s1600/images%20(8).jpg" width="225" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"> </p><div style="text-align: center;"><br /></div>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-16294886938586286092022-06-13T16:53:00.003-03:002022-06-13T16:53:40.760-03:00SEGUIR PARA TRÁS - PARTE 8<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhylLyBhvmxvWVw7CYDkFk8SsZRMXLYLMezTwiYQXnTnC910hrBH6niUG4Uk4VDydIBY_prwgkAAXVRJBVFJX1o7LxLL2gHoGkHy3KgYJKw7PVqYh9N_S3r6xRxU1KPyHsLBxHBsTPx0XMCPoFRJc_7F9PNE7DZ36MJjmaUmMaNQu7OrQ8gadk1zFGi/s794/13450821_840195646110497_2033132139593065763_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="635" data-original-width="794" height="312" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhylLyBhvmxvWVw7CYDkFk8SsZRMXLYLMezTwiYQXnTnC910hrBH6niUG4Uk4VDydIBY_prwgkAAXVRJBVFJX1o7LxLL2gHoGkHy3KgYJKw7PVqYh9N_S3r6xRxU1KPyHsLBxHBsTPx0XMCPoFRJc_7F9PNE7DZ36MJjmaUmMaNQu7OrQ8gadk1zFGi/w390-h312/13450821_840195646110497_2033132139593065763_n.jpg" width="390" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"> Parte 8</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Eu e Jonathan temos passeado muito por aí, à pé. Ele deixa o carro da instituição aqui em casa no meio da tarde e nós vamos andar. Não tem muitas casas onde moro, mas tem uma estrada linda, um parque que ninguém frequenta que fica a mais ou menos meia hora à pé daqui de casa (nem sei por que alguém construiu um parque onde não tem ninguém) e a gente gosta de sentar no banquinho velho de madeira, ou de nos balançarmos nos balanços enferrujados. Quando começa a escurecer, o céu fica lindo, em tons de laranja, e nós voltamos para casa. E quando chegamos em frente ao meu portão, já é noite. Ele entra no caminhão e vai embora. </p><p style="text-align: center;">Eu entro em casa e vou fazer os deveres da escola, ou assistir a um filme. Raramente convido Jonathan para entrar durante a noite, pois tenho medo do que possa acontecer, da gente não conseguir resistir. Quando o convido, nós comemos alguma coisa e nos sentamos um pouco na varanda. Mas ele nunca demora muito, pois se descobrirem na instituição, que ele anda usando o carro para vir namorar, não vão mais deixá-lo usá-lo. A gente se vê duas ou três vezes na semana, e ficamos juntos por umas três horas, um pouco mais, um pouco menos.</p><p style="text-align: center;">Tio Heitor passou aqui ontem à noite de carro, justamente no momento em que eu e o Jonathan estávamos sentados de mãos dadas na varanda. Ele diminuiu a marcha, baixou a cabeça para me olhar, buzinou e acenou. Acenei de volta. Pensei que cedo ou tarde, tia Atena ia aparecer por aqui para indagar sobre o Jonathan. Mas o que eles tem com a minha vida? Sou emancipada. Dona do meu nariz. </p><p style="text-align: center;">Bem, ela me liga na mesma noite:</p><p style="text-align: center;">- Oi, Valentina. Tudo bem? Só estou ligando porque fiquei preocupada... Heitor me disse que viu um rapaz na sua varanda.</p><p style="text-align: center;">Ela sempre vai direto ao assunto. Respondo:</p><p style="text-align: center;">- Ah, é o Jonathan. Um amigo. Na verdade, estamos namorando.</p><p style="text-align: center;">Escuto a respiração dela acelerar:</p><p style="text-align: center;">- Mesmo? Ahn... que bom, fico feliz que você ... mas...</p><p style="text-align: center;">- Pode ficar tranquila, Tia Atena, eu sei me cuidar. Por isso meu pai me emancipou antes de morrer. Porque ele sabia a filha que tinha.</p><p style="text-align: center;">Achei que dizendo aquilo, ela entenderia o recado, mas minha tia continua a falar:</p><p style="text-align: center;">- Claro, claro, mas... é seu primeiro namorado, e se quiser conversar sobre isso, é só me chamar. Você sabe, precisa ter cuidado.</p><p style="text-align: center;">- Ainda não transamos, se é o que você quer saber. Mas eu sei me cuidar, tenho aulas sobre isso na escola. E meu pai me deu muitos livros sobre o assunto. Não se preocupe, tia.</p><p style="text-align: center;">Silêncio por alguns segundos.</p><p style="text-align: center;">- Valentina... eu sinto como se você estivesse nos expulsando da sua vida. Cada vez nos vemos menos. E sempre que eu ligo, você se mostra tão escorregadia... quase hostil. Por que? Fiz alguma coisa errada?</p><p style="text-align: center;">Sinto pena dela, mas penso que eu também sento a mesma coisa a respeito deles. Eram casados há tanto tempo, e como viviam sem filhos desde sempre, acho que me afastar seria melhor para todos.</p><p style="text-align: center;">-Não, tia. É que eu tenho sentido vontade de ficar mais sozinha, seguir, aprender a viver. Mas eu sei que posso sempre contar com vocês. Amo vocês dois.</p><p style="text-align: center;">-Nós também a amamos, Valentina. E por favor, vê se aparece por aqui. Traga seu namorado.</p><p style="text-align: center;">-Ok. A gente liga para marcar alguma coisa. Beijos, tia.</p><p style="text-align: center;">Mas até hoje, tal visita não aconteceu. Porque outras coisas aconteceram.</p><p style="text-align: center;">Estou em casa, mais ou menos cinco dias após minha conversa com tia Atena. É bem cedo ainda, manhã de sexta-feira, e estou pronta para ir à escola. Estou terminando de tomar café quando a campainha toca. Vou atender a porta, achando que é Tia Atena, mas para minha surpresa, deparo com alguém que eu jamais esperaria ver na minha porta algum dia.</p><p style="text-align: center;">Priscila.</p><p style="text-align: center;">Ela me olha. Eu a olho. Ela realmente me olha, da cabeça aos pés, talvez fazendo as mesmas comparações que eu fiz ao ver a foto dela. Ela parece triste, pois com certeza, chegou às mesmas conclusões que eu. Sinto vergonha por ela estar se sentindo tão humilhada. Vejo que lágrimas chegam até a beirada dos olhos dela. Mas ela as segura firme. Sinto que ela está arrependida de ter vindo. Ela abre a boca, como se fosse dizer alguma coisa, mas de repente os lábios dela se curvam para baixo e ela vira as costas, começando a se afastar da casa. Sem pensar, bato a porta atrás de mim e saio atrás dela.</p><p style="text-align: center;">Ela chega ao ponto de ônibus, e se senta no banquinho de madeira, sem me olhar. Eu me sento ao lado dela, e de repente, pego em sua mão. Nós nos encaramos. Digo:</p><p style="text-align: center;">- Vamos lá para dentro conversar?</p><p style="text-align: center;">Ela concorda com a cabeça, e sei que ela está com aquele nó horrível na garganta, que vai fzer com que ela transborde se tentar falar. Mas eu a conduzo de volta até minha casa. Abro a porta, ela entra e para para olhar em volta. Acho que ela nunca entrou em uma casa de verdade. Ela diz:</p><p style="text-align: center;">-É bonito aqui...</p><p style="text-align: center;">Eu a puxo, fazendo-a sentar-se no sofá. Ela se senta, e percebo que ela dá uma mexidinha nos quadris, tentando adaptar-se à maciez do sofá. Percebo que eu gosto dela. E isso não é bom. Ela me olha, aceitando o copo de suco que eu estendo para ela. Bebe um gole, depois mais dois, depositando o copo sobre a mesinha de centro. Priscila é uma menina tímida, percebo que ela não sabe como começar a falar comigo. Vejo os olhos dela furtivamente pousando sobre quase tudo na casa. Coisas que ela nunca teve. Ela demora-se sobre a lareira. A TV de 50 polegadas. A estante cheia de livros. Minha casa é um pouco bagunçada, mas aconchegante. Noto que se eu não disser nada, poderemos ficar ali durante muito tempo, então eu arrisco:</p><p style="text-align: center;">- Meu nome é Valentina. Mas acho que você já sabe. Como encontrou minha casa?</p><p style="text-align: center;">Ela gagueja:</p><p style="text-align: center;">- Eu me escondi no caminhão um dia. Queria saber aonde o Jonathan estava indo. Quando terminamos, ele não me disse nada sobre outra garota, mas eu sabia. Queria saber quem ela era... quem você é. Mas ele só me disse que nosso namoro estava morno demais, e eu achava melhor ficarmos apenas amigos. Jurou para mim que você nem existia.</p><p style="text-align: center;">Ela riu, eu continuei muito séria. Respondi:</p><p style="text-align: center;">- Ele veio aqui um dia buscar as roupas do meu pai... ele morreu há alguns meses, sabe.</p><p style="text-align: center;">-Sinto muito por você.</p><p style="text-align: center;">Senti sinceridade nas palavras dela.</p><p style="text-align: center;">- Então... nós começamos a conversar, ele um dia me disse que tinha namorada. Eu disse que não me envolveria em um triângulo amoroso. Então ele saiu daqui feito uma bala, nem se despediu. Depois ele voltou, dizendo que tinha terminado tudo com a namorada. Eu não sabia nada sobre você... quero dizer, antes de eu... antes de eu me apaixonar por ele.</p><p style="text-align: center;">A cada palavra que eu dizia, embora tentasse ser cuidadosa, eu sabia que a fazia sofrer. Mas ela precisava saber. Ela estava ali para isso. Não queria mentiras, nem seria justo.</p><p style="text-align: center;">Ela respirou profundamente:</p><p style="text-align: center;">- Sua casa é linda. Deve ser legal morar aqui.</p><p style="text-align: center;">-É. Quero dizer, acho eu já me acostumei, mas penso em vendê-la um dia. É muito grande só para mim.</p><p style="text-align: center;">-Como você consegue ficar aqui sozinha? Não tem medo?</p><p style="text-align: center;">Essa foi a primeira vez que pensei que morar sozinha em uma casa afastada poderia ser perigoso. Encolhi os ombros:</p><p style="text-align: center;">-Não sei... simplesmente nunca pensei nisso. Mas talvez eu devesse, sei lá.</p><p style="text-align: center;">Ela concordou com a cabeça.</p><p style="text-align: center;">-Mas acredito que você não está aqui para falar da minha casa, né?</p><p style="text-align: center;">- Não. Na verdade... fiquei surpresa quando você me reconheceu. Não esperava por isso.</p><p style="text-align: center;">- Jonathan me mostrou uma foto sua uma vez. Eu pedi a ele. Queria saber como você é.</p><p style="text-align: center;">Ela olha para si mesma, instintivamente levando a mão ao rabo de cavalo para ajeitá-lo. Algumas mechas de cachos escapam do elástico. Ela alisa as calças jeans. Ergue as duas mãos deixando as palmas para cima, em um gesto de impotência:</p><p style="text-align: center;">-Bem, eu sou assim, como você está vendo. Não sou bonita, não sou glamourosa, não me visto bem. Cada peça que você vê em meu corpo foi doada por outras pessoas. Todas as minhas roupas são de segunda mão. Até mesmo esse anel no meu dedo. Mas eu tinha Jonathan, então tudo fazia sentido para mim. Até você chegar na vida dele e virar tudo de cabeça para baixo.</p><p style="text-align: center;">Ela ergueu a voz um pouco na última frase, me fitando.</p><p style="text-align: center;">-Escute, se você veio aqui para fazer eu ficar com pena de você, isso não vai funcionar. Pensei que você fosse melhor que isso. Afinal, ele falou muito bem de você. </p><p style="text-align: center;">Ela riu, erguendo-se do sofá e caminhando até o outro lado da sala:</p><p style="text-align: center;">-Pena de mim? Não preciso da sua piedade, Valentina. Só queria que você me entendesse. E eu vim porque eu estava curiosa sobre você. E sabe, você é bem mais bonita do que eu, enfim, eu perdi pra você.</p><p style="text-align: center;">- Que eu saiba, não estamos em uma competição, Priscila. Eu não tirei o Jonathan de você, eu não teria entrado nessa história se...</p><p style="text-align: center;">-“Se” o que? Quando ele te disse que tinha namorada, você poderia ter dado um pé nele.</p><p style="text-align: center;">-Mas como, se ainda nem estávamos namorando? E eu disse para ele que não seria um terceiro elemento na vida de ninguém!</p><p style="text-align: center;">Ela dá uma gargalhada maldosa, e eu me sinto tão oprimida, que deixo a sala.</p><p style="text-align: center;">Estamos ambas gritando. Vou até a cozinha e pego um copo de água, bebendo tudo. Ela vai atrás de mim. Recosta-se no alpendre, de braços cruzados, me olhando. Diz:</p><p style="text-align: center;">-Desculpa, eu não queria parecer grosseira.</p><p style="text-align: center;">Concordo com a cabeça:</p><p style="text-align: center;">-Nem eu.</p><p style="text-align: center;">-Sabe, minha vida não é nada fácil, e agora então... eu vim aqui porque não tinha outra saída! Eu estou grávida, e não quero abandonar meu bebê como a minha mãe fez comigo! Eu só tenho 17 anos, porra! Se eles descobrirem que eu estou grávida, vão tomar meu bebê e dar para adoção! É isso que eles fazem lá na Instituição.</p><p style="text-align: center;">Meu coração parece inchar, obstruindo a minha fala. Sinto meu rosto enrubescer: então ela está grávida do Jonathan! Cada palavra dela é como um punhal na minha garganta. Porque eu estou irremediavelmente apaixonada por Jonathan.</p><p style="text-align: center;">Eu me apoio na parede para não desabar. Olho para ela, que tem os olhos vermelhos, e vejo as lágrimas rolando no rosto dela. Digo a primeira coisa imbecil que me passa pela cabeça:</p><p style="text-align: center;">-Há quanto tempo você está grávida?</p><p style="text-align: center;">- Quatro meses.</p><p style="text-align: center;">Instintivamente, olho para a barriga dela, disfarçada pelo blusão de lã bem largo, cujas mangas cobrem as mãos.</p><p style="text-align: center;">-Ele sabe?</p><p style="text-align: center;">- Não. Ainda não. </p><p style="text-align: center;">- E por que você não contou ainda?</p><p style="text-align: center;">-Porque eu ... porque ele terminou comigo. Na verdade, eu não sei o que eu vou fazer da minha vida. Mas achei que eu precisava vir aqui e contar a você.</p><p style="text-align: center;">Pronuncio as palavras mais árduas que eu preciso pronunciar:</p><p style="text-align: center;">- Você quer que eu termine com ele?</p><p style="text-align: center;">Ela demora a responder.</p><p style="text-align: center;">-Eu não sei... não sei se adiantaria alguma coisa. Isso não faria o Jonathan se apaixonar por mim de novo. Mas acho que se ele resolvesse assumir o filho até eu fazer 18 anos, pelo menos ele poderia me ajudar. Já tem 21 anos. É maior de idade. Pelo menos isso já me deixaria mais tranquila. Ao mesmo tempo, o Jonathan não tem nada, nem um lugar para morar com meu bebê. </p><p style="text-align: center;">Ela se senta na cadeira, colocando os cotovelos sobre a mesa e a cabeça entre as mãos. Priscila é o retrato do desamparo, do puro desespero. Ela precisava de um rumo, de um apoio. A única coisa que eu não deveria ter dito sai da minha boca, em palavras desajeitadas:</p><p style="text-align: center;">-Já pensou em tirar?</p><p style="text-align: center;">Ela me encara:</p><p style="text-align: center;">-O que? Matar meu filho? Nunca! Seria prático para você, não?</p><p style="text-align: center;">Percebo a tolice do que eu acabo de dizer:</p><p style="text-align: center;">-Me desculpe, isso foi... estúpido da minha parte. Desculpe. Eu quero ajudar. Como posso ajudar?</p><p style="text-align: center;">Ela diz, enxugando o rosto com a manga da blusa:</p><p style="text-align: center;">-Eu vou contar ao Jonathan hoje mesmo. Daqui a pouco, a barriga vai aparecer. A gente precisa tomar uma decisão. Depois a gente volta a conversar, quero antes ver a reação dele.</p><p style="text-align: center;">- Você acha que eu devo terminar tudo com ele, não é? Isso facilitaria as coisas?</p><p style="text-align: center;">-Não vim aqui pedir isso. Só vim porque estava curiosa sobre você.</p><p style="text-align: center;">-Mas você não está sozinha, Priscila, eu quero ajudar. Olha... eu... meu pai me deixou um apartamento que está alugado. Não é grande, mas... o contrato vence daqui a dois meses. Eu posso deixar você morando lá.</p><p style="text-align: center;">Ela balança a cabeça:</p><p style="text-align: center;">-Mas eu sou de menor, não posso morar sozinha. A não ser que eu me casasse.</p><p style="text-align: center;">Eu entendo logo a lógica daquele drama. Eu tenho que abrir mão do Jonathan. Eu tenho que cortar pela raiz uma linda plantinha que já estava crescendo e se tornando uma linda planta tão verde e tão bonita.</p><p style="text-align: center;">-Eu sei que não.</p><p style="text-align: center;">Ela se aproxima de mim, mas eu me recuso a encará-la. Ambas estamos cheias de sentimentos confusos. Ela me diz:</p><p style="text-align: center;">- Vocês não precisam terminar. A gente se casa de mentirinha. </p><p style="text-align: center;">-Mas você gosta dele.</p><p style="text-align: center;">- É verdade, eu gosto dele, mas do que adianta se ele não gosta mais de mim? Olha... tudo isso que aconteceu não é culpa de ninguém, mas quem tem menos culpa disso tudo, é esse bebê que eu estou esperando.</p><p style="text-align: center;">Coisas práticas surgem em minha cabeça:</p><p style="text-align: center;">-Você já foi a um médico?</p><p style="text-align: center;">-Ainda não. Não tenho como ir sem que o pessoal da Instituição fique sabendo de tudo. </p><p style="text-align: center;">-Ok, eu vou te levar no meu médico.</p><p style="text-align: center;">Vejo o pânico nos olhos dela.</p><p style="text-align: center;">-Não se preocupe, eu pago a consulta e os exames. E eu posso pagar. Vou ligar hoje mesmo para marcar uma consulta.</p><p style="text-align: center;">Ela hesita, e me olha desconfiada:</p><p style="text-align: center;">-Por que você faria tudo isso por mim?</p><p style="text-align: center;">Rebato:</p><p style="text-align: center;">-Por que não faria? Você está aqui, e precisa de ajuda. Ou é orgulhosa demais para colocar a vida do seu bebê em risco? Olha, Priscila, eu sou a única pessoa que pode te ajudar agora. Sejamos realistas, o Jonathan não tem um centavo no bolso. Ele me disse que o salário que ele recebe na instituição é bem baixo.</p><p style="text-align: center;">-Mas não é obrigação sua me ajudar.</p><p style="text-align: center;">Meus sentimentos estão misturados dentro de mim. Eu tenho pena dela, e a odeio ao mesmo tempo. Também odeio o Jonathan. Eu não queria estar envolvida em uma história como essa. Mas eu estou. Ela está aqui, na minha frente. Eu sou a única pessoa no mundo que pode ajudá-la. Na minha cabeça (meu pai sempre me ensinou a ser prática e a pensar rápido) eu já tenho tudo resolvido: eu vou pedir o apartamento quando o aluguel vencer, e o Jonathan se casará com ela, e os dois se mudarão para lá, e eu... eu vou para Paris. </p><p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9qS3vOCg2PbD8Y1F9QnVsMTnjETs-B6USdbXZPq8ArKgKm9oxho-n7ZA2Xylyfo7ldAK6k42JhIKvoP2IkmtonHaUDTqLSuER9hSM-JRNx7zpb8DPzizhm17PLtvqgF5j4kL8JLnX1g5Kv3lwGn9buPh-pBrgUw4qEnl4HusE-7wGqDRiRQ-orMMj/s274/images%20(26).