quarta-feira, 23 de julho de 2014

Como Fazer Amigos - Um conto Juvenil - FINAL -






Só abri o bilhete quando cheguei em casa, na segurança do meu quarto. Ele dizia, em uma caligrafia irregular e bem pequenininha:

"Nanda,

Não sou poeta e nem sei escrever bonito, mas queria te dizer que eu sou sincero, e que o que eu vou escrever aqui é a mais pura verdade:
Não consigo esquecer aquele primeiro dia quando ficamos juntos. Penso em você o tempo todo. Fui um idiota em duvidar de você. Eu acho que me apaixonei seriamente... peço que você me dê mais uma chance, se ainda estiver a fim de mim. E nesse tempo em que estamos separados, mesmo tendo ficado pouco tempo juntos, eu acho que posso dizer que seja bem possível que eu esteja te amando. Nunca me apaixonei, então não sei direito, mas se amar alguém significa pensar naquela pessoa o tempo todo, querer estar junto, lembrar dos bons momentos, perder o apetite e sentir um aperto no estômago toda vez que ela está perto, então eu estou perdido.
Me liga!"

E foi só. Mas foi o suficiente para transformar meu coração em gelo derretido. peguei o telefone e quando ele atendeu, ficamos mudos. Eu escutava a respiração dele do outro lado. De repente, ele desligou. Achei que a ligação tinha caído, e tentei chamar de novo, mas alguns minutos depois, escutei o ronco de sua motocicleta em minha porta. Corri para a janela, e acenei para ele, que ficou me olhando. Ele acelerou, fazendo sinal para que eu saísse, e eu corri porta a fora, e subi em sua garupa, abraçando-o forte. 

Depois, foram muitos beijos, abraços, carinhos...

Ele disse que preferia meu velho/novo visual, pois aprendera a gostar de mim daquele jeito, e eu também me sentia bem mais à vontade sendo eu mesma do que sendo o que queriam que eu fosse. Voltei a usar meu anel de caveira prateado. Não sei bem o motivo, mas tornei-me tão popular na escola, que muitas garotas começaram a se vestir de preto e usar anel de caveira!

Eu e Priscila voltamos a ser amigas - inseparáveis. Ela conversou com sua mãe, abrindo-se para ela, e descobriu que na verdade, tudo o que ela achava que a mãe esperava dela, era apenas coisa de sua cabeça. Sua mãe a amava como ela era, mas não sabia o que fazer para que ela entendesse isso. Seguindo meu conselho e se abrindo para sua mãe, Priscila quebrou um gelo de muito tempo, e as duas tornaram-se muito unidas. Passei a frequentar sua casa, e descobri o quanto a mãe dela era legal. 

Bem, Priscila nunca deixou de ser patricinha - ela descobriu também que se vestia daquela maneira e fazia as unhas três vezes por semana porque ela mesma gostava. Continuou gastando horrores em salões de beleza e shoppings, mas isto não fazia com que deixássemos de ser as melhores amigas. Aprendemos que as pessoas que parecem ser diferentes da gente tem sua própria identidade, e que podem ser pessoas muito legais quando vencemos as barreiras do preconceito e do medo.

 Quanto a Débora, acabou mudando de escola. Sua popularidade acabou caindo bastante, e seus pais acharam melhor que ela recomeçasse em outra escola.

Não posso esquecer de dizer que Priscila foi minha madrinha de casamento quando fiz 25 anos. Aliás, Priscila e Santiago foram meus padrinhos de casamento (eles se começaram a namorar quando eu e ele terminamos, dois anos depois). Formamos dois casais de amigos inseparáveis, e nossa filha e a filha deles brincam juntas até hoje.



FIM




segunda-feira, 21 de julho de 2014

Como Fazer Amigos - Um Conto Juvenil - Parte IX




Não tive coragem de ir devolver o dinheiro de Priscila pessoalmente; acabei deixando na portaria do prédio dela, em um envelope lacrado com meu nome (não sabia qual era a quantia exata, então minha mãe telefonou ao salão e descobriu). Os três dias de suspensão voaram, e logo eu estava de volta à escola. 

Entrar na sala de aula passando por Priscila, Débora  e suas amigas não foi fácil, mas ergui a cabeça - de volta ao meu antigo estilo meio-gótico, mas sem deixar de levar em conta algumas características do meu velho / novo visual - e passei por elas sem nem sequer olhá-las. Elas se dividiram em um corredor, e eu passei bem no meio, pisando duro. Não houve sequer um sussurro enquanto eu passava.

Não foi fácil convencermos o diretor da escola a permitir-me uma retratação. Aliás, foi tão difícil, que não conseguimos da primeira vez, até que minha mãe ameaçou abrir um processo contra a escola. À contragosto, ele permitiu-me dez minutos antes da primeira aula, e ele mesmo foi até a sala para anunciar o meu pequeno discurso. Eu já tinha ensaiado o que ia dizer, mas assim que fiquei de pé diante da turma, e olhei no rosto de cada um - percebendo olhares de solidariedade, desprezo, descrença e raiva - eu fiquei muda. E assim permanecei durante pelo menos dois minutos, que duraram quase duas horas. O silêncio era tão profundo que escutei o estômago do menino da primeira fileira, Ronald,  roncar. Finalmente, criei coragem e comecei a falar:

-Olá, e obrigada por me escutarem. Eu quero me desculpar pelo que aconteceu há três dias na porta da escola, foi... horrível, e eu sinto muito. Não vou tentar me justificar acusando ninguém, pois a gente não pode acusar os outros porque perdemos nosso autocontrole. 

Olhei para Débora, e ela revirou os olhos, mas não me olhou.

-Mas eu fui vítima de uma grande calú... digo, mal entendido. Todo mundo, a essa altura, sabe do que eu estou falando.  Achei que Priscila tinha me dado o cabeleireiro de presente pelas aulas particulares de trigonometria que ela me pediu. Foi o que eu entendi.

Naquela hora, todos olharam para Priscila, que respirou fundo e concordou com a cabeça, enxugando uma lágrima do canto do olho.

-Eu jamais cometeria uma falta tão grande quanto trair a confiança de alguém que tentou ajudar-me. Eu sou uma pessoa digna. Claro, sei que muitos aqui me acham esquisita, mas eu não trairia a confiança de alguém que eu considerei, por um momento, mas considerei, minha amiga. Eu não sabia... acho que houve um grande mal entendido, e eu só queria esclarecer as coisas.

Dizendo aquilo, sentei-me novamente. Meus olhos marejados não me deixaram ver qual estava sendo a reação dos meus colegas de classe, e também reinava um silêncio tão grande que eu mal podia suportar. O diretor completou mu pequeno discurso:

-Bem, gostaria de dizer, Nanda, que você foi muito corajosa, e que suas desculpas foram aceitas. A partir de agora, espero não mais ouvir falar deste assunto, e não tolerarei qualquer espécie de fofo.. digo, mal entendido, envolvendo Nanda ou outro aluno qualquer.

O silêncio foi repentinamente cortado por palmas e assovios. Nem por um momento, ousei olhar para Santiago. Eu estava muito magoada com ele.

Na hora do recreio, quando eu me dirigia à cantina, ouvi Priscila chamar meu nome. Eu parei, sem olhar para trás, pensando se seria melhor continuar andando; afinal, ela já tinha me causado problemas demais. E era isso que eu ia fazer, quando ela me alcançou e segurou meu braço.

