quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Um Relâmpago


Ele passou diante dos seus olhos antes distraídos, e despertou-a da sua indiferença.

Marta estava quase adormecida dentro do metrô naquela tarde calorenta, indo para casa após um exaustivo dia de trabalho. Os olhos estavam presos a alguma coisa que não estava ali,, e quem passava, poderia imaginar que ela estava pensativa. Porém, há muito tempo ela não pensava mais; não se atrevia.

Cumpria a sua rotina de acordar às quatro e trinta da manhã, se aprontar para o trabalho (antes preparava o lanche das crianças e deixava café para o marido, aquele estranho que morava com ela), pegar um ônibus até a estação e depois o metrô, e depois outro ônibus até chegar, finalmente, ao escritório no outro lado da cidade, onde trabalhava como secretária há quase dez anos.

Nos finais de semana, adiantava a faxina, cozinhava e congelava para a semana toda e dava uma olhada nos deveres de casa das crianças. Marta nem se perguntava para onde tinha ido a tal felicidade, pois temia a resposta.

E lá estava ele, aquele estranho perfeito, sentado no metrô diante dela, que mais parecia ter saído de uma revista de modelos - daquelas, que ficavam na recepção do escritório onde ela trabalhava. Ela sentiu o rosto corar quando, por acaso, os olhos dele pousaram nela e ele deu um meio sorriso de educação e reconhecimento. Ela nem sorriu de volta; imaginou-se no lugar dele, olhando para ela, e vendo aquela mulher cansada, de rabo de cavalo, agarrada a uma bolsa de couro velha, usando roupas surradas e fora de moda. Passou a mão pelo rosto, e sentiu a pele precocemente envelhecida, imaginando os círculos escuros em volta dos olhos que ela nem tentava mais disfarçar.

Mas ela não conseguia tirar os olhos dele, e de repente, uma fome enorme tomou conta dela: fome dele. Ela queria tê-lo, nem que fosse só uma vez. Nem que fosse a última coisa que ela faria na vida.

Na sua mente, ela viu a si mesma se levantando e indo na direção dele, erguendo a barra da saia e mostrando a perna ainda bonita que a saia escondia, enquanto mordia o lábio inferior. Ele ficaria surpreso, mas logo perceberia que estava diante da mulher da sua vida, e de mãos dadas, eles sairiam do trem e se perderiam pela vida, deixando tudo para trás.

O sonho foi tão forte e perfeito, que quando Marta voltou a si, viu que o estranho já não estava mais parado diante dela. Ela olhou em volta, mas ele já não estava mais por perto, e nem depois que ela saiu pelos vagões a procurar por ele, teve sucesso em encontrá-lo. Ele simplesmente desaparecera - mas ficaria ainda durante muito tempo em sua lembrança.

Mas pelo menos, seus dias já não eram tão vazios e sem sentido, pois ela agora tinha a esperança de um dia reencontrá-lo. Passou a cuidar-se melhor e redescobriu sua beleza. O marido então voltou a notá-la e a admirá-la, e os dois se reaproximaram. O chefe percebeu sua mudança, eficiência e boa vontade, e deu-lhe uma promoção e um aumento de salário.

Marta tornou-se mais confiante, e quando finalmente o estranho reapareceu no trem, meses depois, ela o olhou e não sentiu nada. Percebeu que não mais precisava dele. Mas antes de sair, ela o olhou, sorriu e murmurou um "obrigada" que ele jamais entendeu.



A RUA DOS AUSENTES - PARTE 5

  PARTE 5 – AS SERVIÇAIS   Um lençol de luz branca agitando-se na frente do rosto dela: esta foi a impressão que Eduína teve ao desperta...