segunda-feira, 27 de maio de 2019

INOCÊNCIA - PARTE I, CAPÍTULO XXI






LOUCURA

Na noite em que celebramos o nosso noivado – um jantar na nossa própria casa, com a presença de meus pais e de Berta e seu marido – minha mãe fazia um enorme esforço para mostrar-se feliz, mas quando eu a segui até a cozinha, encontrei-a sentada no chão junto ao fogão, chorando muito. A cena, ao invés de me deixar comovida, me aborreceu e escandalizou. Tentei controlar as minhas palavras, mas acabei perdendo a cabeça: 

-Parece que você não está muito feliz, mamãe. Seria porque sua filha mais nova vai casar-se ou porque ela está para fazê-lo com o seu amante?

Minha mãe ergueu-se do chão com um salto, e postando-se diante de mim, pela primeira e única vez, ela me bateu no rosto duas vezes. A fúria nos olhos dela mexeu mais comigo do que os tapas em si. Ela era a minha mãe, e poderia ter me batido por qualquer motivo, e eu a teria perdoado, mas não por estar com inveja de mim. Aquilo, eu jamais poderia perdoar. Devolvi o tapa, o que a deixou perplexa e totalmente sem ação, e então, juntando todas as minhas forças para não chorar enquanto falava, deixei que as palavras que estavam engasgadas há anos saíssem bem devagar, em voz  
baixa e controlada:

-Não se pode ter tudo, mãe. Você já tem o papai. Você teve a nós. Tem esta casa. Não é o suficiente? Quer ter também o melhor amigo de papai na sua cama?

Parei para tomar fôlego, e continuei: 

-Ele será meu marido! E não há nada que você posa fazer para impedir. Não vê que já está velha e que logo estará feia? Posso dar a ele toda a minha juventude! Posso dar a ele filhos. E você, o que tem para dar? Seus anos de velhice e depressão?

Minha mãe deixou que as lágrimas caíssem livremente, e sua respiração estava difícil. Achei que fosse me bater novamente, mas ao invés disso, ela virou-se de costas para mim, abrindo a geladeira e pegando a sobremesa e colocando-a nas minhas mãos: 

- Leve isto para a mesa, por favor.

Eu não estava preparada para aquela reação. Ainda fiquei de pé ali na cozinha, olhando as costas dela, que estavam envergadas, e sua respiração entrecortada. Minha mãe estava apoiada com as duas mãos sobre o mármore da pia, e vi que não tinha feito as unhas. Ela, que sempre tomara muito cuidado com a aparência pessoal, parecia ter envelhecido muitos anos. Estava magra, os cabelos brancos apareciam nas raízes, as unhas não estavam feitas, e ela usava um de seus vestidos antigos. Há muito tempo não comprava nada novo para si mesma. Percebi que ela passara todos aqueles anos amargurada com a doença de papai, e que realmente dedicara-se a salvá-lo e a dar-lhe conforto. Pensei no peso que ela deveria estar carregando, e no quanto estaria se sentindo triste. Achei-me cruel demais; quem sabe, ela tivesse mesmo precisado de uma válvula de escape? Nunca nenhum de nós perguntou-lhe se ela estava bem; nunca ninguém perguntou a ela se queria que a substituíssemos no hospital por uma noite. Nunca. Talvez Duílio tenha sido o único a realmente olhar para ela, e enxergá-la. Dei um passo adiante, na direção dela. Eu queria abraçá-la e pedir perdão. Eu queria apenas que tudo voltasse a ser como era antes, como sempre tinha sido antes. Eu queria a minha mãe de volta; coloquei a travessa sobre a mesa da cozinha, e esperei, tentando tomar coragem para fazer o que desejava.

Murmurei, enquanto erguia a mão em direção aos ombros dela: 

-Mãe, eu...

Mas ela me interrompeu, e sem me olhar, gritou alto: 

-Vá! Vá agora!

Meu coração deu um salto, e depois parou dentro do peito. Sai da sala e tranquei-me no banheiro para chorar. Quando cheguei à sala de jantar, a sobremesa estava na mesa, e todos estavam calados. Minha mãe não estava lá; tinha ido descansar, pois tivera uma súbita dor de cabeça. Do outro lado da mesa, Berta me fuzilou com os olhos. Uma questão surgiu em minha cabeça: será que ela sabia? Da maneira como Berta me olhou, compreendi imediatamente que sim, ela sabia. Todos ali sabiam, de alguma forma. Eu tinha sido a última a saber.

Duílio, constrangido, olhava para o prato diante dele. Meu pai respirou fundo, e pegando sua tigela, serviu-se da ambrosia. O resto da noite foi um festival de silêncios entrecortados por comentários forçados feitos por Sebastian e por Tia Aurora. Às vezes, só por gentileza, alguém os respondia. Parecia que o mundo todo estava conspirando contra a minha felicidade, contra mim e contra Duílio. Todos eram frios conosco, até mesmo papai, que eu tanto amava. Flora entrava para substituir alguma travessa e nem sequer me olhava.

O jantar foi um verdadeiro fiasco. Quando todos se foram, pedi a Duílio que passasse a noite, mas ele achou melhor ir embora e ficar em um hotel. Seria constrangedor demais permanecer ali, já que tinha a impressão de que a família não aprovara nosso noivado. Em nenhum momento ele mencionou minha mãe ou seu possível caso com ela. Agia como se nada tivesse acontecido entre eles. E eu, que não podia sequer cogitar a hipótese de perdê-lo, fingia não saber de nada também. Ele logo seria meu, e o tempo consertaria tudo e curaria todas as feridas. Enquanto estivéssemos todos fingindo, nada de mal poderia acontecer.

