terça-feira, 22 de abril de 2014

A PLATEIA




O ator foi afastado de seu palco, e de seu público. Levado a um pequeno teatro no interior do país, em uma cidadezinha que nem estava no mapa, toda noite ele representava para um pequeno grupo de pessoas. Não havia fotógrafos, não havia notas nos jornais, e nem fãs enfileirados à porta do camarim ao final do espetáculo. Nem mesmo havia flores!

No começo, ele sentiu muitas saudades do seu público, que o aplaudia de pé ao final de cada representação, ovacionando-o durante muito tempo e jogando-lhe flores aos pés. Ele sentiu saudades da profusão de flashes que pipocavam na platéia, dos seguranças que o ajudavam a deixar o teatro e até mesmo das críticas - favoráveis ou não - nas manhãs seguinte às das estreias.

O ator, acostumado que estava à fama, custou a habituar-se àquela pequena platéia  que o assistia, em silêncio, todas as noites. Seu ego, deixado na penumbra, revoltou-se. O ator passou a beber mais que de costume, e tornou-se uma pessoa amarga.

Até que um dia, teve, em seu camarim, a visita de uma jovem. Recebeu-a com alegria, achando que, finalmente, voltara a ser devidamente apreciado. Achou que, provavelmente, a moça queria seu autógrafo, ou uma fotografia sua. Talvez até desejasse passar uma noite com ele... e ela não era nada feia! Assim, convidou-a para entrar.

A moça olhou em volta, agradecendo, e sentou-se. 

"Bem," - perguntou o ator - "Como posso ajudá-la? Deseja um autógrafo? Uma foto?"

Ela pareceu surpresa: "Não... por que eu desejaria o nome de alguém escrito em um pedaço de papel? E por que uma foto sua, se mal o conheço?"

O ator pareceu ofendido, e respondeu bruscamente:

"Ora, então, diga logo o que quer e saia, pois sou muito ocupado."

Ela respondeu: "Vim aqui dizer que sua atuação esta noite foi uma das piores que já vi! Você vem a este palco todas as noites, e parece pensar que nós não merecemos o seu melhor. Será porque somos uma platéia pequena?"

"Como assim, como você se atreve a vir aqui ofender-me? Não sabe que sou o maior ator do país? Vocês deveriam tratar-me melhor, deveriam agradecer-me por estar aqui, passando esta temporada!"

"Um ator que faz distinção entre suas plateias não merece reconhecimento. Pensa que não percebemos o pouco caso na sua atuação?"

O ator ficou perplexo. Caiu em si. Era verdade! Ele vinha dando de si bem menos do que geralmente dava ao seu público em grandes cidades, apenas porque aquelas pessoas estavam em menor número e moravam em uma cidade pequena. Ele desculpou-se com a moça, e agradecendo-lhe, prometeu que faria melhor dali em diante.

Na noite seguinte, ele representou com todo o fervor de que foi capaz. Arrancou aplausos da pequena platéia, que ao final do espetáculo, aplaudiu-o de pé. 

Compreendeu que não importa onde estejamos, devemos fazer o nosso melhor sempre. Não pelos aplausos - que são apenas uma consequência de um trabalho bem feito - mas em respeito ao trabalho em si. Aquilo que fazemos deve ser feito pelo ato, pela realização que nos proporciona, e não por causa das opiniões alheias a respeito do que fazemos. O prazer desfrutado durante a execução de um trabalho é o que mais importa. Pois quem não ama seu trabalho e não o executa com gratidão, alegria e dedicação, esteja aonde estiver, não merece reconhecimento.




7 comentários:

  1. é verdade. o maior reconhecimento de um trabalho é o nosso mesmo. da uma energia diferente , sensação do dever cumprido . não importa o tamanho da plateia ... os aplausos principais vem de nossas proprias mãos. amei !!! grande beijo em seu rico coração. olguinha

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  2. Concordo, Ana. Quem não dá o melhor de si, não pode querer o melhor dos outros. Simples... Desenvolveu muito bem.
    Abraço.

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  3. Tudo perfeito, querida Ana, é dando que se recebe, a vida é um eterno exercício de troca e estímulos.
    Parabéns, como sempre atingiu muito bem a realidade da arte e outros.
    Sucesso sempre, um grande abraço!

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  4. Como sempre digo, escreves lindamente, com categoria, este conto muito justo e real, quem não plantar não colherá.Beijos na alma!
    Sucesso minha querida, sempre!

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  5. Perfeito, Ana!
    Gosto imenso das suas mensagens ao final dos textos. São sempre estimulantes e fazer mexer e re(mexer) dentro de nós.
    bacios

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  6. Gostei muito. Posso compartilhar alguns de seus contos no meu blog? Sempre que posto um texto coloco os devidos créditos.
    Agradeço desde já.

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