terça-feira, 26 de maio de 2015

As Ruas das Árvores que Choram - Histórias em Petrópolis





Petrópolis é uma cidade charmosa. O Centro Histórico é um lugar gostoso de se percorrer à pé, pois o trânsito, com o passar do tempo, tornou-se muito mais intenso do que a cidade pode suportar. Muitas pessoas estão vindo morar aqui, o que tem causado uma lamentável explosão demográfica. É só percorrer as ruas de Correias e Itaipava para ver a quantidade absurda de condomínios de luxo que estão sendo erguidos por la´. Só fico pensando no que será da cidade depois que estiverem prontos e habitados; haverá água para tanta gente, já que com as mudanças climáticas e o aumento de população a falta d'água já se faz notar? Como ficará o trânsito, o que as pessoas terão que fazer para ir ao trabalho todas as manhãs? Imagino quilômetros de engarrafamentos. Acho que Petrópolis não foi feita para crescer assim, não há espaço.

Ao mesmo tempo, opostas aos condomínios de luxo, há as comunidades que surgem em todos os lugares: encostas de montanhas, beiras de estradas, terrenos baldios que são invadidos sem que ninguém faça nada para impedir. A violência já começa a aparecer por aqui, e já não é mais tão seguro andar pelas ruas de Petrópolis à noite. Há histórias de assaltos a residências, estupros, assassinatos e tráfico de drogas. Lamento muito pela nossa cidade... nosso pequeno paraíso está sendo destruído aos poucos. 

Mesmo assim, Petrópolis será sempre uma das cidades mais lindas que conheço. Já estive em  alguns lugares ao redor do Brasil, e digo, com certeza, que ainda não vi cidade melhor para se viver. E tanto é verdade, que todos os dias pessoas se mudam para cá, deixando suas cidades. Conheço muitos Petropolitanos que preferem ter que comutar para o Rio todos os dias a fim de chegar ao trabalho a mudar-se para lá, e cariocas que, mesmo continuando a trabalhar no Rio, mudam-se para Petrópolis. 

O mercado de trabalho aqui é restrito; não há investimento nesta área. Os impostos são altos e não há incentivos fiscais, o que não ajuda em nada para que o quadro melhore. Os aluguéis de imóveis comerciais no centro da cidade são um verdadeiro absurdo, e as lojas não conseguem sobreviver à especulação imobiliária que está nas mãos de poucos proprietários da maior parte dos imóveis, que exigem luvas gritantemente absurdas na renovação de contratos, o que obriga comerciantes a fecharem suas lojas. Há um verdadeiro cartel imobiliário na cidade. 

O valor dos imóveis residenciais para aluguel e vendas também ultrapassa bastante os valores encontrados em outras cidades. Viver em Petrópolis é caro. 

É preciso que alguma coisa seja feita, antes que nossa cidade se perca para sempre. Tenho medo de que, daqui a alguns anos, as árvores que choram tenham, realmente, motivos para chorar. 


FIM

segunda-feira, 18 de maio de 2015

AS RUAS DAS ÁRVORES QUE CHORAM - Histórias em Petrópolis


foto de família: minha irmã Dal e meu falecido sobrinho Ricardo; minha sogra, minha mãe, Tia Rosa, eu e meu marido, então, namorado. Há 30 anos.




Meu avô era da época em que todo homem usava chapéu e gravata. Lembro-me de quando ele nos visitava - morava em Niterói, pois trabalhava como copeiro na casa de madame Nair de Tefé. Chegava trazendo sempre bolsas e mais bolsas cheias de guloseimas, e algumas ele distribuía entre os meninos que ajudavam-no a carregar as sacas do táxi até  a nossa casa. Era sempre uma festa quando ele chegava, e apesar de sua morte ter ocorrido quando eu tinha apenas oito ou nove anos de idade, ainda me lembro dele muito bem; meu avô tinha características marcantes. Por exemplo, não comia carne, era espírita Kardecista, chegou a fazer parte do Partido Integralista por algum tempo (minha mãe contou-me que quando Getúlio Vargas assumiu a Presidência, ele e muitos outros queimaram seus uniformes verdes nos fundos de quintais), sempre usava chapéu e teve muitas mulheres.  Além disso, era extremamente generoso, ao ponto de abrir mão de suas casinhas para abrigar pessoas que não tinham onde morar. Tais pessoas abusaram muito de sua boa vontade. Meu avô sempre dizia que imóvel não se vende, se compra.

