terça-feira, 26 de março de 2019

INOCÊNCIA - PARTE 1 - CAPÍTULO XIII




Naquele dia de domingo, acordei com mamãe me sacudindo com força. Assustada, abri os olhos e deparei com o rosto dela me olhando, preocupada e irritada. Murmurei “hum” e comecei a fechar os olhos de novo, pois tinha planejado dormir até mais tarde naquele domingo, já que o dia anterior estivera frio chuvoso, mas mamãe me sacudiu de novo, me chamando pelo nome. Sentei-me na cama, e encarei-a. Ela estava pálida, e me perguntou: 

- É verdade? 

Sem compreender o que ela estava me perguntando, olhei o relógio digital sobre a mesinha de cabeceira (eram ainda seis e trinta da manhã) e esfreguei os olhos, murmurando, sonolenta: 

- Verdade o que, mãe?

 Ela segurou meu rosto, me forçando a encará-la: 

-O que você contou para Joana!

 Acordei totalmente naquele minuto: Joana me traíra!

Faziam exatos cinco dias que eu contara a ela o meu segredo sobre  Cristina e Marcelo, e já acreditava que ela não contaria a ninguém, o que fez com que eu me sentisse mais relaxada a respeito. De repente, minha mãe me acordava e jogava aquela bomba enorme no meu colo no domingo de manhã. Eu tentei ganhar tempo, dizendo que não sabia do que ela estava falando, mas mamãe se irritou e passou a gritar comigo: 

-Eu quero saber a verdade!

Os gritos dela atraíram Berta e papai. Ele entrou no quarto, tentando segurá-la pelos ombros, mas ela o ignorou, repetindo a pergunta. Prendi a respiração. Berta e papai me olhavam, espantados, como a me perguntar do que mamãe estava falando. Achei que mentir poderia ser a melhor saída. E então, ao abrir a boca, a palavra trancou-se: eu não sabia mentir. Tentei de novo, mas minha voz simplesmente não saía. Rendida, concordei com a cabeça. Minha mãe fechou os olhos, levando a mão à testa. Papai perguntou o que estava acontecendo ali. Novamente, ela o ignorou: 

-Yara, você tem consciência de que o que você está dizendo que viu é muito grave, não é? Você não inventou isso?

Neguei com a cabeça, as lágrimas quentes agora rolando profusamente pelo meu rosto. Berta sentou-se ao meu lado, me abraçando: 

O que aconteceu, Yara? Você está me assustando!

 Mamãe puxou papai para fora do quarto, e enquanto eles conversavam na sala, contei tudo à Berta. Via o rosto dela se modificando à medida que ouvia; primeiro, incredulidade; depois, raiva, e finalmente, tristeza. Berta não sabia o que dizer. Não sabia o que pensar. Tentei argumentar com ela:

-Se eles estiverem apaixonados, que mal tem? E já faz tanto tempo!

Ela segurou minha mão: 

-Você ainda é muito inocente para entender, mana. Há vários obstáculos. Primeiro, ela é negra, e ele, branco; ela é pobre, filha da empregada, enquanto ele é rico. Ela não tem uma educação muito boa, enquanto ele está fazendo faculdade para assumir os negócios do pai. E além disso tudo, não se fazem essas coisas antes de casar.

 Olhei para ela: 

-Quer dizer então que você e Sebastian nunca?...

 Ela corou: 

-Até o fim, ainda não. A gente brinca, mas eu sei me preservar! Nunca fomos até o final.

Fiquei imaginando como minha irmã pudesse ter tido aqueles pensamentos por tanto tempo sem que eu nunca tivesse notado. Ela, sempre tão  moderna, cheia de amigos, publicamente adepta de alguns dos preceitos 'hippies' vigentes na época, na verdade era uma conservadora? Havia muita coisa que eu não sabia sobre as pessoas...

Logo depois do café da manhã, que se deu em um clima tenso e em meio a silêncios quebrados apenas pelo ruído dos talheres, algumas pigarreadas e frases curtas como “Me passe o leite, por favor”, notei que as coisas começariam a ficar tensas. Mamãe contou-nos, antes de nos sentarmos à mesa, que recebera um telefonema indignado de Tia Aurora – que por sua vez, recebera um telefonema anônimo – perguntando se era verdade o que andavam dizendo sobre o seu “Marcelinho” e a filha da empregada da nossa casa. Pelo menos, pensei aliviada, Joana não havia me traído. Mais tarde ela confessou que contara tudo à mãe ao escutar uma conversa entre o irmão e Cristina ao telefone, na qual ele dizia a ela que a mãe teria que entender quando eles se casassem. Aquilo deixou-a em pânico – ter na família uma mulher negra e pobre, filha da empregada. Tia Aurora apenas inventara o telefonema anônimo a fim de evitar desentendimentos entre Joana e eu.