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="60" data-original-width="274" height="60" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9qS3vOCg2PbD8Y1F9QnVsMTnjETs-B6USdbXZPq8ArKgKm9oxho-n7ZA2Xylyfo7ldAK6k42JhIKvoP2IkmtonHaUDTqLSuER9hSM-JRNx7zpb8DPzizhm17PLtvqgF5j4kL8JLnX1g5Kv3lwGn9buPh-pBrgUw4qEnl4HusE-7wGqDRiRQ-orMMj/s1600/images%20(26).jpg" width="274" /></a></div><br /><div style="text-align: center;"><br /></div>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-8802174348592266182022-05-30T10:03:00.006-03:002022-06-08T17:56:31.797-03:00SEGUIR PARA TRÁS - Parte 7<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNUYn4OCuumNgNz4FeS_sNx0_9UhuQH-bCvCiZi5-byfTLW5nCbt1QrJpVK5k8mAI0IjBf3FEB_xRhPC_DC6AvQZjwYsns-LaMa3x8Wos1Wdc99hV-U2cfl0MCJrGqxpipq5jRBejSkpzBTuZfG2VBkAGVJ1_54TQ69j--piCh18VZhIMPysh0e1mc/s600/livro%20m%C3%A1gico-%20ba%C3%BA.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="450" data-original-width="600" height="295" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNUYn4OCuumNgNz4FeS_sNx0_9UhuQH-bCvCiZi5-byfTLW5nCbt1QrJpVK5k8mAI0IjBf3FEB_xRhPC_DC6AvQZjwYsns-LaMa3x8Wos1Wdc99hV-U2cfl0MCJrGqxpipq5jRBejSkpzBTuZfG2VBkAGVJ1_54TQ69j--piCh18VZhIMPysh0e1mc/w393-h295/livro%20m%C3%A1gico-%20ba%C3%BA.jpg" width="393" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"> Parte 7</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Jonathan passa algumas horas na minha casa. Depois que termina o trabalho na instituição, por volta das quatro da tarde, pelo menos duas vezes por semana ele vem para cá. Estamos juntos há quase dois meses, e apesar disso, ainda não fizemos sexo, apesar dos carinhos e da vontade quando estamos juntos. Eu digo a ele que ainda não me sinto totalmente pronta, e ele respeita minha decisão. Ele sabe que eu ainda sou virgem.</p><p style="text-align: center;">Minha avó me telefonou, convidando-me para passar as próximas férias lá – garantiu a passagem na primeira classe, e me disse que a estadia seria em seu apartamento. Meu avô melhorou, segundo ela, mas a saúde dele ainda inspira cuidados. Ela soou um pouco triste ao telefone, e me disse que meu avô estava falando muito de mim ultimamente, e dizendo que gostaria de me ver de novo antes de morrer. Não sei se aquilo foi uma pequena chantagem emocional para me convencer a ir até lá. Mas depois que desligamos o telefone, fiquei pensando neles e nas poucas lembranças que tenho deles. Eram sempre atenciosos e muito legais comigo. Talvez eu aceite o convite, quem sabe. Mas ao mesmo tempo, eu não gostaria de me afastar agora, que Johnatan e eu começamos a nos relacionar. Bem, ainda faltam meses até as férias.</p><p style="text-align: center;">Tia Atena acha que eu não deveria ir, pois para ela, meus avós e eu somos praticamente estranhos, e ela teme que meus avós possam tentar destruir a imagem que tenho de meu pai. A imagem que tenho de meu pai... e que imagem seria essa?</p><p style="text-align: center;">Sinto a falta dele. Todos os dias, quando acordo, ainda preciso repetir para mim mesma que ele morreu, que eu estou sozinha. A realidade vai aos poucos se assentando conforme a manhã avança, enquanto me dirijo à escola, assisto aulas, converso com meus colegas. Aliás, existe um grupinho que gostaria de organizar uma festa aqui em casa (sem pais para atrapalhar, segundo eles). Mas eu não quero. Não vou deixar que me usem desse jeito. Sempre me trataram como se eu fosse Carrie, a Estranha, e agora precisam de um local para dar suas festinhas? Sou melhor que isso, e nem gosto de festas. Nunca gostei. Imagino meu pai, lá do outro lado, me vendo dar uma festa nesta casa! Com certeza, pensaria que eu estou sucumbindo a tudo contra o qual ele me ensinou a lutar toda a minha vida: a superficialidade, os amigos interesseiros supérfluos e sem conteúdo, a vida sem objetivos.</p><p style="text-align: center;">E eu passo meus dias dividida entre a escola, Johnatan, os cuidados com a casa, e livros e mais livros que Johnatan traz para mim. Será que arranjei um outro tutor?</p><p style="text-align: center;">Não sei nada sobre a vida dele fora daqui, a não ser o que ele me contou nos primeiros dias. Não faço perguntas. Nós conversamos sobre livros, filmes, filosofia, e às vezes, arriscamos falar sobre o futuro – mas tais momentos são breves e entrecortados de silêncio. Eu tenho um certo medo do futuro. Porque eu já senti o que ele pode estar preparando para nos surpreender ali na esquina da vida. Assim, tento viver a minha vida sem pensar muito. Johnatan acha a minha atitude um tanto pessimista e melancólica. Vive me dizendo que tive muita sorte em ter tido um pai e uma mãe, em ter avós que se preoupam comigo, e meus tios Atena e Heitor. Ele me faz ver que eu não sou tão sozinha assim. Me diz sempre que cresceu sem ter ideia sobre o que é ter uma família, pais que se preocupam, tios, avós, casa, lar. Desde bebê ele foi criado na instituição, ocupando o quarto com uma porção de outras crianças, fazendo suas refeições em refeitórios, sem ter roupas que fosse realmente suas, ou brinquedos que pertencessem apenas a ele (tudo é compartilhado entre todos) ou momentos de privacidade, pois até os banheiros são coletivos. Quando precisa ficar sozinho, ele vai para um banco de praça e se senta lá por algum tempo, ou então acorda bem cedo e vai dar uma volta à pé, ou então se levanta de madrugada e vai se sentar no pátio para ouvir música (ele coneguiu juntar dinheiro e comprar um celular). Fora isso, ele precisa trabalhar na instituição se quiser continuar tendo um lugar para viver. E obedecer ordens o tempo todo. Um dia, eu perguntei a ele:</p><p style="text-align: center;">- Quando a gente se conheceu, você me disse que era livre. Isso é ser livre?</p><p style="text-align: center;">Logo me arrependi do que disse, pois vi uma sombra passando sobre o rosto dele, enquanto seu olhar caiu no chão, bem junto aos próprios pés. Percebi que aquela história de “Não tenho nada, mas sou livre” era apenas alguma coisa que ele criou para tornar as coisas mais fáceis. Andei até ele e o abracei forte. Ele não respondeu, apenas me beijou.</p><p style="text-align: center;">Às vezes eu percebo uma tristeza dentro dele maior ainda que a minha, mas Jonathan nunca foi uma pessoa de reclamar das coisas. Ele se mostra sempre grato, se contentando com pouco. Uma vez perguntei se ele sentia falta da Pri. Ele me respondeu o seguinte:</p><p style="text-align: center;">- Eu a vejo todos os dias. Continuamos amigos. Mas embora eu a ame, o que eu sinto por ela mudou, virou alguma coisa de irmão para irmão. Acho que já estava assim há muito tempo, mas a gente não percebia. Precisou que você aparecesse na minha vida para eu perceber.</p><p style="text-align: center;">-E quanto a ela? Acha que ela está bem com isso tudo?</p><p style="text-align: center;">Ele encolheu os ombros:</p><p style="text-align: center;">-Não sei... penso que não, ainda não. Ela está tão acostumada com a gente, que de repente se sentiu sem chão. Pensa que ainda precisa de mim, do que a gente achava que tinha.</p><p style="text-align: center;">-Então ela está mal?</p><p style="text-align: center;">-Está. Mas vai superar. A Pri é jovem, bonita... logo vai aparecer outra pessoa.</p><p style="text-align: center;">Pensei que encontrar alguém legal vivendo em uma instituição para crianças e jovens abandonados ou sem lar não deveria ser muito fácil. Sinto pena dela. É como seu eu tivesse roubado alguma coisa muito preciosa de alguém que só tinha aquilo.</p><p style="text-align: center;">Uma vez pedi que Jonathan me mostrasse uma foto dela. Ele abriu uma no celular uma foto onde ela aparecia ao lado dele e de alguns outros jovens. Vi uma menina de estatura baixa, magrinha, olhos bondosos, sorriso tímido. Não uma linda garota, mas delicada, bonitinha. Priscila tem cabelos cacheados na altura dos ombros, castanho-claros, sem um corte moderno. Suas roupas simples e parecendo muito usadas não ajudam na sua aparência. Mentalmente, me vi fazendo comparações entre nós duas, e em todos os quesitos, eu venci: sou mais bonita, mais alta, me visto bem, tenho um corte de cabelo channel moderno e bonito, estudo em uma ótima escola, tenho dinheiro, tenho casa, tenho família, tenho todos os sonhos na palma da minha mão. E tenho Jonathan. </p><p style="text-align: center;">Até hoje, embora só tenha visto a foto uma vez, me lembro muito de todos os detalhes. E me sinto mal quando penso nela. Ter conhecido o Jonathan me fez perceber o quanto eu tenho sorte, apesar de tudo. Não trocaria a minha vida com a deles de jeito nenhum. Eu tive e perdi meus pais, mas pelo menos, eu os tive. A maioria das crianças e adolescentes daquele lugar não fazem ideia do porquê estão lá, por que foram abandonados, quem são seus pais, onde estão suas famílias. </p><p style="text-align: center;">Olho meus colegas da escola – todos pertencem a famílias senão ricas, pelo menos bem de vida. Todos têm os celulares da moda, usam roupas de marca, têm pais ou mães que os levam de carro para a escola, comem bem, não precisam se preocupar com o futuro. E vivem reclamando de tudo. Alguns tomam remédios para depressão (eu mesma já tomei) e não se dão bem com a família. Outros se drogam, bebem, são promíscuos, vão a festas e ficam com uma porção de gente em uma só noite. Suas mentes são completamente fodidas.</p><p style="text-align: center;">Jonathan me contou que na instituição também tem muitos jovens assim, que tomam remédios para depressão e ansiedade, que são agressivos, inacessíveis emocionalmente, e que reclamam de tudo. Alguns se drogam, mas se forem descobertos, sabem que serão imediatamente levados para uma unidade correcional. Não vão para nenhuma clínica de reabilitação luxuosa. </p><p style="text-align: center;">Penso que de qualquer forma, a vida é a vida. A vida não poupa ninguém de nada.</p><p style="text-align: center;"> (Continua...)</p><p style="text-align: center;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHoHh2sbfpwUK4a-K5lr0I3CEalw-h93fPYxAdCEPkaVi2xkkfk0RnonkEJ9PjlKN8FvAvALq1Gi4kf6hFM1gLb8inOowcJrsmKeObOU7bGEllOnBBCgRp9D7zsZa5fsURuGcOY_jTERhgqrK3h5v1YxWyDq0iofb7zLnJNjFDoPTMW_2orEMotGts/s430/caligrafia_separador.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="50" data-original-width="430" height="37" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHoHh2sbfpwUK4a-K5lr0I3CEalw-h93fPYxAdCEPkaVi2xkkfk0RnonkEJ9PjlKN8FvAvALq1Gi4kf6hFM1gLb8inOowcJrsmKeObOU7bGEllOnBBCgRp9D7zsZa5fsURuGcOY_jTERhgqrK3h5v1YxWyDq0iofb7zLnJNjFDoPTMW_2orEMotGts/s320/caligrafia_separador.png" width="320" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><div style="text-align: center;"><br /></div>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-42716754448994068762022-05-18T09:27:00.004-03:002022-05-18T09:27:56.292-03:00SEGUIR PARA TRÁS - PARTE 6<p style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDX1KqOM5L6MTa-6drEtJjsQ4DSbRDPvL-bEbmk6ZBBGu9V2qZDMSHBNdCKBFDW8orxtVg1QNMq7qc5L95X63CnWt3z0lNhJG1im2H2OhuNUvAIfmpw0QZr2qdgt_Gb3reyFLDkVI6KsGgA5N-aYTG3WS9OoaXkSUcc6_s0h-7qXolVtPCV4JZxtZq/s815/a_way_out_by_mathiole-d3c552q-e1310164292159.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="815" data-original-width="550" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDX1KqOM5L6MTa-6drEtJjsQ4DSbRDPvL-bEbmk6ZBBGu9V2qZDMSHBNdCKBFDW8orxtVg1QNMq7qc5L95X63CnWt3z0lNhJG1im2H2OhuNUvAIfmpw0QZr2qdgt_Gb3reyFLDkVI6KsGgA5N-aYTG3WS9OoaXkSUcc6_s0h-7qXolVtPCV4JZxtZq/w432-h640/a_way_out_by_mathiole-d3c552q-e1310164292159.jpg" width="432" /></a></div><br /> <p></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Parte 6</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Nem sei como, mas eu me apaixonei pelo Jonathan. Ele acaba de sair da minha casa após ficar conversando comigo na varanda durante quinze minutos, e todo o meu corpo está formigando. Ele não sabe nada de mim, e eu não sei nada dele. Ele só sabe que meu pai morreu, mas sequer sabe que eu estou totalmente só, que não tenho mãe, que fui emancipada. Só falamos de coisas banais, como o quanto está frio, que ele não gosta de futebol, como a maioria dos meninos, mas que adora livros e filmes (a minha TV ainda estava ligada quando ele entrou na sala, e passava um filme) e eu disse a ele que meu autora favorita é Ali Shaw, e ele me responde que nunca tinha ouvido falar dela, então eu entro e pego o livro “A Garota dos Pés de Vidro” na estante e dou para ele. </p><p style="text-align: center;">Quinze minutos depois, ele vai embora, levando as caixas cheias de roupas, sapatos e livros do meu pai. Promete voltar para me devolver o livro assim que terminar de ler. Penso: tomara que ele leia bem rápido. Ficamos tão envolvidos, que sequer nos lembramos de trocar nossos telefones.</p><p style="text-align: center;">Meus tios me ligam para saber como eu estou, e minha tia percebe que minha voz está melhor, como ela mesma diz. Me convidam para jantar, mas eu não quero, nem mesmo depois que ela diz que meu tio pode passar para me buscar de carro. Quero apenas ficar em casa, pensando em Jonathan. </p><p style="text-align: center;">Mas os dias passam, um, dois, três, quatro... dez, vinte. Ele não volta. Minhas aulas recomeçam na escola, e chegar na escola e ter os olhos de todos os meus colegas voltados para mim, é constrangedor. Eles todos querem saber como é ser órfã de pai e mãe. A essa altura, descobriram que fui emancipada, e alguns deles me dizem que sentem inveja. Respondo que daria tudo para não ser emancipada e ainda ter meu pai sendo responsável por mim. Eles baixam a cabeça, constrangidos. Penso no quanto as pessoas dizem coisas idiotas tentado ser gentis. </p><p style="text-align: center;">Penso também que aquele seria meu último ano na escola, e fico feliz. Porque com certeza, eu não sei como lidar com os outros jovens, sou a esquisita, a “misfit”, a “weirdo.” Alguns me olham como se quisessem me conhecer melhor. Os meninos me olham com olhos famintos, mas jamais tentam se aproximar, pois meus cortes são impiedosos. Nenhum deles me interessa, e também não quero saber sobre vestidos, sapatos, maquiagem, times de futebol e bandas de hip-hop. Parece que ninguém lê, ninguém sabe quem são Ali Shaw, Richard Bach, Fernanda Young. Inútil tentar conversar com eles.</p><p style="text-align: center;">Tia Atena e tio Heitor vêm aqui às vezes, mas suas visitas são cada vez mais raras e curtas, porque não temos assuntos a conversar. Eu não sinto falta deles, e nem eles de mim. Após um mês e meio da morte de meu pai, as visitas deles praticamente terminam, e eu dou graças a Deus por isso. De vez em quando, mandamos mensagens que respondemos com emoticons. Mas sei que elas logo também vão parar, pois já usamos quase todos eles. </p><p style="text-align: center;">Minha rotina: acordar, tomar café, ir à escola, fazer os deveres de casa, preparar minhas refeições, limpar a mina d’água de vez em quando, cuidar da hortinha, pagar as contas da casa, ir ao banco, fazer algumas compras pela internet (detesto ir ao mercado), assistir filmes, limpar a casa uma vez por semana. O jardineiro vem três vezes ao mês. Mal conversamos, ele entra, faz seu trabalho, eu o pago e ele vai embora. Nem sei se ele sabe que meu pai morreu. Também assisto muitos filmes e leio, leio, leio. Sinto falta do meu pai, mas como ele mesmo previu, estou superando. Já não dói mais. De vez em quando, converso com ele. Conto sobre algum filme ou livro, ou sobre alguma idiotice dos colegas de escola. Quando estou na mina é quando me sinto mais perto dele. Parece que sinto ele me ensinando a cuidar dela. Mergulho minhas mãos na água gelada de olhos fechados, e escuto o riso dele.</p><p style="text-align: center;">Quase três meses após a primeira vez que nos vimos, Jonathan reaparece. É uma manhã de sábado, e ainda estou sonolenta quando a campainha toca, sem que eu sequer imagine que poderia ser ele. Tento ignorar, mas ele insiste. Quando finalmente abro a porta, ainda de pijama, e deparo com aqueles olhos intensos, desperto completamente. Ele me estende o livro. Eu mando ele entrar, e vou vestir alguma coisa melhor; escolho um par de jeans e uma camiseta preta novos. </p><p style="text-align: center;">Nos sentamos diante um do outro, ele na poltrona, eu no sofá, as pernas cruzadas. </p><p style="text-align: center;">-E então? Gostou do livro?</p><p style="text-align: center;">Ele demora um pouco a responder:</p><p style="text-align: center;">-É muito legal. Sabe, imaginei o que poderia estar transformando as pessoas em gelo... e pensei muito em você, Valentina. Você e a personagem principal parecem ter muito em comum.</p><p style="text-align: center;">Me surpreendo, interessada. Finalmente, alguém para realmente conversar! Me mexo na almofada, pronta para assumir uma posição confortável para que eu possa ficar sentada por horas.</p><p style="text-align: center;">-Mesmo? O que?</p><p style="text-align: center;">- Então... quando eu a vi pela primeira vez... não fique chateada, com isso, mas... pensei que você era uma pessoa fria. Até mesmo seu choro era contido, como se chorar fosse um sinal de fraqueza. Senti raiva no seu choro. Acho que você deveria ter cuidado com esse gelo nos seus pés.</p><p style="text-align: center;">Me sinto corar, e não respondo. Olho para a ponta dos meus pés descalços, me concentrando no esmalte vermelho das unhas. Ele está certo. Aprendi que chorar é sinal de fraqueza. Raramente choro. Olho para ele:</p><p style="text-align: center;">-Ok, ponto pra você. Agora me fale um pouco de você.</p><p style="text-align: center;">Ele parece confuso por um momento, como se estivesse escolhendo que tipo de informação quer me passar. Foi devagar:</p><p style="text-align: center;">- Hum... eu tenho vinte e um anos, trabalho e moro na instituição – fui criado lá – sou órfão, nunca conheci meus pais. Não fui para a faculdade porque não tenho grana. Aliás, eu não tenho nada. E mesmo assim, tenho tudo. Porque eu sou livre. Materialmente, tudo o que eu tenho, está em um quarto que mede 3 X 3. </p><p style="text-align: center;">Fico chocada com a sinceridade dele. </p><p style="text-align: center;">-Uau! </p><p style="text-align: center;">-Uau! – ele repetiu. </p><p style="text-align: center;">Nós rimos. Ele continua:</p><p style="text-align: center;">-Eu... namoro uma garota. O nome dela é Priscila, e ela também foi criada na instituição. Quando ela chegou lá, eu tinha cinco anos, e praticamente crescemos juntos.</p><p style="text-align: center;">Meu coração murcha, e eu engulo em seco. Tento não demonstrar a minha decepção, mas sinto que ele a percebe. Suspiro e dou um sorriso nada espontâneo:</p><p style="text-align: center;">-Bem, esta é a sua vida. Ela... a Priscila... você gosta muito dela?