Quando ele e sua família, os D'Agostinni, chegaram a petrópolis fugindo da Primeira Guerra, vindos da Itália, meu avô era bebê. Naquele tempo, ele se chamava Rezier D'agostinni, mas ao fazer o registro de nascimento aqui no Brasil, não sei por que cargas d'água ele foi rebatizado como Rogério Agostinho. Acho que abrasileiraram seu nome. Mas meu avô acabou usando ambos os nomes, o que causou muita confusão na hora de preparar o inventário dos poucos bens que ele deixou. A família D'Agostinni acabou se dispersando, entre Agostinhos, D'Agostinhos e outras variações. Minha mãe, por exemplo, era Ruth Agostinho. 

Quando chegaram por aqui, meus avós compraram a casa onde, mais tarde, minha família veio a morar. Também compraram uma bela casa na antiga Rua João Pessoa, atual Nelson de Sá Earp, que existe até hoje. Hoje, no andar térreo funciona um restaurante e também uma franquia das Empadas Brasil. Na divisão de bens, meu avô ficou com a casinha onde minha família morou a vida toda enquanto nós, os filhos, éramos solteiros. Mais tarde, ele também comprou um pequeno terreno no antigo Bairro Indaiá - hoje São Sebastião - e outro em Visconde de Itaboraí.  Minha mãe dizia que tudo o que compraram foi conseguido juntando dinheiro com as vendas das frutas e legumes que vendiam de porta em porta. 

 Na época que ele comprou o nossa casa,  não havia absolutamente nada naquele bairro. A estrada era de terra, cheia de matos, e com pouquíssimas casas. O bairro foi sendo construído em volta da nossa casa. Minha mãe contava que, quando foi morar lá, ao casar-se, sentia-se muito sozinha. Aos domingos, depois que as crianças começaram a nascer, a família ia à pé para a casa de minha avó, mãe de meu pai, no Bairro Duchas. É bem longe. Muito longe para se ir à pé levando crianças no colo, bolsas com fraldas e mamadeiras e outras coisas. Mas durante muito tempo, não havia ônibus. No final do dia, eles faziam todo o caminho de volta. Imagino a cena: meus pais com crianças adormecidas subindo no escuro a enorme ladeira que levava à nossa casa, cansados, após um domingo cheio. 

Quando meu avô morreu, minha mãe vendeu os terrenos do Indaiá e de Visconde de Itaboraí, indo contra a máxima sagrada de meu avô de que terra não se vende, se compra. Mas no fim, o que nos resta mesmo é "Aquela parte que nos cabe nesse latifúndio..."

As fotografias do meu avô , em preto e branco, mostram um homem bonito e elegante, sentado em um dos bancos da Praça D. Pedro, ou caminhando pelas calçadas quadriculadas da antiga Petrópolis, ou vestido de índio com amigos, fingindo caçar. Meu avô era um homem bastante bonito, e talvez por isso tivesse muitas mulheres. Aos poucos, minha mãe foi fazendo contato com seus irmãos "ilegítimos:" um deles, meu tio David, que ninguém sabia se era realmente filho de meu avô, e mais dois irmãos em Taubaté, São Paulo. Quando os irmãos de São Paulo vinham passar uma temporada com alguns membros da família, a nossa pequena casa ficava cheia! Era uma festa... aliás, duas: quando chegavam e quando iam embora. 

Passeando pelas ruas e praças de Petrópolis, constato que muitas das árvores que choram hoje são as mesmas que choravam na época em que meu avô vivia. Ele também passou por elas. Ele sentou-se nessas praças por onde eu passo, e talvez tenha visto muitas carruagens onde eu hoje vejo carros e ônibus. Ele fazia compras em lugares como a Casa D'ângelo - hoje, um bar e restaurante badalado - e quem sabe, na Sapataria Schettini, Casa Sloper, Confeitaria Obelisco (atual Padaria Petrópolis) e Modas De Carolis. Passo pelas casas onde minha mãe morou quando pequena: em uma delas, hoje funciona a Águas do Imperador. O Colégio Nossa Senhora do Amparo ainda existe, mas sem o internato. No Bairro Duchas, onde meus avós por parte de pai moravam, ainda moram alguns parentes daquelas épocas, mas perdi contato com eles. A casa de meus avós foi demolida. 