-Nanda, por favor... eu... sinto muito. Quero que você me desculpe.

Olhei em volta, e não vi Débora ou as outras meninas por perto.

-O que você quer, Priscila? Já devolvi seu dinheiro. Ou não lhe entregaram?

-Claro, mas não é por isso que eu quero falar com você. O dinheiro é o que menos me importa. Quero me desculpar pela Débora. Sabe, ela é ciumenta. Mas ela é legal se a conhecer melhor.

-O que?! Ora, Priscila! Me poupe!

-É verdade! Ela apenas teve medo de perder minha amizade. Mas ela mesma, antes de você fazer aquele discurso, me contou a verdade. Sabe, ela tinha me dito umas coisas sobre você antes... coisas que me deixaram com muita raiva de você...

-Nem quero saber o que foi!

-Melhor assim. Mas ela mesma desmentiu tudo esta manhã.

-Por livre e espontânea vontade?

Ela olhou para o chão, torcendo as mãos:

-Não exatamente. A mãe dela a obrigou. Mas o que importa é que ela disse a verdade.

Eu cheguei mais perto dela, e olhando-a no rosto, disse:

-Olha, quem são as amigas que você escolhe, é problema seu. Mas se eu fosse você, tomaria cuidado com essa aí, pois é dominadora e intriguenta. De qualquer forma, não é da minha conta.

Dando de ombros, virei-me de costas para ela, que mais uma vez, segurou-me pelo braço:

-Eu gostaria de continuar sendo sua amiga, Nanda. Eu gosto de você. E olha, obrigada pela ajuda. Eu passei na prova.

-E eu vou ter que fazer segunda chamada porque fui suspensa. Nós duas somos muito diferentes, Priscila. Olhe só para suas amigas, sua maneira de vestir, as coisas que curtem... eu não gosto de nada que vocês gostam.

-Eu sei. Você é diferente delas. Você é real. Uma pessoa de verdade.

Vi que ela estava sendo sincera.

-Então, por que anda com elas?

-Porque... você não entenderia. a minha mãe. Ela exige que eu faça amizade com meninas de "boa família." (Ela disse aquilo com um traço de ironia na voz).

-E eu não sou de boa família, hein?

-Não é isso... é claro que é. Se não fosse, eu não ia querer a sua amizade.

-Escute, Priscila: você já disse à sua mãe o que você pensa, o que é importante para você?

-Minha mãe só se importa com o que é importante para ela.

-Não acredito. Se eu fosse você, tentaria dizer a ela o que você quer fazer. Você poderá se surpreender.

-Você não conhece minha mãe... ela só pensa em aparências. Em ser melhor que suas amigas. Ela pensa que sou um tipo de bonequinha de luxo que ela exibe às outras mães.

Senti pena dela, sinceramente. Mesmo assim, achei melhor não ceder.

-Olha, Priscila, você é legal! Juro... mas não dá mesmo. Depois de tudo o que aconteceu, sabe. E olha, pode ficar com o Santiago, ele se parece mais com você do que comigo.

Dizendo aquilo, corri para longe, e passei por Santiago, que me esbarrou e quase derrubei-o no chão. Não olhei para trás. Quando voltei da cantina, segurando meu guaraná e meu bolinho de salsicha, vi os dois conversando, e minha garganta fechou. Quando passei por eles, Santiago me encarou, mas eu passei direto e não falei com ele.

Que ficassem juntos. Eu nem ligava.

Dois dias depois, após algumas tentativas frustradas de se aproximar de mim, Santiago forçou-me a olhar para ele, ficando em meu caminho. Tentei desviar, mas ele agarrou-me pela cintura, e me deu um beijo na boca. Eu o empurrei, e senti muita raiva.

-Quem você pensa que é?

Ele ficou muito sem graça, pois alguns colegas que passavam por nós viram tudo, e ficaram comentando de longe. Fui para o meu lugar, e fingir que estava estudando para a prova.

Ele arrancou a folha da minha mão:

-Você precisa me ouvir. Eu preciso que você me desculpe, Nanda.

-Você não acreditou em mim, e portanto, não me merece.

-Você tem razão. Mas eu fui um idiota. Todo mundo é idiota um dia. Me desculpe? Olha, eu gosto de você, eu quero ficar com você. 

-Acho que você e Priscila formam um lindo casal.

-Ah!...

Ele riu, o que me deixou ainda mais irritada.

-Eu não tenho nada com ela. Já conversamos, e ela me disse que não está zangada com você. Nem comigo. Ela entendeu tudo. Sabe, ela não está mais falando com a Débora.

-E eu com isso?...

-Não seja tão dura, Nanda.

Senti que ia começar a chorar, pois minha garganta apertou e meu rosto estava pegando fogo. Não olhei para ele, com medo de me jogar em seus braços. O professor entrou, mandando todo mundo ir sentar em seus lugares. Santiago tirou um papel dobradinho de dentro do bolso, e colocando-o na minha mesa, disse:

-Por favor, leia... não jogue fora!

(continua...)




terça-feira, 15 de julho de 2014

Como Fazer Amigos - Um Conto Juvenil - Parte VIII




Suspensão. Três dias. Para mim e para Débora, felizmente. Sermões infindáveis do diretor da escola sobre não ser adequado para a imagem da instituição ter duas alunas brigando na porta, e sobre o quanto ficava mal para a nossa imagem. Alguém postou um vídeo da nossa briga no Youtube, o que foi devastador. Agradeci pelos três dias de suspensão, pois significaria que não teria que ir à escola e enfrentar os olhares alheios, as perguntas e os risos. E mais ainda: não teria que olhar para as caras de Priscila e Santiago.

Ele nem sequer telefonou para saber como eu estava. Não me procurou, e aquilo deixou-me profundamente magoada! Além de acreditar no festival de mentiras que inventaram sobre mim, ainda resolveu me ignorar completamente!

Minha mãe, após uma grande bronca na qual ouvi várias vezes as mesmas perguntas ( O que eu fiz para merecer isto, mas como você pôde fazer uma coisa dessas, o que vou dizer às minhas migas, etc...), finalmente pareceu ter compreendido o quanto eu estava ferida. Na manhã seguinte, já mais calma, enquanto eu estava sentada na cama pensando no que faria com o resto daquele dia horroroso que tinha pela frente, ela bateu à porta do meu quarto e entrou, sentando-se na beirada da cama:

-Filha, não quer me contar o que realmente aconteceu?

Balancei a cabeça, negando. Ela insistiu:

-Se você não confiar em mim, em quem vai confiar, Nanda? Olha, eu prometo que não vai ter sermão ou qualquer tipo de julgamento. Prometo ouvir você em silêncio e tentar ajudar no que for possível.

Aquela frase arrancou lágrimas de meus olhos, lágrimas que estiveram represadas dentro de mim naqueles últimos dias. Lágrimas de frustração, sentimento de culpa, inconveniência, arrependimento, rejeição, inadequação. Ela me abraçou forte, e deitando minha cabeça em seu colo, esperou pacientemente que eu parasse de chorar, enquanto acariciava meus cabelos. Eu fui me acalmando aos poucos, e quando olhei no relógio da cabeceira, notei que ela estava ficando atrasada para o trabalho.

-Não se preocupe, Nanda. Eu pedi dois dias de folga. Quero ficar um pouco mais com você, porque sei que está precisando de mim.

