Ele passou diante dos seus olhos antes distraídos, e despertou-a da sua indiferença.
Marta estava quase adormecida dentro do metrô naquela tarde calorenta, indo para casa após um exaustivo dia de trabalho. Os olhos estavam presos a alguma coisa que não estava ali,, e quem passava, poderia imaginar que ela estava pensativa. Porém, há muito tempo ela não pensava mais; não se atrevia.
Cumpria a sua rotina de acordar às quatro e trinta da manhã, se aprontar para o trabalho (antes preparava o lanche das crianças e deixava café para o marido, aquele estranho que morava com ela), pegar um ônibus até a estação e depois o metrô, e depois outro ônibus até chegar, finalmente, ao escritório no outro lado da cidade, onde trabalhava como secretária há quase dez anos.
Nos finais de semana, adiantava a faxina, cozinhava e congelava para a semana toda e dava uma olhada nos deveres de casa das crianças. Marta nem se perguntava para onde tinha ido a tal felicidade, pois temia a resposta.
E lá estava ele, aquele estranho perfeito, sentado no metrô diante dela, que mais parecia ter saído de uma revista de modelos - daquelas, que ficavam na recepção do escritório onde ela trabalhava. Ela sentiu o rosto corar quando, por acaso, os olhos dele pousaram nela e ele deu um meio sorriso de educação e reconhecimento. Ela nem sorriu de volta; imaginou-se no lugar dele, olhando para ela, e vendo aquela mulher cansada, de rabo de cavalo, agarrada a uma bolsa de couro velha, usando roupas surradas e fora de moda. Passou a mão pelo rosto, e sentiu a pele precocemente envelhecida, imaginando os círculos escuros em volta dos olhos que ela nem tentava mais disfarçar.
Mas ela não conseguia tirar os olhos dele, e de repente, uma fome enorme tomou conta dela: fome dele. Ela queria tê-lo, nem que fosse só uma vez. Nem que fosse a última coisa que ela faria na vida.
Na sua mente, ela viu a si mesma se levantando e indo na direção dele, erguendo a barra da saia e mostrando a perna ainda bonita que a saia escondia, enquanto mordia o lábio inferior. Ele ficaria surpreso, mas logo perceberia que estava diante da mulher da sua vida, e de mãos dadas, eles sairiam do trem e se perderiam pela vida, deixando tudo para trás.
O sonho foi tão forte e perfeito, que quando Marta voltou a si, viu que o estranho já não estava mais parado diante dela. Ela olhou em volta, mas ele já não estava mais por perto, e nem depois que ela saiu pelos vagões a procurar por ele, teve sucesso em encontrá-lo. Ele simplesmente desaparecera - mas ficaria ainda durante muito tempo em sua lembrança.
Mas pelo menos, seus dias já não eram tão vazios e sem sentido, pois ela agora tinha a esperança de um dia reencontrá-lo. Passou a cuidar-se melhor e redescobriu sua beleza. O marido então voltou a notá-la e a admirá-la, e os dois se reaproximaram. O chefe percebeu sua mudança, eficiência e boa vontade, e deu-lhe uma promoção e um aumento de salário.
Marta tornou-se mais confiante, e quando finalmente o estranho reapareceu no trem, meses depois, ela o olhou e não sentiu nada. Percebeu que não mais precisava dele. Mas antes de sair, ela o olhou, sorriu e murmurou um "obrigada" que ele jamais entendeu.
Que maravilha de conto!
ResponderExcluirAdorei.
Ás vezes há sonhos que se tornam "reais"
Um sonho que fez despertar aquela mulher cansada de rabo de cavalo, desmotivada a caminho de casa, numa rotina constante.
Um estranho que a fez começar a gostar de novo de si mesma.
Acabou muito bem esta "estória"
Há por ai muitas iguais :)
brisas doces ***