Havia um rico senhor da família Moscatel que comprou todas as casas simples daquele bairro. Eu não me lembro dele, era muito pequena quando meus pais iam passear no gramado da chácara dos Moscatel após o almoço de família na casa de minha avó. Meu avô por parte de pai trabalhou para aquela família, e por isso, tínhamos permissão para circular por lá. A única coisa da qual eu me lembro, é de um gramado muito verde, inclinado, sobre o qual eu rolava. E o sol passando pelas folhas das árvores, o brilho em meus olhos quando eu olhava para cima. E é claro, uma sensação de estar segura e protegida. Ainda tenho algumas peças do faqueiro que minha mãe recebeu de presente de casamento da família Moscatel. Ela enrolou as poucas peças que restavam com um elástico, embrulhadas em um bilhete que dizia mais ou menos o seguinte: "Ana, guarde estas peças, você que dá valor a estas coisas. São uma relíquia de família, as únicas peças que restaram do meu faqueiro de casamento."

As peças ainda existem... estão no sótão, enroladas no bilhete, da mesma maneira que ela as deu para mim. Há muito tempo eu não me lembrava delas, até agora... acho que vou mandar descê-las e conseguir um lugar de honra para elas na minha cristaleira.

(continua...)




segunda-feira, 11 de maio de 2015

AS RUAS DAS ÁRVORES QUE CHORAM - HISTÓRIAS EM PETRÓPOLIS






Quando pequena, e durante minha adolescência, eu brincava nas ruas do meu bairro. Cresci no Caxambu. Mal eu e minha irmã chegávamos da escola e almoçávamos, procurávamos reunir os colegas para jogar queimado, brincar de pique-bandeira ou pique-esconde ou simplesmente, conversar. Lembro-me de algumas festas de São João que fizemos num terreno baldio que nós mesmos capinamos e acertamos. Enfeitávamos tudo com bandeirinhas e bambus, e certa vez, um dos amigos "conseguiu" um pneu usado com o qual alimentamos uma fogueira... aquela fogueira deu muita confusão quando o dono do pneu descobriu!

Durante alguns anos, houve uma casa em obras perto da nossa, e nós íamos lá quando não havia ninguém. Brincávamos de pular nos montes de barro, e chegávamos em casa tão imundas, que um dia a mãe nos impediu de entrar em casa; chovia, e tínhamos feito guerra de lama. Ela ficou furiosa, e mandou que aguardássemos o pai chegar para que ele decidisse o que faria conosco... ficamos no velho barracão onde ele tinha sua oficina, olhando a chuva cair até escurecer. Lembro-me que estava com fome e frio. Depois que ele chegou, deu-nos uma boa bronca, mandou que tomássemos um banho e entrássemos em casa. 

Naquela mesma obra, em outra ocasião, enquanto olhávamos a chuva cair sentados em troncos de madeira, nós sonhamos com o que gostaríamos de ser no futuro... muitos daqueles sonhos (e sonhadores) se foram cedo, arrancados de nós pela realidade. Recordo-me de colegas que morreram jovens, como o Nando e o Cacau. Eram irmãos, sendo que Cacau era filho de criação, e negro. Foi-se aos dezoito anos, com cirrose hepática, e o Nando, aos vinte e quatro, com meningite. 

Um dia, o prefeito decidiu construir uma pista de esqui no bairro Floresta. As obras eram visíveis dos fundos do nosso quintal. Vimos o teleférico sendo instalado, e logo tivemos a ideia de dar uma olhada mais de perto... a gente levava pipas para soltar por lá (eu não gostava de soltar pipas, pois meus olhos nunca aguentaram muita claridade). Lá, nós também pulávamos nas imensas pilhas de barro macio... depois escalávamos a encosta, afundando no barro até os joelhos, e pulávamos lá de cima de novo. 