Olhei para ela, e minha gratidão foi tão forte, que chorei de novo. Contei-lhe tudo o que vinha acontecendo: falei de Priscila, contei-lhe sobre o fato de ela ter se oferecido para pagar o salão de beleza em troca das aulas, e no fato de ter ficado com Santiago, e de todas as fofocas que tinham inventado ao meu respeito; falei da minha dor porque Santiago acreditara nelas. Também falei de minha frustração em ter concordado em viver um personagem que não era eu, vestindo aquelas roupas que não tinham muito a ver comigo e usando aquelas bijuterias que não me descreviam. Para mim, a minha vida estava acabada - adolescentes sempre dramatizam tudo, minha  mãe sempre dizia. Mas daquela vez, ela apenas ouviu, e quando eu finalmente disse tudo o que queria, ela me ergueu e me fez olhar para ela, dizendo:

-Em primeiro lugar, vamos resgatar a sua dignidade: você vai procurar Priscila e devolver a ela o dinheiro que ela gastou. Depois, escreverá um e-mail ou mandará uma mensagem à Santiago contando toda a verdade, e se mesmo assim ele resolver acreditar em mentiras, nunca mais olhará para ele. Mais tarde, quero que você peça ao diretor da escola - eu vou te ajudar - um espaço entre as aulas para explicar à turma o que aconteceu, e como você está se sentindo. Precisamos dar uma lição naquelas meninas. Ninguém merce passar por isto que você está passando. Isto chama-se bullying! Ao mesmo tempo, você vai se desculpar com Débora pela agressão física - foi muito errado o que você fez. Não precisa ser amiga dela, apenas desculpe-se. Finalmente, vamos encontrar um meio-termo entre as mudanças que Priscila operou em você e a sua verdadeira personalidade, e nisto, eu é quem tenho que desculpar-me, filha. Você vai escolher entre as roupas que comprou com quais delas você quer ficar e quais vai devolver à loja ou trocar. Sei que não arrancou as etiquetas de todas elas. E eu vou com você ao shopping para ajudá-la.

Fiquei tão feliz que imediatamente, abracei minha mãe e parei de chorar. Achei que tinha sido muito bom confiar nela, e que ela era muito legal.

(continua...)


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Como Fazer Amigos - Um Conto Juvenil - Parte VII






Quando minha mãe chegou em casa à noite, logo notou que eu estava diferente. Impossível tentar esconder algo das mães... contei a ela tudo o que estava acontecendo comigo, e tivemos uma longa conversa na qual ela me aconselhou sobre várias coisas a respeito de namorados, me fazendo prometer consultar um ginecologista que ela marcaria no dia seguinte. Achei um tanto constrangedor e um exagero, afinal, eu estava apenas começando a namorar. Minha mãe também aconselhou-me a respeito de Priscila, dizendo que era melhor deixar as coisas como ela as tinha colocado e não insistir em uma amizade fadada ao fracasso - éramos muito diferentes, e agora que eu estava namorando o menino de quem ela gostava, seria quase impossível continuar.

Concordei com ela, e fui dormir.

Na manhã seguinte, acordei de um sonho estranho, no qual eu chegava na escola e encontrava todas as meninas rindo de mim enquanto me atiravam pedras. Angustiada, me vesti e saí. Ao olhar-me no espelho, deparei com meu velho anel prateado de caveira sobre a pia, e senti vontade usá-lo, mas achei que ele não combinava com o meu novo visual. Ainda me achava um tanto estranha ao olhar-me no espelho todas as manhãs, como se a pessoa que me olhasse de volta na imagem refletida não fosse eu. Não queria incomodar minha mãe com o assunto, mesmo porque ela ficara totalmente feliz com minha nova imagem mais leve e colorida, mas eu mesma não estava totalmente confortável.

Ao chegar à escola, não vi nenhuma menina me esperando com pedras na mão. Mas nem mesmo Ágatha mostrou-se receptiva quando fui conversar com ela, respondendo-me com palavras monossilábicas e se afastando de mim na primeira oportunidade. apenas Santiago pareceu apreciar a minha presença, me recebendo com um caloroso beijo. Notei que os outros alunos às vezes cochichavam entre si, e olhavam para mim. Priscila cumprimentou-me friamente, e não me olhou mais, e nem as suas amigas. Eu fiquei a aula toda de História olhando para elas de rabo de olho, tentando entender o que estava acontecendo. achei que provavelmente tinham inventado alguma fofoca sobre mim.

Na hora do recreio, tentei falar com Ágatha, pois desde sempre, ela era a menina com quem eu mais conversava na escola, e perguntei-lhe se ela sabia de alguma coisa. Ela relutou um pouco antes de responder, mostrando-se mais aberta e receptiva:

-Tá rolando um lance aí sobre você.
-Eu sabia! Mas o que é? Aposto que foram a Débora e aquele séquito de patricinhas.

Ela concordou com a cabeça.

-Bem, ela espalhou por aí que você é traíra, e que ficou com o carinha que a Priscila disse para você que ela gostava, e isso, depois de ela ajudá-la a mudar seu visual e ainda por cima, pagar o salão de beleza e o cabeleireiro pra você. 

Fiquei atônita! Não pensara jamais que Priscila fosse capaz de contar que ela havia pago a conta, mas não mencionar o fato de que fora ela quem insistira. E nem mesmo falar das aulas particulares que dei para ela! 

-Mas... foi a Priscila quem insistiu em pagar, dizendo que focaria como um presente pelas aulas particulares! E ela não me falou nunca que estava a fim do Santiago. Eu nem imaginava!

-Pois é, eu acredito em você... mas pegou mal o que ela disse, e a Débora adora uma fofoca. Acho também que ela teve medo de perder o posto de melhor amiga da Priscila para você, e tratou de sujar sua imagem. Mas olha, nem eu entendi essa amizade repentina de vocês duas! Vocês nunca se deram, quero dizer, são totalmente diferentes!

naquele instante, vi Santiago aproximar-se de mim. Ele estava muito sério, parecia zangado, e pediu licença à Ágatha, levando-me para um canto do pátio:

-É verdade o que todos mundo está falando?

-Depende do que estão falando.

Ele mostrou-se impaciente:

-Quero saber de você: é verdade que você é traíra? Que usou a Priscila, fingindo ser amiga dela, para que ela te ajudasse a mudar o seu look, e  convenceu-a a emprestar dinheiro para você pagar o salão, e depois deu um calote nela? E o pior de tudo: ficou comigo mesmo sabendo que ela era a fim de mim?

Fiquei tentando digerir toda aquela maldosa fofoca a meu respeito, e perguntei a ele:

-Você sabia que ela era a fim de você?

Ele coçou o queixo, parecendo meio-sem jeito, e disse que sabia, mas que nunca tinha pensado em ficar com ela, e que o lance dele tinha sido sempre eu desde o começo.

-Você realmente acredita em toda essa fofocada que estão espalhando sobre mim? Acredita mesmo que eu sou uma traíra trambiqueira? Acredita mesmo que eu me aproximei dela para me aproveitar?

-Eu quero saber de você. Me diga: é verdade?