</p><p style="text-align: center;">Ele concorda com a cabeça:</p><p style="text-align: center;">-Muito. Mas... ah, deixa pra lá.</p><p style="text-align: center;">- Não, fala! Mas...?</p><p style="text-align: center;">Os olhos dele são tão bonitos, e se derramam tanto em cima de mim, que antes que ele diga alguma coisa, eu sei o que estava na cabeça dele: ele gosta de mim.</p><p style="text-align: center;">-Eu não consigo parar de pensar em você. </p><p style="text-align: center;">-Ah, então foi por isso que demorou tanto a aparecer?</p><p style="text-align: center;">Falo aquilo em tom de brincadeira, mas ele concorda:</p><p style="text-align: center;">-Foi sim. Eu nunca questionei o que eu sinto pela Pri. Até ver você. Tive a impressão de que já nos conhecíamos antes. Sei lá. Foi.... esquisito.</p><p style="text-align: center;">- Uau... isso é muito estimulante. Saber que me conhecer foi esquisito pra você.</p><p style="text-align: center;">Ele ri, e eu também. Comento:</p><p style="text-align: center;">- Mas você tem uma namorada.</p><p style="text-align: center;">-Eu tenho uma namorada. E não costumo ser infiel, aliás, eu jamais fui infiel com ela.</p><p style="text-align: center;">Mudo o tom da conversa:</p><p style="text-align: center;">-Sabe... depois que meu pai morreu, descobri que ele e minha mãe se conheceram quando ele ainda era casado com outra mulher. Ela era meio-surtada, e quando ela descobriu sobre os dois, cometeu suicídio. Quando minha mãe ficou doente, ele teve um caso com outra mulher, bem durante a doença dela, quando ela mais precisou dele. O suicídio da primeira mulher de meu pai, de alguma forma, impediu que meus pais fossem realmente felizes. Eles brigavam muito, e embora se amassem, o que aconteceu sempre pairou sobre a vida deles.</p><p style="text-align: center;">Ele me ouve em silêncio, os olhos presos nos meus. Depois que eu falo, ele permanece quieto, mas os lábios dele se entreabrem, e ele fica vermelho. Está chocado com a minha história. Como ele é lindo! Eu continuo:</p><p style="text-align: center;">-Jamais serei como a minha mãe. Nunca vou construir a minha vida em cima da ruína de alguém. </p><p style="text-align: center;">Naquele instante, ele se ergue feito uma bala e sai pela porta, batendo-a atrás de si. Eu não me levanto para segui-lo. </p><p style="text-align: center;">Horas depois, enquanto eu termino de lavar a louça de um almoço que eu não consigo comer, a campainha toca de novo. Abro a porta, já sabendo que é ele, mas sem saber o que ele me diria:</p><p style="text-align: center;">- Eu terminei com a Pri. </p><p style="text-align: center;">Dizendo aquilo, ele me beija. E quando ele me beija, todas as pontas da minha vida se ligam. Tenho uma sensação de força, alegria, uma certeza de que dali em diante, as coisas vão melhorar muito para mim, e que eu finalmente saberei o que realmente significa ser feliz.</p><p style="text-align: center;">E esse foi o dia em que Jonathan me beijou pela primeira vez.</p><p style="text-align: center;"> </p><p style="text-align: center;">(CONTINUA)</p><p style="text-align: center;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEDROpk5p7MDNAD06OhkjAYRoQ3NsIw0d5JBeOBPKLsJg5mRMTIhbMEBnWZnDNqf1QuFWIzPCKJ-Ga5LqLff_UTUqBgBIWR36Cw1Ma6y7yRNTi8Ce9o15ugIWZPLJVk_jACgeKw5WdGoXfHfpXrFv5OqQn25FH4RAY5nov6NZ7Texl9XK3zNxaRvFe/s491/images%20(30).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="103" data-original-width="491" height="67" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEDROpk5p7MDNAD06OhkjAYRoQ3NsIw0d5JBeOBPKLsJg5mRMTIhbMEBnWZnDNqf1QuFWIzPCKJ-Ga5LqLff_UTUqBgBIWR36Cw1Ma6y7yRNTi8Ce9o15ugIWZPLJVk_jACgeKw5WdGoXfHfpXrFv5OqQn25FH4RAY5nov6NZ7Texl9XK3zNxaRvFe/s320/images%20(30).jpg" width="320" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><div style="text-align: center;"><br /></div>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-73342399323949162742022-05-03T18:39:00.000-03:002022-05-03T18:39:02.385-03:00SEGUIR PARA TRÁS - PARTE 5<p style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEheiycqMFF3tgIe0w4UkDoRwGamRHf7jfE1FskTdoMas8crY_0dgSNE6IcY_Pw16pUts9xI6CIWniDQBU1GMC4-sGrseyO2zd1mZJzwc9lJ0oZgZ-rwOdi0rxSJdFvGnoyHSUo9LA2afXMYggi8DSDxHaF24ufXHp0C6sGl6VnpdkpQgwrMavWRq6Pj/s4624/20220502_175420.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="4624" data-original-width="2604" height="448" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEheiycqMFF3tgIe0w4UkDoRwGamRHf7jfE1FskTdoMas8crY_0dgSNE6IcY_Pw16pUts9xI6CIWniDQBU1GMC4-sGrseyO2zd1mZJzwc9lJ0oZgZ-rwOdi0rxSJdFvGnoyHSUo9LA2afXMYggi8DSDxHaF24ufXHp0C6sGl6VnpdkpQgwrMavWRq6Pj/w309-h448/20220502_175420.jpg" width="309" /></a></div><br /><p></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Parte 5</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Aqui estou eu, sentada em minha sala de estar limpa e cheirosa sem saber o que fazer do resto do meu dia – ou da minha vida. Silêncio de uma manhã de sexta-feira. Meu pai foi enterrado ontem. Minha mãe morreu quando eu tinha sete anos. Nunca vejo meus avós. Minha mãe tinha sido amante de meu pai antes de se casar com ele. Fernanda, a ex-mulher de meu pai, se matou ao saber que minha mãe estava grávida de mim, o que, de certa forma, significa que eu tive alguma culpa nisso. Meu pai mentiu para mim a vida toda, dizendo que ele e mamãe eram um casal perfeito cujo amor transcendental superava a morte, enquanto escondia o fato de ter tido uma amante durante dois anos enquanto minha mãe estava doente.</p><p style="text-align: center;">Tenho 17 anos, e acho que é tarde demais para reconstruir minha relação com meus avós, pois eles já são bem idosos e não estão interessados em novidades em suas vidas. E se quisessem saber de mim, teriam tentado me visitar, teriam enfrentado meu pai. Mas quem sabe, a minha visão pudesse despertar neles algumas memórias de coisas que eles preferiam não lembrar? Eles tinham perdido uma filha. Perderam a filha duas vezes: quando ela saiu de casa para se casar com meu pai e depois que ela morreu. Lembro de meus avós me visitando quando eu era pequena, e são lembranças vagas, mas eu também me lembro que depois daquelas visitas sempre tão raras e breves, meu pai e minha mãe sempre brigavam, e meu pai nunca estava presente quando meus avós vinham. Minha mãe se afastou dos próprios pais por causa de meu pai. E se hoje meus avós e eu não temos nenhuma intimidade, é por causa dele.</p><p style="text-align: center;">Mas lá vou eu estabelecendo culpas de novo. Minha tia me pediu para não julgar o meu pai. Ela disse que ele cometeu erros, mas que me amava, e eu sinto que era verdade. É estranho que crescer signifique desconstruir a imagem que temos dos nossos pais. Eles são apenas pessoas comuns, que erram e falham, e dizem coisas absurdas, e fazem coisas bizarras. Não são os heróis que às vezes imaginamos.</p><p style="text-align: center;">Mas eu sinto falta do meu pai. Eu sinto falta dele, e me arrependo das vezes em que olhei ele desacordado na cama de hospital e desejei que ele morresse. Eu só estava cansada, exausta, para ser mais precisa, e os médicos diziam que ele não ia melhorar, só ia piorar cada vez mais, exatamente como a minha mãe. </p><p style="text-align: center;">Eu tenho lembranças muito vagas da minha mãe. Nenhuma memória inteira, só pedaços enevoados de momentos. Temos alguns vídeos que meu pai fez de nós três juntos. Bia – minha mãe – era uma mulher um pouco acima do peso, de cabelos pretos e lisos cortados na altura dos ombros, grandes olhos castanho-claros, enfim, uma pessoa comum, diferente da imagem que minha tia Atena fizera de Fernanda. Mas quando ela sorri, seu riso se espalha em luz na tela do computador. Os olhos dela são expressivos e cheios de vida, principalmente quando ela me olha. Não me lembro da maioria daquelas cenas que ficaram gravadas, é como ver o vídeo sobre a vida de outra pessoa a maior parte do tempo, mas eu digo a mim mesma que se trata de mim, aquela criança sou eu, é a minha vida, a minha família. </p><p style="text-align: center;">Minha mãe não era nenhuma beldade. As roupas dela eram comuns, jeans e camisetas lisas e vestidos estilo boho. Meus pais pareciam um casal de hippies. Mas minha tia Atena me disse que minha mãe era de família muito rica. Meu pai me dizia a mesma coisa. Talvez ela fosse bonita quando conheceu meu pai. </p><p style="text-align: center;">Vou até o quarto dele, abro o armário dele a procura de mais memórias. É muito estranho mexer nas coisas de alguém que já morreu. A todo momento, penso que estou invadindo a privacidade dele. Eu nunca abri o armário do meu pai, a não ser para pegar roupas para levar para o hospital. Esta é a primeira vez que eu abro o armário do meu pai a procura de segredos ou memórias. Sim, isso configura uma invasão de privacidade, então, para me sentir melhor, vou até a garagem e trago algumas caixas de papelão; assim, posso fingir que estou separando as roupas e sapatos dele para doar – e não há muita coisa, na verdade. Coloco tudo em três caixas de tamanho médio. Tem coisas aqui que eu nunca o vi usar. Elas cheiram a mofo.</p><p style="text-align: center;">Mas logo encontro o que eu estava procurando: uma caixa de papelão na prateleira de cima, bem no fundo. Ali, encontro documentos – a certidão de nascimento de minha mãe, a escritura da casa, algumas contas antigas pagas. E debaixo de tudo, uma fotografia colorida grande, meio-desbotada e um pouco amassada. Meu pai bem jovem e bonitão está ao lado de uma mulher lindíssima, loira, alta, parece uma modelo de revista. Ela é séria, e tem olhos tristes. Só pode ser a Fernanda. Talvez esta seja a única lembrança que meu pai tinha daquela fase de sua vida, e me pergunto se minha mãe sabia sobre essa foto. Fico muito tempo olhando a foto. Chego à janela, tentando reter a imagem na minha cabeça, caso um dia a foto desapareça, e depois volto a olhar para confirmar se consegui.</p><p style="text-align: center;">Após arrumar as coisas em caixas, ligo para uma instituição de caridade que vai buscar tudo horas depois. Enquanto espero, assisto filmes na TV. Como cookies de chocolate. Durmo no sofá da sala. Me arrasto até a varanda, onde me sento embrulhada em uma manta, olhando a rua vazia. De vez em quando, um carro passa. Às vezes as pessoas nos carros me olham, e fico pensando no que elas pensam ao me verem. Não sabem nada de mim, da minha vida, do que eu estou enfrentando. É assim com todo mundo: ninguém sabe o que a pessoa que está sentada ao lado dela no ônibus está passando. Não sabem que aquele menininho no consultório médico, esperando sua vez enquanto brinca com um carrinho, tem uma doença incurável. Muitas vezes, eles mesmos tem doenças incuráveis e não sabem, nem desconfiam. Estão a ponto de descobrir, o que mudará todas as suas perspectivas, expectativas e sonhos.</p><p style="text-align: center;">Uma vez eu vi um filme em que o marido saía de casa ao descobrir que sua mulher estava doente; não conseguia lidar com o problema. A vida da gente pode mudar a qualquer momento, de forma radical, e tudo o que sempre foi certo pode se mostrar bem diferente. </p><p style="text-align: center;">A caminhonete da casa de caridade encosta junto ao meu portão. O motorista sai, e ao olhar para ele, percebo que não deve ter mais que vinte anos de idade, e que ele é lindo. Ele sorri ao me ver, e eu me levanto (ainda embrulhada na manta) e sem retribuir o sorriso, vou até o portão e o abro para que ele entre. Ele me diz boa tarde, e eu respondo entre os dentes. Não quero ser mal-educada, mas falar dói. Ele me segue casa adentro, e aponto as caixas para ele no chão da sala. Ele me pergunta:</p><p style="text-align: center;">- Isso é tudo?</p><p style="text-align: center;">Concordo com a cabeça. Ele me olha longamente, e sinto meu coração acelerar. Ele me pergunta:</p><p style="text-align: center;">-Você está bem?</p><p style="text-align: center;">E eu não sei mais quem eu sou, ou o que acontece, ou porque acontece: de repente, estou me debulhando em lágrimas bem na frente dele. Não é um choro doce, mas um choro quase raivoso, de revolta mesmo. Ele fica estupefato, sem saber como agir, mas de repente ele caminha até mim e me envolve em seus braços com manta e tudo.</p><p style="text-align: center;">Eu me deixo abraçar por ele, o rosto em seu pescoço, sentindo o cheiro de malva dos seus cabelos curtos e pretos cortados em camadas. Sinto o formato do seu queixo quadrado contra a minha testa. Sinto as mãos dele, fortes, me amparando. Ele é mais alto do que eu, mais forte, e me sinto segura aninhada contra ele. Raramente, alguém me abraça. Nem mesmo meu pai me abraçava muito. Ele não diz nada, apenas me deixa chorar. E eu choro. </p><p style="text-align: center;">Quando finalmente eu pareço ter esgotado todas as minhas lágrimas (pelo menos, naquele momento), ele me encara com seus olhos castanhos, emoldurados por sobrancelhas negras arqueadas. Ele é realmente lindo, penso. Eu poderia me apaixonar por ele, se... mas eu nunca me apaixonei, nem sei o que é paixão. E talvez nem seja a hora apropriada, então eu o empurro, devagar e docemente, para cada vez mais longe de mim. Ele se deixa levar pelas minhas palmas, cumprindo a distância que eu ponho entre nós. Murmuro um “desculpe” cheio de vergonha. Ele diz que está tudo bem, e me pergunta se tem alguma coisa que ele poderia fazer por mim. Sacudo a cabeça, dizendo um “não”. Ele me olha, e os olhos dele parecem lavas quentes escorrendo pelo meu rosto, ombros, corpo. </p><p style="text-align: center;">Largo a manta sobre uma poltrona, porque de repente, eu começo a sentir calor. Logo me arrependo, pois me lembro de que estou vestindo calças de moletom rasgadas nos joelhos e uma blusa de lã velha e cheia de bolinhas. Tarde demais: ele me olha da cabeça aos pés, muito sério. De repente, a boca dele se abre, e espontaneamente, ele diz:</p><p style="text-align: center;">- Você é tão linda!</p><p style="text-align: center;">Fico surpresa. Nunca ninguém me disse aquilo antes. Dou um meio sorriso (porque acho que uma garota que acaba de perder o pai não tem o direito de sorrir tão cedo). Ele corresponde, e me estende a mão:</p><p style="text-align: center;">- Meu nome é Jonathan. </p><p style="text-align: center;">E assim termina meu primeiro dia como órfã.</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">(CONTINUA...)</p><p style="text-align: center;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiE1x8MbGBhl4AStK4Yw91IQMWjyIERROkHZ1Cqt_hIjjqNLbsXZ60FotDfHgSvUUIvtKo8q7bWjSazvpjq-eCMcY8n8Vx77-qAeYrphlFIKdvhnTScBrsJoN4GK_bVwCJbNJhLlZ46Z9fuE0XUuUZe5SV8IbvVTGIMi2QlfDFCauSAOVPEEl4rtov_/s800/divider_top_by_redpassion-d9wbq34.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="144" data-original-width="800" height="58" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiE1x8MbGBhl4AStK4Yw91IQMWjyIERROkHZ1Cqt_hIjjqNLbsXZ60FotDfHgSvUUIvtKo8q7bWjSazvpjq-eCMcY8n8Vx77-qAeYrphlFIKdvhnTScBrsJoN4GK_bVwCJbNJhLlZ46Z9fuE0XUuUZe5SV8IbvVTGIMi2QlfDFCauSAOVPEEl4rtov_/s320/divider_top_by_redpassion-d9wbq34.png" width="320" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><div style="text-align: center;"><br /></div>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-52632924915959928052022-04-18T07:00:00.003-03:002022-04-18T07:00:38.834-03:00SEGUIR PARA TRÁS - Parte 4<p> </p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisro6FGxkKpibn-1XHEJdIGA_8MLihdSH_1W_1Hpz_-WwWxgrHfhH9MzM7FHC6sJhZGSsvfMB568_GF03UaGVrPmE7Dfn_PDnmlIQ8AVuCmaf97hDnJJyXqY2IdPod9SmbNZtDCDhfTxQrchkNCcKa4LfMgCfjD2eYBoch5CsPkMA7h6FKF8Et383L/s720/1082055287.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="715" data-original-width="720" height="318" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisro6FGxkKpibn-1XHEJdIGA_8MLihdSH_1W_1Hpz_-WwWxgrHfhH9MzM7FHC6sJhZGSsvfMB568_GF03UaGVrPmE7Dfn_PDnmlIQ8AVuCmaf97hDnJJyXqY2IdPod9SmbNZtDCDhfTxQrchkNCcKa4LfMgCfjD2eYBoch5CsPkMA7h6FKF8Et383L/s320/1082055287.jpeg" width="320" /></a></div><br /><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Parte 4<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Depois do
velório, entrei no carro dos meus tios, e tio Raul nos levou até a minha casa,
deixando-nos lá sozinhas. Eram quase cinco da tarde quando chegamos, e eu
estava exausta, tanto emocional quanto fisicamente. Eu estava acostumada à
presença dos meus tios – crescera tendo-os em minha vida – mas agora que eu sabia
que durante todo aquele tempo eles tinham escondido coisas de mim, de repente
não me sentia mais tão à vontade com eles. Para mim era como se eu estivesse
cercada de pessoas estranhas, que sabiam tudo de mim sem que eu soubesse o
suficiente sobre elas. A sensação de solidão era excruciante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Na varanda,
encontramos sobre a mesinha alguns cartões de pêsames e também vasilhas com
comida, como uma lasanha, salada, bolos e biscoitos caseiros. Todos com um
cartãozinho. Senti gratidão e simpatia por aquelas pessoas, vizinhos que nem
moravam tão perto e que eu mal cumprimentava, e que estavam demonstrando
solidariedade. Eu me sentia grata também pelo fato de que por causa da
generosidade deles, eu não precisaria comer a comida da minha tia. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Eu e Tia
Atena levamos tudo aquilo para dentro e guardamos. Ela colocou a lasanha
semipronta no forno e começou a pôr a mesa para o jantar. Com toda aquela
comida, eu concluí que não teria que me preocupar em cozinhar por pelo menos
uma semana, o que é um alívio para quem está passando por um momento de luto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Nós comemos –
ou seja, tia Atena devorou a maior parte da lasanha, enquanto eu dei apenas
algumas garfadas, desmanchando o resto no prato em uma massa disforme e
repugnante. Fiquei me perguntando se algum dia eu teria fome outra vez. Depois
que eu a ajudei a limpar a cozinha, nós nos sentamos no sofá da sala, cobertas
pelas mantas que estavam sempre jogadas sobre o sofá. Acendemos a lareira, pois
a noite era fria, e deixamos apenas as luzes dos dois abajures acesas. E então
ela me contou a história dos meus pais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Meu pai era
um homem casado quando conheceu minha mãe. O nome da primeira esposa dele era
Fernanda. Aquela informação, por si só, já me deixou boquiaberta. Ele tinha 36
anos, e minha mãe, 25 quando se conheceram em um bar. Eles começaram a se
relacionar naquela mesma noite. Meus tios sabiam de tudo, pois eles namoravam
naquela época, e os quatro – meu pai, Fernanda e meus tios - saíam juntos
algumas vezes. Naquela noite, Fernanda tinha ficado trabalhando até mais tarde.