Eu estava apenas indo contra as convenções e pegando com as mãos aquilo que eu queria.

Mas não consegui ir adiante.

Alguns dias após o meu noivado, ao ver minha mãe cuidando de meu pai, que tivera uma recaída, com tanto amor e dedicação, cheguei à conclusão que homem nenhum do mundo poderia destruir o relacionamento entre uma mãe e sua filha, ou entre toda uma família. Minha mãe, combalida e pálida, alimentava meu pai com uma colher e um prato de sopa. Eu estava passando pelo quarto deles quando vi a cena pela porta entreaberta. Ele dizia que estava satisfeito, e ela, brincando com ele, fazia com que ele conseguisse comer apenas mais uma colher. Aquilo era amor. Não poderia ser outra coisa. De repente, comecei a sentir um medo enorme de ter que, um dia, fazer aquilo por Duílio, e a constatação de que talvez eu não conseguisse, fez com que um sino soasse dentro da minha cabeça. Eu estava apaixonada por ele, e ele por mim. Mas compreendi que eu não o amava de verdade. Compreendi que, sendo tantos anos mais nova que ele, certamente entregaria a ele os melhores anos da minha juventude. E o que ele poderia me dar de volta? Um homem que é capaz de amar, ao mesmo tempo, uma mãe e sua filha, colocando-se no meio de uma família onde o protagonista daquela traição é seu melhor amigo, mereceria aquele tipo de dedicação?

Aquele pensamento tomou conta de minha cabeça durante dias. Duílio estava em viagem de negócios então, e me peguei constatando que nem sequer sentia tanta falta dele assim. Era como se Duílio fosse um brinquedo que eu, uma criança mimada, desejasse muito, mas que ao consegui-lo, perdesse o interesse.

Naquela noite, eu conversei com meus pais e disse que ia desmanchar o noivado. Disse a eles que nada poderia ser maior do que o meu amor por eles. Nós nos abraçamos e choramos. Minha mãe perguntou se era aquilo mesmo que eu queria, e que para ela, tudo o que importava, era que eu fosse feliz. Já à sós na cozinha, quando papai já dormia, ela me confessou que tinha se apaixonado muito por Duílio, mas que nunca tivera nada com ele, a não ser alguns beijos e abraços, e longas conversas estressantes. Disse que eu precisava saber daquilo, pois talvez a informação me fizesse mudar de ideia e casar-me com ele. Disse também que ela nunca deixara de amar meu pai, e que desde o início, jamais escondera nada dele. Meu pai guardara aquele segredo por anos e anos, pois não queria destruir a família. Além disso, amava mamãe e não queria perdê-la. No fundo, ele sabia que não viveria mais muito tempo, e queria que ela tivesse a chance de ser feliz com outra pessoa, e Duílio era um bom homem.

Da última parte, eu duvidava. E mais tarde, saberia que eu estava certa: Duílio não era um bom homem, nem um amigo verdadeiro. Depois que desmanchei o noivado com ele, fiquei sabendo que ele não tinha qualquer escrúpulo ou respeito pelas mulheres.

Quem me contou? Cristina. Deixo agora esta narrativa nas mãos dela.


FIM DA PRIMEIRA PARTE, NARRADA POR YARA.

NA PARTE II, NARRADA POR CRISTINA, SABEREMOS O QUE ACONTECEU COM ELA E A CONCLUSÃO DA HISTÓRIA.


segunda-feira, 20 de maio de 2019

INOCÊNCIA - Parte I Capítulo XX








O CONFRONTO

Antes que eu respondesse, mamãe entrou e sentou-se na beirada da cama. Encolhi as pernas, pois pensei que se ela me tocasse, adivinharia o que tinha acontecido, e como. Me olhando de soslaio, minha mãe respirou fundo, como se estivesse pensando em uma maneira de me abordar:

-Onde você esteve?

Tentei sorrir, sentindo o rosto pegar fogo:

-No trabalho, ora!

Ela sacudiu a cabeça:

-Seu chefe ligou. Queria desejar-nos os pêsames pela morte de minha mãe. Achei estranho, já que ela morreu há muitos anos. O que está acontecendo, Yara?”

Abri a boca a fim de elaborar uma resposta, mas a minha cabeça ficou vazia de repente, e eu não consegui dizer nada, a não ser balbuciar palavras desconexas. Minha mãe correu os olhos sobre mim; notou meu rímel borrado, o penteado incomum e sofisticado, as unhas pintadas de vermelho – cor que eu jamais usava. Talvez ela tivesse notado também o cheiro de colônia masculina que tinha sido esfregada a tarde toda sobre  a minha pele. As mães sabem. Não me perguntem como, mas elas sempre sabem.

Ela pareceu sem graça por algum tempo, enquanto balançava a cabeça quase imperceptivelmente, e um sorriso dolorido quase se desenhou nos cantos de seus lábios:

-Você cresceu… eu… eu só espero que tenha sido com o Fernando.

Arregalei os olhos e a boca. Ela saiu do quarto, fechando a porta bem devagar.

Naquela mesma noite, telefonei para Fernando dizendo que eu pensara bem, e que achava melhor desmancharmos o namoro. Minha mãe ficou furiosa quando soube, no dia seguinte de manhã. Disse sentir-se enganada, e quis saber com quem eu estivera no dia anterior, e eu apenas neguei tudo, e disse que provavelmente meu chefe tinha cometido um engano terrível.