Naquele momento, senti o mundo girar rapidamente em volta de mim. Fiquei tonta, e precisei me apoiar em um tronco de árvore para não cair. Não sabia o que responder, mas sabia que se Santiago acreditava naquelas mentiras, não merecia estar comigo. E disse isso a ele. Ele ficou me olhando boquiaberto, insistindo pela minha resposta, e eu, como resposta, vire-lhe as costas e me afastei. Ele não foi atrás de mim.

Achei que eu deveria acertar as coisas com as patricinhas, mas antes, precisava saber se fora Priscila ou Débora quem espalhara aquelas mentiras sobre mim. Será que Priscila seria capaz de inventar aquelas mentiras, ou de, pelo menos, calar-se diante delas depois de eu tê-la ajudado?

O sinal tocou, e o professor logo entrou na sala, e tive que deixar minhas perguntas para mais tarde. Evitei olhar para Santiago e também para as meninas, tentando concentrar-me nas aulas. Eu estava magoada demais, envergonhada pelas mentiras que inventaram, e também, me sentindo traída por Santiago. Ele me decepcionara demais, e eu não sabia se voltaria a ficar com ele, mesmo se ele me pedisse perdão.

A aula terminou, e mandei uma mensagem de texto para Priscila, dizendo que precisava falar com ela. Ela recebeu (eu a vi lendo) mas não m respondeu. Ela me olhou, e havia uma frieza muito grande no seu olhar. Na hora da saída, ainda tentei alcançá-la, mas ela entrou no carro da mãe e não pude falar com ela. Restava-me Débora.

Eu a vi conversando com suas amiguinhas no portão da escola, e esperei até que a maioria delas fosse embora para me aproximar. Quando cheguei perto, caminhando por trás delas, Débora assustou-se com minha presença. Fui logo dizendo:

-O que você ganha com isso, Débora? Inventando todas  essas mentiras sobre mim? 

Santiago passou em sua motocicleta, ignorando a nossa presença. Senti vontade de chorar de humilhação, mas aguentei firme. Ela me olhou como se eu fosse uma barata, respondendo:

-Não sei do que você está falando, e nem quero saber.

-Você sabe, sim, e vai me explicar o que está acontecendo. Você sabe muito bem que eu não sabia que a Pri era a fim do Santiago, e que quem insistiu para pagar o salão foi ela!

Ela ergueu a cabeça (era mais alta que eu), e vociferou:

-Não se atreva a chamá-la de Pri! Somente os amigos podem chamá-la assim, e você não é amiga dela, nem de ninguém. Você não tem nenhum amigo. E se hoje está com uma aparência melhor do que uma gótica fedida, você deveria agradecer a ela, mas ao invés disso, você decide passar um calote na garota que te ajudou e roubar o carinha que ela gosta. Você é desprezível, ridícula, e traíra! Traíra!

As duas meninas que estavam com ela começaram a rir, e repetiam a palavra "traíra" em voz alta.

O sangue ferveu nas minhas veias. Parecia que a escola toda (os que ainda não tinham voltado para casa) estavam ali, em volta de nós, assistindo de camarote enquanto eu estava sendo humilhada, e aprovando. Algumas mães, que esperavam nos carros, também estavam prestando atenção. Comecei a respirar bem rápido, enquanto as lágrimas desciam uma a uma, turvando a minha visão. Quando dei por mim, estava agarrada aos cabelos loiros de Débora, e a derrubando no chão. Escutei as duas meninas gritando, e minha mão direita desferiu um tapa bem dado no rosto de Débora, enquanto eu estava montada em cima dela, a mão esquerda segurando firme o seu cabelo. Ela gritava e chorava, pedindo socorro. Senti que um par de braços fortes me erguiam à força, mas eu mal enxergava por causa das lágrimas.

Fui levada à secretaria da escola, e alguém me estendeu um copo de água com açúcar, tentando me acalmar, dizendo que já tinha telefonado à minha mãe (oh, não!) e que ela estava a caminho.

(continua...)


terça-feira, 8 de julho de 2014

Como Fazer Amigos - Um Conto Juvenil - Parte VI -






Quando o sinal do fim do intervalo tocou, fiquei na porta da sala de aula esperando por Priscila. Não queria que ela soubesse do ocorrido através das outras meninas, pois com certeza, elas tentariam detonar a minha imagem junto a ela.  Assim que eu a vi, chamei-a para um cantinho da sala de aula e contei-lhe o que tinha acontecido. Enquanto eu falava, vi o rosto dela ficando cada vez mais sério, e os olhos marejaram-se. Eu a estava magoando, e a culpa nem era minha... após escutar a minha história com Santiago, ela respirou fundo, e passando as mãos sob os olhos para conter as lágrimas, disse:

-Fazer o que, não é? Se é de você que ele gosta, vai fundo, Nanda.
-Priscila, eu não sabia que você estava a fim dele. E não queria que você pensasse que eu te apunhalei pelas costas, como a Débora disse.

Naquele momento, o professor de matemática chegou, e ela balançou a cabeça, dirigindo-se para o seu lugar. 

Mal prestei atenção à última aula, de tão ansiosa que eu estava; tanto por causa de Santiago quanto por causa de Priscila e suas amigas, que não desgrudavam os olhos de mim. Eu notei que Débora sussurrava coisas nos ouvidos dela e passava bilhetinhos, que ela lia e amassava entre as mãos de maneira zangada. Na hora da saída, enquanto eu subia na motocicleta com Santiago, pude ver o grupo de meninas tentando consolar Priscila. Débora a abraçava. 

Santiago levou-me a uma parte mais alta da cidade, de onde podíamos avistar as cadeias de montanhas lá embaixo, e nos sentamos na relva. Tudo em volta de nós era calmo e silencioso, a não ser pelo canto dos passarinhos que voavam por lá. Um perfeito clima romântico! Ele tirou do bolso um pacotinho de balas de hortelã, e após colocar uma na boca, ofereceu-me outra, que eu aceitei. Ficamos sentados lado a lado, e eu sentia uma ansiedade gostosa e terrível ao mesmo tempo. Ele também parecia um pouco nervoso. Conversamos sobre coisas da escola, até que o assunto caiu em Priscila. Ele me perguntou por que eu estava saindo com ela, se éramos tão diferentes. Respondi que eu a estava ajudando com Trigonometria, e que ela, em troca, me ajudara com meu novo look. 

Ele mastigava uma haste de capim, olhando a paisagem lá embaixo:

-Nanda, você é uma menina incrível, mas eu acho que deve tomar cuidado com a Pri. 

-Por que?

- Bem, ela me parece alguém totalmente fútil e bastante dominadora... basta olhar para aquelas meninas que estão sempre com ela, fazendo tudo o que ela quer. Tenho medo que ela a modifique demais, que ela tire de você aquilo pelo qual eu me...

Olhei para ele, o coração saltando pela boca:

-Você o que?...

Ele me olhou nos olhos:

-Me apaixonei.

Dizendo aquilo, lascou-me um beijo na boca, com sabor de hortelã. Era meu primeiro beijo, e eu queria estar totalmente presente ali, sentindo a emoção daquele momento. Minha mãe me dissera que o primeiro beijo fica na memória para sempre. Mas apesar de adorar estar sendo beijada por Santiago, meu pensamento às vezes se desviava para o rosto magoado de Priscila, e um sabor amargo me vinha à boca. Mas quando Santiago me abraçou forte após o beijo, e eu senti o vento soprando em volta de nós, e o sol de primavera nas nossas costas e braços, eu me esqueci de tudo, e me deixei ficar desfrutando daquele sentimento que era totalmente novo para mim. Até que eu me lembrei de algo:

Eu e Priscila tínhamos combinado, no dia anterior, de estudarmos naquele dia em sua casa, e agora eu não sabia se o encontro ainda estava de pé. Disse isso em voz alta sem querer, me afastando dele e me levantando. Santiago perguntou-me:

-Por que o encontro de vocês não estaria de pé?