Minha tia me disse que meu pai e minha mãe trocaram olhares durante alguns
minutos (meu tio Heitor tentando fazer ele não perder o juízo) e depois ele a
convidou para dançar. No começo do relacionamento do meu pai com minha mãe, meu
tio Heitor foi totalmente contra, pois não gostava da ideia de meu pai estar
traindo a esposa com quem estava casado há cinco anos e meio. Tia Atena, porém,
passou a gostar muito de minha mãe e as duas ficaram muito amigas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Fernanda, a
primeira esposa de meu pai, era uma pessoa difícil e problemática, muito
ciumenta, quase sempre em estado depressivo. Meu pai se apaixonou por ela
porque ela era extremamente bonita, segundo minha tia me contou. A paixão dos
dois era puramente sexual, quase uma doença da qual eles não conseguiam se
curar, mas ela não sentia que havia amor entre eles, pois na opinião dela,
nenhum tipo de amor poderia causar tanta discórdia e tantos problemas. Na cama,
eles se davam perfeitamente bem, segundo confissões da própria Fernanda a ela, mas
fora dela, eram como água e óleo. Mesmo assim, agiam como se não pudesse
respirar sem a presença um do outro, até que Bia – minha mãe – surgiu. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">No começo,
meus tios pensaram que seria apenas um caso passageiro, mas à medida que o
tempo passava, eles viam que era muito mais que isso. Logo, a paixão sexual que
meu pai nutria por Fernanda diminuiu, e ela percebeu logo que alguma coisa estava
errada. Mas meu pai não tinha coragem de se separar de Fernanda, pois tinha
medo de que ela cumprisse sua promessa de se matar caso ele fosse embora. Ao
mesmo tempo, Bia também cobrava dele uma escolha. Fernanda desconfiava que ele
estava tendo um caso, mas tio Heitor o ajudava a encobrir tudo, e minha tia
Atena também procurava se envolver o menos possível naquela história, já que
era amiga de Fernanda e tinha se tornado também amiga de Bia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">E quando meus
avós - pais de Bia - descobriram quem era o homem com quem a filha deles vinha
saindo, a pressão aumentou ainda mais. Não queriam o escândalo de ter sua filha
sendo amante de um homem casado. Fizeram tudo para separar os dois, mas não
conseguiram. Quanto mais tentavam, mais os dois se uniam. Até que eles acharam
que a única saída seria procurar Fernanda e contar tudo a ela.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">E foi o que
eles fizeram. Meu pai e minha mãe já vinham se relacionando há quase um ano
quando aquilo aconteceu. Exatamente naquela época, minha mãe ficou grávida.
Quando Fernanda soube de tudo, ela procurou minha mãe e pediu a ela que se
afastasse, mas quando minha mãe disse que estava grávida, Fernanda não
suportou, já que ela mesma não podia engravidar. Naquela mesma noite, Fernanda
cometeu suicídio. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Aquilo
arruinou o relacionamento que meu pai poderia ter tido com meus avós para
sempre, pois meus avós culpavam meu pai, e ele, aos meus avós, pelo que tinha
acontecido com Fernanda (eles ficaram com muita pena dela). E a família de
Fernanda passou a perseguir meu pai e minha mãe, o que fez com que ele vendesse
a casa e se afastasse, e foi quando fomos morar em Lumiar. Mesmo desaprovando o
relacionamento, meus avós jamais deixaram de proteger a filha, e fizeram
questão de dar a ela uma casa decente para morar, mesmo ela tendo se casado com
um homem que eles detestavam. Pelo menos, sua filha e sua neta teriam uma vida
confortável, como eles mesmos disseram. No começo, meu pai não queria morar na
casa, mas com o tempo, achou que seria egoísmo privar a mim e à minha mãe de
conforto apenas por causa do seu orgulho ferido. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Naquele
trecho da história, senti raiva de meu pai; a vida toda, ele me dissera que
meus avós não gostavam dele porque ele não era rico, e que eles só nos
presentearam com uma casa porque não queriam que os seus amigos ricos ficassem
sabendo que nós morávamos em seu apartamentinho. Privou-me de ter um
relacionamento com meus avós e minha tia e primos porque não queria que eu
soubesse da verdade. Minha tia respondeu, à minha observação:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Jamais
duvide do amor do seu pai por você. Ele cometeu muitos erros. Talvez mais erros
do que a maioria das pessoas, mas depois ele caiu em si, ele compreendeu o
quanto ele tinha magoado Fernanda e sua mãe, e se arrependeu. Se ele não queria
que você ficasse sabendo da verdade, foi apenas por medo de perder você. Eu e
seu tio sabemos o quanto ele sofreu depois que sua mãe se foi. A vida para ele
nunca mais teve sentido, ele nunca mais conseguiu amar outra mulher. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">No fundo, eu
sabia que ela estava dizendo a verdade, mas não era fácil para mim aceitar que
meu pai não era o homem que eu crescera acreditando que fosse. Eu não sabia
quase nada sobre ele durante todo o tempo em que cresci. E agora eu ficava
sabendo que ele era um homem egoísta, mulherengo e tóxico. Minha tia arregalou
os olhos ao ouvir aquilo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Não diga
isso, Valentina, porque a vida particular dele era a vida particular dele, e
você... você era a melhor parte dele.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>Otávio faria qualquer coisa para te proteger.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Os olhos dela
se encheram de água, e percebi que minha tia Atena também tinha sido apaixonada
pelo meu pai. Ao falar dele, os olhos dela brilhavam, seus lábios tremiam. Ela
estava a ponto de explodir. Aproximei-me dela:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Tia Atena...
você era apaixonada pelo meu pai não era?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ele
enrubesceu e tentou negar, mas eu insisti:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- É claro que
era. Senão, por que teria passado tempo tomando conta de mim, uma menina que
sequer é seu parente de sangue?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela levou a
mão à garganta, e vi o rosto dela se transformar em uma careta, antes que as
lágrimas pulassem de suas órbitas. Fiquei sem saber o que fazer, então
permaneci sentada perto dela, sem tocá-la. O choro de tia Atena era convulsivo.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Que baita
cliché, não é, uma mulher se apaixonar pelo próprio cunhado. Sim, você está
certa, Valentina, eu fui apaixonada por ele, mas ele nunca ficou sabendo. E eu
te peço que jamais comente nada com seu tio Heitor. Ele não merece isso. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Eu me
levantei, caminhando até o outro lado da sala, e me voltei para encará-la:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-E quanto a
Natália, tia?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela
enrubesceu, respirando profundamente:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Ela foi
amante de seu pai enquanto ele era casado com sua mãe. Aconteceu nos últimos
dois anos de casamento, antes de sua mãe ir embora. Ela já estava doente na
ocasião, e acho que Natália foi uma válvula de escape. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Pensei um
pouco sobre aquilo antes de perguntar:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-E onde ela
está agora?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Não sei. Ele
deixou de vê-la depois que sua mãe morreu. Nunca mais se encontraram. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Você a
conheceu?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Superficialmente.
Ela era frívola, engraçada... como eu disse, acho que foi apenas uma válvula de
escape.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Concordei com
a cabeça, pensando que a minha ida toda, eu nunca soubera muito sobre meu
próprio pai. Caminhei de volta até o sofá, e segurei as mãos de tia Atena,
fazendo-a me olhar de frente:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-O que mais
eu não sei sobre esta família, tia Atena? Seria um bom momento para me contar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela negou com
a cabeça, colocando as mãos sobre o colo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Não há mais
nada, eu juro. Mas agora seu pai se foi, tudo isso ficou no passado. Você
deveria deixar o passado no passado. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Achei que
aquele era um bom conselho, mas era mais fácil falar do que fazer. Pensei que
eu precisaria de tempo para digerir tudo aquilo. Então, fui para o meu quarto.
Tirei a roupa e entrei na banheira, enchendo-a com espuma de banho e água bem
quente. Foi reconfortante o calor da água sobre a minha pele, que ficou
avermelhada. Quando saí da banheira, uma hora e meia depois, a água estava fria.
Depois, enfiei uma camiseta velha que tinha sido de meu pai sobre a cabeça e me
deitei na cama desarrumada da noite anterior. O sono foi quase instantâneo. Há
muito tempo eu não dormia daquele jeito.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Acordei na
manhã seguinte com o barulho do aspirador de pó. Passava das dez da manhã. Levantei-me,
escovei os dentes e fui para a sala, onde minha tia Atena estava finalizando a
limpeza. Tudo estava limpo e organizado. Ela ergueu os olhos para mim,
apontando para a cozinha: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Bom dia,
querida. Tem café e panquecas na cozinha. Sirva-se enquanto arrumo o seu
quarto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Bom dia,
tia... não precisava arrumar nada...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-A casa
estava uma bagunça, e muito empoeirada. Parecia que não via uma faxina há
meses. Aproveitei e coloquei as mantas do sofá ao sol, não se esqueça de
recolhê-las mais tarde. Parece que vai chover.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Me lembrei
que a última faxina que eu fizera tinha sido mesmo há meses. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Sentei-me à
mesa, e devorei as panquecas. Meu apetite tinha voltado. A casa cheirava bem, e
o chão de madeira brilhava de novo. Sobre o fogão, meu almoço me esperava entre
dois pratos sobre uma panela de água para que eu o esquentasse em banho-maria
quando tivesse fome. Me senti grata. O ruído do aspirador recomeçou, e quando
acabei de comer, cerca de dez minutos mais tarde, minha tia passou carregando
minhas roupas de cama:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Troquei sua
roupa de cama, vou colocar esta para lavar. Mais tarde, estenda-a para terminar
de secar. Daqui em diante, você terá que fazer essas coisas sozinha ou então
contratar alguém. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Eu não disse
nada, mas estava acostumada a fazer metade do serviço de casa. Às vezes,
tínhamos uma arrumadeira, mas na maior parte do tempo, eu e papai nos virávamos
sozinhos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela
desapareceu em direção a área de serviço, e segundos depois escutei o barulho
da máquina trabalhando. Depois que terminou de arrumar tudo, tia Atena me
abraçou, dizendo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Se precisar
de mim, sabe como me encontrar. Quer que eu passe aqui mais tarde?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Neguei com a
cabeça:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Não tia,
obrigada. Obrigada por tudo, obrigada por me dizer a verdade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela saiu e
fechou a porta atrás de si.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Eu fiquei
sozinha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Começaria
aquele que foi o dia seguinte ao funeral de meu pai, e o resto da minha vida
sem ele.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">(continua)</span></p>
<span lang="PT-BR" style="line-height: 107%;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 16px;"><br /></span></div><div style="text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhofMKo2M0ulhqEzEkCVKJXSFsMTLJT6koluAqNa7UZnUo58kmONWh-rEvXLOvk0rtoW3aGp5_Gf59Y5vneCuazGAGzrT8ZQtaQucHEPnrZJN8oy03eDQjhotYb6_486YWl_rwmBzBUUQyql4lVlXpww2YKGoBCLuN2kWDStxh06Git1PRHE-mikTY3/s407/_SEPARADORES.gif" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="131" data-original-width="407" height="103" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhofMKo2M0ulhqEzEkCVKJXSFsMTLJT6koluAqNa7UZnUo58kmONWh-rEvXLOvk0rtoW3aGp5_Gf59Y5vneCuazGAGzrT8ZQtaQucHEPnrZJN8oy03eDQjhotYb6_486YWl_rwmBzBUUQyql4lVlXpww2YKGoBCLuN2kWDStxh06Git1PRHE-mikTY3/s320/_SEPARADORES.gif" width="320" /></a></div><br /><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 16px;"><br /></span></div>
</span>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-12774191960034792202022-04-06T13:54:00.001-03:002022-04-06T13:54:18.892-03:00SEGUIR PARA TRÁS - PARTE 3<p> </p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjd7nDxwH2sAXUOhiRAHL7VuDtgFrmfWxTDMtyqQGXrJ0942Q_fQi68io8hBYvluG3XL3IG4qa_kl1_MgY4Wi8U-1mcNktDAc8fYaE7PAnuosIGRsZwgn55TL2kt2ARca-Y3XTs86nBTzzL08YoBAtrXywG8vl1foBihVDViDCYkOI9egFC3eKKhybh/s981/f13d373033cad1176adb3a9304bff1af.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="981" data-original-width="736" height="469" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjd7nDxwH2sAXUOhiRAHL7VuDtgFrmfWxTDMtyqQGXrJ0942Q_fQi68io8hBYvluG3XL3IG4qa_kl1_MgY4Wi8U-1mcNktDAc8fYaE7PAnuosIGRsZwgn55TL2kt2ARca-Y3XTs86nBTzzL08YoBAtrXywG8vl1foBihVDViDCYkOI9egFC3eKKhybh/w338-h469/f13d373033cad1176adb3a9304bff1af.jpg" width="338" /></a></div><br /><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Parte 3<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Cada um dos
muitos amigos de meu pai compareceram ao velório, e também muitas mulheres que
vi no hospital e outras que eu nunca tinha visto na vida. Todos eles ficaram me
paparicando, e conversando entre eles e olhando para mim com pena. Eu só queria
que fosse todo mundo embora e me deixassem ter um momento a sós para que eu
pudesse me despedir do meu pai. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ninguém da
família compareceu, a não ser Tio Heitor e Tia Atena, mas minha tia Agnes me
telefonou, perguntando se eu gostaria de morar com ela na Europa. Meus avós me
ligaram fazendo a mesma proposta. Quando eu disse a eles que não precisava,
pois estava bem financeiramente e meu pai tinha me emancipado, todos pareceram
aliviados, mas disseram que caso eu precisasse de alguma coisa, não deveria
hesitar em pedir. Agradeci polidamente, feliz por me livrar deles. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Alguns
colegas da escola passaram por lá, dizendo que sentiam muito, e que se eu
precisasse de alguma coisa, não deveria hesitar em ligar para eles a qualquer
ora do dia ou da noite. Achei engraçado, pois eles nunca tinham se importado
comigo antes. Alguns professores compareceram também, rapidamente. Fiquei
surpresa de que aquelas pessoas tivessem se dado ao trabalho. Meus professores
também me disseram que se eu precisasse de alguma coisa, não deveria hesitar em
pedir.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Aliás, ouvi
aquela frase dezenas de vezes naquele dia, quando tudo o que eu queria era ser
deixada em paz, mas certamente, não poderia pedir aquilo a eles. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Meu pai
estava lá, deitado, indiferente a tudo o que acontecia. As pessoas olhavam para
ele, tocavam as mãos deles por alguns instantes enquanto murmuravam coisas,
jogavam água benta nele. Aquilo era tão patético. Velórios são sempre tão
patéticos. E no final, um padre todo paramentado chegou. Olhei para o meu tio,
que me olhou de volta e encolheu os ombros, olhando na direção da tia Aurora,
querendo dizer que aquilo era coisa dela. Meu pai não gostava de padres, nem de
igrejas, e ela o estava forçando a ouvir um sermão em seus últimos momentos na
Terra.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Sem pensar, eu
me levantei como um raio do banco onde estava sentada, caminhando na direção do
padre no momento em que ele começou a abrir a Bíblia: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Vá embora,
por favor. Meu pai não era religioso e nem gostava de padres.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Falei aquilo
baixinho, olhando nos olhos dele. Ele pareceu confuso por um momento:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Bem, eu fui
chamado aqui...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Foi um
engano, o senhor pode ir, por favor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ele abriu a
boca para dizer mais alguma coisa, mas eu o fuzilei com os olhos:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Por favor!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">As pessoas já
tinham percebido o que estava acontecendo. Minha Tia Atena chorava. O pobre
homem recolheu sua Bíblia e saiu, humilhado. Mas antes, parou diante do caixão
e fez o sinal da cruz. Tia Atena chegou perto de mim, falando baixinho:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Me desculpe,
eu não deveria...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Não deveria
mesmo. Ele era meu pai. A decisão teria que ter sido minha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Mas... as
pessoas... é que eu pensei...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-A última
coisa que preocupava meu pai era a opinião alheia, tia, e você sabe disso. Além
disso, quem são todas essas pessoas? Meu pai as conhecia de verdade? Eu nunca
vi a maioria delas. Precisava chamar toda essa gente?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela hesitou,
e respondeu:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Eles são...
conhecidos, querida, ex-vizinhos do bairro antigo, a gente avisa as pessoas nessas
horas...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Ou seja: são
curiosos. E carpideiras. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela me olhou,
zangada:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Seu pai
tinha uma vida social que você desconhecia, ele não era só o ‘seu’ pai. Ele
tinha amigos. E amigas também, se é que você me entende. Mas ele não gostava
que você ficasse sabendo disso. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Ou seja,
esse pessoal aqui são amigos de copo, amigos de bar, amigas de cama.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela concordou
com a cabeça:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Mais ou
menos, sim..., mas são pessoas que se importavam com ele, que gostavam dele.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Interessante
eu nunca ter visto a maioria deles no hospital, ou visitando meu pai em casa
depois que ele adoeceu. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela me pegou
pelo braço, me arrastando para o corredor:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- O que você
quer que eu faça, Valentina? Que eu expulse os amigos do seu pai? Que eu mande
todos embora, que impeça as pessoas de se despedirem dele? Você acha que ele
vivia apenas para você, por você, que a existência dele se resumia apenas a
tomar conta de você? Este é um pensamento egoísta! <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Naquele
momento, enquanto lágrimas quentes e grossas queimavam meu rosto, eu percebi
que estava com ciúmes do meu pai. Eu tinha ciúmes por não conhecer a maioria
das pessoas que ele conhecia, por ele ter isolado de mim aquela parte
importante da sua vida. Eu estava revoltada porque, no fundo, eu não conhecia
meu pai de verdade. Ele me mantivera dentro daquela casa, me dizendo para
escolher bem as pessoas que fariam parte da minha vida, enquanto ele tinha uma
vida cheia de pessoas que eu não conhecia. Eu percebi que ele não estava, na
verdade, me ensinando a ser livre e independente, como ele dizia, mas poupando
a si mesmo das preocupações que teria, caso eu tivesse sido uma adolescente que
gostasse de sair com amigos e ter muitos namorados. Naquele momento, eu me
senti muito magoada com meu pai. Enquanto ele viajava quase todo final de
semana e chegava tarde em casa muitas noites para estar com seus amigos, eu
ficava isolada naquela casa junto à floresta, lendo os livros que ele dizia que
seriam bons para a formação da minha personalidade. E a maioria daquelas
pessoas nem deveria saber que eu existia, que eu era a filha dele!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Meu pai me
protegia do mundo apenas para que eu não desse trabalho a ele, para que eu não
ficasse no caminho dele. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">De repente,
lembrei-me de uma discussão que eu ouvira entre ele e minha mãe quando eu tinha
seis anos, uma cena da minha vida que tinha sido totalmente apagada da minha
memória. Eu acordei no meio da noite, e ouvi vozes alteradas vindas da sala de
estar. Eu abri a porta do quarto e me sentei nos primeiros degraus, e vi meus
pais discutindo. Minha mãe chorava, e perguntava a ele: “Você estava com ela,
não estava? Você está sempre com ela, nem liga mais para nós! Só quer saber
dessa... Natália!” Meu pai estava sentado no sofá, a cabeça entre as mãos:
“Sim, eu estava com ela, e sabe por quê? Porque lá eu tenho paz!” <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Meu estômago
revirou. Corri até o banheiro, seguida pela minha tia, que segurou meu cabelo
enquanto eu vomitava. Eu não estava pronta para aquele torvelinho de memórias
repentinas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Eu nunca, até
hoje, compreendi como aquela cena tinha voltado tão de repente, se eu nunca
pensava nela, nem sequer me lembrava daquele dia. Eu cresci acreditando que o
casamento dos meus pais era alguma coisa sagrada, e que o amor dele pela minha
mãe era tão puro e profundo ao ponto de ele jamais querer se casar de novo. Ele
me fez acreditar naquilo. Eu cresci com aquele pensamento. Mas ele mentiu. Ele
não se casou de novo porque, na verdade, nunca foi talhado para o casamento.
Sua vida era ter muitas mulheres e não ser de nenhuma.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Aquele nome
nome não me saía da cabeça: Natália. Eu ouvira minha mãe gritar aquele nome
naquela noite, há anos atrás, quando eu tinha seis anos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Lavei o rosto
na pia do banheiro, enxugando-o com uma toalha de papel que tia Atena me
entregou. Me olhei no espelho, e vi que eu estava muito pálida. Tia Atena me
olhava, preocupada. Ela me perguntou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Você está
melhor?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Não respondi;
ao invés disso, perguntei:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Quem é Natália?
Ela está aqui?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Vi minha tia
empalidecer e gaguejar:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Quem?
Natália... que Natália? Não conheço nenhuma Natália.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Eu tinha
certeza de que ela estava mentindo. Insisti:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Se você não
me disser a verdade, eu vou entrar lá agora mesmo e gritar o nome dela. Então
eu vou saber quem ela é.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela sabia que
eu faria exatamente aquilo. Tia Atena concordou com a cabeça, vencida. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Eu vou te
dizer quem é Natália. Mas será que você pode esperar até o final do velório?