Fernando ficou muito magoado, e depois, furioso, desligando o telefone na minha cara. Nunca mais eu o vi. Lamentei tê-lo magoado, mas o que mais eu poderia fazer? Em breve, me casaria com Duílio. Pelo menos, era naquilo que eu me forçava a acreditar.

No final de semana, ao visitar Berta, ela me perguntou o que andava acontecendo, dizendo que mamãe pedira a ela que conversasse comigo. Fiquei zangada e decepcionada por minha mãe ter partilhado um segredo meu com minha irmã sem a minha autorização, mas Berta me disse que era melhor do que se ela tivesse contado tudo a papai. Tive que concordar com ela. A nossa conversa foi curta, pois logo chegou uma amiga nova de Berta, sobrinha de Lourdes, que eu simplesmente detestava. O seu nome era Luísa. Durante a nossa conversa, apenas confessei a ela que já não era mais virgem, e que tinha sido maravilhoso, mas que ainda não podia dar mais nenhum detalhe. Berta escandalizou-se; afinal, tinha se casado virgem. Aquelas coisas ainda eram muito importante no final dos anos setenta. Ela insistiu, pedindo mais detalhes, mas a chegada de Luísa salvou-me.

Luísa era uma mulher grudenta e falsa, que cobria Berta de elogios e tentava a todo custo conseguir um pouquinho do ar carbônico que ela exalava. Eu dizia a ela que tomasse cuidado com Luísa, mas Berta achava que eu estava com ciúmes. Acho que Luísa era a fornecedora de elogios mais próxima de Berta, agora que estava casada e os cuidados com os gêmeos tomavam quase todo o seu tempo. Além de tudo, Luíza não gostava de mim, ficando de cara amarrada toda vez que eu me aproximava de minha irmã. Depois que as duas se conheceram, eu e Berta passamos a discutir muito e tivemos algumas brigas, e eu poderia jurar que eram por influência de Luísa e de seus ciúmes. Ela era possessiva e não gostava de dividir a atenção de Berta com ninguém. Antes de ir embora, cumprimentei Luísa friamente e pedi a Berta que não comentasse com ela a minha vida particular.

No final de semana, Duílio nos visitou. Ao me ver, senti que ele corou, ficando muito sem graça, e enquanto conversava com meus pais, evitava a todo custo me olhar. Fiquei achando que a atitude dele logo o entregaria, pois estava constrangido, gaguejando e corando sob qualquer pretexto. Distraído, Duílio não conseguia manter-se dentro da conversa, e o jantar foi um evento constrangedor para todos. Quando ele finalmente desculpou-se e ocupou o quarto de hóspedes, mamãe comentou com meu pai:

-Qual o problema com ele?

Meu pai, que estava sentado em sua poltrona no escritório, após terminar seu drink, deu uma baforada em seu cachimbo e olhou-a com ar indiferente, dizendo: “Acho que mulheres… nada da nossa conta.” Vi que minha mãe franziu as sobrancelhas, e saiu do cômodo pisando duro. Reconheci naquele gesto uma cena de ciúme, e me lembrei de quando dançara com Duílio no casamento de Berta, e do olhar irritado de minha mãe naquela noite.

Naquele momento, a minha ficha caiu: minha mãe era a outra mulher de Duílio! Só poderia ser ela a outra mulher! Todos aqueles cursos em horários variados, que a mantinham fora de casa durante horas no meio da tarde, irritabilidade constante, as crises depressivas. Minha mãe estava tendo um caso com o sócio de meu pai! E será que meu pai sabia de tudo? Eu notara que o clima entre os dois esfriara bastante nos últimos meses. Os dois só se falavam quando estritamente necessário. Como eu podia não ter percebido os sinais?

Diante daqueles pensamentos, que eu tentava empurrar para algum lugar seguro no meu subconsciente, onde eu jamais voltaria a acessá-los, as coisas iam ficando cada vez mais claras apesar de tudo, e a verdade se desenhava. Duílio me falara de uma mulher muito mais velha que eu, e que a situação entre os dois era complicada demais; além de sentir-se dividido entre nós duas, havia o fato de que tal mulher era comprometida com outro homem. Essa mulher só podia ser a minha mãe. Aquele pensamento era tão terrível, que eu me recusava a lidar com ele. Depois que o tive, tentei não mais trazê-lo à tona, mas também nunca mais consegui amar minha mãe, mesmo sabendo que tudo poderia não passar de uma fantasia da minha parte. A presença dela me irritava. Passei a tratá-la com frieza. Não conseguia me aproximar dela, ou sequer mantínhamos uma conversa longa sem que uma das duas acabasse agredindo a outra. Um enorme poço cavou-se entre nós duas, e a situação causava pânico e desconforto. Eu só me perguntava se minha mãe sabia que eu era a outra.

Mas Duílio não era um homem para se perder. Ele era lindo, gentil, cavaleiro, doce, esbanjador, galanteador, apaixonado, forte, excelente amante, daqueles que fazem uma mulher perder completamente o senso e gritar a plenos pulmões de tanto prazer, não importa quem esteja no quarto ao lado. E eu não via perdê-lo como sendo uma alternativa, uma possibilidade. Eu não sabia que poderia aguentar absolutamente tudo para tê-lo ao meu lado, até mesmo dividi-lo com minha própria mãe, e fingia que ele precisava de mais tempo para resolver tudo de forma cavalheiresca.