Após o café, mamãe mandou que eu e Berta fôssemos lá para cima, ou lá para fora. Houve um entendimento silencioso entre Berta e eu, pois achamos que ficando dentro da casa, haveria mais chances de escutarmos a conversa que se daria entre nossos pais e os pais de Cristina. Assim, subimos as escadas em silêncio e batemos a porta do quarto de Berta, de onde saímos pé ante pé minutos depois, indo nos sentar no corredor, junto à escada, de onde não poderiam nos ver.

E a conversa que se deu em seguida foi mais ou menos esta:

Mamãe: Flora, Eugênio... sabemos da dedicação de vocês durante todo este tempo em que estão conosco, mas algumas coisas andam acontecendo... e... precisamos conversar a respeito delas.

Flora: É alguma coisa sobre Cristina, não é? Sobre ela e o 'seu' Marcelo... (a voz chorosa) eu sabia que isso ia acabar vindo à tona! Fiz de tudo para colocar juízo na cabeça dessa menina!

Eugênio: (zangado) Como assim? Parece que eu sou o único que não tem a menor ideia sobre o que está acontecendo aqui! O que há entre nossa filha e o 'seu' Marcelo?

Mamãe: Bem, os dois são jovens, e estão namorando. Mas Aurora não está nada feliz, nada mesmo. E hoje ela me telefonou bem cedo para falar sobre isso e pedir a vocês que conversem com Cristina a respeito. Aurora é minha irmã, e ameaçou romper o relacionamento conosco caso não tomemos uma providência. Sinto muito, Flora. Você sabe o quanto gostamos da menina... mas ela foi longe demais.

Eugênio: ( furioso) Mas com certeza ela foi longe demais! Vou falar com ela agora mesmo! Quero saber até aonde essa coisa já foi.

Papai: Calma, Eugênio. Não vá meter os pés pelas mãos. É preciso conversar com ela. Cristina é uma moça sensata, e...

Flora: Sensata é o que ela não é, 'seu' Nelson. Há algum tempo eu venho percebendo os olhares que ela troca com o rapaz, e ele com ela. Já avisei a ela mil vezes para se colocar em seu lugar, mas Cristina é impetuosa... mas ela vai nos ouvir agora, pode ter certeza.

Mamãe: Espero sinceramente que sim, Flora. Não gostaria de pedir a vocês que fossem embora desta casa. Não mesmo.

Silêncio. Flora sai da sala chorando, acompanhada de Eugênio.

A possibilidade de vê-los sendo expulsos como simples empregados demitidos me atingiu tão profundamente, que sem pensar duas vezes desci as escadas correndo e entrei na sala de supetão: 
-Mãe, pai, vocês não podem fazer isso! Eles são da família! Eu... eu... eu os amo!”

Mamãe me repreendeu por não perder a mania de escutar atrás das portas, mas foi uma repreensão leve. Ela me chamou para sentar-se ao lado dela, e levantando um pouco a voz, disse: 

-Pode vir também, Berta.

 Berta desceu as escadas devagar, e sentou-se na poltrona em frente. Mamãe começou:

-Existem histórias sobre Eugênio e Flora que vocês não conhecem, e nem Cristina.

 Ela olhou para papai com ar cansado, e ele  começou a contar:

-Eugênio é de uma família muito, muito rica. Fazendeiros locais, família muito tradicional. E Flora trabalhava na casa deles, ou seja, os pais dela. Exatamente como Cristina aqui, eles se apaixonaram. Começaram a se ver às escondidas. Flora engravidou, solteira. Os pais a expulsaram de casa, e nunca mais falaram com ela. O mesmo aconteceu a Eugênio: ele foi deserdado e expulso da fazenda. Quando os conhecemos, eles não tinham mais dinheiro, e estavam para ser despejados do pequeno apartamento onde moravam. Sua mãe estava grávida. As duas passaram a gravidez juntas. Ficaram amigas. A única coisa que eu poderia ter feito, é oferecer um emprego a eles e um lugar para morar. Foi o que eu fiz.