Vamos enterrar seu pai primeiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Mas você
promete que vai me contar?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Eu prometo
que vou te contar. Vou passar a noite na sua casa hoje, só nós duas, e te conto
tudo. Mas por favor, não faça nenhum escândalo. E não importa o que eu te
disser, quero que saiba de uma coisa: seu pai amava muito você. Você era o
centro da vida dele. E se ele mentiu para você, foi para poupar você de
qualquer sofrimento. Mas por favor, Valentina, agora não. Não é hora.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Dizendo
aquilo, ela voltou para a sala onde meu pai estava sendo velado, e eu a segui,
em silêncio. Quando entramos, notei que algumas pessoas me encararam. Ergui a
cabeça e as encarei de volta, e elas baixaram os olhos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">E foi assim o
dia em que eu enterrei meu pai.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">(CONTINUA...)</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_aBaRvbzH6CkAU7fvTDwEHt7k5tP4L0Pz1hOrPZYzQa0xgLe4ibIR8svTp2jCu5mDW7PwMBJJsGiWBhMItq2q1jQ-PyeXdSu_CsdpeBMtUpawA-4lXAv2t8P01jzyokuumzKfZ_T4Dpw0lVATYJ67RsZQBEF3BwmR8qsMDiz6E95Vq4K2ctUErBJI/s365/fdrule_SEPARADOR_DE_TEXTO.gif" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="31" data-original-width="365" height="27" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_aBaRvbzH6CkAU7fvTDwEHt7k5tP4L0Pz1hOrPZYzQa0xgLe4ibIR8svTp2jCu5mDW7PwMBJJsGiWBhMItq2q1jQ-PyeXdSu_CsdpeBMtUpawA-4lXAv2t8P01jzyokuumzKfZ_T4Dpw0lVATYJ67RsZQBEF3BwmR8qsMDiz6E95Vq4K2ctUErBJI/s320/fdrule_SEPARADOR_DE_TEXTO.gif" width="320" /></a></div><br /><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span><p></p>
<span lang="PT-BR" style="line-height: 107%;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 16px;"><br /></span></div>
</span>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-32032629324723094272022-03-03T10:13:00.004-03:002022-03-03T10:13:49.209-03:00SEGUIR PARA TRÁS - Parte 2<p> </p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiZfQAzpuDOqPFCL9mq0re7bdoZ9cDzWDENa7vz8cck5qb0lOzqWP95yR_LEd_9nYydznsMBweqYi70DzgklrNGTO2X7ZjjWI2wigjpXfU5BoWFbY3FdRSE3YlmD5XuEHdmhEspgfjDKGAaybSOaqcsKtGx4VSFkt1s3ROQRTkTaNksO1xtLMUtl6ad=s1024" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="768" data-original-width="1024" height="324" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiZfQAzpuDOqPFCL9mq0re7bdoZ9cDzWDENa7vz8cck5qb0lOzqWP95yR_LEd_9nYydznsMBweqYi70DzgklrNGTO2X7ZjjWI2wigjpXfU5BoWFbY3FdRSE3YlmD5XuEHdmhEspgfjDKGAaybSOaqcsKtGx4VSFkt1s3ROQRTkTaNksO1xtLMUtl6ad=w432-h324" width="432" /></a></div><br /><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Parte 2<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Desperto na
manhã seguinte com um barulhinho na vidraça. Abro a cortina devagar, e vejo que
é um passarinho bicando o vidro. Ele voa para longe quando me vê. Pela posição
do sol eu percebo que já passa das dez da manhã, e ao olhar o relógio na mesa
de cabeceira, confirmo. De repente, o tal passarinho volta a pousar à janela,
bicando o vidro e piando de mansinho. É uma saíra azul, a espécie preferida do
meu pai. Ela agora parece não ter medo de mim. Fico olhando para ela, me
deixando acreditar que aquela é apenas uma manhã normal, como tantas outras. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">São as férias
de julho da escola. Estou no último ano. Penso em voltar ao hospital, e ao
mesmo tempo, me pergunto o que eu vou fazer lá, se meu pai já não está mais lá.
Mas é o meu dever estar lá quando acontecer. Não quero que ele se vá sozinho,
então visto meus jeans, calço meus tênis de lona encardidos, escolho uma
camiseta cinza no armário e um casaco de moletom preto. Passo as mãos e uma
escova pelo meu cabelo ondulado e castanho, desembaraçando os fios. Me olho no
espelho: apenas uma adolescente normal, penso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Mas quando
pego meu celular, percebo que houve várias ligações do hospital naquela manhã,
e eu me esqueci de ligar o som do telefone antes de dormir. Enquanto seguro o
aparelho, ele toca. Atendo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Por favor,
é da casa do senhor Otávio Moreno? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Concordo com
a cabeça, engolindo em seco. Ela repete a pergunta, e percebo que não a
respondi em voz alta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Sim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Com quem
falo, por favor?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Sou
Valentina, filha dele.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Senhorita
Valentina, precisamos que compareça ao hospital e que traga documentos e uma
muda de roupas para o seu pai.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Ele...
melhorou?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Não posso
informar. Por favor, peço que compareça ao hospital imediatamente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Desligo o
telefone, pensando que se me pediram para levar roupas para o meu pai, é porque
ele acordou e melhorou. Escolho uma camisa azul que ele adora e um par de
jeans. Antes de sair, ligo para o tio Heitor:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Tio, ligaram
do hospital pedindo para eu levar documentos e uma muda de roupas. Acho que o
papai melhorou!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ele diz
alguma coisa para minha tia, mas não consigo ouvir o que é. Depois, ele
responde:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Estamos indo
para lá também. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Entro no
ônibus após esperar durante vinte intermináveis minutos. O ar frio da manhã
deixa meus dedos arroxeados, mas eu não ligo. Entro no ônibus e dou bom dia às
pessoas, e algumas respondem, enquanto outras me olham com uma cara
indiferente. Começa a chover no caminho até o hospital, e a chuva bate no vidro
da janela do ônibus. Após uma viagem de meia hora, finalmente chego ao
hospital. Meus tios estão me aguardando na recepção, e me abraçam de uma forma
estranha. Digo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Eu trouxe as
roupas e os documentos. Como ele está?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Olho por cima
do ombro e vejo o médico de braços cruzados, e a cara dele não é boa. Ele se
aproxima ao me ver. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Entendo tudo,
meu pai não melhorou. Ele não melhorou, e eu não estava lá com ele. Eu o deixei
ir embora sozinho. Digo aquilo em voz alta. Tio Heitor diz para eu ficar calma,
e não me preocupar, pois ele “vai cuidar de tudo.” Só quero ver o meu pai, mas
o médico me diz que ele ainda está no necrotério, e me pede as roupas. Meu tio
pega a sacola da minha mão e faz sinal para Tia Atena me tirar dali, e ela me
puxa para a cafeteria do hospital. Eu me deixo levar, pois não sei o que mais
eu poderia fazer. Olho para trás e vejo meu tio conversando com uns homens de
terno, que mais parecem urubus. Minha tia me diz que são agentes funerários.
Ela me diz para não me preocupar com nada, pois o Tio Heitor ia cuidar dessa
parte.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Estou sentada
em frente a minha tia na cafeteria do hospital. Ela assopra um café preto,
dando pequenos golinhos, e eu seguro uma xícara de café com leite entre as mãos
sem tomar nada. Diante da gente, um cesto com cookies de chocolate que me
embrulham o estômago só de olhar. Ela me pede para comer algo, pois o dia seria
longo. Mas eu não consigo. Minha tia começa a mastigar os biscoitos um a um,
enquanto chora. Mas eu não consigo chorar. Ela segura a minha mão por cima da
mesa:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Valentina,
você não está sozinha, e é importante que você entenda isso. Vamos arrumar um quarto
lá em casa para você passar a noite, não se preocupe com nada. Depois tratamos
da sua mudança para a nossa casa...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Eu a
interrompo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Não
precisa, tia Atena. Eu vou para a minha casa. É lá que eu vou morar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Mas você não
pode... ainda é menor de idade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Posso sim,
eu sou emancipada. Meu pai me emancipou. Ele sempre soube que eu posso tomar
conta de mim mesma.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela parece
surpresa, e ao mesmo tempo, aliviada. Não consegue suprimir um longo suspiro
que eu interpretei como sendo de alívio. Tia Atena é uma ótima pessoa, mas
nunca gostou de tomar conta de crianças, e eu sei que ela pensa que eu sou uma
criança.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Alguns
minutos depois, meu tio senta-se à mesa conosco. Diz que o velório foi marcado
para a manhã seguinte, e que ele já estava avisando a todo mundo. Agradeço,
pois eu não saberia como fazer isso: “Oi, aqui é a Valentina, e estou ligando
para avisar que o meu pai morreu.” Olho para o meu tio, e de repente ele me
parece dez anos mais velho. Ele e meu pai eram muito próximos. E eu sei que ele
me ama. Pergunto:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Você avisou
aos meus avós?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Sim,
Valentina. Eles disseram que sentem muito por não poderem comparecer, mas seu
avô está com a pressão muito alta. Disseram que vão te ligar mais tarde. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Pensei que
nem precisaríamos avisar à tia Agnes, pois ela com certeza não conseguiria
chegar a tempo, e talvez nem estivesse interessada. Ela e meu pai nunca tinham
sido exatamente amigos, mas meu tio disse que tinha mandado uma mensagem para
ela.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Quando
terminamos o café, fomos novamente até a recepção do hospital, pois eu queria
ver o meu pai antes de ir, mas me informaram que ele já tinha sido levado para
ser preparado para o velório. Olhei para meu tio zangada, pois ele tinha me
prometido que eu ia ver meu pai. Ele me disse:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Querida, é
só o corpo dele, ele não está mais entre nós. Eu só quis te poupar de um
sofrimento desnecessário. Amanhã você terá a chance de se despedir do seu pai. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Meus tios
disseram que iam passar a noite na capela mortuária, mas perguntei a eles: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Para quê?
Vão para casa. Meu pai não está lá, é só um corpo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E foi assim o dia em que meu pai morreu.<o:p></o:p></span></p>
<span lang="PT-BR" style="line-height: 107%;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 16px;"><br /></span></div>
</span>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> (continua)</o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p><br /></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjvLtHE1WVfX2cHDF2EYN7fDLjfLGgwgjgpUg74kJ9q71nO_C1qAAec9s1x_MWZXuGLaCP20Lg2NedcyyjIcmgfC-9i3QuwAYcR0n25xYWP_2LfrD4w2Q4QkhHfcM-CR_qU3Tjq8ZGfgsuVi_MWOm7ZsAXal6voWLV4e_g74cCrx0PIOI9WtBZ3ejWx=s1300" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1299" data-original-width="1300" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjvLtHE1WVfX2cHDF2EYN7fDLjfLGgwgjgpUg74kJ9q71nO_C1qAAec9s1x_MWZXuGLaCP20Lg2NedcyyjIcmgfC-9i3QuwAYcR0n25xYWP_2LfrD4w2Q4QkhHfcM-CR_qU3Tjq8ZGfgsuVi_MWOm7ZsAXal6voWLV4e_g74cCrx0PIOI9WtBZ3ejWx=s320" width="320" /></a></div><br /><o:p><br /></o:p><p></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-78700494552130095222022-02-22T09:40:00.005-03:002022-02-22T09:50:27.891-03:00SEGUIR PARA TRÁS - Parte 1<div style="text-align: center;"><i><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhHpSUC_ch1LxBYESR3xgjZjkP6pFlbbnai-jxeKF2m7yRUukvErP4scajkKRwayxMoWhbWvzJLh0H-sh6hueXZ9wgkSTEv9KvBIt8aRlYkUGFLYGw9oQEh4k9oeq8Ka3KincCSPOPjbYDy0kJKJC_fMeBPoBLHKTk3KFgKFrtXoTAZExKe2oV-3T9v=s800" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="600" data-original-width="800" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhHpSUC_ch1LxBYESR3xgjZjkP6pFlbbnai-jxeKF2m7yRUukvErP4scajkKRwayxMoWhbWvzJLh0H-sh6hueXZ9wgkSTEv9KvBIt8aRlYkUGFLYGw9oQEh4k9oeq8Ka3KincCSPOPjbYDy0kJKJC_fMeBPoBLHKTk3KFgKFrtXoTAZExKe2oV-3T9v=w400-h300" width="400" /></a></div><br /><u><br /></u></i></div><div style="text-align: center;"><i><u><br /></u></i></div><div style="text-align: center;"><i><u><br /></u></i></div><div style="text-align: center;"><i><u><br /></u></i></div><div style="text-align: center;"><i><u>Esta é a história de uma adolescente que precisa seguir com sua vida após a morte do pai, que a emancipou antes de morrer. Porém, antes, ela precisa descobrir a verdadeira história de sua família, aquela que ninguém lhe contou.</u></i></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div><div style="text-align: center;">SOZINHA</div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;">Parte 1</div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;">Quando alguém está muito doente, quem o acompanha é quem mais sofre, e é visitado por sentimentos inconfessáveis. Estar diante da dor de quem se ama em uma posição totalmente impotente é, talvez, uma das piores dores. Chega um momento em que não aguentamos mais. Passamos a desejar que alguma coisa – qualquer coisa – possa acontecer e mudar aquela situação. Porém, não se pode dizer isso aos outros, pois eles não estão prontos. Eles não sabem como é. Eles têm suas crenças e opiniões sobre tudo, e gostam de acreditar que as outras pessoas pensam e sentem da mesma forma. Eles passam por aquele quarto, e da porta, lamentam e dizem palavras que consideram como sendo motivadoras: “Ele vai melhorar.” “Confie em Deus.” “Você precisa ter fé.” Depois, caminham pelo corredor, se afastando cada vez mais, tentando esquecer o que viram e voltar para suas vidas e seus problemas, dando graças a Deus por não estarem no nosso lugar.</div><div style="text-align: center;">Mas eu não os culpo. Não há muito mais que se possa fazer.</div><div style="text-align: center;">Certa vez, achei absurda a fala de alguém que há muitos anos me disse; “Só quero que tudo isso acabe.” </div><div style="text-align: center;">Mas hoje, sou eu quem digo a ele: “Só quero que tudo isso acabe.” E peço aos céus que seja logo. Eu me sinto presa aqui, eu me sinto impotente, fraca, vulnerável, imensamente triste, e com aquela sensação de que ainda temos um longo caminho pela frente, um caminho cheio de dor, noites sem dormir, crises de desespero (que preciso viver o mais silenciosamente possível, trancada no banheiro do quarto de hospital para que ele não me escute).</div><div style="text-align: center;">E a comida esfria na mesa, me embrulhando o estômago. E a cada dia, um pouco mais dos meus ossos se tornam visíveis sob a blusa de malha. Às vezes, chego a pensar que eu vou primeiro, e que não seria nada mal. Assim, não teria que lidar com o que vem depois que tudo acabar.</div><div style="text-align: center;">Os amigos e familiares telefonam para saber como ele está. Mas na verdade, eles não querem ouvir. Raramente, me perguntam como eu estou. E nas raras vezes em que eu respondo – estou um caco, não sei mais como eu estou, já passei do desespero – eles só me dizem para ter fé e continuar acreditando. Daí eu olho para ele, deitado naquela cama, cercado por aparelhos e tubos, e me pergunto se essas pessoas sabem, realmente, com o que eu estou lidando.</div><div style="text-align: center;">Ontem, após três dias, ele acordou e me olhou. Abriu os olhos lentamente. Não sei se me reconheceu (eu ando irreconhecível até para mim mesma). Depois, fechou os olhos novamente, como quem não deseja mais ficar. Falei com o médico, e ele me disse que isso pode acontecer nessa fase, mas ele me disse que isso é normal, e não significa que o paciente está melhorando. É apenas um reflexo. O médico me olhou com aquela cara de pena e me disse para ir para casa. Que se houvesse alguma mudança, eles me avisariam.</div><div style="text-align: center;">Pela primeira vez em dias, eu concordei com ele.</div><div style="text-align: center;">A visão da minha cama me trouxe sentimentos controversos: eu só queria me jogar nela e dormir para sempre. Ao mesmo tempo, como eu podia estar pensando em dormir quando meu pai estava naquele estado? Achei melhor comer alguma coisa, forçando cada gole de café e cada pedacinho de pão garganta abaixo. Depois, tomei meio iogurte. O resto eu joguei fora. Simplesmente não desceu. </div><div style="text-align: center;">Fico feliz que meu pai tenha antecipado a minha maioridade. Aos dezessete anos, por lei eu teria que ser acolhida por algum parente ou então ir para uma instituição. Mas assim que ele soube do quão grave era a sua doença, ele fez questão de me antecipar: “Não quero que ninguém estrague o trabalho que eu e sua mãe fizemos em você.” Ele também cuidou de toda a parte legal da coisa, para que eu não tivesse que me preocupar com nada. Pelo menos, não com nada material.</div><div style="text-align: center;">Meu pai só tem cinquenta e seis anos. Poderia viver muito, ainda, poderia ver eu me formar, casar, e quem sabe, me transformar naquilo que ele mais temia: uma pessoa comum. Ele vivia me dizendo o quanto eu sou extraordinária, o quanto eu tenho talento, e que eu jamais deveria me deixar levar pelas pressões alheias para ser isso ou aquilo. </div><div style="text-align: center;">Minha mãe morreu quando eu tinha apenas sete anos e meio, e meu pai fez questão de terminar de me criar. Ele me ensinou a ser seletiva quanto às minhas amizades, e só desejar a companhia de pessoas que me acrescentassem alguma coisa. No começo, eu não entendi bem, mas depois, quando cheguei ao ginásio, eu compreendi o que ele quis dizer: a superficialidade das outras meninas me enjoava. Elas só queriam saber de garotos, vestidos, roupas, maquiagem. Falavam mal umas das outras sempre que podiam, competiam entre si, mesmo sendo “amigas” e viviam contando vantagem, como se estivessem em algum tipo de concurso de popularidade.</div><div style="text-align: center;">Os meninos, ah, os meninos... eles só queriam uma coisa. Só uma coisa. E achavam que tinham o direito de ter o que queriam, o que era concedido sem muito esforço da parte deles pela maioria das meninas. E foi no ginásio que eu comecei a me afastar cada vez mais de tudo. Achava que eu e meu pai nos bastaríamos. E passamos muitos bons momentos juntos. Ele lia para mim, ele me indicava livros e músicas. Mas às vezes, ele sumia nos finais de semana, ou chegava tarde em casa à noite. Minha tia Atena costumava tomar conta de mim naquelas ocasiões, ou então ele contratava uma baby sitter.</div><div style="text-align: center;">Quando minha mãe morreu, ele vendeu a nossa casa de condomínio em Teresópolis e comprou uma outra bem menor, junto a uma floresta que ficava em Lumiar, em uma rua afastada do centro da cidade. Eu não me lembro muito da outra casa, mas todos diziam que ela era muito bonita e bem maior do que esta, e que tinha sido um presente dos meus avós quando minha mãe se casou com meu pai. Meus avós eram muito ricos, e aquela casa era apenas uma das muitas propriedades que eles tinham. Eles não eram muito próximos da gente, pois não gostavam muito do meu pai, como fiquei sabendo mais tarde. Depois que minha mãe morreu, eles se afastaram ainda mais, embora me mandassem presentes de Natal e aniversário, cartões e convites para passar férias com eles, mas meu pai sempre arranjava outras coisas para fazermos nas férias, então eu nunca cheguei a visitá-los.</div><div style="text-align: center;"> A nossa casa é rústica, feita com largas toras de madeira. É aconchegante. Mas a Grota do Retiro não é exatamente um bairro residencial, é mais uma estrada, uma passagem. Os vizinhos mais próximos ficam a quinze minutos de carro, e não há muitos deles. A nossa água vem de uma mina, que meu pai me ensinou a limpar e a cuidar, e a nossa eletricidade vem de painéis fotovoltaicos e também de um gerador de emergência que fica no celeiro. Plantamos muitas coisas: tomates, verduras, frutas, para consumo próprio. Meu pai me ensinou a cuidar de tudo e a ser o mais independente possível. Mesmo assim, temos um senhor que vem duas ou três vezes na semana para fazer algum serviço de manutenção e dar uma olhada nas minas e nas hortas. </div><div style="text-align: center;">Meu pai trabalhava como marceneiro, e ganhava o suficiente para termos uma boa vida. Minha mãe deixou para mim sua parte na herança da avó dela, mas meu pai jamais usou o dinheiro, dizendo que ele ficaria para eu usar como eu quisesse. Tive acesso às contas, através do advogado do meu pai, e é uma boa quantia de dinheiro que vai me permitir fazer muitas coisas e ficar anos sem ter que trabalhar. Se eu poupar bastante, pode ser que eu nunca precise, pois as nossas despesas são muito baixas, já que nossa casa é totalmente sustentável e nosso estilo de vida, bem simples.