Tentei desconversar:

-Sei lá, eu... é que... eu bem... na verdade eu me esqueci completamente. 

-Então não vá. Fique aqui comigo.

-Eu não posso, a prova de Trigonometria é em dois dias. Ela precisa de ajuda. Tenho que ajudá-la a corrigir as equações que eu passei para ela fazer.

Ele se levantou, me abraçando. Beijou-me novamente. 

-Então eu levo você até lá. 
-Acho bom eu ligar para confirmar primeiro.

Peguei o celular e disquei o número de Priscila, mas ela não atendeu. Novamente, pensei alto:

-Acho que ela está furiosa comigo...
-E por que ela estaria furiosa com você, Nanda?

Santiago era tremendamente perspicaz. Não deixava escapar nada. Tentei disfarçar novamente:

-É que... tivemos uma pequena discussão. Só isso.

Ele me olhou de forma desconfiada, e deu-me aquele sorriso meio-de lado que me derretia os joelhos:

-OK, se não quer falar no assunto, tudo bem.

Disquei o número de Priscila novamente. E depois, e mais uma vez. Finalmente, ela atendeu, e percebi a frieza em seu tom de voz. Fingi ignorar.

-Alô, Priscila. Estou ligando para saber se a aula está de pé.
-Pensei que você estivesse ocupada, Nanda.
-Nós combinamos, e eu tenho palavra. 
-OK. Pode vir.
-Tudo bem. Estarei aí em dez minutos.
-Espero você para almoçarmos.

Pensei se ela não colocaria veneno em minha comida... 

-Tudo bem, Priscila. Obrigada. Tchau.

Ela desligou.

Santiago deixou-me na porta do prédio de Priscila, e nos despedimos com um beijo. Olhei para o alto, onde ficava a janela do quarto dela, e dei com ela nos olhando. Dirigi-me à portaria, e enquanto subia no elevador, tentei pensar em alguma coisa para dizer, uma desculpa, uma explicação, como seu eu fosse uma criminosa. Quando a porta do elevador abriu, Ela estava esperando por mim. Tinha os olhos vermelhos e inchados.

-Entre.

Almoçamos em silêncio. Tentei comer, mas minha garganta fechou. Ambas brincávamos com a comida. Eu me sentia realmente muito mal por tudo o que estava acontecendo, e pensei que gostaria de estar em qualquer lugar que não fosse aquele.

Em silêncio, terminamos a refeição que nem começamos, e fomos para o quarto dela. Notei que ela calçava chinelos acolchoados cor-de-rosa, com caras de coelhos no topo. parecia uma menina frágil e magoada. Achei melhor quebrarmos aquele clima horrível:

-Priscila, mais uma vez, eu quero que você saiba que eu não tinha a menor ideia...

Ela me interrompeu:

- Importa-se de não falarmos nesse assunto? Eu... veja, eu fiz os exercícios, você pode dar uma olhada?

A tarde correu pesada, mas vi que ela se esforçou para concentrar-se na aula, e pensei que ela tiraria uma boa nota na prova, afinal. Quando levou-me até a porta, Priscila pôs a mão em meu ombro:

-Nanda...   obrigada por me ajudar.
-Ainda temos uma aula amanhã.
-Olha, não precisa vir, eu estou legal, vou conseguir tirar uma boa nota.
-Mas...
-Tudo bem. Nós ajudamos uma à outra, mas olha, nós nunca fomos amigas de verdade, e agora, acho que jamais seremos.

Engoli em seco, mas no fundo, eu concordava com ela. Fui caminhando para casa, pensando em tudo o que acontecera naquele dia longo demais.

(continua...)




sábado, 5 de julho de 2014

Como fazer Amigos - Um Conto Juvenil - Parte V







Quando entrei na sala de aula (atrasada) todos os olhares voltaram-se para mim. Mais uma vez, maldisse minha mania de ruborizar sempre... pude ouvir alguns comentários e olhares de admiração pelo meu novo visual, e quase morri de vergonha quando a professora comentou o quanto eu estava diferente, mais bonita. Agradeci entre os dentes e sentei-me em meu lugar de cabeça baixa, enquanto o pessoal aplaudia. Quando ergui os olhos, mal pude acreditar no que vi: Priscila, de pé, sorria e agradecia os aplausos! Senti-me usada por ela, mas nada falei. Tentei levar em consideração o fato de que pude agradar minha mãe, e também o de que, afinal de contas, eu mesma gostara do efeito do meu novo visual.

Mas apenas um olhar me interessava realmente; olhei para os fundos da sala de aula. procurando pelo olhar de Santiago, e encontrei-o fixado em mim. Ele sorriu, e finalmente, eu retribui.

Na hora do recreio, eu voltava da cantina quando o vi caminhar na minha direção. Fiquei parada no meio do caminho, segurando o refrigerante com uma mão e o bolinho de salsicha com a outra, deliberando o que fazer. Ele parou bem na minha frente e disse um "oi" que me fez derreter. Respondi, ainda segurando o lanche, não me atrevendo a começar a comer na frente dele. Notei que as outras meninas (principalmente as 'seguidoras' de Priscila, que não estava por ali no momento) nos olhavam. Débora, a melhor amiga de Priscila, na verdade me fuzilava com o olhar.

Santiago enfiou as mãos nos bolsos da calça, e encolhendo os ombros, me disse:

-Você ficou mais bonita ainda. Gostei do novo look.
-Obrigada, eu... na verdade, foi coisa de minha mãe, e de Priscila - ela me ajudou, nós fomos fazer compras juntas, e ela levou-me a um salão de beleza, e...

Ele riu:

-Não precisa explicar, Nanda. Uma mulher não deve revelar seus segredos. Mantenha o mistério. Finja que nasceu assim.

Eu fiquei sem saber o que responder, e sorri. 

Ele apontou para o meu lanche:

-Não vai... comer?

Senti a garganta seca, mas mesmo assim, arrisquei uma mordida, sentindo a massa do bolinho indo de um lado ao outro da minha boca. Arrematei tudo com um bom gole de refrigerante. De repente, lembrei-me das regras de boa educação, e ofereci a ele:

-Você quer?

Ele pegou a garrafa de refrigerante da minha mão e tomou um grande gole, devolvendo-a em seguida. Coloquei a boca no gargalo, sentindo arrepios por saber que a boca dele estivera ali. O tempo todo, eu tentava ser o mais natural possível, mas minhas pernas estavam tremendo, e eu, apavorada de fazer alguma bobagem e parecer ridícula. Ainda sentia os olhos das outras garotas nas minhas costas, como línguas de fogo. 

Santiago passou a mão no meu cabelo de uma maneira mais íntima, chegando mais perto de mim, o que me fez quase desmaiar:

-Você tem um cabelo lindo... e muito macio... sabe, estive pensando: não quer dar uma volta por aí depois da aula?