Acho que Duílio era um excelente advogado justamente porque sua aparência digna era capaz de convencer qualquer jurado e qualquer juiz de qualquer coisa; ele tinha o dom da verdade, de usar a verdade e distorcê-la e dobrá-la até o limite e transformá-la naquilo que ele quisesse. Duílio não mentia: ele fortalecia, nos outros, as suas próprias verdades. Ele escrevia uma nova história a cada momento, de forma que sempre, tudo o que dizia, era exatamente a coisa certa. E ao final de cada história, seu interlocutor, antes irado ou decepcionado, dizia a si mesmo, 

-Como posso ter pensado daquela forma? Como posso ter sido tão injusto com esta pessoa tão digna, tão forte e tão boa?

Eu e Duílio continuamos nos vendo às escondidas por mais de um ano. Eu jamais tinha coragem de confrontá-lo quanto à sua ‘outra mulher,’ com quem ele jurava ter terminado tudo, mas eu sabia que não era verdade. Eu não queria espantá-lo de vez para longe de mim, e apesar da minha aparente maturidade, não passava de uma menininha assustada que não tomava uma atitude porque não saberia lidar com suas possíveis consequências.

Meu relacionamento com minha mãe era uma verdadeira geleira; mal nos falávamos, e eu sabia que aquilo a fazia sofrer, tanto quanto eu estava sofrendo, ou mais ainda. Mas mesmo depois que eu cortei relações com ela, ainda enganava a mim mesma, dizendo que o fizera porque ela tinha traído meu pai, quando a verdade era bem outra.

Enquanto isso, Marcelo e Cândida se casaram – um grande evento em Rio da Prata. Por mais que Cândida estivesse luxuosamente vestida, penteada e maquiada, e apesar das joias caríssimas que usava, eu olhava para ela e só conseguia enxergar uma jovem extremamente apagada, que não fazia por merecer o lugar ao lado daquele belo homem que Marcelo se tornara. Ela não era a mulher da vida do meu primo. Será que ninguém mais enxergava aquilo, será que a própria Cândida não percebia que ele não a amava? Durante a cerimônia, eu ansiava que Cristina entrasse na igreja de repente e acabasse com toda aquela farsa, o que não aconteceu. Tia Aurora andava para lá e para cá, ajeitando o véu da noiva, segurando os “Pombinhos” pelas mãos durante a festa, para que ficassem sempre juntos para as fotografias, distribuindo lembrancinhas, sorrisos a todos e elogios à sua “Querida nora.” Enquanto isso, eu via Marcelo engolindo em seco e olhando em volta como se procurasse algum lugar por onde escapar dali.

Meu pobre primo.

Ainda comentei com Joana: 

-Ele não parece feliz!

Ela me olhou séria, e respondeu com um tom de crueldade na voz: 

-Você acha que ele teria sido mais feliz se tivesse se casado com a filha da sua empregada negra? 

Depois daquilo, eu me afastei dela, magoada. Nossas conversas depois daquele dia foram todas monossilábicas e frias. Apenas nos cumprimentávamos, pois não havia outro jeito.

É claro que Flora e Eugênio não tinham sido convidados para a festa. Compareceram à cerimônia na igreja, pois meus pais insistiram com Tia Aurora para que não os deixassem de fora, e após muito custo, ela acabou concordando, convencida pelo próprio argumento de que se não os convidasse, daria espaço para especulações sobre o passado do filho.

Nossa casa tornou-se um lugar silencioso e escuro, bem diferente do que costumava ser. Mamãe passava horas trancada no quarto sob o efeito de sedativos; Flora e Eugênio só entravam na casa para limpar ou servir as refeições, sempre se dirigindo a nós com cerimônia e distância. Meu pai ficava sempre em seu escritório, e só nos reuníamos para almoçar e jantar – quase sempre, em silêncio. Eu amava muito meu pai, e vê-lo tão triste me magoava. E na minha cabeça, a minha mãe era culpada por tudo aquilo. Mas havia coisas das quais eu não sabia, e que viria a descobrir da pior forma possível.

Um ano mais tarde, fiquei sabendo que a doença de papai voltara há meses, mas ele não queria que ninguém soubesse, e não havia mais como tratá-lo ou como adiar o seu inevitável fim. Jamais me esquecerei do dia em que entrei em seu escritório e o encontrei se contorcendo de dor. Ele não percebeu minha presença. Assustada, corri até ele e tentei ajudá-lo, mas ele me afastou, dizendo que era apenas uma dor na coluna. Mas ao dizer aquilo, meu pai fez uma careta de dor e tombou no chão. Tentei segurá-lo, mas tudo o que consegui, foi amortecer sua queda. Gritei por socorro, e Flora e Eugênio entraram correndo, seguidos de minha mãe.

Nunca me senti tão sozinha quanto naquele dia. A ambulância chegou, levando-o embora. Minha mãe foi junto com ele, e não voltaria para casa durante meses, ficando hospedada em um hotel próximo ao hospital. Eu estava com 22 anos de idade então. Meu pai ainda viveria por mais três anos, indo e voltando de hospitais. Apesar de sua decisão de não se tratar, ele foi obrigado, por minha mãe, a tentar mais uma vez. E eu me reaproximei dela naquela época, pois via o quanto ela sofria e definhava ao lado dele, não permitindo que ele desistisse.

E de repente, no pior momento da minha vida, um sonho realizou-se; Duílio me disse que antes que meu pai se fosse, gostaria de contar a ele tudo sobre nós dois, e casar-se comigo. Alegou que não poderia deixar que seu melhor amigo fosse embora sem lhe contar toda a verdade. Afinal, devia isso a ele, que o acolhera na firma em um momento muito difícil de sua vida, e dera-lhe todo o apoio, tanto como sócio quanto como amigo. Queria casar-se comigo com as bênçãos de meu pai.