</div><div style="text-align: center;">Nossa casa, em si, não é muito grande; temos cerca de 80 metros de área construída e um terreno de aproximadamente quatrocentos metros, por onde corre um riacho que nasce no alto da montanha e cruza toda a floresta até chegar ao nosso quintal. Usamos a água para regar as hortas e abastecer a cozinha e o banheiro. Estamos próximos a uma área de preservação, então eu acho que não vou ter problemas quanto a isso.</div><div style="text-align: center;">Nosso estilo de vida fez com que eu fosse vista na escola como a ermitã esquisita. Mas na maior parte do tempo, meus colegas me deixavam em paz, pois percebiam que seus ataques não surtiam nenhum efeito em mim. Além disso, hoje eu tenho nos fundos da casa uma pequena plantação de algo que eles adoram, e sendo eu uma boa fornecedora, eles me deixam em paz.</div><div style="text-align: center;">Temos muito pouco contato com alguns dos nossos poucos parentes – Tia Agnes, irmã de mamãe, que mora na Europa com meus dois primos; Tio Heitor, irmão de meu pai e sua mulher, Atena, que moram por perto, e com eles, temos contato regularmente; e meus avós por parte de mãe moram em outro estado. A última vez que vi Tia Agnes, meus avós e meus primos, foi no velório de minha mãe. Tio Heitor e tia Atena costumam vir nos finais de semana para jogar cartas com meu pai, e passamos alguns momentos divertidos, isso é, quando Tia Atena não resolve cozinhar, pois a comida dela é péssima. Mas depois que meu pai piorou, eles só o visitam no hospital e não vem mais aqui quando sabem que eu estou sozinha em casa. Acho que é porque não sabem o que me dizer, ou o que fazer comigo quando meu pai se for. Acredito que não querem a responsabilidade de assumir uma garota de dezessete anos, já que nunca tiveram filhos por opção. Mas eles não sabem que meu pai me emancipou.</div><div style="text-align: center;">Estou sentada no sofá da sala, enrolada em uma toalha de banho. Tenho na minha frente, sobre a mesinha, os documentos que me conferem a minha liberdade, e também os números das contas bancárias e os dados e documentos de um pequeno apartamento que meu pai aluga para uma família no centro da cidade. Estou ciente de tudo. Eu ficarei bem, financeiramente. Meu pai me ensinou a ser forte e independente. Segundo ele, eu ficarei bem. </div><div style="text-align: center;">Mas eu não sei se posso. É muita coisa. É assustador. Minha vida é um grande ponto de interrogação. Mas quando ainda estava bem, meu pai me disse um dia que a vida de todos era um grande ponto de interrogação, mas as pessoas gostavam de fingir que tinham tudo sob controle. </div><div style="text-align: center;">Ele também me ensinou a aceitar a morte, e eu fingi que aprendi. Meu pai me explicou que morrer faz parte da vida, que todos morreremos um dia, que o que importa não é com quantos anos, e sim viver de forma intensa, etc., etc., e mais um monte de clichês. Meu pai nunca foi um homem religioso, mas ele me confessou que acredita que a vida continue em algum lugar, e me falou sobre umas coisas que aconteceram com ele após a morte de minha mãe. Ele me disse que a viu em vários sonhos, e que uma noite, enquanto ele estava tomando café na cozinha, ela apareceu para ele. Acho que ele me disse a verdade – ou pelo menos, o que ele acha ter sido verdade. Porque meu pai jamais mentiu. E eu acho que por achar que minha mãe continua viva em algum lugar, ele nunca se casou, embora ainda fosse jovem, bonitão e muito assediado pelas mulheres. Saiu com algumas delas – ok, muitas delas – mas jamais trouxe nenhuma para a nossa casa.</div><div style="text-align: center;">De vez em quando, no hospital, uma delas aparece com flores, derrama algumas lágrimas, olha para o meu pai com saudades. Elas se apresentam como “amigas” de meu pai. Depois, elas me abraçam talvez pensando que poderiam ter se tornado minhas mães, e vão embora, dizendo que se eu precisar de alguma coisa, é só chamar. Mas elas nunca se lembram de deixar um telefone ou um endereço. Todas são sempre muito bonitas, e vi que algumas tinham alianças de compromisso na mão esquerda. Meu pai gostava de viver perigosamente, pelo jeito.</div><div style="text-align: center;">Às vezes, ele viajava por alguns dias, geralmente, um final de semana, e eu ficava com o Tio Heitor e Tia Atena, ou seja, eles vinham ficar comigo. Mas meu pai sempre voltava na segunda-feira. Sempre sozinho, e às vezes, calado e cabisbaixo. Uma vez perguntei por que ele não se casava de novo, e ele me disse: “Quem teve uma mulher como a sua mãe, jamais encontrará outra à altura.” Pensei que aquilo soou como uma maldição.</div><div style="text-align: center;">Me deito para dormir entre os lençóis e cobertores macios e aconchegantes da minha cama. Meu último pensamento é para o quarto impessoal e frio onde meu pai dorme.</div><div style="text-align: center;"> </div></div><div style="text-align: center;">(continua...)</div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEinbUDUY6jqN6n00sGJFwbVx_BogVTW-YR17U5McuT08FoUpLST1bESoO3E2HljGNEifKcoAq7o4_p27T42wcPZn0oU8CeYcLmUPA9pZlb7GjP7sHHpcH1-DXb8xxfio0DNqI7N6q1CiX04cT9zkg9__1ijoOW6V4nr9ahsJ5tU2qb_drwkiWk1o5oZ=s520" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="50" data-original-width="520" height="31" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEinbUDUY6jqN6n00sGJFwbVx_BogVTW-YR17U5McuT08FoUpLST1bESoO3E2HljGNEifKcoAq7o4_p27T42wcPZn0oU8CeYcLmUPA9pZlb7GjP7sHHpcH1-DXb8xxfio0DNqI7N6q1CiX04cT9zkg9__1ijoOW6V4nr9ahsJ5tU2qb_drwkiWk1o5oZ=s320" width="320" /></a></div><br /><div style="text-align: center;"><br /></div>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-3818984032388830572022-01-27T18:40:00.001-03:002022-01-27T18:43:31.711-03:00Um Relâmpago<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiz6eEiagUu8H9dlww2Yoy1IuL-E10Omuh22PlBNgvGOAnBALXkQpL7XoBLBg-Ch60XHOjH1OkFzKsGv8t64-7Sv6uj2snTD-bve1U_-UsVk6HP5BMP6j2veDHoCrAGnKMZyxvxFdpYxB-AELbvOr2Th8SHskp9j1Rbn9_jpjTcz9kw44HBJ5kzanJN=s400" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="394" data-original-width="400" height="407" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiz6eEiagUu8H9dlww2Yoy1IuL-E10Omuh22PlBNgvGOAnBALXkQpL7XoBLBg-Ch60XHOjH1OkFzKsGv8t64-7Sv6uj2snTD-bve1U_-UsVk6HP5BMP6j2veDHoCrAGnKMZyxvxFdpYxB-AELbvOr2Th8SHskp9j1Rbn9_jpjTcz9kw44HBJ5kzanJN=w387-h407" width="387" /></a></div><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Ele passou diante dos seus olhos antes distraídos, e despertou-a da sua indiferença.</p><p style="text-align: center;">Marta estava quase adormecida dentro do metrô naquela tarde calorenta, indo para casa após um exaustivo dia de trabalho. Os olhos estavam presos a alguma coisa que não estava ali,, e quem passava, poderia imaginar que ela estava pensativa. Porém, há muito tempo ela não pensava mais; não se atrevia.</p><p style="text-align: center;">Cumpria a sua rotina de acordar às quatro e trinta da manhã, se aprontar para o trabalho (antes preparava o lanche das crianças e deixava café para o marido, aquele estranho que morava com ela), pegar um ônibus até a estação e depois o metrô, e depois outro ônibus até chegar, finalmente, ao escritório no outro lado da cidade, onde trabalhava como secretária há quase dez anos.</p><p style="text-align: center;">Nos finais de semana, adiantava a faxina, cozinhava e congelava para a semana toda e dava uma olhada nos deveres de casa das crianças. Marta nem se perguntava para onde tinha ido a tal felicidade, pois temia a resposta.</p><p style="text-align: center;">E lá estava ele, aquele estranho perfeito, sentado no metrô diante dela, que mais parecia ter saído de uma revista de modelos - daquelas, que ficavam na recepção do escritório onde ela trabalhava. Ela sentiu o rosto corar quando, por acaso, os olhos dele pousaram nela e ele deu um meio sorriso de educação e reconhecimento. Ela nem sorriu de volta; imaginou-se no lugar dele, olhando para ela, e vendo aquela mulher cansada, de rabo de cavalo, agarrada a uma bolsa de couro velha, usando roupas surradas e fora de moda. Passou a mão pelo rosto, e sentiu a pele precocemente envelhecida, imaginando os círculos escuros em volta dos olhos que ela nem tentava mais disfarçar.</p><p style="text-align: center;">Mas ela não conseguia tirar os olhos dele, e de repente, uma fome enorme tomou conta dela: fome dele. Ela queria tê-lo, nem que fosse só uma vez. Nem que fosse a última coisa que ela faria na vida.</p><p style="text-align: center;">Na sua mente, ela viu a si mesma se levantando e indo na direção dele, erguendo a barra da saia e mostrando a perna ainda bonita que a saia escondia, enquanto mordia o lábio inferior. Ele ficaria surpreso, mas logo perceberia que estava diante da mulher da sua vida, e de mãos dadas, eles sairiam do trem e se perderiam pela vida, deixando tudo para trás.</p><p style="text-align: center;">O sonho foi tão forte e perfeito, que quando Marta voltou a si, viu que o estranho já não estava mais parado diante dela. Ela olhou em volta, mas ele já não estava mais por perto, e nem depois que ela saiu pelos vagões a procurar por ele, teve sucesso em encontrá-lo. Ele simplesmente desaparecera - mas ficaria ainda durante muito tempo em sua lembrança.</p><p style="text-align: center;">Mas pelo menos, seus dias já não eram tão vazios e sem sentido, pois ela agora tinha a esperança de um dia reencontrá-lo. Passou a cuidar-se melhor e redescobriu sua beleza. O marido então voltou a notá-la e a admirá-la, e os dois se reaproximaram. O chefe percebeu sua mudança, eficiência e boa vontade, e deu-lhe uma promoção e um aumento de salário.</p><p style="text-align: center;">Marta tornou-se mais confiante, e quando finalmente o estranho reapareceu no trem, meses depois, ela o olhou e não sentiu nada. Percebeu que não mais precisava dele. Mas antes de sair, ela o olhou, sorriu e murmurou um "obrigada" que ele jamais entendeu.</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhiZSm-Vt6jSHZvx44SddSQw46tvig6wRMmN12-x3ZNBewf0xtLHNYXuHQunEffB68a1RtN_oyvh9ETdF7Kdib6UBygGdDUz3GT38bfrsnTXqavlJ6u5mo-UfM1GaXCNiTAI-qmY7rms76-88Gx9RxiULp9iU6lbO9LsoGAYKLwLlveMDsqbj6Fizch=s328" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="88" data-original-width="328" height="86" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhiZSm-Vt6jSHZvx44SddSQw46tvig6wRMmN12-x3ZNBewf0xtLHNYXuHQunEffB68a1RtN_oyvh9ETdF7Kdib6UBygGdDUz3GT38bfrsnTXqavlJ6u5mo-UfM1GaXCNiTAI-qmY7rms76-88Gx9RxiULp9iU6lbO9LsoGAYKLwLlveMDsqbj6Fizch=s320" width="320" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-91732935108856937792021-11-10T08:16:00.000-03:002021-11-10T08:16:00.867-03:00AS ESTRELAS QUE CONTEI - CAPÍTULO 14 - FINAL<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-Zu0kS94oQaQ/YYups3NhWfI/AAAAAAAA2cE/m6cDmGc83scS5ZylIfJlMYHLvdwaU7ZXACPcBGAsYHg/s1600/2012-05-20%2B16.06.27.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1200" data-original-width="1600" height="317" src="https://1.bp.blogspot.com/-Zu0kS94oQaQ/YYups3NhWfI/AAAAAAAA2cE/m6cDmGc83scS5ZylIfJlMYHLvdwaU7ZXACPcBGAsYHg/w422-h317/2012-05-20%2B16.06.27.jpg" width="422" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Havia na fazenda uma casa menor para hóspedes, que geralmente ficava fechada, e nós nos mudamos para lá. Uma semana depois do incêndio, Afonso reuniu construtores para começarem a reconstruir a casa principal conforme a planta original, o que seria um árduo trabalho que levou quase três anos para ser concluído. Mas mais tarde, todos achamos que a casa nova tinha também ares muito mais leves; os móveis e paredes eram de cores mais claras, as cortinas eram mais leves, enfim, não tinha o ar pesado e difícil de respirar da casa antiga, que tinha sido cenário de acontecimentos funestos. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Após o velório de Tamara, que foi acompanhado por grande parte dos moradores da pequena cidade, contei aos outros tudo o que eu sabia sobre o que tinha acontecido naquela casa, há muitos anos; disse-lhes tudo o que Clara, Elvira, Teo e as crianças me contaram. Minha mãe não gostou de ouvir minha história, me dizendo que aquele não era o momento para invencionices, e que eu deveria respeitar a dor de Afonso; porém, ele me apoiou, dizendo à minha mãe que eu não poderia ter inventado todos aqueles acontecimentos; ele pegou um velho álbum de fotos de família que tinha sido salvo do incêndio, e apontando as pessoas, eu as fui identificando e contando particularidades sobre elas que ninguém poderia saber, como por exemplo, uma pinta que Clara tinha do lado esquerdo do pescoço e que não aparecia em nenhuma daquelas fotos.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Falei também sobre uma deformação que Elvira, a avó dele, tinha no dedo mindinho esquerdo, provocado por artrite. Mas minha mãe só conseguiu se convencer de que eu realmente dizia a verdade quando a polícia encontrou as ossadas das pessoas mortas. Elas foram todas devidamente sepultadas no cemitério da família, que ficava na própria fazenda, e uma missa foi dita por elas. Felizmente, o baú com as provas do crime, que tinha sido encontrado debaixo da cama de Rosália, tinha sido entregue à polícia antes do incêndio.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Mas Rosália escapou. Ninguém mais sabia onde ela estava escondida, para onde ela tinha ido. A polícia estava à procura dela, e havia fotos dela espalhadas por toda cidade. Ela nem sequer participou do velório da mãe, pois aproveitou a confusão para fugir.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Aquelas férias ficariam para sempre na minha memória, e na memória de todos nós. Voltamos para a cidade e então Afonso e mamãe puderam finalmente fazer sua viagem de núpcias. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Mal chegamos em casa, tratei de colocar toda aquela história no papel, com todos os detalhes. Minha alma de escritora ainda se agitava. Sara e eu terminamos as férias em casa, cuidadas por Geraldo e Elga e na companhia de minha amiga Fernanda, que foi passar uns dias conosco. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">A história poderia ter terminado ali, mas uma noite eu acordei me sentindo muito aflita e oprimida, e quando me levantei para ir até a cozinha, encontrei minha irmã no meio do corredor, visivelmente abalada. Perguntei:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">-O que você está fazendo de pé a essa hora?</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Ela coçou a cabeça, e esfregando os olhos, respondeu:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">-Pelo mesmo motivo que você, eu acho. Tive um sonho ruim.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Eu não me lembrava de ter tido um sonho. Peguei minha irmã pela mão e fomos nos sentar na cozinha, onde preparei um chá para nós duas. Todos na casa estavam dormindo, e nós estávamos sozinhas na cozinha. Escutávamos o tique-taque pesado do relógio que ficava na parede do corredor.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">-Me conte sobre esse sonho, Sara.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">- Eu... eu sonhei com ela. Com Rosália. Chiara, eu tenho medo dela.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Abracei minha irmã:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">-Calma, ela jamais se atreveria a vir aqui. A casa tem muros altos. Ela não conseguiria entrar. E se for pega, vai ser presa. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Ela insistiu:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">-No meu sonho, ela estava aqui dentro. Ela tinha uma arma. Não me lembro bem do que aconteceu. Eu estou com muito medo...</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Senti um arrepio na coluna, mas me mantive aparentemente calma:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">-Tome, beba este chá. Vai se sentir melhor. Olhe, Geraldo, Elga e Carlos estão dormindo logo aqui, ao lado da cozinha, em seus quartos. Fernanda está lá em cima, e eu estou aqui com você. A casa está toda trancada. Nada vai acontecer. Estamos seguras aqui. Mamãe e Afonso estarão de volta em uma semana. E na semana que vem, as aulas recomeçam. Assim que tudo voltar ao normal, nós nos esqueceremos do que se passou.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Levei-a para o meu quarto, e dormimos juntas. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Porém, duas horas depois acordei com o ruído de alguma coisa de vidro se quebrando. Meu coração deu um salto. Olhei para o lado, e Sara dormia tranquilamente. Fiquei sentada na cama, escutando, e minutos depois, pensei ter ouvido passos leves na escada de madeira, que tinha um degrau que estalava sempre que a usávamos. Achei melhor ver o que era, e criando coragem, saí da cama e abri uma greta da porta do quarto. Olhei o corredor silencioso e escuro. Um arrepio de desconforto percorreu minha espinha, e o suor começou a brotar nas minhas costas. Tirei a chave da porta, e trancando-a, fui até o quarto onde Fernanda estava. Ela dormia. Tirei a chave dela, trancando-a no quarto também para sua própria segurança. Apertando as chaves na mão, cheguei ao meio do corredor, esticando o pescoço para ver as escadas. Então eu a avistei: Rosália não me viu, pois olhava para o chão. Ela subia as escadas devagar, e carregava um revólver. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Dei o grito mais alto de toda a minha vida:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">- Geraldo! Carlos! Socorro! Ela tem uma arma! Ela está armada!</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Corri de volta para o quarto, e entrando, tranquei novamente a porta. Fernanda tinha acordado e tentava sair: </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">- Chiara, o que está havendo? Estou trancada aqui! – ela gritou; </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Fui até a sacada, chamando-a, e disse-lhe que ficasse no quarto e não saísse por nada. Àquela altura, Sara tinha acordado, e nós duas nos trancamos na sacada. Fernanda, da sacada do seu quarto, nos olhava, o rosto apavorado. Expliquei a ela que a casa tinha sido invadida por Rosália. Vi as luzes do andar inferior se acenderem, iluminando parte do jardim. Geraldo e Carlos estavam no jardim, e eu gritei novamente, avisando-os de que Rosália estava armada. Eles nos mandaram ficar calmas e permanecermos nos quartos, pois a polícia já estava a caminho.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Naquele instante, ouvimos um tiro. Nós três gritamos ao mesmo tempo. Alguém bateu à porta, e eu dei um pulo. Reconheci a voz de Elga:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">-Meninas, não saiam por nada! Acabou! Fiquem tranquilas, mas não saiam!</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Escutamos as vozes de Carlos, Elga e Geraldo conversando alto. Soavam muito aflitos. Elga disse, a voz chorosa:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">-Eu não tive como evitar! Oh, meu Deus! Tive que atirar nela!</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">A sirene da polícia parou diante do nosso portão, e Carlos foi abrir. Vimos os policiais entrando. Muitas coisas aconteceram no andar inferior da casa, mas achei melhor, por causa de Sara, não descer para verificar. Fernanda foi ficar conosco, e nós três permanecemos sentadas no tapete, aguardando notícias. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Uma ambulância chegou, e corremos até a janela. Vimos quando o corpo de Rosália, cujo rosto estava coberto por um lençol, deixou a casa, carregado em uma maca. As casas vizinhas estavam todas acesas, e algumas pessoas estavam paradas nas calçadas com roupas de dormir.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Finalmente, aquele capítulo terrível da história de Afonso tinha sido devidamente encerrado. Um dia, após o jantar, eu estava sentada em minha cama quando ele bateu à porta. Disse que queria conversar.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Sentou-se em minha cama, me olhando profundamente:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">- Chiara, você já deve saber que eu tenho por você e por Sara um amor paternal. Para mim, vocês duas são minhas filhas. Mas quero que saiba que eu sou muito grato a você, pois me ajudou a resolver um grande problema que eu carregava comigo. Me ajudou a desvendar a morte de minha esposa, que eu pensei ter fugido e me abandonado.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Ele riu discretamente, baixando os olhos por alguns instantes.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">-Jamais pensei que um dia, uma criança me ajudaria a seguir em frente. Nunca acreditei que eu pudesse ser feliz novamente, casar-me com sua mãe e ganhar duas filhas de presente. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Eu fiquei calada, pois não sabia o que dizer. Ele continuou:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">- Sei do seu sonho em tornar-se escritora. E eu quero ajudar você a realizá-lo!</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Sentei-me na cama, as pernas cruzadas, o coração descompassado:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">- Mas... eu... eu... meu Deus, eu...