quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A CASA DO CAMINHO DE PEDRAS - PARTE VIII






Maria não bateu; encontrou a porta entreaberta, e entrou. Deparou com Aurora parada no meio da sala, e as amigas (ainda eram amigas?) se olharam. Havia lágrimas nos olhos de ambas. Aurora não sabia o que dizer. Qualquer coisa, seria a coisa errada. Lembrou-se da maneira como Maria tinha sido sua amiga e companheira, ajudando-a sempre com tudo, ouvindo-a e respeitando seus silêncios e segredos. Chorou, ao lembrar-se da maneira como confiou nela mesmo sem nada saber a seu respeito. 

Maria pensou na primeira vez em que pusera os olhos sobre Aurora, há dois anos; achou-a fascinante! Desde aquele dia, sentiu-se tão atraída por ela (embora não admitisse) que fez de tudo para que se tornassem amigas. Quando Aurora recusava, gentilmente, sua intimidade, ela ressentia-se, mas sempre tentava de novo mais tarde. Finalmente, ficou exultante ao sentir que quebrara o gelo entre as duas. Achou que nada jamais as separaria, desde o dia em que fora convidada a entrar naquela casa. 

Aurora adivinhava a onda de pensamentos que emanava de Maria, e sentia muito por não poder corresponder aos seu sentimentos, pois sabia que Maria sairia daquela casa muito magoada naquele mesmo dia... quando Maria caminhou em sua direção, pegando-lhe a mão, ela não quis ouvir o que sabia que ela diria:

-Aurora... 

Sua voz estava embargada, e ela ainda lutava contra seus sentimentos, que eram-lhe estranhos. Mas naquele momento, eles pareciam-lhe, apesar de tudo, bem claros. Ela disse seu nome novamente, a voz entrecortada pela dor:

-Aurora... 

Mas ao olhar para os olhos da amiga, compreendeu que ela não partilhava, e nem partilharia, jamais, dos mesmos sentimentos. Sentiu seu coração partir-se ao meio, e uma enorme dor tomar conta de si. Achou melhor evitar uma situação ainda mais embaraçosa, e assim, não disse as palavras que gritavam dentro de seu coração. Olhou-a ainda mais uma vez, apertando-lhe a mão com carinho. Não conseguia ter raiva dela. Não guardaria qualquer tipo de rancor ou mágoa. Sentia apenas ciúmes por saber que há apenas alguns minutos, Pedro tivera nos braços o grande amor de sua vida, ali mesmo, naquela casa, naquela cama que ela conseguia ver de onde estava. Ainda poderiam voltar a ser amigas? Achava difícil, mas ela ia tentar, e tentaria também livrar-se daqueles sentimentos e desejos que, para ela, tinham sido considerados ‘anormais’ até conhecer Aurora. 
Aurora pediu a ela que se sentasse, enquanto ia até a cozinha buscar-lhe um copo de água com açúcar para que ela se acalmasse. 

Fraca e imersa em tristeza, Maria obedeceu sua amiga (ou ex-amiga?), sentando-se na poltrona junto à mesinha com o abajur. Foi quando ela viu o papel dobrado, que deixava à mostra os olhos de uma moça. Olhos que ela conhecia muito bem. Rapidamente, e sem saber o motivo, colocou-o no bolso da jaqueta. 
Aurora voltou com o copo de água, oferecendo-o à Maria. Quando ela terminou de beber, deixou um gole que foi bebido por Aurora. Respirando fundo, Aurora olhou para Maria. Ela olhou para ela também, sorrindo tristemente, mas já bem mais calma. 

-Aurora, você o ama?

Aurora encolheu os ombros:

-Em primeiro lugar, eu não quis que nada disso acontecesse, e nem ele, mas foi mais forte que nós. 
-Eu sei... e eu compreendo muito bem o Pedro. E compreendo qualquer um que se sentisse de repente tão apaixonado por você. Porque... eu...

Aurora interrompeu-a:

-Mas respondendo à sua pergunta: não, eu não amo o Pedro, e compreendi isso agora mesmo. Foi apenas uma paixão passageira. Na verdade, eu amo o João. Sempre amei, e sempre amarei, eu acho.

O coração de Maria murchou mais um pouco ao ouvir aquelas palavras.

-E você, Maria? Como vocês vão ficar depois disso?

-Bem, nós rompemos lá fora. Acho que fizemos a coisa certa, sabe? Eu não o amava mais. Acho que nunca amei, somente senti-me segura ao lado dele, que se aproximou de mim após a morte de meus pais em um acidente. Ele foi um amor... Ficamos amigos, e começamos a namorar. Foi uma consequência, nenhum dos dois parou para pensar se queria realmente que as coisas caminhassem daquela forma. Foi acontecendo. 

-Então... 

-Então acho que está tudo bem, afinal de contas. Mas penso que o Pedro está muito apaixonado por você.

-Eu não teria tanta certeza assim.

Enquanto aquela conversa acontecia, Pedro dirigia seu carro e pensava na pergunta de Maria: ele amava Aurora?

Pensou muito. Pensou intensamente no que ele sentira quando estava com Aurora. Achou que nunca sentira nada igual, com nenhuma outra garota. Seria o fascínio de envolver-se com alguém um pouco mais velho que ele, uma mulher misteriosa, que guardava um segredo? Pensou que nem sequer a achava muito bonita; mas o magnetismo e a sensualidade que emanavam dela, eram algo que ele nunca tinha visto em outra mulher. Uma resposta importante, ele já possuía: não amava Maria. Estava feliz por ter descoberto aquilo antes que ambos arruinassem suas vidas. 

Ele sabia – sentia – que Aurora não era para ele, e que ela não o amava. Era apenas uma mulher solitária e apaixonada, que precisava satisfazer seus desejos, contidos há muito tempo. A química entre eles tinha sido perfeita, mas era apenas um rastilho de pólvora que logo acabaria. Teve sua resposta: embora estivesse loucamente apaixonado por ela, não via a si mesmo passando o resto de sua vida ao lado de Aurora.

Naquele momento, tomou uma importante decisão: aceitaria aquela oferta de emprego em outra cidade. Fez uma curva na estrada, que o levou por um novo caminho, e nunca mais voltou . Ainda sentia o cheiro daquele corpo, mas soube que logo a esqueceria. Restava-lhe a curiosidade: quem era ela? Por que estava se escondendo ali, naquela pequena cidade, quando tinha tantos potenciais? Abriu o porta-luvas, onde ainda guardava um dos cartazes que havia recolhido dos quadros de aviso da faculdade. Aurora o fitava na fotografia.




sábado, 25 de outubro de 2014

A Casa do Caminho de Pedras - Parte VII





A Casa do Caminho de Pedra – parte VII

Na segunda feira de manhã, antes das seis, Aurora despertou com batidas à porta. O dia ainda estava semi-escurecido.  Ela já sabia quem era, e foi abrir. Enquanto caminhava até a porta, ela ajeitou os cabelos soltos com as mãos, e ao passar pelo espelho do corredor, viu que tinha uma aparência selvagem. Mal abriu a porta, ainda sonolenta,  Pedro saltou sobre ela como um lobo faminto, e ambos foram para sua cama ainda quente. Ficaram ali durante muito tempo, e quando deu por si, Aurora lembrou-se que logo deveria encontrar Maria para ir à cidade comprar um celular. Já eram quase nove horas!

-Pedro você precisa ir embora agora. AGORA!