E foi em uma das remissões de meu pai que Duílio contou a ele que nós nos amávamos há anos, e que ele queria casar-se comigo com a bênção dele. Meu pai, que naquele momento estava sentado no sofá da sala, as pernas cobertas por uma manta axadrezada, olhou-nos sem qualquer surpresa ou ressentimento, e balançou a cabeça, concordando: 

-Eu acho que você fez a escolha certa, meu amigo.

Minha mãe, lívida e pálida, levantou-se do sofá e saiu da sala. Entendi que meu pai estava vingado pela traição dela.

É claro; quando Tia Aurora soube, ela alegou que aquilo seria um escândalo; 

-Onde já se viu - disse ela  - uma menina casar-se com um homem mais de vinte anos mais velho que ela? O que todos iriam dizer?

Mas meu pai foi firme em seu apoio a nós. Berta também não ficou feliz por nós, e tivemos uma grande discussão que fez com que ficássemos sem nos falar por mais de um mês. Mais tarde, a conselho de meu cunhado, ela me procurou e pediu-me desculpas. Joana não manifestou qualquer opinião a respeito, e nem poderia, já que não nos falávamos. Flora me olhou longamente, e após chorar um pouco, me desejou felicidades. Finalmente, ela quebrou seu gelo de anos, e me abraçou, chamando-a de “Minha garotinha.”

Fiquei conhecendo meus sogros, já bastante idosos, e os dois não poderiam ter sido mais frios e cruéis. Em sua grande mansão, me receberam em silêncio, fazendo questão de demonstrar que não concordavam nem um pouco com a escolha do filho. Saí de lá arrasada após um jantar que demorou tempo demais, o mais longo de minha vida. Se não fosse pela força que Duílio me passou, eu teria me quebrado ao meio diante daqueles dois. Foram polidos, porém frios, incisivos em suas indiretas e ofensas pessoais, destilando veneno da maneira mais torpe e dolorosa: educadamente. Pensei que, como eram velhos, logo morreriam, e eu não teria de conviver muito com eles.

(continua...)





terça-feira, 14 de maio de 2019

Inocência - Parte I - Capítulo XIX







CIÚMES

Não foi difícil conseguir namorar Fernando. Ele era louco por mim. Nós nos conhecíamos desde os tempos de escola – ele era o menino por quem eu pensara estar apaixonada quando era mais jovem. Hoje, quando penso nele, me arrependo de tê-lo usado para fazer ciúmes em Duílio, pois Fernando era um rapaz maravilhoso, e bonito também.

Nós começamos a ‘namorar sério’ após um mês, e Fernando começou a frequentar a minha casa e os jantares com meus pais. Em alguns deles, Duílio esteve presente, e notei que ele se sentia um tanto embaraçado quando eu flertava com ele na frente de todos – inclusive, de Fernando. Ninguém jamais percebeu minhas investidas, pois meus pais jamais imaginariam que eu estivesse apaixonada por “Tio” Duílio, ou que tivéssemos quase chegado às vias de fato algumas vezes. Para eles, eu ainda era a filha inocente, a caçula, e nada mais.

Após aqueles jantares, eu me jogava em cima de Duílio depois que Fernando saía. Certa vez, esperei que meus pais fossem dormir (ele estava passando a noite em nossa casa) e fui até o quarto de hóspedes, que ficava no primeiro andar da casa. Aquela era a primeira vez que me atrevia a fazer aquilo, com meus pais dormindo no andar de cima. Entrei sem bater, e deitei-me ao seu lado. Duílio estava profundamente adormecido. Deixei-me ficar ali, desfrutando da presença dele durante algum tempo, me imaginando como sua esposa, dormindo ao lado dele, como um casal normal. Depois, atrevida, descansei meu braço sobre o abdômen dele, deitando a cabeça em seu peito. Aos poucos, passei a minha perna em volta das pernas dele, abraçando-o com mais força.

Duílio despertou, e assustou-se. Eu disse a ele que fizesse silêncio, ou meus pais acordariam e veriam a cena. Quando penso naquela noite, vejo o quanto fui atrevida, infantil e inconveniente. Duílio tentou, aos sussurros, me colocar para fora do quarto, mas eu me recusei a sair, dizendo que só iria embora depois que ele me desse o que eu queria. Ele me chamou de louca, dizendo que aquilo era um absurdo. Sentei-me na cama, e disse a ele que se ele não me abraçasse, eu gritaria. Que já não me importava mais que todos ficassem sabendo.

Ele se recusou e eu dei uma imitação de um pequeno grito, leve, mas ouvimos ruídos no andar de cima, e vozes abafadas. Ficamos em silêncio, sem nos movermos, até que o ruído terminasse. Ele me chamou de louca mais uma vez. Perguntou-me por Fernando: o que eu pensava dele? Por que o estava namorando? Respondi que ele já sabia, já tinha a resposta. Duílio, que estivera de pé junto à porta, e andando de um lado ao outro do quarto, voltou para a cama, sentando-se ao meu lado. Perguntei a ele se ele não sentia nada por mim: 

-Se você disser, com todas as letras, que não sente nada por mim, eu nunca mais vou perturbar você.

Ele ficou calado durante muito tempo. Depois, me olhou e disse:

-Eu não posso, Yara. Não me pergunte porque, mas eu não posso dar a você o que procura. Estou dividido. Não acho justo, não é certo.

-Você tem outra mulher?

Meu coração quase parou ao ouvir a resposta:

-Sim, tenho. E estou apaixonado por ela.

-Mas você disse que está dividido! Entre ela e eu?

Ele concordou com a cabeça.