</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Uma grande insegurança tomou conta de mim, e passei a andar pelo quarto de um lado para o outro. De repente, duvidei da minha capacidade de escrever. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">-Eu não sei se posso, pai. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Eu o chamara de pai tão espontaneamente, que nem percebi. Ele corou de satisfação. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">- É claro que pode. Sua mãe me falou sobre os concursos literários que venceu na escola, e do quanto as outras crianças adoram escutar suas histórias. Ela também me disse que você tem uma missão que deve ser realizada através dos seus escritos. Então, quanto mais cedo começarmos, melhor! </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Comecei a pular de alegria, e abracei-o pelo pescoço, dando-lhe um sonoro beijo no rosto:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">-Obrigada, pai! Obrigada!</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">E então, eu escrevi.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Contei as histórias de toda a minha família – daqueles que eu conheci e daqueles que eu não cheguei a conhecer aqui. Criei histórias que falavam sobre os seres da natureza que eu costumava ver quando criança, e embora elas tenham sido classificadas como histórias infantis, ninguém soube o quanto aqueles personagens são verdadeiros. Fiz o que eles me pediram: tentei conscientizar as pessoas sobre a importância do respeito às coisas da natureza, do quanto são necessárias coisas como árvores, rios, animais, água, ar. Sei que as coisas que eu tentei ensinar ficaram nas mentes de pelo menos, algumas pessoas. Sinto não ter podido atingir a todos. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Também consegui, através das minhas histórias, levar um pouco de esperança a todos aqueles que perderam entes queridos, dizendo a eles que a vida continua em outro lugar, independente da ilusão que cultivamos de um adeus para sempre. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Hoje, sou uma mulher velha. Há muito tempo minha mãe e meu padrasto se foram essa vida. Da minha família, só restaram minha irmã Sara e meus primos, que eu nunca mais encontrei. Sara teve muitos filhos: cinco no total. Ela hoje vive em uma cidade distante da minha, e quase não podemos mais nos encontrar. Mas o amor que temos uma pela outra e nossas histórias e segredos nos mantém sempre unidas, além do tempo e do espaço. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">Eu nunca me casei, nem tive filhos. Dediquei minha vida à missão que os seres da natureza me confiaram. Enquanto termino de escrever essa história, eles estão em volta de mim, me inspirando e amparando. Sei que logo deixarei esta vida. Minha missão aqui está no final. Mas sei que existem uma nova vida e uma nova missão esperando por mim. Espero poder cumpri-la. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;">FIM</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-DJdaFdjS2IY/UaelGsztgBI/AAAAAAAAWeQ/neLle0cVA38bn9z6wvGlfgOauRK4PcF7ACPcBGAYYCw/s159/0CHURISSEPARADORCHURIS2-8.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="35" data-original-width="159" height="35" src="https://1.bp.blogspot.com/-DJdaFdjS2IY/UaelGsztgBI/AAAAAAAAWeQ/neLle0cVA38bn9z6wvGlfgOauRK4PcF7ACPcBGAYYCw/s0/0CHURISSEPARADORCHURIS2-8.jpg" width="159" /></a></div><br /><span style="font-size: 16px;"><br /></span><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 16px;"> </span></p><div style="text-align: center;"><br /></div>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-46832551821838733972021-10-09T11:40:00.007-03:002021-10-20T08:06:25.666-03:00AS ESTRELAS QUE EU CONTEI Capítulo 13<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/--O1Td_LKQos/URUy-Ks_LpI/AAAAAAAAWeQ/r4wkTP5B6xcu5N0MWfwzSv-7csyjqQ5YQCPcBGAYYCw/s241/images%2B%25285%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="241" data-original-width="209" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/--O1Td_LKQos/URUy-Ks_LpI/AAAAAAAAWeQ/r4wkTP5B6xcu5N0MWfwzSv-7csyjqQ5YQCPcBGAYYCw/w347-h400/images%2B%25285%2529.jpg" width="347" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"> CAPÍTULO 13</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">Achei estranho que o sol parecia nunca se por naquele lugar, e perguntei sobre isso. Imediatamente, começou a escurecer, e lindas estrelas apareceram num céu colorido de lilás e rosa, que escureceu gradativamente. Senti vontade de voltar para casa, e disse aquilo em voz alta. Naquele instante, olhei para o lado e as duas mulheres não estavam mais lá. Mas Téo, o avô de Afonso, estava sentado ao meu lado, e disse:</p><p style="text-align: center;">-Você já vai embora, mas antes de ir, achei que gostaria de em encontrar algumas pessoas.</p><p style="text-align: center;">Ele apontou para frente, para a mesma entrada junto à floresta por onde eu tinha chegado, e eu avistei três sombras que se aproximavam devagar. Apertei os olhos para enxergar melhor, e lá estavam papai, Tia Samira e minha avó Dora. Senti como se meu coração fosse sair pela boca de tanta alegria, e me levantando da cadeira, desci as escadas da varanda correndo, ganhei a distância que nos separava e me joguei nos braços de meu pai, chorando tanto que mal podia me controlar. Deixei-me ficar nos braços dele, sentindo sua mão acariciando meus cabelos, aproveitando a certeza de ainda poder ser amada por ele. Quando o olhei, ele sorria, tranquilo. Abracei minha tia Samira também, e minha avó. Nós os sentamos no gramado, que estava fresco e perfumado. Acima de nossas cabeças, planetas giravam, estrelas cintilavam e uma lua muito branca iluminava tudo. Avistei pontos de luz nas árvores, e eu logo soube que eram minhas amigas.</p><p style="text-align: center;">Meu pai foi quem falou primeiro:</p><p style="text-align: center;">-Você cresceu tanto, Chiara, está tão linda! </p><p style="text-align: center;">Minha avó e tia Samira permaneceram em silêncio. Respondi:</p><p style="text-align: center;">-Pai, você é feliz?</p><p style="text-align: center;">Ele demorou um pouco, mas acenou positivamente com um leve gesto da cabeça. </p><p style="text-align: center;">-Eu seria bem mais feliz junto de vocês. Mas é a vida... </p><p style="text-align: center;">-Vocês três... moram juntos?</p><p style="text-align: center;">Tia Samira respondeu:</p><p style="text-align: center;">-Não, nós nos encontramos aqui apenas para ver você, mas estamos em lugares diferentes. Não se preocupe, não havia nada entre seu pai e mim antes, e não há nada agora. Diga a todos que eu sinto saudades. </p><p style="text-align: center;">Ela começou a desaparecer devagar, e junto com ela, minha avó.</p><p style="text-align: center;">Olhei para o meu pai, e abracei-o com força, com medo de que ele também desaparecesse. Fechei os olhos e tentei imaginar que sempre estaríamos juntos, que ele jamais iria embora para longe de mim, e ele disse, como se adivinhasse meus pensamentos:</p><p style="text-align: center;">- De certa forma, jamais a deixarei, minha filha querida. Sempre que precisar de mim, basta pensar. Não poderei responder a você sempre, mas saiba que estarei sempre ouvindo, e farei o que for possível. </p><p style="text-align: center;">A voz dele foi sumindo nas últimas palavras que ele disse. Senti que nós desaparecíamos juntos daquele lugar, como se voássemos. Ainda olhei para trás, e vi a casa se afastando. </p><p style="text-align: center;">Comecei a me sentir levemente tonta e indisposta. Senti minha visão tornar-se turva, enquanto o rosto de meu pai, inclinado em minha direção, ia aos poucos desaparecendo. Tudo começou a girar, e eu me senti muito enjoada. Quando abri os olhos novamente, eu estava deitada junto ao tronco de árvore, no meio da floresta. Uma dor aguda fez minha cabeça latejar, e levando a mão até a parte de trás da cabeça, senti uma protuberância úmida; era sangue. Eu pensei que havia caído e batido a cabeça, desmaiando. Sentei-me devagar no solo, olhando em volta. Será que eu tinha sonhado tudo aquilo?</p><p style="text-align: center;">Ao ter aquele pensamento, senti uma presença perto de mim. Era uma fada, que sentada no tronco junto a mim, me olhava. Ela balançou a cabeça me sorrindo, e tive certeza de que tudo fora real. </p><p style="text-align: center;">Escutei ruídos de passos e vozes na floresta, chamando meu nome. Olhei para cima, e o sol estava alto, como se muitas horas tivessem passado. Virei para o lado e vomitei. A sensação de enjoo começou a desaparecer. Logo vi surgirem as figuras de Afonso e mamãe, aflitos. Procuravam por mim, acompanhados de dois homens que trabalhavam na fazenda. Ao me verem no chão, um dos homens gritou: “Ela está aqui!” Mamãe correu na minha direção, e me abraçou com força:</p><p style="text-align: center;">-Estávamos tão aflitos, Chiara! O que aconteceu?</p><p style="text-align: center;">-Eu... acho que eu desmaiei. Bati a cabeça. Mas... </p><p style="text-align: center;">Naquele momento, vários homens e mulheres da fazenda nos rodeavam, conversando baixinho. Afonso me ajudou a me levantar, me perguntando se eu conseguiria andar, e eu disse que sim.</p><p style="text-align: center;">Logo chegamos à fazenda, e me colocaram na cama imediatamente. Tamara nos seguiu, parecendo muito preocupada. Minha irmã Sara também nos seguiu até o quarto. Mamãe pediu:</p><p style="text-align: center;">- Tamara, por favor, traga alguma coisa para ela comer.</p><p style="text-align: center;">Protestei:</p><p style="text-align: center;">-Não precisa, já comi. </p><p style="text-align: center;">Minha mãe me olhou:</p><p style="text-align: center;">-Como assim? Você deve estar confusa, pois saiu de casa ainda de madrugada, e já são quase quatro da tarde. Perdeu o café e o almoço. Filha, nunca mais quero que você adentre a floresta sozinha. </p><p style="text-align: center;">-Mãe, eu não estou com fome. Mais tarde eu como. Preciso descansar. Quero ficar sozinha. Mas antes, me deixe conversar com Afonso. A sós.</p><p style="text-align: center;">Minha mãe e Sara me olharam, confusas, mas saíram do quarto seguidas por Tamara. Afonso sentou-se na beirada da cama, pegando minha mão devagar.</p><p style="text-align: center;">-Ficamos todos tão aflitos, Chiara. Nunca mais faça isso. A mata pode ser perigosa. </p><p style="text-align: center;">- Prometo. Mas eu preciso te dizer uma coisa importante. Não sei se minha mãe já falou de mim... sabe, eu... eu tenho sonhos e visões. </p><p style="text-align: center;">Falei aquilo com muito medo de que Afonso pensasse que eu era uma menina louca, ou que simplesmente não acreditasse em mim, mas ele me olhou com todo respeito, sem nada dizer, disposto a me escutar. Gostei dele ainda mais. Ele me ouviu em silêncio, acenando com a cabeça, e lágrimas caíram de seus olhos muitas vezes. Mas ele nunca me interrompeu. Finalmente, quando terminei de contar tudo a ele, ele me disse:</p><p style="text-align: center;">-Eu acredito em você, Chiara. Porque na noite passada, tive um sonho com Clara, e ela me pedia para escutar a sua história. Eu não consegui parar de pensar nisso o dia todo, enquanto procurava você. Eu... jamais... nunca tinha sonhado com ela antes. O sonho foi confuso e muito rápido, mas ao mesmo tempo, muito forte. Era como se estivéssemos conversando por um telefone com muitos chiados.</p><p style="text-align: center;">Eu me sentei na cama:</p><p style="text-align: center;">-E agora, Afonso, o que vai fazer, sabendo que Rosália é tão perigosa? </p><p style="text-align: center;">Ele respirou profundamente, baixando os olhos.</p><p style="text-align: center;">-Sinto muito por Tamara, mas... eu vou ter que chamar a polícia. Mas antes, precisamos encontrar o corpo de Clara, e reunir provas contra ela. Precisamos provar que essa história louca é verdadeira.</p><p style="text-align: center;">Eu me lembrei do que Rosália me dissera:</p><p style="text-align: center;">-As provas estão todas em um baú, debaixo da cama de Rosália. Clara me disse.</p><p style="text-align: center;">Ele ficou boquiaberto. Vou lá imediatamente.</p><p style="text-align: center;">Dizendo aquilo, ele se ergueu da cama. Quando Afonso chegou à porta, eu disse:</p><p style="text-align: center;">-Tome muito cuidado, ela é perigosa!</p><p style="text-align: center;">Ele sorriu de leve antes de fechar a porta. Depois, caí em um sono profundo e sem sonhos que durou até o dia seguinte, quando despertei varada de fome. Levantei-me da cama e tomei uma chuveirada, me vestindo. Achei que era cedo e que todos ainda dormiam, tal o silêncio dentro da casa. Calcei meu tênis e abri a porta do quarto, me dirigindo até a cozinha, mas ao chegar lá, não encontrei as pessoas trabalhando, como sempre. Tudo estava vazio e silencioso. </p><p style="text-align: center;">Fui até o quarto de mamãe e Afonso, e eles ainda dormiam. Chamei-os da porta, tentando acordá-los, mas eles não responderam. Corri até o quarto de Clara, e ela também dormia profundamente. O mesmo aconteceu ao procurar por Tamara e pelas cozinheiras. Todos na casa dormiam. </p><p style="text-align: center;">Lembrei-me de que eu tinha sido a única a não comer nada que tinha sido preparado no dia anterior, e senti um medo enorme tomar conta de mim. Corri até o telefone, e aliviada, escutei o sinal de linha ativa. Abri o caderninho de endereços, trêmula, e localizei o telefone da polícia, que disquei. Uma voz fria me respondeu:</p><p style="text-align: center;">-Delegacia de polícia, bom dia.</p><p style="text-align: center;">Eu estava tão nervosa, que minha voz custou a sair, e a pessoa do outro lado teve que dizer “alô” duas vezes. Finalmente, minha voz saiu pela garganta, alta e histérica:</p><p style="text-align: center;">- Estou na Fazenda Santa Clara, e tem alguma coisa errada. Ninguém acorda, estão todos dormindo e não acordam!</p><p style="text-align: center;">O homem do outro lado respondeu:</p><p style="text-align: center;">- Calma, fique calma. Qual é o seu nome, menina?</p><p style="text-align: center;">-Chiara. Sou enteada de Afonso, dono da fazenda. Eles não abrem os olhos! Acho que alguém colocou remédio no jantar de ontem. Venham rápido, por favor!</p><p style="text-align: center;">Foi quando escutei um ruído de algo queimando, e pensei ser a lareira. Mas ao olhar para o meu lado direito, percebi que havia um fogo começando na cozinha. Eu podia ver o corredor longo, e a fumaça começando a se formar. Gritei ao telefone:</p><p style="text-align: center;">-Venham logo, a casa está pegando fogo!</p><p style="text-align: center;">- Já estamos a caminho. Mandei uma viatura agora mesmo. Você consegue sair da casa? Saia da casa!</p><p style="text-align: center;">-Mas não posso deixar todo mundo aqui dentro! Minha mãe, Afonso, minha irmã, as pessoas...</p><p style="text-align: center;">-Corra e busque ajuda! Levaremos pelo menos vinte minutos até conseguirmos chegar, então vá buscar ajuda!</p><p style="text-align: center;">Desliguei o telefone, e ao passar pelo corredor, vi que o fogo na cozinha estava crescendo. As cadeiras e a mesa já começavam a queimar. Tentei abrir a porta da sala, mas ela estava trancada. As janelas da sala também. A fumaça começava a se espalhar mais rapidamente. Olhei em volta, procurando alguma coisa com a qual pudesse tentar quebrar uma janela, e vi o atiçador da lareira. Peguei-o, e arremessando-o contra a vidraça com toda a minha força, consegui quebrá-la. Saí pela janela, gritando por socorro. </p><p style="text-align: center;">Para meu alívio, alguns trabalhadores vieram em meu auxílio, e eles conseguiram tirar as pessoas de dentro da casa antes que o pior pudesse acontecer. Porém, infelizmente, não pudemos salvar a vida de Tamara. O fogo se alastrou rapidamente, destruindo toda a casa. Quando a polícia chegou com os bombeiros, não havia mais nada que pudesse ser feito. </p><p style="text-align: center;">Tamara se tornaria mais uma estrela no céu da minha vida. </p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">(continua)</p><p style="text-align: center;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-KwXLwsMZDBQ/YWGp9B08f5I/AAAAAAAA0ko/cgo6ICXUEV4QGwImGaZ0mZ3KL3OwXOU9ACPcBGAsYHg/s384/images%2B%252835%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="46" data-original-width="384" height="38" src="https://1.bp.blogspot.com/-KwXLwsMZDBQ/YWGp9B08f5I/AAAAAAAA0ko/cgo6ICXUEV4QGwImGaZ0mZ3KL3OwXOU9ACPcBGAsYHg/s320/images%2B%252835%2529.jpg" width="320" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"> </p><div style="text-align: center;"><br /></div>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-16602372751024913302021-09-14T14:02:00.004-03:002021-10-09T11:15:10.724-03:00AS ESTRELAS QUE EU CONTEI - CAPÍTULO 12<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-_d_A49E0Tcw/UR-hALQL6NI/AAAAAAAAWeQ/4q-3vpn3ziA09uteodVk2P6JPdVbTOyugCPcBGAYYCw/s1152/dama%2Bsurreal.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="768" data-original-width="1152" height="266" src="https://1.bp.blogspot.com/-_d_A49E0Tcw/UR-hALQL6NI/AAAAAAAAWeQ/4q-3vpn3ziA09uteodVk2P6JPdVbTOyugCPcBGAYYCw/w400-h266/dama%2Bsurreal.jpg" width="400" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"> Capítulo 12</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">-Ela nos matou porque estava apaixonada por Afonso, e nós éramos contra o relacionamento deles. Sentíamos que Rosália tinha alguma coisa de selvagem, inominável, ruim. Apesar de tentar fazer tudo para nos agradar, sabíamos que cada gesto seu e cada palavra gentil era eivada de falsidade. Ela queria possuir Afonso. Chegou a ficar grávida dele, mas felizmente, perdeu a criança após dois meses de gravidez. Os preparativos para o casamento estavam sendo feitos quando Afonso descobriu que ela não estava mais grávida. Tamara, a própria mãe de Rosália, contou a ele. Ela tinha então dezessete anos, e ele, dezoito. Viveram uma paixão adolescente que, na cabeça dela, era a solução para a sua vida. Na verdade, ela só queria saber do dinheiro de Afonso. Tamara tentava controlar a filha, mas nunca conseguiu deter a impulsividade dela. Lembro-me de que ela ia para o quarto de meu filho à noite. Eu podia escutar os dois. Disse a ele que tivesse cuidado, mas ele não nos ouviu. Até que o mandamos embora da fazenda, para estudar no exterior, numa tentativa de afastá-los.</p><p style="text-align: center;">- Mas... por que não mandaram Rosália embora? Não teria sido mais simples? </p><p style="text-align: center;">- Nós tentamos, mas ela não quis ir, ameaçou um escândalo. E tínhamos muito apreço por Tamara, sua mãe, que é uma pessoa maravilhosa. Mas Rosália herdou a amargura e a frieza do pai. Ele foi um homem mau, que seduziu Tamara quando ela ainda era bem jovem. Engravidou-a, e assim que a criança nasceu, foi embora da fazenda com outra.</p><p style="text-align: center;">-Uau! Que história! </p><p style="text-align: center;">Ela ignorou meu comentário:</p><p style="text-align: center;">-Bem, assim que Afonso partiu, ela se tornou insuportável. Ficava pelos cantos, nos olhando com raiva. Se recusava a ajudar Tamara nos trabalhos da fazenda. </p><p style="text-align: center;">O olhar dela voltou a ficar cheio de horror, enquanto Elvira narrava seus últimos momentos de vida:</p><p style="text-align: center;">-Um dia bem cedinho, quando Téo e eu nos aprontamos para ir pescar, deparamos com uma mesa maravilhosa. Rosália nos esperava com um farto café da manhã, e parecia outra pessoa. Seu olhar estava mais doce e conformado, e ela se desculpou por tudo o que fizera, jurando que melhoraria dali para frente. Nós acreditamos nela, e nos sentimos aliviados. Tomamos o café da manhã, e assim que chegamos ao barco e nos afastamos da margem, começamos a nos sentir tontos e pesados. Eu tentei me mexer, mas meu corpo parecia anestesiado. Téo e eu compreendemos que ela tinha colocado alguma coisa na nossa comida. Apavorados, mas incapazes de reagir, vimos quando ela se aproximou do barco nadando, e então nos puxou para dentro da água. </p><p style="text-align: center;">Depois, usando um machado, Rosália fez um buraco no fundo do barco, que afundou, e então... ela segurou nossas cabeças dentro da água. Simulou um acidente. </p><p style="text-align: center;">Eu estava horrorizada e preocupada ao ouvir tal narrativa. Afinal, minha mãe e minha irmã estavam lá naquela casa de fazenda, com aquela criatura horrorosa.</p><p style="text-align: center;">O restante da história me foi contado por Clara. Notei que Clara estivera de pé atrás de nós o tempo todo. Elvira levantou-se, e Clara sentou-se no lugar dela, ao meu lado. A presença dela emanava frio. Senti que a energia dela não era tão tranquila quanto a de Elvira. Clara continuou a história de onde Elvira tinha parado.</p><p style="text-align: center;">-Quando cheguei na fazenda, sete anos após a morte pais de Afonso, estávamos casados. Ele tinha se formado e assumira os negócios da família. Éramos felizes, nos amávamos. Maldita a hora em que concordei vir para cá.