Pedro, cansado e ainda semi-adormecido nos braços dela, murmurou:

-Hum? Por que? O que deu em você, Aurora?

Ela o sacudiu com força:

-Maria está vindo para cá! Você precisa sair. Nós combinamos de ir juntas à cidade. 

Ao ouvir aquilo, ele deu um salto, e começou a vestir-se apressadamente. Aurora fez o mesmo. Passou uma escova nos cabelos, prendendo-os em seu habitual coque, lavou o rosto e enquanto escovava os dentes, escolheu um vestido para sair. Rezava para que a amiga se atrasasse, como era hábito seu; não queria magoá-la. Decidiu que terminaria tudo com Pedro naquele mesmo dia. Quando estavam ambos quase vestidos, pararam ofegantes diante um do outro. Seus olhares compreenderam que aquilo não poderia continuar.
Beijaram-se apaixonadamente.

O desejo tomou conta de ambos novamente, e tiveram que fazer um enorme esforço para se separarem. Ele  beijou-a novamente e saiu.
Ela olhou em volta, tentando encontrar traços da presença dele na casa. Arrumou a cama, esticando bem os lençóis. Espirrou um spray perfumado no ar para apagar o perfume dele completamente. Ainda sentia o calor das mãos dele sobre certas partes de seu corpo. Sentia-se péssima fazendo aquilo, mas era o que lhe restava fazer.

Enquanto isso, Pedro caminhava para o carro, ajeitando os cabelos com as mãos e colocando a camisa para dentro da calça. Foi quando ele viu Maria parada junto ao carro, de braços cruzados. Seu rosto estava lívido, mas ela não estava chorando. Não conseguiu dizer nada; apenas parou diante dela. As palavras eram inúteis. Foi ela quem falou primeiro:

- Eu... eu e Aurora combinamos de ... 
-Eu sei, Maria. Eu sei... olha, eu sinto muito... isso...
-Por favor, Pedro, não diga nada. Ela... eu... 

Ele tentou abraçá-la, mas ela desvencilhou-se dele, empurrando-o suavemente:

-Não faça isso. Por favor. Só me responda uma coisa: foi só sexo? 

Ele ficou ali parado, olhando para o chão coberto de folhas úmidas. Não sabia responder. Seus sentimentos estavam embaralhados. Achava que não tinha sido apenas sexo. Admitiu que com Maria nunca tinha sido tão intenso como era quando estava com Aurora. Davam-se bem, eram bons amigos e partilhavam dos mesmos gostos, mas a paixão não acendia. Faziam um amor morno. Ele a amava. Mas não estava apaixonado por ela, nunca estivera. Mas o que sentia por Aurora? Sua cabeça estava a ponto de explodir!

Dentro da casa, Aurora sentiu, de repente, um forte calafrio, e teve que se segurar nas costas da cadeira para não cair. Compreendeu que Maria sabia de tudo. Seria melhor ir até lá fora, onde sabia que ela e Pedro conversavam? Achou melhor não ir. Era um momento que pertencia aos dois. Sentiu que Maria não a odiava. Estava magoada, mas não a odiava. Estava tão confusa quanto ela e Pedro. Ela mesma não sabia se ainda amava o noivo. Todos aqueles sentimentos e pensamentos de Maria chegavam até ela como se entrassem pela janela, trazidos pelo vento. Era como se a amiga lhe falasse, mas sem usar palavras. Sentiu que Maria também sentia uma forte atração por ela, e aquele pensamento foi uma grande surpresa; se ela sentia algum ciúme, era mais dela que de Pedro. E também compreendeu que a amiga tentava lutar contra aquele sentimento também estranho para ela própria, e não o admitia.

Aurora também estava confusa: seria igual à sua mãe? Seria realmente a mulher lasciva que Helena, a mãe de Eduardo, a acusara de ser, aos gritos, em uma das sessões do julgamento do filho? Sempre achara que era diferente! O que sentia por Pedro? Mas... esquecera-se do amor de João?

Lá fora, Maria e Pedro estavam parados diante um do outro. Não se olhavam. Ambos olhavam para o chão. Um passarinho chamou-os de volta à realidade, cantado alto em uma árvore próxima. De repente, ele entrou no carro, chamando-a para entrar junto com ele, mas ela balançou a cabeça negativamente, fazendo sinal para que ele fosse embora. Ele insistiu, mas ela disse-lhe para ir embora. 

-Eu estou bem , Pedro, não se preocupe, não vou fazer nenhuma bobagem. Mas preciso ter uma conversa com Aurora.

-Mas... e nós?...

-Não há mais “nós”.

Ao ouvir aquilo, Pedro ainda ficou olhando um pouco enquanto ela se dirigia para a porta da casa, e depois, dando partida no carro, foi embora cantando pneus no caminho de pedras.



segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A casa do Caminho de Pedras - parte VI






Era manhã de sábado. Aurora despertava em sua casa, e as palavras que sua mãe dissera-lhe em seu sonho ainda ecoavam em seus ouvidos? “Ele virá ver você hoje! Cuidado...” Pulou da cama, e vestiu-se depressa com as mesmas roupas que usara no dia anterior, e que ainda estavam penduradas sobre as costas da cadeira. Começou a preparar o café da manhã, após acender o fogão de lenha. Estava servindo-se de uma fatia que sobrara do bolo de nozes, quando ouviu o ruído de um motor de carro e logo depois alguém bateu à sua porta. Já sabia quem era. Hesitou: deveria abrir?

Respirou fundo antes de tomar sua decisão, as palavras da mãe em sua cabeça: “Cuidado!” Mas lembrou-se de que sua própria mãe jamais fora cuidadosa; como poderia querer que ela fosse? “Sou uma mulher adulta,” pensou, enquanto caminhava até a porta.
Ao abri-la, lá estava Pedro. Trazia um pequeno embrulho consigo, que estendeu para ela ao cumprimentá-la com um beijo em cada face. Imediatamente, ela perguntou por sua amiga Maria, e ele respondeu:

-Deixei-a em casa, ainda está dormindo. Fui até a padaria comprar pão, e como achei estes brioches fresquinhos, pensei em trazê-los para você. O cheiro estava irresistível!

Aurora pensou que a padaria ficava a pelo menos quinze minutos de distância de carro, e achou que aquele não era o verdadeiro motivo de Pedro aparecer à sua porta às sete horas de uma manhã de sábado.  Agradeceu, mas sem convidá-lo para entrar:

-Muito obrigada, Pedro. Foi muita gentileza sua.

Ele sorriu, encolhendo os ombros, as mãos nos bolsos da calça. Parecia um menino travesso, ela pensou.

-Não vai me convidar para um café?

Ela o olhou nos olhos antes de responder:
-Olha, Pedro, eu realmente não acho adequado. Maria não está aqui, e logo terei que ir para a feira.

Ele riu, desconcertado:

-Eu sei! Posso dar-lhe uma carona!
-Muito grata, mas eu sempre vou de carroça. Você sabe, tenho um cavalo. Além disso, os produtos já estão todos arrumados na carroça, basta atrelar o cavalo. Daria muito trabalho para colocar tudo no carro.

Ele assentiu, concordando, e insistiu:

-Mas e o café? Posso entrar um pouco?

Ela olhou para ele, como se examinasse seus pensamentos. Achou que era seguro, e fez sinal para que ele entrasse.