-Mas se você dá a ela o que não dá a mim, não é justo! Como pode saber o que quer, se não tiver comigo o que tem com ela? Precisa me dar uma chance, Duílio! Precisa me amar! E então, se depois disso você resolver que é a ela que você quer, eu juro que me afasto, e nunca mais me aproximo de você desta forma. Só quero ter os mesmos direitos que ela, as mesmas chances...

-Mas você é virgem! Não quero prejudicá-la!

Levantei da cama, impaciente:

-Seu excesso de pudor me enfurece! Já tenho dezenove anos e sei o que quero. Se ainda sou virgem, é porque estou me guardando para você!

Comecei a chorar, me sentindo humilhada e impotente. Os soluços me sacudiam. Minha vida era uma mentira: namorava um rapaz de quem eu não gostava, e com quem jamais me casaria. Duílio passou um braço em volta de mim, me puxando para perto dele:

-Yara, minha Yara… não queria que você sofresse.

-Então me dê o seu amor! Nem que seja só por esta noite, para que eu tenha algo que eu possa lembrar… quero que a minha primeira vez seja com você, Duílio.

-Não é justo… aqui, não… não podemos fazer isso sob o mesmo teto ocupado por seus pais, Yara!

-Que seja no inferno, então. Ou no céu. Não me importo.

Ele me disse então que iria embora no dia seguinte, mas que alugaria um quarto de hotel no Rio de Janeiro. E que assim que ele chegasse lá, e preparasse tudo, entraria em contato comigo. Mandaria um táxi me buscar. Dizendo aquilo, ele me beijou demoradamente. Nós nos tocamos de novo, e foi muito intenso. Ainda ficamos juntos quase até o amanhecer, e saí dali exultante, de volta ao meu quarto.

Eu procurava limitar meus encontros com Fernando aos finais de semana, pois apesar de gostar de estar ao lado dele como amigo, não sentia nada profundo por ele. Não o amava. Alegava que durante a semana eu me sentia cansada por causa do trabalho. Eu tinha começado a trabalhar como datilógrafa em um escritório na parte da tarde, além de lecionar de manhã, e tinha meu próprio dinheiro, mesmo que papai insistisse em continuar me dando uma mesada, e por isso, tudo o que eu ganhava com meu trabalho, colocava em uma caderneta de poupança – principal fonte de investimento dos anos setenta.

Fernando era doce e gentil. Às vezes, ele tentava avançar o sinal comigo, mas eu o repelia, dizendo que só faria aquilo depois de estar casada, o que era uma grande mentira: eu só queria fazer aquilo com o homem que eu realmente amava. Ele considerava a minha decisão uma forma de mostrar decência, e aquiescia. Achava que eu estava me guardando para nosso momento mais importante, e nem sequer imaginava que eu jamais estaria casada com ele. Nunca tivera aquela intenção. E quando Fernando me pediu em noivado, eu fiquei estarrecida. Não esperava por aquilo.

Estávamos namorando há apenas oito meses. Eu tinha acabado de completar dezenove anos, e pretendia fazer faculdade de Letras. Mamãe achava aquilo uma bobagem, pois para ela, o intuito de uma mulher deveria ser casar-se e constituir família. Ter filhos e cuidar de uma casa – e do marido. Quando eu disse a ela a minha intenção, quase tivemos uma briga. Mas papai apoiou a minha decisão.

Eu disse a Fernando que pensaria sobre o nosso noivado, que conversaria com meus pais. Na verdade, fui conversar com Duílio.

Dois dias depois que ficamos juntos na casa de meus pais, ele me telefonou no escritório. Não tínhamos permissão para receber telefonemas, mas uma colega me substituiu e conseguiu me passar a ligação, me dizendo que fosse rápida. Ele queria que eu fosse estar com ele naquela mesma tarde. Mandaria o táxi para me buscar na hora do almoço, e eu deveria voltar para casa no início daquela noite. Desliguei o telefone, indo até o escritório do meu chefe  dizendo que minha avó adoecera, e que eu deveria visitá-la no hospital naquela mesma manhã, antes o almoço. Ele me liberou do trabalho, e ainda me desejou boa sorte.

Entrei no táxi, e meu coração estava aos pulos durante todo o percurso. Duas horas depois, chegava ao hotel onde Duílio estava me esperando. Saí do táxi, e logo o vi à porta, e ele veio me receber. Entramos no elevador do Copacabana Palace e subimos em silêncio até o sexto andar, entre pessoas estranhas que falavam alemão. Nós nos olhávamos sem parar, sem conseguirmos disfarçar a nossa ansiedade. Diante da porta do quarto, ele me perguntou se era aquilo mesmo que eu queria, e eu respondi com um beijo.

Aquelas três horas que passamos juntos foram as melhores de toda a minha vida! Dei-me a ele como jamais me entreguei a nenhum outro homem – nem mesmo ao meu marido, anos depois. Nós fizemos amor várias vezes, e foi melhor a cada vez. Duílio me amou apaixonadamente, loucamente, Às vezes, se esquecendo da doçura e tornando-se quase selvagem. Eu o correspondia da mesma forma, às vezes sendo doce, e em outras, tão selvagem quanto ele. Nunca havia pensado que poderia ser tão bom. E nunca mais seria. Nós tínhamos sede um do outro, e bebemos um do outro várias vezes, com muita intensidade, e a sede só aumentava. Fizemos de tudo – inclusive, quando pedi a ele que fizesse comigo o que eu tinha visto Cristina e Marcelo fazerem naquela tarde, ele me deitou atravessada na cama, ficando de joelhos sobre o carpete, e fez aquilo comigo até que eu finalmente pedisse a ele que parasse. Depois, eu pedi a ele que me deixasse retribuir. Após um momento de hesitação, ele me deixou fazer o que eu queria, e foi maravilhoso ver o rosto dele, seus olhos se fechando, sua cabeça sendo jogada para trás, até que ele me ergueu de repente pelos braços e deitou-se sobre mim. Foi maravilhoso ouvir o meu nome sendo repetidamente sussurrado em meu ouvido enquanto o amor da minha vida se entregava totalmente a mim, e me dava tudo de si.