 Berta deu um longo suspiro, mas nada disse. Eu tentei argumentar:

-E Cristina nunca conheceu os avós, não é? Ela também pensava que eles estavam mortos. Foi o que disseram para ela.

 Mamãe concordou com a cabeça: 

-Foi melhor assim, filha. Eles mentiram porque não queriam que ela sofresse.

 Pensei durante algum tempo, e disse:

-Mas pai, o senhor não poderia ter oferecido um emprego melhor a ele? Alguma coisa no escritório? Aliás, se você fizesse isso hoje, eles melhorariam de vida e Cristina não seria mais a filha da empregada. Poderia casar-se com Marcelo!

 Meu pai acariciou minha cabeça de leve, e disse: 

-Não é tão simples assim. A cidade toda estava contra os dois. Eugênio tentou arranjar emprego como advogado em várias firmas, mas quando a família dele descobria, davam alguns telefonemas e as firmas o dispensavam. Ninguém naquela época queria ter um advogado que fosse casado com uma mulher negra. Se eu tivesse oferecido um emprego para ele no escritório, teria perdido muitos clientes. Filha, o mundo é como é, não como nós queremos que ele seja.

Eu não me contive: 

-Mas sendo assim, não podemos fazer nada para mudá-lo?

Papai e mamãe se entreolharam. Berta brincava com os dedos das mãos, olhando para baixo. No fundo, ela concordava com eles. Ela era como aquela cidade, preconceituosa, cruel e julgadora. Mas era a minha irmã.

Ouvimos vozes alteradas vindo da cozinha; era Eugênio que gritava com Cristina:

-Menina, agora você vai me ouvir! Já é uma moça feita! Vai morar com sua tia porque eu estou mandando!

Barulhos de copos sendo quebrados. O ruído de um tapa, e mais choro e gritos. A porta batendo com força, e os passos de Cristina correndo na calçada junto à casa. Ignorei as vozes de meus pais que me mandaram ficar aonde estava, e saí correndo atrás dela. Tive que correr bastante para conseguir alcançá-la, e eu gritava seu nome, até que ela parou no meio da rua, o corpo curvado, as mãos nos joelhos. Eu a alcancei, passando um braço em volta dela. Cristina estava descalça, pois tinha perdido as sandálias no caminho. Voltei e peguei-as para ela. Ela as jogou longe.

Depois que chorou bastante, ela se acalmou finalmente, e aceitou o meu abraço. Me olhou com ternura, e me chamou de 

-Minha Pequena Amiga.

 Respondi que eu já não era mais tão pequena assim, e que ela poderia conversar comigo como conversaria com uma de suas amigas mais velhas. Cristina sorriu.

Nós caminhávamos em direção ao rio, onde nos sentamos na nossa pedra favorita. O tempo estava escuro e nublado, e o céu, cinzento. Cristina me perguntou se eu estava com frio, mas eu estava bem agasalhada, enquanto ela mesma estava descalça, com um vestido fino e apenas o xale de lã para aquecê-la. Ela se enrolou nele, apertando-o em volta do corpo. Perguntei a ela o que ia fazer agora, e ela me encarou por alguns instantes antes de responder:

-Meus pais querem que eu vá morar com uma tia de minha mãe. Ela mora no subúrbio, em uma região muito pobre da cidade. Eu não quero ir para lá, nem a conheço! Os parentes de minha mãe nunca nos procuraram, e agora eu descubro que tenho uma avó viva, por parte de pai... e uma tia por parte de mãe. Eles mentiram para mim o tempo tudo, sobre tudo, Minha Pequena Amiga.

Tentei reconfortá-la:

-Eles te contaram a verdade que acharam que a faria mais feliz.

 Ela concordou com a cabeça. Perguntei:

-E Marcelo? Ele já sabe que Tia Aurora descobriu tudo?

-Sim, nós nos falamos hoje de manhã. Liguei para ele de um telefone público para marcarmos um encontro, mas ele me disse que não poderia ir e me contou tudo. Disse que seria melhor não nos vermos por algum tempo.

-Você está decepcionada com ele, não é?

Ela começou a chorar de novo:

-Sim, eu estou. Achei que ficaria ao meu lado. Pensei que ele estaria comigo, que enfrentaria a mãe, os seus pais... e os meus pais. Achei que Marcelo seria uma fortaleza ao meu lado, mas parece que o amor dele não é tão forte assim.