O convite me pegou de surpresa, e fiquei feito boba, olhando para ele sem conseguir falar. Deixei cair o bolinho de salsicha. Balancei a cabeça freneticamente, numa afirmativa, e ele riu de novo. 

-Você é engraçada. Gosto de você.

Débora, a  amiga de Priscila, parecia furiosa. Eu nunca vira ninguém olhar para outra pessoa com tanta raiva. Santiago disse que esperaria por mim na hora da saída para irmos dar um passeio em sua motocicleta. beijou-me no rosto, e entrou na sala de aula. Eu ainda estava meio-abobada, quando Débora seguida por suas amigas e pisando duro, me abordou, dizendo:

-Mas você é uma traíra mesmo, hein?

As outras meninas ficaram atrás dela, dando apoio:

-O que? Do que você está falando, Débora?

-A Pri te dá a maior força, e você a apunhala pelas costas?

-Como assim?

-Fica dando em cima do carinha que ela está a fim! Você é muito sonsa, mesmo. Ela que tome cuidado com você. Bem que eu avisei a ela que você não era confiável.

Dizendo aquilo, e ela e as outras se afastaram e entraram na sala de aula. 

Fiquei pasma! Jamais poderia imaginar que Priscila estivesse a fim de Santiago. Os dois não tinham nada a ver. Bem, ele era lindo... muitas meninas gostavam dele, eu sabia. Mas eu jamais poderia desconfiar que fosse ele o garoto que a Priscila estava tentando conquistar - ela me dissera, no nosso primeiro encontro em sua casa, que era a fim de alguém.

Eu estava em uma sinuca de bico; afinal, ela agora era minha amiga... e agora eu tinha metade das meninas em minha sala de aula com ódio de mim.


(continua)






quinta-feira, 3 de julho de 2014

Como Fazer Amigos - Um Conto Juvenil - parte IV



Entramos no salão mais fashion do shopping. Logo que coloquei os pés lá dentro, senti-me um peixe fora d'água. Os olhares dos cabeleireiros viraram-se na minha direção, enquanto eles seguravam tesouras e secadores. O cheiro de xampu, esmalte de unhas  e laquê era meio-enjoativo, mas aguentei firme. Enquanto eu permanecia encolhida na porta de entrada, Priscila penetrou o recinto com o maior desembaraço, cumprimentando a todos (beijando alguns no rosto e parando para fofocar por alguns segundos). Ela era bem conhecida por ali, pensei. Logo ela parou junto a um rapaz, visivelmente gay, mas bonito demais (o que eu chamo de desperdício: moreno, alto, bonito e sensual, como na música). Ela falou com ele por alguns instantes, apontando discretamente para mim. Senti meu rosto pegar fogo, e fiquei bastante irritada, enquanto ele me olhava da cabeça aos pés de uma maneira constrangedora. Finalmente, ele suspirou fundo, balançando a cabeça, e Priscila deu um gritinho de satisfação, batendo palmas; vindo em minha direção e puxando-me pela mão, ela segredou-me:

-O Serginho concordou em te atender. Dê graças a Deus, ele jamais atende sem hora marcada. Mas a condição dele, é que você confie totalmente em seu julgamento.

Pensei que eu estava me danando para o tal Serginho. Mesmo assim, balancei a cabeça, concordando com ela. Priscila apresentou-me a uma manicure, que logo colocou minhas mãos e pés de molho. Enquanto isso, uma das esteticistas massageava meu rosto e meu pescoço com um creme que parecia cheio de areia, e que Priscila disse ser um tal de creme esfoliante. Depois, ela lavou meu rosto com um líquido cheiroso e um algodão. Passou-me um creme perfumado e cobriu-me com uma toalha úmida. Senti a manicure começando a cortar minhas cutículas, e fiquei apreensiva, mas tentei relaxar. No rádio, uma música de salão de beleza tocava (uma mistura de tecno com trance que eu detestava). 

Após uns quinze minutos, a esteticista retirou a toalha e o creme cheiroso, e  passou-me um outro creme que disse ser um hidratante e comentou que eu tinha sorte, pois minha pele era maravilhosa, e aconselhou-me a jamais me expor ao sol. Priscila ergueu as sobrancelhas, pois tinha a pele bronzeada e dourada pelo sol. As duas comentaram que por isso, Priscila precisava de cuidados redobrados! Comecei a gostar daquele tratamento VIP. Sentia-me meio-princesa. Fechei os olhos e pensei na reação que Santiago teria ao me ver segunda-feira na escola.

Escolhi um esmalte marrom-escuro - o mais perto do preto que consegui. Achei minhas mãos lindas com ele. Priscila franziu o nariz em desaprovação e tentou me convencer a colocar um cintilante dourado por cima, mas eu não concordei: era demais para mim. 

Finalmente, de unhas prontas e pele limpa e hidratada, sentei-me na cadeira de Serginho. Ele soltou meu coque e mexeu nas minhas madeixas com as mãos, de modo a arranjá-las em volta do meu rosto. Analisou-me calado durante alguns instantes, e depois anunciou:

-Essa tinta preta que você usa no cabelo te deixa com um ar pesado.

Protestei:

-Eu não uso tinta. Meu cabelo é preto assim mesmo.
-Então vamos fazer umas mechas mais claras...

Protestei novamente:

-Olha, pode cortar como quiser, mas eu não vou fazer mechas. Não gosto.

Ele e Priscila se entreolharam, e ela arregalou os olhos. Ele suspirou de impaciência, e entendi logo o que ele estaria pensando: "Olha aqui, sua megerazinha cafona, eu concordei em atendê-la sem hora marcada porque foi trazida por uma das minhas melhores e mais assíduas clientes, e você concordou em submeter-se às minhas vontades e julgamentos. Levante esse traseiro magro e dê o fora do meu salão!" Mas ao invés disso, ele piscou os olhos repetidamente, respirou fundo de novo e disse:

-OK então. Mas não vai ficar tão bom.

Vi uma máscara de puro alívio no rosto de Priscila.

E ele começou: lavou meu cabelo várias vezes com vários produtos diferentes, massageou, esfregou, e finalmente, pegou a tesoura: Fechei os olhos enquanto escutava o barulhinho do corte e sentia minhas longas madeixas sendo literalmente mutiladas por ele. Tive vontade de sair dali correndo, mas fiquei firme. Senti que ele cortava a minha franja, antes que eu conseguisse protestar: tarde demais! 

Ele lavou minha cabeça novamente, e ligou o secador. Eu estava muda, e Priscila também. Serginho desligou o secador, deu a última ajeitada com as mãos e anunciou:

-Abra os olhos!

Hesitei. Não estava preparada.

Ele insistiu, ajudado por Priscila, e abri os olhos devagarinho. Deparei com um perfeito corte channel com pontas desfiadas e franja,  na altura dos ombros. Eu mal pude acreditar no que via: metade do meu cabelo jazia em volta da minha cadeira, e eu estava radiante de alegria!

Tive vontade de pular da cadeira e ajoelhar-me aos pés de Serginho. E foi exatamente o que eu fiz. Ele pareceu surpreso por um minuto, mas logo começou a rir e correspondeu ao meu abraço. Priscila dava gargalhadas. Eu estava linda! Mal me reconhecia!

Após meu efusivo agradecimento, Serginho segurou minhas duas mãos e disse, olhando nos meus olhos: 

-Espero que nos vejamos de novo. E por favor, se me permite uma sugestão, nunca mais passe aquele horroroso delineador preto em volta dos olhos, e batom roxo, pelo amor de Deus, jamais!