-Tudo bem, mas não posso demorar... como eu já disse, preciso ir.
-Está com medo de mim, Aurora? Ora, pelo amor de Deus, não vou agarrar você... sou o noivo de sua amiga, lembra?

Ela sentiu o tom irônico na voz dele. Ignorou-o.

-Sente-se. Vou pegar uma xícara para você. Maria sabe que você está a aqui?
-Mas é claro! Deixei-lhe um bilhete junto com o pão, dizendo que vinha ver você. 

Ela achou que aquilo não fazia sentido, e que aquela situação estava se tornando cada vez mais estranha. Ao mesmo tempo, notou o quanto Pedro era bonito, e gostou do perfume que ele usava – reconheceu o mesmo perfume que João costumava usar, e seu coração apertou-se de saudades. Ele notou sua súbita tristeza:

-Algum problema?

Ela serviu o café, e dividiu com ele sua fatia de bolo. Não respondeu.

-Muito bem, Pedro. O que o trouxe até aqui? Você mal me conhece... tem que admitir que esta situação está um pouco estranha, já que só nos vimos uma única vez e você é o namorado de minha melhor – ou seja – de minha única amiga.
-Bem, Aurora, só nos vimos uma única vez, mas ficamos juntos o dia inteiro... e você tem razão, me desculpe. Eu não vim aqui para dar-lhe uma carona ou trazer-lhe brioches... nem pelo café, embora ele seja muito bom. E Maria não tem ideia de onde eu estou. Eu vou dizer a verdade.

Ela o encarou, resoluta. Sentia que havia uma energia forte emanando deles que os atraía um ao outro, mas que não era aquele o motivo da visita de Pedro.

-Como você sabe, eu estou no final de meu curso de Direito. Há um quadro de avisos na faculdade, onde as pessoas colocam ofertas de emprego, anúncios resultados de provas e outras coisas... você sabe.
-Sim!
-Pois é. Vi uma fotografia lá, entre todos aqueles papéis, que me chamou a atenção.

Ela ficou subitamente alarmada, e largou a xícara de café, derramando um pouco sobre o pires e a toalha de mesa, sentindo o rosto corar. Ficou olhando para ele, as mãos começando a suar. Ele concluiu:
-Há uma fotografia sua lá, e um número de telefone. Alguém está procurando por você.

Dizendo aquilo, ele tirou um papel dobrado do bolso, entregando-o a ela. Apreensiva e curiosa ao mesmo tempo, ela abriu-o devagar. Estava escrito, sob uma fotografia de seu rosto – o cabelo estava um pouco mais curto, mas a fisionomia era a dela, e era impossível tentar convencê-lo do contrário. Lembrou-se daquele dia, onde vestira aquelas roupas formais pela última vez. Fora no julgamento do assassino de sua mãe. A fotografia tinha sido tirada sem o seu conhecimento naquele mesmo dia:
“Você viu esta mulher? Ligue para...” e um número de telefone, que ela não conhecia. Olhou para ele, o coração dando saltos no peito:

-Havia mais algum cartaz?

Ele tranquilizou-a:

-Sim, mas não se preocupe. Retirei-os todos. Rasguei e joguei fora. Não ficou nenhum. 

Aurora começou a chorar, e Pedro aproximou sua cadeira da dela, passando um braço amigavelmente em volta de seus ombros. Ela recostou a cabeça no ombro dele, deixando-se levar pela sensação agradável de estar sendo confortada em uma hora tão difícil. Sentiu-se uma tola, ao achar que ele estava ali por outro motivo. Acalmou seu choro, enxugando as lágrimas. Foi quando ele gentilmente ergueu seu rosto em direção ao dele, e ela sentiu que o magnetismo entre eles era muito forte, ao olhá-lo dentro dos olhos daquela maneira, seus rostos e lábios tão próximos. Deixou-se ficar assim por alguns instantes, mas lembrou-se de Maria, e num esforço, separou-se dele. Notou que ele respirava mais rapidamente, e seus olhos estavam marejados e apaixonados. Ergueu-se da cadeira, indo postar-se o mais longe possível que podia dele na pequena cozinha. Pedro não a seguiu, mas tomou um grande gole de café não adoçado antes de falar novamente:

-Por que estão procurando você, Aurora? Você... fez alguma coisa errada? Você está fugindo de quem?

Ela hesitou. Poderia confiar nele? Achou que não tinha muitas opções agora...

-Você contou a Maria sobre mim?

Ele balançou a cabeça negativamente. 

-Achei que se você quisesse que ela soubesse, já teria contado você mesma.
Ela admirou a atitude dele:

-Muito obrigada, Pedro, e me desculpe porque... quando você chegou, eu pensei que estava aqui por outro motivo, imagine... mas eu prometo a você que não sou uma mulher perigosa, e nem fiz nada de errado. Estou fugindo sim, de pessoas que desejam me fazer mal. Pessoas que assassinaram minha mãe. 

Dizendo aquilo, ela começou a chorar muito, e Pedro correu até ela, abraçando-a. Ele sentia o perfume dos cabelos dela, e o seu corpo muito quente que tremia entre seus braços. Esperou que ela se acalmasse, e tentou novamente conter a forte atração que sentia por ela. Ela mesma sentia-se muito frágil, vulnerável, e ter braços fortes segurando-a naquele momento foi crucial para explicar a si mesma, mais tarde, o que aconteceu entre os dois naquela casa, naquela manhã. Foi como um fogo que lastrou de repente entre eles, e que eles não puderam conter. Em questão de minutos, saciaram sua sede um do outro. Enquanto tudo acontecia, nenhum dos dois pensou em nada, a não ser no que estavam vivendo naquele momento. 

Quando tudo terminou, eles endireitaram suas roupas, sem conseguirem olhar nos olhos um do outro. Ele caminhou até a porta e saiu sem olhar para trás. Ela deitou-se na cama, sentindo-se febril, e não foi à feira naquele dia.

No final da tarde, Maria bateu à porta de sua casa. Estava sozinha. Pedro não estava com ela. Ela foi atender. Ao vê-la, Maria alarmou-se:

-Aurora, você parece doente... por que não tem um telefone? Você precisa de um telefone num lugar desses. Estava tão preocupada, você não apareceu na feira hoje... andou chorando?

-Não, apenas acho que peguei uma gripe, e não me sinto muito bem...
Encaminhou-se novamente para a cama. Deitou-se, e Maria preparou-lhe um chá com biscoitos que achou na cozinha. Quando foi procurar pelas xícaras, reparou que na mesa da cozinha ainda estavam duas xícaras do café da manhã; sua amiga tivera um convidado! Quem seria?
-Aposto que não comeu nada hoje. Tome; beba isto.
-Obrigada, amiga.

Maria indagou, casualmente:

-Vejo que há duas xícaras sobe a mesa da cozinha. Alguém veio vê-la hoje de manhã?

Aurora sentiu o rosto corar novamente. Era a segunda vez naquele dia. Sentia-se péssima por ter dormido com o noivo de sua amiga! Detestava mentiras, mas pegou-se mentindo para ela, o que a fez sentir-se ainda pior:

-Não... uma das xícaras é do café de ontem. Ainda não lavei.
Maria achou estranha aquela resposta, pois sabia do cuidado e do exagero com a limpeza que sua amiga tinha. Não lavar as xícaras? Não era típico de Aurora! Concluiu que ela tivera uma visita e não queria dizer de quem se tratava, e que a tal visita causara-lhe aquele mau estado de saúde. Magoada, comentou:

-Hum... sei... você pode confiar em mim, Aurora. Pensei que já soubesse disso. 