Depois de chorar mais um pouco, ela fungou e secou as lágrimas na saia do vestido. Respirou fundo, ajeitando os cabelos. Voltou atrás no caminho e pegando as sandálias, calçou-as. Disse que sabia o que ia fazer: procuraria sua avó, a mãe de seu pai. Ela se apresentaria a ela e pediria ajuda. Quem sabe, ela a acolhesse? Tentei dissuadi-la, pois achei que sua avó já tinha feito mal demais àquela família. Não queria que ela sofresse. Mas Cristina estava decidida:

-Ela pelo menos vai ter que me ouvir. É minha avó. Sou a neta dela. Não vai poder me colocar para fora de sua vida sem ao menos me escutar. Meu pai me disse que ela agora está velha e doente. Vou me oferecer para cuidar dela.

Dizendo aquilo, Cristina se ergueu, e me puxando pela mão, começamos a voltar para casa.

Durante alguns dias, ninguém mais escutou falar no assunto. Cristina não mais sentou-se à mesa conosco. A casa estava silenciosa, e o ar, pesado. Mamãe estava sempre de mau humor, e papai fechava-se no escritório durante horas. Às vezes, mamãe saía e ficava fora por muito tempo também. Eugênio e Flora não mais deixavam que Cristina frequentasse a casa, obrigando-a a ficar sempre no apartamento que ocupavam sobre a garagem, sozinha, ou então mandavam-na às compras no mercado, mas eu não tinha mais permissão para acompanhá-la, e ela tinha que estar de volta em menos de uma hora, ou Eugênio iria atrás dela.

Um dia, Cristina desapareceu.

Ela tinha ido ao mercado, mas após duas horas e meia, ainda não tinha voltado. Mamãe ligou para Tia Aurora, que disse que Marcelo também não estava em casa, e nem no escritório. Todos ficamos pensando que os dois tinham fugido juntos. Tia Aurora foi até a nossa casa, e estava furiosa! Andava de um lado ao outro, bradando: 

-Se você tivesse expulsado essa garota daqui como eu pedi, nada disso estaria acontecendo!

Ela ignorava a presença de Flora, que chorava na cozinha, enquanto Eugênio tinha saído para procurar a filha. Mamãe tentava acalmá-la, até que as duas começaram a gritar uma com a outra.

Mamãe estava muito envergonhada pelo escândalo de Tia Aurora. Pedia desculpas a Sebastian a todo momento, mas Sebastian dizia que ela não deveria desculpar-se por nada. Papai ligou para o escritório, avisando a Duílio que tomasse conta de tudo, pois um problema doméstico exigiria sua presença em casa.

Eu nunca tinha visto, em toda a minha vida, Tia Aurora perder a compostura; nem mesmo diante da presença da amante de Tio Antônio, no velório. De repente, o lago tranquilo de águas doces transformou-se em um caudaloso rio de águas turbulentas e correntezas perigosas. Ela berrava: 

-Eu quero meu filho de volta!

E enquanto todos gritavam uns com os outros fazendo acusações das quais se arrependeriam mais tarde, Marcelo entrou na sala devagar, e ficou boquiaberto com o que via. Estavam todos tão entretidos em discutir, que só o notaram minutos depois de sua chegada, quando ele passou no meio deles e sentou-se no sofá, a cabeça entre as mãos. Todos pararam de falar de repente, e olharam para ele, que perguntou: 

-Posso saber o que está acontecendo aqui?

 Tia Aurora correu até ele, perguntando onde ele estivera, e ele se surpreendeu: 

-Não se lembra que eu disse que tinha um almoço importante com um cliente, e que ia demorar, porque depois do almoço eu passaria na empresa?

 Tia Aurora levou a mão à cabeça, num gesto de impotência e arrependimento, enquanto se levantava e pedia desculpas à mamãe e papai: 

-Oh, Nelson, Mirtes... que vergonha! Me perdoem o destempero.

E dizendo aquilo, Tia Aurora já ia pegando o filho pelo braço e saindo, quando papai interviu: 

-Mas... e quanto a Cristina?

 Ela disse: 

Bem essa menina é problema de vocês.

Mas Marcelo queria saber o que tinha acontecido com Cristina, e novo alvoroço começou, com Tia Aurora tentando empurrá-lo porta afora e todo mundo perguntando se ele sabia alguma coisa sobre o que poderia ter acontecido a ela, e ele jurando que não, mas muito preocupado, querendo ajudar a procurá-la.