</p><p style="text-align: center;">Seu rosto crispou-se de raiva, mas ela logo se controlou:</p><p style="text-align: center;">Os avós estavam idosos, e ele decidiu que deveria tomar conta deles, já que devia muito a eles, que o criaram após a morte dos pais. Seu avô tinha câncer terminal, e a avó sofria de problemas cardíacos sérios. Achei nobre a atitude dele. O médico nos dissera que, infelizmente, ambos morreriam em breve. Concordei em ficar e ajudar. </p><p style="text-align: center;">Mas aquele demônio de mulher... ela o seduziu novamente. Ela ficava o tempo todo rodeando meu marido, me afrontando... e eu não queria causar problemas para os avós de Afonso. Mesmo após as surras que Tamara dava nela, Rosália não tomava jeito. Tanto fez, que conseguiu o que queria: meu marido em sua cama. </p><p style="text-align: center;">-Que coisa horrível! </p><p style="text-align: center;">Pensei no quanto minha mãe estava em risco naquela fazenda, e desejei voltar para alertá-la. Mas eu sabia que precisava escutar o final da história, então me calei. O dia ali parecia não passar nunca. Eu tinha perdido a noção do tempo. Não tinha ideia de quanto tempo já estivera ali. Clara continuou:</p><p style="text-align: center;">- Eu e Afonso tivemos uma discussão horrível, e ele se desculpou, mas eu não consegui perdoá-lo. Mesmo assim, ficamos juntos até que seus avós faleceram com uma diferença de apenas duas semanas entre suas mortes. </p><p style="text-align: center;">Logo após o falecimento dos avós de Afonso, decidi que o perdoaria, se ele concordasse em ir embora daquele lugar. E eu estava justamente me aprontando para dizer aquilo a ele, assim que ele voltasse de uma viagem que tinha feito a São Paulo a fim de organizar alguns papéis referentes à sua herança. Tamara tinha ido junto com ele, pois os avós de Afonso tinham deixado para ela algum dinheiro em testamento. Eu estava sozinha com Rosália na fazenda, esperando-o voltar.</p><p style="text-align: center;">Mas uma noite na qual fui dormir me sentindo exausta, acordei de repente na caçamba de um caminhão. Estava amarrada e amordaçada. </p><p style="text-align: center;">Notei que estava junto a mim a minha mala de roupas. Rosália me obrigou a escrever um bilhete a Afonso, dizendo que eu estava indo embora do país e que ele não me procurasse nunca mais. Ela sabia que eu não tinha uma família, e que ninguém procuraria por mim. Achei que se eu fizesse o que ela queria, ela me levaria para longe dali e me deixaria em algum lugar distante, não sei... jamais pensei que ela seria capaz de... escrevi o tal bilhete, enquanto ela segurava uma arma de fogo contra a minha testa. Havia fúria em seus olhos. Assim que terminei, ela me atingiu com a arma. Ela me deu um tiro. Mas eu ainda estava viva quando ela me enterrou na floresta. </p><p style="text-align: center;">Deixei escapar um grito de terror, cobrindo a boca com a mão. Àquela altura, Clara chorava muito. Ela se conteve, finalmente, e me disse:</p><p style="text-align: center;">-Mas fico feliz que ele não tenha ficado com ela. Pelo menos, isso ela não conseguiu.</p><p style="text-align: center;">-Eu sinto muito, Clara... de verdade. </p><p style="text-align: center;">Ela me olhou, segurando minhas mãos:</p><p style="text-align: justify;">-Você precisa dizer a ele a verdade. Precisa mostrar a ele onde está o meu corpo, precisa contar o que aconteceu aos pais dele. Enquanto alguém não fizer isso, estaremos presos aqui. <span style="text-align: left;">A arma de fogo, o machado e a corda que ela usou para me amarrar estão no quarto dela, em um baú sob a cama. São as provas que precisam para acusá-la.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p><p style="text-align: center;">As crianças se aproximaram de nós, e uma delas disse:</p><p style="text-align: center;">-Faça isso pela gente também. Ela também nos matou, pois nós vimos tudo o que ela fez com os pais do senhor Afonso. Ela cortou os freios do carro escolar. Todas as crianças morreram naquele acidente. </p><p style="text-align: center;">Ainda mais apavorada, prometi que os ajudaria a todos. </p><p style="text-align: center;">Naquele momento, Clara projetou em minha mente uma imagem perfeita do lugar onde seu corpo estava enterrado, e de como chegar lá. Eu jamais me esqueceria. </p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;">(CONTINUA...)</p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-JISyGMHfFwc/XrQVSlIJ7pI/AAAAAAAArz4/TdeRuWJ55mkdQYSBQeBrcsje7FxUahBNQCPcBGAYYCw/s1300/BORBOLETA%2B3.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1299" data-original-width="1300" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-JISyGMHfFwc/XrQVSlIJ7pI/AAAAAAAArz4/TdeRuWJ55mkdQYSBQeBrcsje7FxUahBNQCPcBGAYYCw/s320/BORBOLETA%2B3.jpg" width="320" /></a></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: center;"> </p><div style="text-align: center;"><br /></div>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3587850267953345376.post-49502407747032265902021-09-06T14:48:00.001-03:002021-09-06T14:48:15.925-03:00AS ESTRELAS QUE EU CONTEI - CAPÍTULO 11<p> </p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-jivPaWRnYP4/XVR35838v6I/AAAAAAAAmvI/CIzPnyd5cFoIttkaKwPjQkrN-wFFsjlpgCPcBGAYYCw/s960/fairy-3819809_960_720.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="648" data-original-width="960" height="270" src="https://1.bp.blogspot.com/-jivPaWRnYP4/XVR35838v6I/AAAAAAAAmvI/CIzPnyd5cFoIttkaKwPjQkrN-wFFsjlpgCPcBGAYYCw/w400-h270/fairy-3819809_960_720.jpg" width="400" /></a></div><span style="font-size: 12pt;"><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 12pt;"><br /></span></p>CAPÍTULO 11</span><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Eu gostava de
acordar bem cedo e caminhar sozinha pela fazenda, quando a neblina ainda estava
sobre os campos antes do sol nascer, e observar os trabalhadores ordenhando as
vacas, escovando os cavalos, arando o campo e colhendo lindos maços de verduras
que comeríamos horas depois no almoço. Eu já conhecia algumas pessoas, que me
cumprimentavam e me chamavam pelo nome, me oferecendo fatias de queijo
fresquinho, frutas ou doces em compotas que eram fabricados na fazenda. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Pensei que
aquela era exatamente a vida que eu gostaria de ter, e decidi que no futuro,
estudaria alguma coisa que me permitisse trabalhar na fazenda. Já Sara preferia
a vida na cidade, o movimento, o burburinho dos centros comerciais. Eu só
pensava nas histórias maravilhosas que poderia escrever naquele lugar
inspirador. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Eu olhava as
copas das árvores e arbustos em busca de minhas amigas de infância, mas não
conseguia vê-las; achei que tinham ido embora para sempre. Até que um dia,
enquanto caminhava pela trilha da floresta, que eu já conhecia bem àquela
altura, deparei com uma estradinha calçada por pedras que eu não tinha visto
antes, pois havia uma árvore enorme caída sobre a entrada. Sobre o tronco
coberto de musgo, avistei uma criaturinha transparente que me olhava, mas que
logo desapareceu. Senti uma dor aguda na cabeça, que me levou a fechar os olhos
e cobrir a cabeça com ambas as mãos, enquanto um forte zumbido em meus ouvidos
me deixava surda. Acho que quase perdi a consciência, e quando reabri os olhos
e olhei adiante, vi uma estradinha limosa, uma trilha coberta de mato que teria
passado despercebida se eu não tivesse me sentado naquele tronco. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">O caminho era
um tanto estreito, se perdendo em uma curva onde as árvores se juntavam umas às
outras tornando o local bastante sombrio; apenas alguns raios de sol conseguiam
penetrar as copas. A curiosidade, que era algo natural em mim, me fez passar
sobre o tronco e seguir o caminho. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Caminhei por
alguns minutos, ainda hesitante, sempre olhando em volta, e com a forte
sensação de estar sendo observada. Pensei em voltar, mas eu sentia como se uma
força me atraísse a continuar naquela direção, e ela me impelia para frente,
além do medo que eu sentia, além do arrepio na base da coluna e de algo em um
canto do meu cérebro que me dizia para voltar. Acho que andei durante quase uma
hora – não estou certa, pois os caminhos no meio das florestas nos iludem. O
sol já estava alto, e todos deveriam estar acordados, procurando por mim, mas
eu simplesmente tinha que seguir.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">E foi logo
depois de uma curva que eu comecei a escutar vozes: risos de crianças e cães
latindo alegremente, e então comecei a andar mais rápido; mal pude conter o
folego ao chegar a uma enorme clareira gramada e ensolarada, onde havia uma
casa que parecia ser muito antiga, de dois andares, branca e convidativa.
Fiquei parada diante daquela linda visão, o ar preso nos pulmões, uma alegre sensação
de ter chegado em casa após muito, muito tempo.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>As crianças (havia uma meia dúzia delas) voltaram os olhos para mim e
pararam de brincar, me observando em silêncio. Uma delas gritou: “Olhem!”
Imediatamente, um menino ruivo disse “Eu acho que ela pode nos ver!” Eu estava
confusa, assustada, surpresa, curiosa, feliz, enfim, eu era uma mistura de
vários sentimentos e pensamentos que se moviam todos em círculos ao redor de
mim, sem encontrar uma certeza. Na varanda da casa, um casal <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>me observava, parecendo muito surpresos. Havia
também uma mulher mais jovem que eles, de longos cabelos negros, lindíssima,
parada junto à porta de entrada, que parecia tão perplexa quanto os demais.
Senti que uma mão nas minhas costas me deu um leve empurrão na direção da casa,
mas quando me voltei para olhar, não havia ninguém. Caminhei, hesitante, e logo
estava cercada pelas crianças, que me puxavam pela mão em direção à casa,
acariciavam meus cabelos e davam risadinhas. Uma delas sussurrou: “O nome dela
é Chiara. Está hospedada na fazenda!” No que a outra respondeu: “Sim! Ela é
filha adotiva dele.” Eu fiquei surpresa pela maneira como as notícias corriam
naquele lugar. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Quando
cheguei à porta, a mulher mais velha estendeu os braços para mim, dizendo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Entre,
menina. Você parece cansada. Venha comer alguma coisa! Posso apostar que ainda
não comeu nada hoje.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Concordei com
a cabeça e me deixei ser guiada para dentro da casa, seguida pelas crianças e
pelos outros dois adultos, o homem e a mulher de cabelos negros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O interior da casa não era menos
impressionante do que o exterior: a luz do sol entrava em faixas pelas janelas
enormes, iluminando a casa magicamente, caindo sobre os jarros de flores
coloridas, o piso de madeira brilhante, as cadeiras e sofás brancos, as
cortinas finas e transparentes também brancas. O pé direito alto acolhia as
vozes das crianças, transformando-as em música para os ouvidos, e reverberava
os cantos dos pássaros da floresta. Fiquei pensando em como uma casa no meio de
uma floresta e cheia de crianças podia ser tão limpa, tão branca. A casa era
mágica, eu tinha certeza!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">A mulher mais
velha sentou-me à uma mesa na cozinha, e foi colocando sobre a mesa o café mais
perfumado que eu já tinha visto, potes de geleias de frutas caseiras<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>brilhantes e cheirosas, pão feito em casa
ainda quente, biscoitos e um bolo de laranja que eu devorei quase a metade.
Enquanto eu comia, a mulher mais nova ralhou com as crianças e fez com que
fossem continuar suas brincadeiras lá fora, pois elas faziam um ruído enorme,
mexendo no meu cabelo, falando todas ao mesmo tempo e dando risadas. Eu
interagia com elas apenas sorrindo. Eu me sentia totalmente à vontade entre
eles, embora não os conhecesse. O homem estava sentado diante de mim, me
olhando com carinho, como se eu fosse uma de suas netas (achei que era esse o
grau de parentesco entre ele e as crianças). Reparei em sua camisa branca e
simples, e também que o rosto dele era belíssimo, ornado por uma barba grisalha
cerrada. Parecia haver uma aura de luz em volta dele e das demais pessoas, até
que eu percebi, estendo a mão na frente do meu rosto, que ela estava também
sobre mim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ele me disse,
assim que pousei a xícara vazia sobre o pires:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Você veio de
longe, minha menina. Estamos muito alegres e surpresos de você ter chegado até
aqui.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Eu sorri,
confusa:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Mas a
fazenda fica a apenas alguns metros daqui... ou quilômetros? Bem, não é muito
longe, o senhor sabe. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Eles três
trocaram olhares, e nada disseram, mudando logo de assunto. A mulher mais velha
disse:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Deixe a gente
se apresentar: meu nome é Elvira, e este é Téo, meu marido. A moça é Clara,
nossa nora.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Eu sou
Chiara. Estou hospedada na fazenda com minha irmã Sara e minha mãe Vanessa,
como vocês já sabem, e minha mãe se casou com Afonso. Vocês o conhecem, não é?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">A mulher
respondeu, quase sussurrando:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Sim, nós o
conhecemos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">A voz dela
parecia muito triste, mas quando olhei para ela, ela sorriu. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Clara, a moça
de cabelos longos, parecia ter uma tristeza dentro dela que se derramava em
cada gesto. Ela não sorria muito, e mantinha os olhos presos em mim. Ela
perguntou, a voz quase sumida:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Como está
Afonso?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Bem. Ele está
ótimo. Você o conhece bem?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Os olhos dela
ficaram marejados, mas ela não respondeu; ao invés disso, pegou a minha xícara
usada e levou-a para a cozinha, de onde não voltou. Téo foi atrás dela, e
fiquei sozinha com Elvira, que sentou-se ao meu lado, cortando mais um pedaço
de bolo e colocando em meu prato, apesar da minha recusa. Perguntei a ela:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-O que deu em
Clara? Ela está bem?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Sim, e...
não. Chiara, você sabe que esta casa não é uma casa normal, não é?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Meditei um
pouco naquelas palavras antes de responder, e conclui que ela estava certa: aquela
casa não era uma casa normal. Não podia ser. Como aquela casa poderia existir
ali, no meio de uma densa floresta, imaculadamente branca, mesmo cheia de
crianças? Como podiam as pessoas que ali estavam – inclusive eu mesma – emanar aquela
luz branca? Não respondo. Ela acariciou meu ombro levemente, e disse:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Venha
comigo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Segui-a até a
varanda da casa, e de lá ficamos olhando as crianças e os cães, que brincavam juntos
novamente. Percebi que uma menina estendeu a mão e um passarinho pousou nela. Não,
aquela não era uma casa normal. Perguntei quem eram as crianças.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Elas...
bem... são crianças que vieram morar aqui por escolha. Elas costumavam morar na
fazenda antes de...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Completei a
frase:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-...de
morrerem?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Elvira
concordou com a cabeça. Eu logo entendi tudo: todos naquela casa estavam mortos!
E se eu estava ali, entre eles, estava morta também. Instintivamente, apertei
meu punho, tentando sentir as batidas do meu coração. Nada. Nem um sinal. Minha
pele era uma coisa branca e brilhante, nem fria nem quente, macia e fluida ao
mesmo tempo. Mas eu podia sentir alguma solidez no meu corpo, pois estivera
sentada comendo e bebendo, sentia cheiros, ouvia, falava, enfim: não estava
entendendo nada. De repente, as coisas começaram a fazer sentido, como se a verdade
se desenhasse devagarinho dentro de mim. Tudo começou a se desembaraçar, e
percebi a verdade. Eu não sabia se era Elvira quem estava fazendo aquilo
comigo, mas a compreensão vinha aos poucos, sem deixar qualquer sombra de
dúvidas. Sim, estávamos todos mortos. Ao mesmo tempo, mil perguntas novas
brotavam na minha cabeça. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Afonso nos
disse que sua ex-esposa tinha ido embora da fazenda e que eles tinham se
separado. No entanto, ela está aqui, morta!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- Clara
jamais deixou a fazenda. Ela foi morta aqui, e seu corpo está enterrado na
floresta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">O horror
daquelas palavras quase me sufocou. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">- E vocês...
a senhora e seu marido Téo... vocês ... Afonso nos contou que ele foi criado
pelos avós. Vocês são os pais de Afonso, não são? Se Clara é sua nora...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela concordou
com a cabeça. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-E o que
aconteceu com vocês? Afonso jamais nos contou, sempre muda de assunto. Só
explicou que vocês morreram quando ele era ainda adolescente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela concordou
com a cabeça. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Sim. Talvez
ele não tenha contado a verdade porque as lembranças relacionadas a ela sejam
muito tristes. Nós nos afogamos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela fechou os
olhos, e suas sobrancelhas se crisparam, trazendo de volta momentos certamente
muito dolorosos. Elvira continuou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Eu e Téo
adorávamos sair de barco pelo rio, pescar, ir até a ilhota...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Ilhota?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Claro,
Afonso não falou dela a vocês... bem, há uma ilha, uma pequena ilha na fazenda
que fica há quinze minutos de barco à remo, onde os pais de Téo construíram um
chalé de toras de madeira muito confortável e bonito. Gostávamos de ir até lá,
às vezes, passar a noite...<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Téo adorava
remar...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela ficou em
silêncio, envolta pelas boas memórias, enquanto seu rosto assumia um ar mais
tranquilo e feliz. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-A ilha não é
muito grande; tem apenas dois quilômetros e meio de extensão. Há muitos
pinheiros por lá, alguns eucaliptos, flores que os avós de Afonso plantaram, muito
verde. Você ia adorar. Pena que está abandonada agora. Há também algumas
criaturas...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Naquele
momento, pelo olhar dela, senti que ela falava de fadas. Sorri para ela, e ela
me sorriu de volta, concordando com a cabeça. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Sim, elas
estão por lá. Onde não são perturbadas. Eu não sabia da existência delas, não
antes de morrer. Mas sempre amei aquele lugar, pois eu sentia que havia alguma
coisa muito boa ali. Mas... muitas coisas aconteceram. Você conheceu Rosália?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Sim. Para
dizer a verdade, não gostei muito dela. Minha mãe me disse que as pessoas do
campo às vezes são assim, meio ariscas...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Ela cortou
minha fala:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Fique longe
dela. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">Eu fiquei
boquiaberta; afinal, se eu estava morta, é claro que ficaria bem longe dela. Eu
disse aquilo em voz alta, e ela respondeu:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">-Você não
está morta. Seu corpo descansa na floresta, e você vai voltar para ele. Mas
antes você precisa saber do resto da história. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;">(Continua...)<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-E7uyhTWbuX0/UaelVCrNb2I/AAAAAAAAWeQ/l-gwIrX3qlIoiOCMevlkh3IKJVYX7BW3gCPcBGAYYCw/s215/elfe06.gif" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="201" data-original-width="215" height="201" src="https://1.bp.blogspot.com/-E7uyhTWbuX0/UaelVCrNb2I/AAAAAAAAWeQ/l-gwIrX3qlIoiOCMevlkh3IKJVYX7BW3gCPcBGAYYCw/s0/elfe06.gif" width="215" /></a></div><br /><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<span lang="PT-BR" style="line-height: 107%;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 16px;"><br /></span></div>
</span>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span lang="PT-BR" style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>Ana Bailunehttp://www.blogger.com/profile/07399615369919172144noreply@blogger.com1