Ao final daquele dia, enquanto voltava de táxi para casa sozinha, minha cabeça rodava, e uma nova Yara nascia; uma Yara mulher, totalmente mulher, que sabia o que queria e estava disposta a fazer de tudo para alcançar. Cumpri a minha promessa de não dizer nada aos meus pais ainda, prometendo esperar até que ele resolvesse a sua situação com a outra mulher com quem estava saindo, mas algo me dizia que aquele sonho era grande demais para mim, e que eu deveria me entregar e aproveitá-lo ao máximo, pois uma felicidade tão grande deveria ser proibida, e logo teria fim. No táxi, eu deslizava a minha própria mão sobre o meu ventre, e me tocava de leve nos ombros, repetindo o caminho que as mãos dele tinham feito há apenas alguns minutos, e eu respirava profundamente, sentindo os resquícios do perfume dele sobre a minha pele. Deparei com o olhar curioso do motorista através do espelho retrovisor, e colocando meus óculos escuros, me contive.

Eu era Lolita, eu era a Bonequinha de Luxo (tinha me fantasiado de Audrey Hepburn para aquela tarde, prendendo meu cabelo como o dela no filme), com um toque de Barbarella. Eu era a mulher perfeita. Nenhuma outra mulher no mundo seria tão amada quanto eu.

Chegando em casa, corri para o meu quarto e arranquei os sapatos, pulando na cama e me sentando de pernas cruzadas, pensando que eu adoraria que Cristina estivesse ali, pois ela era a única pessoa para quem eu poderia contar o que tinha me acontecido e que me ouviria sem julgamentos, sentindo-se feliz por mim. Adoraria dizer a ela o quanto eu não era mais virgem, o quanto eu derrubara as convenções e burlara todas as regras.

Batidas na porta interromperam meus pensamentos; era mamãe. Ela colocou a cabeça para dentro:

-Posso entrar?

(continua...)





quarta-feira, 8 de maio de 2019

INOCÊNCIA - PARTE I - Capítulo XVIII





QUASE...

Naquele um ano, meu romance unilateral com Duílio continuou. De vez em quando, eu lhe roubava um beijo, ao qual ele resistia, mas acabava correspondendo. Eu estava com quase dezoito anos, e sabia muito bem do meu poder de sedução sobre os homens; tornara-me uma linda mulher. Mas guardava todas as minhas investidas sedutoras apenas para ele, que às vezes, cada vez mais raramente, conseguia resistir. Ele me dizia que não queria nos colocar em posições constrangedoras diante de meus pais, pois os dois eram amigos; falava da nossa diferença de idade e dos julgamentos da sociedade. Eu contestava tudo, e fazendo um olhar sexy, beijava-o, calando sua boca. Mas nunca íamos além daqueles beijos roubados. Eu afirmava que estava totalmente apaixonada, e que bastaria ele me pedir, e contaria a todo mundo, assumindo nossa paixão; ele dizia para eu deixar de ser criança, ou louca, ou impulsiva, ou perdia a paciência comigo e ficava dias sem aparecer lá em casa. Eu sabia que, no fundo, ele gostava de ter seu ego de macho sendo massageado por uma bela jovem fogosa e apaixonada. Infelizmente, Duílio era responsável demais, comprometido demais com meu pai e os negócios, formal demais. Eu não sabia mais o que fazer para quebrar aquele gelo, derrubando tanta formalidade.

Certa vez, nós quase chegamos aos ‘finalmente.’ Ele apareceu lá em casa numa tarde de sábado, pois tinha marcado com meu pai para colocar algumas coisas em dia. Mas papai precisou levar mamãe ao médico de repente , pois ela se sentira mal, e os dois saíram, me deixando sozinha em casa. Eugênio e Flora estavam em seu apartamento. Atendi a porta usando um penhoar, pois eu acabara de tomar banho, e servi-lhe um drink, explicando que papai tinha ido levar mamãe ao médico. Ele pareceu muito preocupado com ela, mas eu disse que ela logo estaria bem, e que tinha sido algo que comera no jantar. Sentei-me ao lado dele, e de propósito, mas tentando fazer parecer que tinha sido acidental, cruzei as pernas e o penhoar abriu uma fenda, deixando-as à mostra. Notei o olhar dele, que tentava disfarçar, mas que estava preso em meus joelhos, subindo até as minhas coxas.

Excitada, percebi também a excitação dele. Tentando fazer com que parecesse um gesto casual, Duílio pegou uma das almofadas do sofá, tentando cobrir-se, mas eu a retirei, após alguma resistência dele, e encarei-o, dizendo:   

- Até quando isso vai continuar? Eu sou uma mulher, você é um homem, e ambos sabemos muito bem o que queremos.

Ele me agarrou com força pela primeira vez, me beijando de um jeito que eu nunca tinha sido beijada. As mãos dele subiram pelas minhas pernas até o ponto desejado, e eu achei que finalmente teria o que queria. Ele começou a me acariciar ali, e eu cedi, entregando-me completamente ao meu primeiro orgasmo através das mãos de um homem. Ele beijou meus seios e minha boca. Ele me apertou contra o seu corpo, e de repente, começou a se tocar. Eu nunca tinha visto um homem se masturbando antes; eu  nunca tinha visto um homem naquele estado… toquei-o também, suavemente, e observei, fascinada, enquanto ele se aliviava no lenço de algodão branco que tirara do bolso do paletó.