Uma vez, quando finalmente a 'pista de esqui' foi inaugurada, eu finalmente dei uma volta no teleférico, que já parecia ser velho... eu olhava tudo lá de cima, enquanto um alto-falante  mandava ver na música "Every Little Thing She Does is Magic," do grupo The Police. Até hoje, sempre que escuto esta canção, eu me lembro daquele dia.  Foi a primeira e a única vez. Logo a pista foi desativada, e as obras nunca foram concluídas. Hoje, dizem que ainda existem as ruínas daqueles tempos pretensiosos em que todos pensávamos que nossas casas com vista para o teleférico seriam supervalorizadas, e nosso bairro se tornaria famoso e procurado por turistas do mundo inteiro. A obra toda deve ter sido apenas uma forma de justificar gastos públicos, mas éramos inocentes demais para perceber.

As minhas solas estão acostumadas ao barro vermelho e macio e à água que corria pela rua quando chovia e eu afundava os pés tentando não perder meus chinelos... Parece que a essência daquele barro e daquela água penetrou sob a pele e chegou ao coração, e acho que eu jamais serei capaz de passar muito tempo longe de Petrópolis. Sinto saudades dos tempos em que o clima era mais frio, e nós nos aconchegávamos a cobertores no sofá da sala para ver filmes nas tardes de sábado, comendo doce de abóbora ainda quente. E das vezes em que eu andava sozinha pelas ruas, mãos afundadas nos bolsos de um casaco marrom comprido, com gola de pelo que "herdei" de minha irmã, encaminhando-me para a loja onde encontrava minha outra irmã aos sábados para que, depois do expediente, encontrássemos alguns amigos e fossemos ao cinema ou a algum outro lugar. 

As ruas são as mesmas, as árvores centenárias ainda choram. Mas muitas pessoas se foram, ou simplesmente mudaram, tanto que hoje somos apenas estranhos. As significâncias tomaram outros sentidos menos alegres. Ou quem sabe, elas sempre tenham sido assim; eu é que nunca percebi antes. Só sei que a menina que eu fui ainda caminha por essas ruas levando sua fé de criança, embora esteja à procura de algo ou alguém que jamais encontrará. Eu às vezes tenho pena dela.

(continua...)



terça-feira, 5 de maio de 2015

As Ruas das Árvores que Choram -Histórias em Petrópolis




Às vezes chove forte em Petrópolis. As árvores que choram ficam com seus troncos quase negros, embebidos de tanta chuva, e algumas delas caem. Assim como caem as casas que ficam nos altos dos morros, construídas sem qualquer critério ou noções de engenharia. Elas se desfazem feito papelão, escorregando pelas encostas, levando consigo vidas e histórias. Aqui, todo mundo conhece alguém que morreu em um desabamento. Mesmo assim, as construções ilegais continuam sempre acontecendo, e ao invés de serem detidas, assim que ficam prontas as autoridades responsáveis enviam-lhes carnês de IPTU e contas de água e de luz. Todo mundo sabe, só de olhar, que cedo ou tarde, elas vão cair; inclusive quem vive nelas. Mas quando a defesa civil passa seus alertas, ordenando que sejam desocupadas, ainda há quem prefira permanecer nelas e arriscar a própria vida em prol de fogões e geladeiras.

Uma vez, contaram-me a história de uma dessas famílias que sofreu durante as enchentes de 2011. Vou tentar recontá-la aqui, omitindo nomes e tentando recriá-la, fazendo uma narrativa em primeira pessoa. Não me lembro com detalhes de toda história, e preencherei suas lacunas com minhas próprias conclusões, mas a história é real, aconteceu com pessoas reais, e enquanto eu a ouvia, o terror daquelas pessoas passava diante dos meus olhos. Chorei ao final da narrativa. Tudo aconteceu em janeiro de 2011, dias antes da morte do meu sobrinho, e por isso lembro-me bem daquele ano. Enquanto vivíamos a nossa própria tragédia, outras pessoas também viviam as suas. Alguns perderam tudo o que tinham: casas, negócios, carros e membros da família. Esta é uma destas histórias.

Era noite, e chovia forte no Vale do Cuiabá, onde eu vivia com meu marido. Meus sogros e um sobrinho de cinco anos estavam em nossa casa. Eu estava grávida de oito meses. Tínhamos certeza de que morávamos em local seguro, pois não havia, próximo à nossa casa, morros ou rios. Mesmo assim, quando a luz acabou por volta das dez da noite, senti um calafrio percorrer meu corpo, apesar de ser uma noite quente.