Saímos do salão após Priscila pagar a conta (que ela jamais me disse quanto custou) e fomos às compras. Eu me sentia leve e fluida. As pessoas começaram a olhar para mim, o que era algo totalmente novo na minha curta história de vida. Entramos em várias lojas, e sem fugir muito ao meu estilo, mas evitando a cor preta, Priscila ajudou-me a escolher vestidos (ela sabia o quanto eu gostava de cores escuras, e me ajudou a escolher roupas que variavam entre cinzas, verdes-musgos, fúcsias, marinhos e roxos. Algumas das roupas tinham detalhes em preto, mas "nada muito 'over'", como ela definira. Pela primeira vez, comprei um par de sandálias de saltinho e umas sapatilhas; nada de All Star pretos! Priscila também me ajudou a comprar maquiagem, e escolheu para mim cores leves de sombras que variavam do cinza ao azul e verde. Me fez abrir a bolsa e entregar-lhe o batom roxo, que atirou em uma lata de lixo.

No final do dia, quase noite, nós duas estávamos exaustas, jogadas em uma mesa de lanchonete agarrando dois enormes sanduíches. Em volta, várias sacolas e bolsas. Eu nunca tinha feito compras daquele jeito, e achei muito divertido! Mas havia uma pergunta que não queria calar, e atrevi-me a fazê-la:

-O que você viu em mim, Priscila?
-Hum? - ela murmurou, enquanto mastigava o sanduíche com a boca cheia.
-O que você viu em mim, sei lá, por que se aproximou de mim? Somos tão diferentes!

Ela riu:

-É verdade. Talvez tenha sido isso mesmo: somos bem diferentes. Já estava cansada das minhas amigas, sabe. Elas vivem me rodeando, reparando em minhas roupas, cabelo e maquiagem para depois copiarem tudo. Eu já estava cheia de conviver com meninas que não passavam de cópias minhas. Elas imitam até o meu jeito de rir, de andar.

Pensei, e percebi que ela tinha razão. 

-Sabe, Priscila, eu nunca gostei muito de você... aliás, não gostava nada.

Ela arregalou os olhos:

-Por que?

-Sempre te achei uma patricinha metida e fútil.

Fiquei esperando minhas palavras surtirem efeito. Ela terminou de engolir o sanduíche, e explodiu numa sonora gargalhada. Eu também. 

(continua...)

terça-feira, 1 de julho de 2014

Como Fazer Amigos - Um Conto Juvenil Parte III








A neblina dissipou-se, e me vi diante da sombra indistinta de um homem. Havia uma luz por trás dele, e por isso, não conseguia distinguir suas feições. Ele foi se aproximando devagar, e quando parou bem na minha frente, reconheci o rosto lindo de meu anjo inspirador: Santiago! Ele foi aproximando o rosto do meu devagarinho, enquanto seus olhos me queimavam. Meu coração parecia que ia sair pela boca. Uma leve brisa começou a soprar, e começamos a levitar em direção ao céu vermelho de uma linda tarde ensolarada. Quando nossos lábios finalmente se tocaram, a magia foi quebrada por minha mãe:

-Nanda, acorda! São quase onze horas, e você ainda nem arrumou seu armário como prometeu.

De volta à realidade, e ela podia ser bastante brusca. Entreabri os olhos no momento em que a almofada que minha mãe me jogou atingiu meu rosto em cheio. Joguei a almofada para o lado, e ela, de braços cruzados, repetiu:

-Acorda, menina! Hora de tomar café e arrumar seu armário antes do almoço. Hoje é sábado, lembra? Você prometeu.

-Hum... tá bom, mãe. Mas você bem que poderia ter sido mais sutil.
-Estou te chamando há um tempão, Nanda. Anda logo!

Dizendo aquilo, ela saiu. Levantei-me e abri a porta do armário, enquanto gritava  em resposta à minha mãe que não, obrigada, não estava com fome e não ia tomar café da manhã. As minhas roupas, emboladas e jogadas, me aguardavam. Seria uma tarefa hercúlea. Por que as pessoas inventaram os armários?

Comecei a selecionar as roupas em diferentes pilhas: "lavar", "doar" "guardar novamente" e "Jogar fora." A última pilha foi a maior de todas - camisetas e meias tão rasgadas que nem dava mais para usar. Um par de botas de cano médio muito gastas e  furadas na sola. Algumas roupas íntimas que eu teria vergonha se alguém as visse. Duas calças jeans que não me serviam mais. Um vestido de festa que usei no casamento de uma amiga de minha mãe quando eu tinha treze anos.

Na pilha de roupas que ficariam: duas calças jeans ainda apresentáveis, embora bastante desbotadas. Um short tacheado nos bolsos. Algumas camisetas um pouco surradas, mas que ainda davam para o gasto. Dois casacos jeans e um suéter de lã preto com algumas bolinhas. Um casaco azul-marinho acolchoado e pouco usado, quase novo. Dois pares de tênis (percebi que eram os únicos calçados que eu tinha). Três calcinhas e um sutiã ainda apresentáveis (embora eu tivesse certeza de quem ninguém veria minhas roupas íntimas num período de, quem sabe, dez anos). Um vestido de malha e renda, preto e bem bonito, que eu nem me lembrava mais que existia (separei-o para usar no meu encontro com Priscila no shopping). Ele não ficaria muito bonito com meu par de All Star preto, mas era o melhor que eu poderia fazer. Um par de meias arrastão pretas, que separei também para usar com o vestido e o tênis preto. 

Na pilha de roupas para lavar, alguns pijamas e camisolas, roupas íntimas e meias. Joguei a roupa usada na máquina e chamei minha mãe para ver o resultado do meu trabalho. Ela olhou o armário com atenção, passando a mão nos cabides onde estavam penduradas minhas poucas peças de roupa. 

-Você só tem roupas pretas, Nanda...

Me defendi:

-É minha cor favorita. 

-Mas você ainda é jovem, e precisa de um pouco mais de cor. Além disso, está precisando fazer umas compras. Quase não tem o que vestir para sair. 

-Olha, eu não ligo. Para mim está bom assim.

-Mas eu ligo, filha. Há quanto tempo não faz umas compras? Acho que... mais de um ano! As jovens da sua idade vivem comprando coisas novas.

Bufei:

-Mãe, eu a chamei para ver se a arrumação está boa, não para criticar meu figurino.

Ela me olhou, fechando a porta do armário:

-Venha comigo.

Segui-a, revirando os olhos de tanta impaciência, as barras da calça do pijama arrastando no chão do corredor.
Ela me levou até o seu quarto, e abrindo a gaveta da mesa de cabeceira, retirou uma velha carteira de couro onde havia um bolo de notas. Arregalei os olhos, e brinquei:

-Nooossa! De onde vem essa grana toda, mãe?!

Ela riu, e separou uma boa quantia que me estendeu, dizendo:

-Minhas economias, Eu ia pintar a sala, mas acho que você está mais necessitada de cor do que as paredes. Pegue esse dinheiro e faça umas compras. Mas com uma condição: não quero nenhuma peça de roupa preta, ouviu?

-Mas mãe... eu só fico bem de preto! Olha, se for para querer mandar no meu figurino, pode ficar com o dinheiro. Eu não quero.