Aurora preferiu fingir que não compreendera o comentário da amiga, e disse, mudando de assunto:
-Você tem razão, talvez seja melhor eu comprar um telefone celular. Farei isso na segunda feira. Você me ajuda a escolher?

Maria assentiu com a cabeça. Decidiu que seria melhor passar a noite com a amiga. Aurora tentou dissuadi-la:
-Não, imagine, eu já estou melhorando... e além disso, hoje é seu dia de ficar com Pedro. Ele vai embora na segunda de manhã.  A noite de sábado é de vocês. 

Vá embora, amiga, eu ficarei bem!

Maria pareceu triste, o que fez com que Aurora perguntasse:

-Algum problema, Maria?

-Não sei. Hoje de manhã Pedro saiu para comprar pão, e demorou bastante, quase duas horas. Disse que passou pelo rio e viu uns garotos pescando, e ficou conversando com eles. Nós sempre fazemos amor no sábado de manhã quando ele chega, mas hoje ele não tocou em mim. Está frio, distante... parece preocupado e pensativo.

-Bem, talvez ele esteja com algum problema...

Maria olhou-a de modo diferente de repente, e ficou em silêncio. Aurora sentiu-se gelar. Era como se Maria estivesse fazendo uma associação entre o comportamento de Pedro e as xícaras sobre a mesa da cozinha... mas ela varreu aqueles pensamentos para longe; como ela poderia desconfiar?
Maria realmente teve um lampejo sobre as xícaras, mas achou que estava imaginando coisas. Encolheu os ombros, sorrindo forçadamente:

-É... talvez ele tenha algum problema, afinal está no final do curso. Pode estar preocupado com o que vem agora...

-Como assim?

-Ele não sabe se aceitará uma oferta de emprego que recebeu de um professor, advogado, para trabalhar em um escritório de advocacia. Ou se fica por aqui e monta seu próprio espaço. Ou se continua, faz um mestrado e começa a dar aulas... enfim, os problemas que todos enfrentamos durante o final da faculdade. E sabe, eu mesma estou preocupada.
-Por que?
-Estamos noivos há um ano, e ele disse que nos casaríamos assim que ele conseguisse um emprego.
-Bem, e qual o problema?...
-É que... sabe, se ele decidir aceitar o tal emprego, teremos que ir embora daqui. E eu amo esta cidade.
-Mais do que você o ama?

Maria não entendeu o tom da pergunta:

-Como assim?
-Bem, se você o ama de verdade, irá com ele feliz da vida!
-Mas... por que eu tenho que deixar minha casa, cidade, trabalho e amigos para seguir com ele, ou com quem quer que seja? Por que essa escolha não pode ser dele; só porque ele é o homem, e eu, a mulher?

Aurora ficou um pouco pensativa. Respondeu da melhor maneira que pôde: 

-Bem, acho que esta é uma decisão para o casal tomar juntos. Mas no fim, vocês chegarão a um acordo que beneficie a ambos, tenho certeza. Não se preocupe tanto, Maria. A vida toma seus próprios rumos.
Maria ficou meditando naquela frase: “A vida toma seus próprios rumos.” De repente, sorriu, abraçando Aurora:


-Você tem razão, estou sendo tola. Nos vemos na segunda feira? Não quer mesmo que eu fique aqui com você esta noite?
-Não, querida. Vá, e aproveite a presença de seu noivo.
-Tudo bem. Passo aqui amanhã para pegar você, lá pelas nove, depois que Pedro for embora. Ele sempre sai bem cedo para não pegar trânsito e chegar a tempo para a primeira aula.

Depois que ela saiu, Aurora levantou-se e foi ligar o gerador de energia. Já começava a escurecer. 



(continua...)

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A CASA DO CAMINHO DE PEDRAS - PARTE V





A Casa do Caminho de Pedras - parte V



Bem longe daquele paraíso, Helena e seu marido, Jorge Medeiros, tomavam um drink antes do jantar. Helena sentia muita falta de seu filho, Eduardo, que tinha sido mandado para longe dela devido ao que para ela significava "um mero acidente de percurso": o assassinato de Marta Fernandes, mãe de Rúbia (ou de Aurora). Ela pensava no quão insignificantes eram aquelas duas mulheres, e no que elas representavam para a sociedade local: nada! Seu filho apenas tentara fazer justiça ao vingar-se daquelas aproveitadoras que tinham matado sua irmã Jane. A família estava destroçada para sempre, e uma daquelas ditas "bruxas" ainda estava solta pelo mundo, Deus sabe onde. Quem mais ela poderia ferir? Quais famílias seriam destroçadas, como a deles, devido à libido incontrolável daquelas mulheres? 



Sentado junto à lareira apagada, olhando fixamente para as achas empilhadas, segurando seu copo de uísque, Jorge tinha os mesmos pensamentos. Já tentara localizar Rúbia algumas vezes, a pedido da esposa, mas fora em vão. Ela tinha desaparecido. Achava inútil tentar encontrá-la; achava melhor que ambos focassem, naquele momento, em elaborar, junto a bons advogados, uma maneira de pedir um novo julgamento para seu filho Eduardo, e libertá-lo da prisão. Afinal, já se perguntara - e perguntara várias vezes à Helena - qual seria a vantagem de encontrarem Rúbia, e embora tivesse formulado a pergunta, temia a resposta que ela nunca dera claramente. Helena alegava que só gostaria de ter certeza que ela estava bem longe de sua família. Mas Jorge, conhecendo bem o temperamento forte da esposa, temia que ela estivesse planejando outra vingança.



Jorge ainda podia lembrar-se da única noite que passara naquela casa, há muitos anos, bem antes que tudo aquilo acontecesse. Ainda podia sentir nas pontas dos dedos o calor da pele de Marta naquela única noite de amor e luxúria que tiveram. Ela não negava fogo, e também não era seletiva quanto aos homens com quem dormia. E todos que a conheceram carnalmente tiveram a mesma opinião: Marta era uma mulher linda, maravilhosa e muito versada nas artes do amor e do sexo. Não tinha medo da vida e nem hesitava quando se tratava da busca do prazer. E o melhor de tudo: ela não queria nada de nenhum deles, a não ser divertir-se um pouco, e portanto, não corriam o risco de sofrerem ameaças e chantagens da parte de Marta. 



O incrível, pensava Jorge, é que apesar dos muitos amantes que tivera, Marta sempre fora respeitada por todos eles. Nenhum deles jamais conseguiu dizer uma só palavra de desabono à sua conduta, apesar de tudo. A única preocupação que eles precisavam ter em mente era que jamais se apaixonassem por ela, pois Marta não era de ninguém... e aqueles que se apaixonaram, destruíram suas vidas familiares em vão, pois ela não os aceitou; pelo contrário, censurou-os severamente! Mas tais notícias se espalhavam, e as mulheres da cidade passaram a odiá-la, apesar de ainda procurarem por seus cosméticos milagrosos e suas leituras de carta. "Assim são as mulheres", pensou Jorge.