Finalmente, ele acabou perdendo a paciência com a mãe, desvencilhando-se dos braços dela, e declarando: 

-Eu quero saber o que aconteceu com ela, e não vou sossegar até encontrá-la!

 Tia Aurora revirou os olhos com impaciência, e novamente acusou mamãe de ser a culpada de tudo aquilo. Saiu da casa batendo a porta atrás de si, deixando todos nós atônitos. Tia Aurora realmente estava fora de si.

Flora adentrou a sala carregando uma grande bandeja com um bule de café e xícaras, e uma lata de biscoitos, dizendo que todo mundo ali precisava se acalmar, e nada melhor do que um café bem forte. As pessoas começaram a se servirem, e enquanto tomavam o café e comiam os biscoitos com voracidade, a casa permaneceu silenciosa. Depois, todos estavam mais calmos. Marcelo declarou que ia tentar dar uma volta pela cidade para ver se encontrava Cristina, mas naquele momento, Eugênio entrou na casa, o chapéu nas mãos e o olhar triste. Explicou que a filha estava na fazenda coma  avó, que resolvera deixá-la ficar.

Todos sabíamos que Eugênio já não falava com a família há muitos anos, desde que se casara com Flora, e que estava emocionalmente muito abalado por rever a mãe, já velha e doente. Marcelo perguntou onde a avó de Cristina morava, mas ele disse que não daria aquela informação, e pediu a Marcelo que deixasse sua filha em paz e não causasse mais problemas. Dizendo isso, ele se retirou da sala, pedindo licença.

Sebastian e Berta fizeram de tudo para consolar Marcelo, que só dizia que deveria ter sido mais valente e ter ficado ao lado de Cristina, enfrentando a tudo e a todos. Felizmente, Berta teve a sensibilidade de não dizer a ele o que ela realmente pensava. Todos diziam que ele logo esqueceria Cristina, e encontraria uma moça por quem se apaixonaria de verdade.

Eu me retirei para o meu quarto, emocionalmente arrasada por não saber se eu voltaria a ver minha amiga um dia.

Não mais escutamos falar sobre Cristina durante muito tempo. Anos se passariam antes que voltássemos a ter notícias dela. Eugênio e Flora também não a procuraram, e depois daquilo, Flora foi se tornando uma pessoa cada vez mais calada e ausente, limitando-se a fazer o seu serviço na casa e comportar-se de forma austera e distante. Como se fosse apenas uma empregada. Um dia eu fui falar com ela. Entrei na cozinha e ela estava de pé na pia, descascando legumes para o jantar. Cheguei por trás e abracei-a pela cintura, como sempre fazia, e senti o corpo dela enrijecer contra o meu.

Me afastei, sentando-me à mesa, mas ela não olhou para mim. Apenas me disse que fosse tomar banho, pois o jantar logo seria servido. Ao invés de obedecê-la, retruquei: 

-Sinto falta de Cristina...

 Ela continuou fazendo seu serviço: 

-Ela fez a escolha dela.

Pensei na dureza daquelas palavras, e respondi: 

-Também sinto falta dos tempos em que éramos todos como se fossemos uma grande família.

Ela demorou um pouco a responder, mas depois largou a faca, e abrindo a torneira sobre os legumes, me olhou e disse: 

Éramos como se fossemos. Como se fôssemos. Mas nunca fomos uma família de verdade.

As palavras dela e a dureza em seu olhar, me fizeram sair correndo da cozinha. Flora nunca nos perdoou pela maneira como deixamos que Tia Aurora tratasse Cristina, e mais ainda, pela omissão de meus pais em defendê-la. Também tornou-se amarga em relação ao marido, que deixou a filha ficar na fazenda da avó sem nem mesmo tentar trazê-la de volta.


(CONTINUA...)




Um comentário:


  1. Hola pase por tu blog a saludarte me pasaron tu blog.
    Gracias por comportir.
    Besos


    http://anna-historias.blogspot.com/2019/03/tu-palabra.html?m=1

    ResponderExcluir

Obrigada por visitar-me. Adoraria saber sua opinião. Por favor, deixe seu comentário.

A RUA DOS AUSENTES - PARTE 5

  PARTE 5 – AS SERVIÇAIS   Um lençol de luz branca agitando-se na frente do rosto dela: esta foi a impressão que Eduína teve ao desperta...