Quando ele abriu os olhos, tinha o rosto vermelho, e eu estava novamente muito excitada. Tentei beijá-lo, pois queria entregar-me a ele totalmente, mas Duílio me afastou dele.

Levantando-se do sofá abruptamente, ele foi até o banheiro. Voltou minutos depois, parecendo envergonhado e arrependido. Tinha lágrimas nos olhos. 

-Você me deixa louco, Yara. Não podemos continuar com isso.

 Levantei-me furiosa com ele pela primeira vez. Eu queria mais. Eu o queria por inteiro, e tudo o que ele me dizia, é que eu não poderia tê-lo.    

Eu às vezes me cansava daquele jogo de gata e rato, mas não podia conceber a minha vida sem aquela paixão, sem lutar por aquele homem. Um dia, escutando a conversa de Joana com uma amiga que dizia como ela tinha conseguido conquistar o namorado fazendo ciúmes nele com outro rapaz, eu achei que tinha descoberto a pólvora: eu ia arranjar um namorado para fazer ciúmes a Duílio!

(continua...)





quinta-feira, 2 de maio de 2019

INOCÊNCIA - PARTE 1- CAPÍTULO XVII






A VOLTA DE BERTA

Um mês após o casamento – naqueles tempos as luas de mel podiam ser bem longas – Berta e Sebastian voltaram a Rio da Prata. Foram recepcionados com um jantar na nossa casa, e os pais de Sebastian também foram convidados. Insisti para que papai convidasse Duílio, e ele concordou. Cândida e Marcelo, acompanhados de Tia Aurora e Joana, também compareceram ao jantar.

Berta estava radiante. Usava um terninho amarelo-claro que a deixava com ares de senhora, uma blusa creme e um colarzinho de pérolas. Notei que Tia Aurora aprovava seu novo visual. Berta desistira da faculdade para tornar-se a esposa de Sebastian, e ambos já planejavam um filho. Sebastian começou a trabalhar com o pai no escritório de engenharia, assim que retornaram da lua de mel. As coisas eram assim: os filhos seguiam a carreira dos pais, e a maioria das mulheres viravam “prendas do lar.” Era o final dos anos setenta.

Joana ainda não estava namorando ninguém, apesar dos dezessete anos de idade recém-completados, para cuja festa eu fora convidada, e comparecera a contragosto, a pedido de meus pais.

Berta e Sebastian ocupariam uma ala na casa dos pais dele, que tinha sido ampliada e convenientemente replanejada para dar privacidade total ao casal. Felizmente, Berta e Lourdes, a sogra, deram-se bem desde o princípio, tornando-se grandes amigas. Ambas tinham praticamente os mesmos gostos e opiniões, faziam compras juntas, organizavam juntas as coisas da casa e após o nascimento dos bebês gêmeos de Berta, Paulo e Marcos, a sogra tornou-se uma verdadeira mãe para todos eles – nora e bebês. Eu também gostava de Lourdes e Moacir, sogros de Berta. Eram pessoas boas, cordatas. Acho que Cristina os acharia convencionais demais. Eu sempre pensava no que Cristina poderia achar sobre isso ou aquilo. Tentava escutar suas opiniões imaginárias sempre que eu estava em dúvida sobre alguma coisa, me perguntava: o que Cristina faria? Muitas vezes, eu seguia aquelas respostas imaginárias, e nem sempre me dei bem. Porque na verdade, elas eram apenas isso: respostas de uma Cristina imaginária. Na verdade, Cristina tornou-se alguém totalmente diferente daquilo que eu imaginava, mas eu só descobriria aquilo bem mais tarde.

Um ano depois do casamento, Berta engravidou dos gêmeos. Eu adorava acompanhá-la às compras, juntamente com Lourdes. Ficávamos horas escolhendo roupinhas de bebê, e depois íamos almoçar juntas no restaurante de Tia Aurora. Às vezes, mamãe juntava-se a nós, mas ultimamente, ela andava um tanto deprimida, e tomava alguns medicamentos que faziam com que ela dormisse por horas, mesmo durante o dia. De repente, ela acordava bem disposta e dedicava-se à casa, ia ao cabeleireiro, comprava roupas novas, passava horas fazendo seus cursos, e logo em seguida, caía novamente num estado de torpor que podia durar dias a fio.

Eu não entendia porque mamãe andava tão infeliz. Nós tínhamos uma boa vida, éramos uma família unida e feliz, tínhamos uma boa casa. Berta ia dar-lhe netos. Eu terminara o colegial e já dava aulas na parte da manhã para um grupo de crianças da primeira série primária. Papai estava bem, e com saúde. Aliás, papai dizia que mamãe estava passando por uma fase difícil, coisa de mulher, segundo ele. Pedia que nós tivéssemos paciência com ela, e afirmava que um dia passaríamos pelas mesmas coisas. Eu procurava deixá-la em paz naqueles momentos, e talvez ter ficado longe dela tenha contribuído para que nos afastássemos totalmente mais tarde: eu não tentei compreender minha mãe.

(CONTINUA...)






A RUA DOS AUSENTES - PARTE 5

  PARTE 5 – AS SERVIÇAIS   Um lençol de luz branca agitando-se na frente do rosto dela: esta foi a impressão que Eduína teve ao desperta...