Ergueu os olhos e deparou com Helena na mesma posição que ele, olhando para as mesmas achas apagadas, totalmente ausente. Segurava, como ele, um copo de uísque - que passara a segurar com muita frequência durante as horas mais absurdas do dia, inclusive pela manhã. Preocupava-se com ela, e com a dor que ela sentia pela ausência dos filhos. Sentia-se quase culpado por ter sido amante da mulher que causara tudo aquilo à sua família. Sua esposa Helena, antes tão alegre e elegante, que comparecia aos melhores eventos sociais sempre impecavelmente vestida, andava pela casa usando um robe antigo e chinelos, e os cabelos, antes tão bem arrumados, desgrenhados e grisalhos. As unhas que costumavam ser brilhantes e esmaltadas, eram agora cortadas bem curtas e sem esmalte. Não aceitava mais convites das amigas para sair ou comparecer a eventos. Passava o dia todo em casa, e muitas vezes, ele a encontrava chorando. Apesar dos remédios receitados pelo médico, Helena muitas vezes sofria de insônia, e nessas ocasiões, ele a escutava andar pela casa chamando o nome da filha morta. Certa vez, encontrou-a conversando com alguém que, segundo ela, estava sentada no sofá. Ao perguntar-lhe com quem ela estava falando, Helena respondeu: "Não está vendo? É a nossa filha Jane! Não está linda?"



Jorge acreditou que seria efeito da medicação. Levou-a para a cama, e como ela pedira, disse 'boa noite' à filha morta. A partir daquela noite, Helena começou a beber mais. Muitas vezes, bebia até dormir. Trancava-se no escritório com o álbum de fotografias dos filhos e bebia até adormecer. Jorge escutava seus soluços, mas ao bater à porta, ela só pedia que ele a deixasse em paz. Os empregados da casa tentavam cuidar dela o melhor possível, e entravam no escritório usando a chave mestra para levá-la para o quarto depois que ela dormia. Todos tinham muita pena de sua esposa, mas Jorge sabia que eles comentavam pelos cantos, e que muitos na cidade já sabiam do estado no qual ela se encontrava. Ele às vezes notava que seus amigos mudavam de assunto quando ele chegava, se entreolhando. Pigarreavam, e o acolhiam mais efusivamente que o normal. 



Sua vida, antes tão maravilhosa e movimentada, reduzira-se àquilo: solidão, silêncio, lágrimas. Não tinha mais a presença alegre dos filhos pela casa. naquelas horas, ele também odiava Marta, mas odiava ainda mais ao Dr. João, amigo de Rúbia, que tomara o caso da morte da mãe de sua amiga como se fosse pessoal caso e condenara seu filho. Seus amigos diziam que ele apenas fizera seu trabalho, mas Jorge sentia ânsias de vômito toda vez que passava pela casa de João ou encontrava com ele casualmente. Tentava conter-se; afinal, já havia problemas demais em sua vida. Os dois cumprimentavam-se formalmente, e ele notava uma certa culpa nos olhos do rapaz.



Perdido naqueles pensamentos, Jorge ouviu a empregada chamar para o jantar. Levantou-se, e segurando a mão da esposa, conduziu-a até a mesa com ele. Ajudou-a a sentar-se e foi tomar o seu lugar em frente a ela. Via que ela apenas brincava com a comida. 



-Helena, você precisa comer alguma coisa.



Ao ouvir aquilo, ela sorriu tristemente, e levou uma pequena garfada à boca, que mastigou mais que o necessário e com grande dificuldade, engoliu. Tomou um grande gole de bebida alcoólica e colocou outra pequena garfada na boca. Jorge observou:



-Você anda bebendo demais. Precisa parar!

Helena deixou cair uma lágrima e deu um longo suspiro antes de responder:

-E o que me resta ainda? Me diga, Jorge...



Ele largou a comida, e foi sentar-se ao lado dela. Tomou-lhe o garfo das mãos, e começou a alimentá-la ele mesmo. Ela demorava a engolir, mas ele conseguiu fazer com que ela comesse um pouco. Ao mesmo tempo, ele tirou-lhe o copo de uísque e fez com que ela tomasse um pouco de suco. 

Depois, ajudou-a a trocar-se para dormir, deu-lhe os remédios e colocou-a na cama, cobrindo-a. Quando voltou para jantar, viu que a comida esfriara, e pediu à empregada que esquentasse um prato para ele mesmo. Mas depois que ela o serviu, não conseguiu comer mais. Pegou seu casaco e saiu pela noite, caminhando sem rumo.




quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A Casa do Caminho de Pedras - Parte IV



 




A partir daquele dia em que Maria visitou-a, Aurora decidiu abrir-se um pouco mais, e ambas tornaram-se grandes amigas. Maria também vivia sozinha, em um pequeno apartamento em um sobrado na cidade. O prédio pertencera aos seus pais, e no térreo, que ela alugava,  funcionava uma padaria. Ela transformara um dos quartos em um estúdio onde confeccionava suas peças de artesanato, e assim ia vivendo. As duas novas amigas passaram a frequentar a casa uma da outra diariamente, e Aurora sentia-se grata pela presença constante de Maria, após tanto tempo de solidão. Ela sabia que poderia confiar nela. Afinal de contas, sua própria mãe o dissera de uma forma bastante direta!

Maria tinha um namorado, Pedro, que estava terminando a faculdade de direito, e que por isso morava em outra cidade. Ele vinha apenas nos finais de semana, e então as duas amigas ficavam separadas para que Maria e Pedro pudessem ficar juntos e a sós. E durante os finais de semana, Aurora cuidava de suas coisas, tentando driblar o sentimento de solidão. Contentava-se com apenas uma amiga, pois sabia que não podia deixar que seu nome ou suas atividades ficassem conhecidos demais, ou eles a encontrariam... quando fazia alguma leitura de cartas, era sob a condição de que o consulente mantivesse segredo absoluto de suas atividades, e como seus poucos clientes gostassem muito dela e não quisessem perder a graça de seus serviços, até aquele momento ela tinha conseguido manter sua atividade quase incógnita. Não cobrava pelas leituras; acreditava no que sua mãe lhe ensinara (mas jamais cumprira): "Dê de graça o que de graça recebeste." Mas mesmo assim, Aurora recebia muitos presentes, que estavam espalhados pela casa.

Sua amizade com Maria era baseada em muito respeito e confiança, e ela contava-lhe apenas o que queria contar. Por exemplo: contara-lhe que deixara alguém na cidade de onde viera, e as razões porque o amor deles era impossível. Contara sobre a morte da mãe, mas não sobre as suas circunstâncias, e deixara a amiga saber que não gostaria que soubessem que ela estava ali, mas não revelara os motivos. Nem mencionara sua verdadeira identidade ou seu verdadeiro nome. Maria aceitava o que a amiga lhe revelava sem mais indagações. Sabia que Aurora precisava de tempo para confiar totalmente nela, e que o fato de ter partilhado pelo menos parte de sua história com ela já era uma grande prova de confiança. Maria sabia sobre os dons paranormais de Aurora, mas prometera não falar sobre eles com ninguém. 

Em um certo domingo, Maria achou que já era hora de apresentar seu noivo Pedro à sua melhor amiga. De manhã cedo, enquanto Aurora tomava o café da manhã, ela chegou à casinha na floresta de mãos dadas com o noivo. Aurora ficou muito feliz em conhecê-lo, e logo convidou-os a entrar e partilhar de sua mesa, onde havia um delicioso bolo de nozes que ela acabara de assar, e um bule de café quente e forte. Colocou mais duas xícaras à mesa, e todos comeram felizes.