Saí do quarto pisando fundo, e ela me seguiu:

-Não senhora. Ou compra roupas novas, decentes e de acordo com a sua idade, ou então eu mesma o farei, e você terá que usar o que eu escolher. E ainda vou jogar toda aquela roupa de velório no lixo.

Dizendo aquilo, ela pegou minha mão e colocou o dinheiro na palma, apertando meus dedos em volta dele. Bufei novamente, sentando na cama. Do corredor, ela ainda gritou:

-Aproveite que vai ao shopping hoje, e vê se chega em casa com algumas roupas novas.

Após o almoço, tomei um banho e comecei a me vestir para sair. Achei que seria legal usar o cabelo solto daquela vez, mas ele estava comprido demais; assim, sequei-o e fiz um coque desfiado, que prendi com uma presilha preta. Coloquei o vestido, que minha mãe tinha feito o favor de passar até ficar esticadíssimo, e por cima, uma corrente prateada. Coloquei também meu jogo de pulseiras prateadas, e não usei meu habitual piercing. Calcei as meias e os tênis pretos e me olhei no espelho: até que não estava mal... passei o lápis preto em volta dos olhos, caprichei no rímel e no batom roxo, e agarrando minha tiracolo preta, saí sem que minha mãe me visse, bradando um "Tchau, mãe!" do corredor. 

Cheguei ao café e coloquei o livro de trigonometria sobre a mesa, selecionando um ponto que cairia na prova  para ensiná-lo à Priscila. Pedi um Capuccino e aguardei. Na mesa ao lado, havia um grupo de garotos que conversavam animadamente, tomando Cocas e comendo sanduíches. Nem notaram minha presença, mas eu já estava acostumada. Fiquei estudando a matéria mais um pouco, distraída. De repente, eles fizeram silêncio, o que me fez erguer a cabeça, e logo descobri a razão: Parada na porta do café, estava Priscila. Ela me viu, e acenou para derramando seu sorriso branco-brilhante. 

É claro, estava deslumbrante em um vestido azul-caneta debruado de preto, cujas saias esvoaçantes bailavam em volta de suas pernas bem feitas, torneadas pelas sandálias altas. Os cabelos estavam soltos e parecia que ela tinha acabado de sair do salão. A maquiagem, leve e perfeita, realçava seus traços bonitos e delicados, e notei que tinha pintado as unhas (dos pés e das mãos) de vermelho-vivo. Assim que ela entrou e sentou-se perto de mim, todos os olhares viraram-se para a nossa mesa, ou seja, para ela.

Ela chegou e foi logo sinalizando para a garçonete, pedindo um chocolate gelado com menta, enquanto atirava o livro de trigonometria sobre a mesa (quase derramando meu capuccino e se desculpando ligeiramente pelo evento), e seu perfume caro entrou pelas minhas narinas, causando um pouco de enjoo. Priscila era um verdadeiro furacão. Ela simplesmente me irritava. Deu uma risadinha, e abriu o livro, mostrando-me um ponto no qual tinha muitas dúvidas. Olhei para os garotos da outra mesa; eles conversavam baixinho agora, e notei que falavam sobre ela, que nem se dava conta. 

A garçonete trouxe seu chocolate e foi solenemente ignorada (eu sempre agradecia aos garçons e garçonetes, e achei sua atitude um tanto petulante). Comecei a explicar-lhe a matéria, e ela prestava atenção com boa vontade. Era inteligente, e ao final da explicação, disse que eu seria uma ótima professora. 

Pedimos uma garrafa de água, e eu comecei a explicar a próxima equação, quando ela fechou o livro na minha cara, respirando fundo e dizendo:

-Por hoje chega de trigonometria. Meia hora é muito para um sábado. Vamos fazer alguma coisa, ir ao cinema, passear por aí...

Não gostei daquela ideia. Eu ficaria ainda mais insignificante passeando ao lado daquela musa! Os garotos a olhavam fixamente, e ela finalmente notou a presença deles, mas lançou-lhes um olhar rápido e desinteressado. Levantou-se e pagou nossa conta, apesar da minha insistência em rachar o valor, e nós saímos do café, seguidas pelos olhares desapontados dos meninos. 

Lá fora, ela me olhou de cima abaixo, exclamando: 

-Nossa, nunca te vi de vestido. Ficou... legal!

Eu sabia que ela estava apenas tentando ser gentil. Eu parecia uma bruxa gótica, mas era o que eu era. Dei um meio-sorriso e mudei de assunto:

-O que vamos fazer? Não tenho muito tempo, sabe, eu...

-Ah, deixa disso. Podemos... fazer umas compras!
-Fazer umas compras?
-É!

Lembrei-me do dinheiro que minha mãe tinha me dado e da tarefa à qual ela me submetera: comprar roupas novas. Bem, talvez ela pudesse me ajudar, isto é, se não tentasse me levar às butiques caras nas quais ela com certeza comprava. Quando passamos em frente a um grande magazine popular, meu queixo quase caiu: na vitrine, o mesmo vestido que Priscila estava usando! Ela percebeu minha surpresa:

-Você achou que meu vestido tivesse custado uma fortuna, não foi? Pois é... quando a gente sabe comprar bem e tem personalidade para usar uma roupa, ela sempre parecerá mais cara do que realmente custou.

Tomei aquele conceito como minha lição número um. Não respondi, mas o eco das palavras dela ficaram em minha cabeça. Abri o jogo:

-Minha mãe mandou eu fazer umas compras... não sei o que vou comprar, pois ela me proibiu de comprar qualquer coisa que seja na cor preta. 

Os olhos dela brilharam:

-Legal! Se quiser, eu posso te ajudar. Isso é, não quero parecer intrusa...

-Por mim, tudo bem!

-...Mas se me permite... acho que você precisa de um banho de salão de beleza. Um corte no cabelo, um trato na pele e nas unhas. Sabe, você é uma garota bonita e fica se escondendo atrás desses olhos maquiados de preto!

Olhei para ela, e ela percebeu que tinha ido longe demais:

-Desculpe... mas é verdade, Nanda... olha, se você quiser, o salão é por minha conta. Um pagamento pelas aulas particulares. 

O que eu disse em seguida saiu aos borbotões:

-De jeito nenhum. Quem você pensa que é, para querer me humilhar desta forma?

Ela corou:

-Não, de jeito nenhum eu quis humilhar você, Nanda. Por que você está sempre na defensiva? Só quero ajudar! Você dedicou uma grande parte do seu tempo ajudando a mim, e só quero retribuir!

Não respondi, e fiquei pensando no que ela dissera. parte de mim dizia-me para ir embora e deixá-la plantada lá, falando sozinha; a outra parte pensava nas palavras de minha mãe e em sua promessa de fazer compras para mim e me obrigar a usar o que ela escolhesse. Mas uma outra parte, mais íntima, sabia que Priscila dizia verdade, e que eu era mesmo uma garota que estava sempre na defensiva.

Descruzei os braços, tentando sorrir:

-Olha, me desculpe... tá bom, então. Vamos ao salão. Eu aceito sua proposta, mas teremos mais aulas particulares, OK?

Ela bateu palmas de alegria e excitação.






A RUA DOS AUSENTES - Parte 4

  PARTE 4 – A DÉCIMA TERCEIRA CASA   Eduína estava sentada em um banco do parque. Era uma cinzenta manhã de quinta-feira, e o vento frio...