Estávamos no primeiro andar da casa, e eu procurava algumas velas, quando de repente, ouvimos um estrondo indescritível de coisas se quebrando. No escuro, não sabíamos o que estava acontecendo. Lá fora a chuva caía forte. Começamos a ouvir um barulho ensurdecedor de água de rio, e quando meu marido olhou para fora, viu a água brilhando e aproximando-se da casa muito rapidamente. Era uma forte tromba d'água. Logo ele gritou que fôssemos todos para o segundo andar. O tempo todo, eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo.

Ouvíamos pessoas gritando na escuridão, mas não podíamos fazer nada para ajudá-los. Tinham sido pegos de surpresa, como nós. Troncos de árvores, carros e outros objetos passavam por nossa janela. Logo, a água subiu tanto, que fomos para o telhado, mas foi por pouco tempo, pois a casa ruiu e caímos na água. Não enxergávamos nada, apenas íamos sendo carregados pela correnteza, eu, meu marido e meu sobrinho de cinco anos, nossas mãos fortemente entrelaçadas, e àquela altura, não tínhamos a menor ideia de onde estavam meus sogros. Escutávamos pessoas gritando o tempo todo enquanto éramos arrastados, escapando por pouco - e por acaso - de sermos mortalmente atingidos por um pedaço de árvore. 

O tempo todo, eu tentava também proteger a minha barriga e a criança que carregava dentro dela. Sentia minhas roupas sendo arrancadas aos poucos pela força da tromba d'água, e o pavor que sentia era algo surreal. De repente, minhas forças começaram a falhar. Eu não tinha mais como segurar a mão do meu pequeno sobrinho, que escorregou da minha, e ele se afastou rapidamente. Eu gritava em desespero, quando chegamos ao que pensei ser uma margem do rio e meu marido, mandando que eu segurasse firme no tronco de uma árvore, disse que iria atrás do menino e que logo voltaria. Gritei para que ele não me deixasse só, mas senti quando ele largou minha mão e desceu na correnteza.

Fiquei ali, agarrada o quanto pude, sentindo um frio e um medo imensos. Tentava proteger minha barriga com um dos braços e segurar-me com o outro, mas o tronco começou a soltar-se da margem lamacenta, e senti que eu descia novamente pela correnteza. "É o fim," pensei. Fechei meus olhos e deixei-me ir, pois não havia mais nada que eu pudesse fazer. Mesmo assim, meu instinto materno fez com que eu abraçasse minha barriga, envolvendo a criança não nascida em um gesto protetor.

A escuridão tornou-se ainda mais negra, e por incrível que pareça, fui envolvida por um silêncio fora de contexto enquanto perdia os sentidos e mergulhava no que eu acreditava que seria a minha morte.

Quando despertei, eu estava deitada de bruços, totalmente nua, sobre um banco de areia. pessoas na outra margem gritavam meu nome e perguntavam se eu estava bem, mas eu não sabia responder. Minha pele ardia em todas as partes do corpo. Percebi que tinha muitos cortes e hematomas, e sangrava. passei a mão pelo rosto, e com as pontas dos dedos, procurei meus olhos. Aliviada, notei que ainda os possuía. Foi quando lembrei-me do meu filho, ao desvirar o meu corpo e sentar-me no banco de areia, olhei devagar para a minha barriga para notar que ela estava intacta, sem um arranhão sequer. Chorei de alívio, enquanto as pessoas pediam-me para ficar calma. Alguém se aproximou e jogou um cobertor sobre mim. Deitaram-me em uma maca. Perdi os sentidos novamente.

Acordei em um hospital. Estava viva e meu filho estava bem. Mais tarde, soube que o corpo do meu marido e sogros tinham sido encontrados, mas o do meu sobrinho continua desaparecido, como tantos outros que foram tragados por uma densa camada de lama naquela noite horrível. Perdi tudo o que tinha. Tive que recomeçar a vida do zero. O que me deu esperanças e forças, foi quando olhei nos olhos do meu filho recém-nascido e enxerguei a vida que vinha deles, e que exigia ser retomada.

Este é o fim daquela história, mas na verdade, ela continua.


(continua...)




A RUA DOS AUSENTES - Parte 4

  PARTE 4 – A DÉCIMA TERCEIRA CASA   Eduína estava sentada em um banco do parque. Era uma cinzenta manhã de quinta-feira, e o vento frio...