Pedro estava fascinado pelo sorriso de Aurora. Observava cada gesto seu, e pensava que apesar da moça ter uma beleza simples, que precisava ser descoberta aos poucos, seu charme e magnetismo pessoal eram muito grandes. A voz da moça parecia música aos seus ouvidos. E mais encantado ainda ele ficou quando ela, desaparecendo pelo corredor, voltou trazendo um violão e, para surpresa de ambos, começou a tocá-lo e cantar uma antiga canção popular. Nem mesmo Maria sabia daquele dom da amiga! O casal ficou ouvindo-a tocar, hipnotizados. 

Enquanto ela cantava, Pedro percorria com os olhos  os pés descalços de Aurora, as unhas pintadas de vermelho, a correntinha de ouro no tornozelo esquerdo, a saia de tecido leve caindo suavemente sobre o contorno de suas pernas. Deteve-se entre as protuberâncias arredondadas levemente apertadas contra o corpete branco rendado, os cabelos presos em um coque desfiado, a pele levemente rosada das maçãs de seu rosto. Apertava com força a mão de Maria, como se aquele gesto fosse impedi-lo de pensar nas coisas que estava pensando que gostaria de fazer com sua amiga.

A luz da manhã entrava pela janela, filtrando-se por entre as copas das árvores, e ia incidir sobre os olhos de Aurora, dando-lhes uma aparência mágica, como se fossem duas bolinhas de vidro brilhante e claro. Até mesmo Maria estava fascinada pela amiga.

Quando ela finalmente silenciou seu canto, colocando o violão encostado à parede da sala, os dois pareciam em transe, olhando-a em silêncio; finalmente, após ela pigarrear um tanto sem jeito, o casal começou a aplaudi-la, e Maria, com lágrimas nos olhos, disse:

-Eu nem sabia que você tocava violão e cantava! Nossa, foi maravilhoso! Você deveria estar em um palco! Não concorda comigo, Pedro?

Ele gaguejou, tentando recuperar sua naturalidade:

-É claro! Aurora, você toca e canta bem demais! E consegue passar tanta emoção ao que faz... foi... muito bom, lindo mesmo...

Beijando o rosto do seu noivo, Maria acrescentou, enquanto Aurora agradecia com um gesto de cabeça e um sorriso:

-Eu não te disse que ela era absolutamente especial? E este é apenas um de seus dons!

-Hum... nossa, eu gostaria de saber quais são os outros!

Naquele momento, fez-se um silêncio embaraçoso, e Maria percebeu que tinha falado demais; para consertar a situação, sugeriu:

-Por que não vamos todos nadar? Está uma manhã linda e ensolarada lá fora! 

Dizendo isso, enquanto Aurora ia vestir um maiô, o casal ficou sozinho esperando por ela, sentados nos degraus da varanda. A manhã clara, ensolarada  e perfumada pelo jasmineiro plantado por Aurora , que se entrelaçava entre os caibros da varanda, despejando suas folhas e flores pelo telhado, fazia com que a atmosfera  parecesse carregada de magia.  

Logo Aurora juntou-se a eles, e os três foram caminhando pela mata até uma linda cachoeira próxima. O ruído das águas caindo sobre as pedras era refrescante, e a água cristalina brilhava ao toque dos raios do sol. Sentaram-se um uma grande e lisa pedra, e começaram a despir suas roupas, ficando apenas com seus trajes de banho. Pedro reparou que Aurora tinha a pele branca e perfeita, sem manchas. Imediatamente, apaixonou-se pelas suas pernas fortes e e levemente musculosas. Para tentar concentrar-se em alguma outra coisa, perguntou à Aurora:

-Aurora, Maria me disse que você estudou biologia. Por que não procura algum trabalho em sua área? Bem, me desculpe por perguntar...

Ela soltou os cabelos, que caíram como se fossem uma outra cascata negra a competir em beleza com as águas que tinham à sua frente:

-Na verdade, fiz biologia por outros motivos. Acho que não faz mais sentido... eu gosto do que faço! Adoro trabalhar na feira e vender meus produtos. E saber sobre ervas, plantas, animais... em me ajudado bastante, sabe?  Eu amo a natureza, e leio tudo o que me cai nas mãos sobre ela. 

Ele pareceu ainda mais curioso:

- Mas você poderia trabalhar fazendo pesquisas em uma universidade, por exemplo...

Maria interrompeu-o:

-Hei, deixe a minha amiga em paz! Ela faz o que gosta, só isso. Vamos dar um mergulho?

E os três pularam na água, rindo e brincando. O toque gelado fez com que Aurora se sentisse realmente viva, como já não se sentia há algum tempo. Em volta deles, o cenário era idílico: pássaros, árvores, a mata verdejante, a luz do sol, pequenos insetos e borboletas. Aquele seria um dia que ficaria na memória daqueles jovens por toda a vida. 

Quando o sol já se despedia, eles já estavam de volta à casa de Aurora, e saboreavam uma deliciosa macarronada preparada por ela. O apetite dos três era como o de lobos, pois tinham passado o dia todo na cachoeira, nadando, conversando e alimentando-se apenas das amoras silvestres que Aurora colhera por ali. 

Quando se despediram, já ao cair da noite, Pedro perguntou à Aurora, já na porta de casa, se ela não tinha medo de ficar sozinha naquele lugar tão ermo, e ela respondeu:

-Não! Adoro este lugar, amo esta casa, e dou graças todos os dias por ter podido comprá-la. A natureza sempre é uma ótima companhia. Melhor do que algumas pessoas que conheci... 

Ele notou uma sombra passando pelo rosto dela, mas seguindo as instruções que Maria lhe dera, não perguntou mais nada. Mas quando já caminhava de mãos dadas com a noiva em direção ao carro, antes de entrar, ele ainda olhou para trás, e gravou a imagem dela de pé no meio da varanda semi-escurecida e salpicada de vaga-lumes. 

Depois que eles se foram, Aurora sentiu uma súbita brisa fria envolvê-la rapidamente, e as folhas do jasmineiro tremeram à sua passagem. Sabia muito bem que Pedro sentira-se atraído por ela, e tinha muito medo do que ele poderia pensar. Não queria ferir sua amiga. Não o faria. Talvez fosse melhor, ela pensou, evitar encontrá-lo daquele dia em diante, e ela faria todo o possível para que fosse assim. 








sexta-feira, 10 de outubro de 2014

A Casa do Caminho de Pedras - Parte III




João sentia ainda muitas saudades de Rúbia, a quem não via há dois anos. Lembrou-se de seu aniversário, e sentado à mesa luxuosa de seu escritório, recordou-se de como o tinham comemorado pela última vez:

Era noite de sexta feira. A lua estava brilhante, e o campo de golfe, quase claro como o dia. Após escutarem música e conversarem sobre alguns problemas que João tinha em seu relacionamento com o pai - Rúbia sempre era boa ouvinte e conselheira - ele pediu-lhe que esperasse e foi até o carro, de cuja mala tirou um bolo de aniversário e uma garrafa de refrigerantes. Nunca se esqueceu da alegria e da surpresa estampadas no rosto dela. Comeram bolo e antaram o tradicional Parabéns a Você, o que arrancou algumas lágrimas de sua amiga, e ao final, fizeram uma guerra com o que restara do bolo. 

Veio-lhe a sensação que ele teve ao vê-la coberta pelo glacé rosado: lamber cada centímetro da sua pele. Mas naquela época, ele soube conter-se, pois não queria estragar a amizade com ela.

João olhou para fora, e viu lá embaixo o asfalto brilhante pela chuva que caía, tornando tudo cinzento e triste. Carros e buzinas, pessoas apressadas, horas marcadas (tinha cinco minutos antes da próxima reunião). Naquilo é que transformara-se a sua vida. Sabia que, na sala ao lado, seu pai estava feliz e satisfeito, pois teria quem levasse os negócios da família adiante. Mas João sentia-se vazio e triste. Sua vida não tinha sabor desde que Rúbia se fora. Conhecera várias mulheres depois dela, mas todas elas vazias debaixo da capa de beleza e sofisticação. Mulheres que seu pai dizia serem perfeitas para ele - aliás, qualquer uma que fosse sorridente, loira, bela, magra, "de boa família" e superficial, cumpriria o papel ideal para ser sua esposa aos olhos do pai. Aos trinta e dois anos, João ainda não encontrara a mulher de sua vida. Ou melhor, encontrara-na, mas por medo e preconceito, deixara-a ir embora.

Sua mãe notava-lhe a tristeza, e sabia que João lamentava a perda de Rúbia. Mas ela mesma, apesar de ver a infelicidade do filho, sabia que jamais seria possível colocar Rúbia no contexto de suas vidas - ainda mais depois de tudo o que acontecera, e que quase arruinara a carreira do filho. Se não fosse pela firma de advocacia da família, a influente família Medeiros - cujo filho João colocara na cadeia - faria com que João não encontrasse trabalho em lugar algum daquela cidade ou daquele estado.

Ali, a chuva caía em gotas cinzas e frias. Mas há muitos quilômetros de distância, na casa do caminho de pedras, o sol brilhava sobre tudo. Com certa melancolia, Aurora comia uma fatia de bolo preparado por ela mesma, junto a uma pequena vela acesa, quando alguém bateu palmas lá fora. Ela olhou pela cortina fechada, entre as aberturas dos bordados, e viu-a lá novamente, de pé, esticando o pescoço para a casa: Maria. Achou melhor fingir que não tinha ninguém por lá. Não queria amizades. maria fazia de tudo para ser sua amiga. Mas amigos, cedo ou trade, começam a fazer perguntas, e Aurora não gostava de perguntas. 

Gostava de Maria - ela tinha uma barraca junto à sua na feira, e vendia também os seus produtos: brinquedos educativos feitos por seu pai. Era simpática e faladeira (eis o problema...). Já se convidara algumas vezes para tomar um chá na casa do caminho de pedra, mas Aurora fazia-se de desentendida.

Por trás da cortina, Aurora viu quando Maria aproximou-se e começou a bater, chamando-a pelo nome. Aborrecida, decidiu que ficaria quietinha dentro de casa, mas ao virar-se para sair da janela, esbarrou em um vaso de vidro com flores que pertencera à sua mãe, e este caiu com um estrondo, espatifando-se no chão. "Droga!", murmurou. Ficou triste por quebrar um dos poucos objetos que eram lembrança de sua mãe. Lá fora, Maria escutou, e repetiu: "Aurora! Você está aí?"

Aborrecida e muito contrariada, Aurora armou-se de um sorriso amarelado e foi atender Maria na varanda.

-Olá, Maria, como vai?
-Olá! Finalmente! Está tudo bem?
-Sim, eu... estava dormindo um pouco depois do almoço, e derrubei um vaso sem querer...
-Oh, sinto muito. Quer que eu volte outra hora?

Aurora pensou que desejaria que ela não voltasse nunca mais, mas respondeu:

-Não, tudo bem... o que você deseja?

Maria sorriu, estendendo-lhe um pacote:

-Nada de importante... estava trabalhando, quando, movida por um impulso, resolvi comprar-lhe um presente. Não sei bem porque... espero que goste!

Maria insistiu para que ela pegasse o pacote, e caindo em si, Aurora sentou-se na cadeira de balanço com o pacote sobre o colo, começando a abri-lo. Enquanto fazia aquilo, ouviu claramente a voz de sua mãe, a dizer-lhe: "Pode confiar nela, filha. Você precisa de uma amiga. Ela é boa pessoa." Tentou não demonstrar sua emoção, mas as lágrimas caíram quando, ao abrir o pacote, Aurora deparou com um vaso de flores exatamente igual ao que acabara de quebrar! 

Surpresa pelas lágrimas de Aurora, Maria começou a tentar adivinhar-lhes os motivos. Ficou bastante sem graça. Não sabia como agir. Prontamente, Aurora enxugou as lágrimas com as costas da mão, e sorriu-lhe, agradecendo pelo presente.

-Desculpe... obrigada, Maria!

-Não gostou?...

-Eu adorei! É que há muito tempo não ganho um presente. É isso.

Maria sorriu-lhe:

-Que bom! Não vai me convidar para entrar?... Sabe, eu sempre quis ver esta casa por dentro!
-Por que? Não há nada aqui que...
-As pessoas dizem que é assombrada, e por isso a família Soares não conseguia vendê-la, até que você chegou. Esteve à venda por muitos anos!

Aurora sorriu:

-Ora, talvez por isso a tenham vendido tão barato. E isso explica o péssimo estado de conservação. Mas vamos entrar. Não repare, não pude reformar muita coisa ainda...

As duas entraram na casa, e Maria logo olhou a fatia de bolo com a vela acesa ao lado.

-E seu aniversário?

Aurora, censurando-se por esquecer-se de apagar a vela e esconder o bolo antes que entrassem, tentou consertar a situação:

-Não!

-Mas... o bolo e a vela.. são para quem?

De repente, um pensamento veio-lhe a cabeça; um pensamento que a fez rir de alegria, e sentir-se mais tranquila. Mentiu:

-São para minha mãe. Seria o aniversário dela. 

Apontando para o chão, ela mostrou o vaso quebrado, que era igual ao que Maria trouxera:

-Veja; acabei de quebrar este vaso, que foi um presente dela, e que é igualzinho ao que você me trouxe!

Maria abaixou-se junto aos cacos, pegando alguns deles.

-Mas isto é incrível, Aurora! Sabe, não pode ser apenas coincidência, afinal, eu senti vontade de comprar este vaso e dá-lo a você, assim, de repente... sua mãe pode estar lhe mandando uma mensagem.

Aurora sorriu:

-É, eu sei. Éramos muito unidas. E eu já entendi a mensagem. Vamos tomar um café?

-Prefiro um de seus chás mágicos.

Aurora estancou, a caminho da cozinha:

-Chás mágicos? Por que disse isso?

Maria ficou vermelha, e muito sem graça.

-Não sei... simplesmente me veio à cabeça. Coisas engraçadas me acontecem quando estamos juntas. Como quando a vi pela primeira vez, há quase dois anos... uma voz, sei la´, um pensamento talvez, alguém ou alguma coisa me dizia que eu deveria tentar ser sua amiga. Mas você não é lá muito receptiva. 

-E, eu sei. Me desculpe.

Aurora começou a caminhar novamente para a cozinha, mas Maria segurou-a pelo braço:

-Aurora, gosto de você. Não estou aqui para fazer-lhe perguntas ou vasculhar sua vida. Estou aqui porque sei que você precisa de mim, precisa de uma amiga. Sei que vive aqui sozinha, e que não vê muita gente, a não ser as pessoas que vem consultá-la nas cartas... ou seus clientes na feira. Saiba que estou aqui sem qualquer interesse pessoal.

Aurora murmurou:

-Obrigada, Maria, eu sei.

As duas caminharam até  a cozinha, e Maria sentou-se à mesa enquanto Aurora preparava o chá e colocava as xícaras, colheres e pires sobre a mesa. 

-Amei sua casa, Aurora! É linda, e tudo tão carinhosamente enfeitado! Você tem mesmo mãos de fada!

-Herdei este dom de minha mãe (Pensou que herdara também muitos outros dons, mas ficou em silêncio sobre eles).

-Mas me diga: como começou essa coisa de ler cartas  fazer previsões?

Aurora ficou algum tempo em silêncio antes de responder, e Maria achou-se atrevida demais por ter perguntado. Desculpou-se:

-Sinto muito, mas você sabe que não acontece muita coisa em Vinhedo, e você tem sido o assunto da cidade desde que chegou. 

Aquela declaração assustou Aurora. Tudo o que ela não queria, é ser notícia ou chamar a atenção. Mentiu novamente:

-Ora... ler o futuro, ou ler as cartas, é usar muita psicologia, e dizer o que as pessoas querem ouvir baseada naquilo que elas mesmas me contam espontaneamente. 

-Então você é uma farsante?

-E quem não é?

Ambas deram uma risada amigável, que quebrou o gelo entre elas.

-Bem, agora acho que não mais terei clientes, não é, Maria?

-Fique tranquila, não contarei a ninguém... em troca de uma fatia desse bolo maravilhoso que você estava comendo!

E as duas passaram a tarde conversando sobre receitas de bolo, pessoas da cidade e amenidades. Maria fazia de tudo para não mais fazer perguntas indiscretas, pois notou que a sua nova amiga não gostava de ser questionada. Deixou que ela revelasse sobre si mesma apenas o que desejava revelar - e não era muita coisa - e apenas ouviu, sem fazer perguntas. Aurora mostrou-lhe alguns novos trabalhos que tinha começado, e o restante da casa. Após quase duas horas que passaram como o vento, Maria despediu-se, pois não queria chegar muito tarde em casa. Ficaram de se encontrar novamente na feira, no dia seguinte - sábado.


(continua...)







quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A Casa do Caminho de Pedras - Parte II




Sentada à varanda de sua casa, Aurora lembrava-se de fatos do passado. Principalmente, lembrava-se da vida feliz que tivera com a mãe. As lembranças afloravam, vivas e límpidas, e era como se ela pudesse de repente estender a mão e tocá-las: 

Era de manhã bem cedo. Rúbia e sua mãe Marta tomavam café da manhã, antes que ela saísse para a escola. Naquela época, Rúbia tinha apenas doze anos de idade. Admirava muito sua mãe; admirava-lhe a beleza forte e quase agressiva, o porte esguio, a voz poderosa, o olhar prescrutador. Sabia que sua mãe a lia por dentro, e que jamais seria capaz de esconder qualquer coisa dela. 

Ninguém, aliás, o conseguia: Marta era considerada uma bruxa, e ganhava a vida dando consultas paranormais. Se ela adivinhava realmente o futuro ou se tinha uma capacidade muito grande de manipular pessoas, ninguém sabia ao certo; mas suas previsões concretizavam-se noventa e nove por cento das vezes. Rúbia nunca conhecera o pai, embora mãe não evitasse falar no assunto. sabia que seu pai nada significara para sua mãe; tinha sido apenas o portador do esperma com o qual a concebera, aos quinze anos de idade, por livre e espontânea vontade. Rúbia sabia que tinha sido fruto de uma gravidez desejada, pois Marta, através de um sonho, ficou sabendo que logo perderia seus pais e ficaria sozinha no mundo. Teve a filha porque quis, para fazer-lhe companhia e ter alguém para amar. Sempre dizia  que ela era mulher e homem o suficiente para que ambas sobrevivessem sem o seu reprodutor, e era verdade, pois nunca faltara-lhe nada e a figura paterna, na verdade, não lhe fazia falta. Às vezes, ela via os pais de suas amigas na escola. Ao invés de sentir inveja, não sentia nada. Achava que tinha sorte por ter a mãe mais bonita, mais jovem (Marta a tivera aos dezesseis anos) e mais poderosa do mundo.

Aprendeu a conviver com os muitos namorados da mãe, que entravam à noite e às vezes saiam da sua ampla e confortável casa de manhã cedo, furtivamente. Nunca ficavam para o café, e nunca eram mencionados. Não passavam de "amigos" que iam e vinham muitas vezes. Mais tarde, Rúbia descobriria que alguns deles eram pais de suas amigas. 

Mas sabia que ela e a mãe seriam sempre assim: ela e a mãe. Ninguém se intrometeria em suas vidas. Ela não teria um homem para fiscalizar a hora em que chegava em casa, quem eram seus namorados, seus amigos, e quais eram os lugares que frequentava (sempre ouvia suas colegas reclamando dos pais por causa daquelas coisas). 

E apesar de ser criada com muita liberdade, Rúbia jamais fora ensinada a não ter limites; sua mãe os impunha, e ela os respeitava. Uma das regras: jamais tocar em drogas. E sempre dizer onde estava. 

 Naquele dia, à mesa do café, Rúbia tomara uma decisão e decidira comunicá-la à sua mãe obtendo-lhe a aprovação: disse-lhe que só se entregaria a quem realmente amasse. A mãe riu de sua decisão, dizendo que sexo era apenas sexo, nada mais, mas jamais a contestou depois daquilo. Aceitou o lado romântico e quase puritano da filha, e no fundo, arrependia-se por não ter feito o mesmo há muitos anos... perdera o grande amor de sua vida devido o que ele chamara, naqueles tempos, de "sua promiscuidade." Mas ela pensava: "Se os homens podem divertir-se por aí, por que não as mulheres?  Não estou prejudicando ninguém!" E levava seu lema à sério, o que lhe rendia poucas amigas do sexo feminino... as outras mulheres a temiam e invejavam. 

Mas todas elas batiam à sua porta repetidamente, atrás de suas previsões e poderosos chás de ervas que serviam a vários propósitos, embora aquelas consultas fossem mantidas sempre em sigilo: todas sabiam sobre Marta, e todas a consultavam, mas o assunto ficava submetido às conversas muito íntimas em banheiros públicos femininos. Na sociedade, Marta simplesmente não era mencionada, pois não existia. 

Certa vez, uma mulher chorosa e desesperada consultou-a, pois desconfiava que o marido tinha uma amante. Da greta da porta, Rúbia ouvia todas as consultas sem ser vista, embora a mãe soubesse muito bem de seu esconderijo. Rúbia notou que sua mãe tornou-se um tanto sem-jeito ao descrever a tal amante do marido de sua consulente, pois vira a si mesma nas cartas... abrindo uma greta da porta para ver melhor o rosto da mulher, Rúbia precisou tapar a boca para conter uma gargalhada: era a mãe de uma de suas amigas, cujo pai já vira entrar e sair daquela casa algumas vezes... a amante da qual ela desconfiava era Marta, sua própria mãe! A pobre mulher, de desesperada que estava, nem percebeu.

Quando a mulher saiu, enxugando as lágrimas e levando na bolsa os chás e as instruções para espantar sua rival, Rúbia entrou na sala. A mãe olhou para ela, dizendo:

-Os homens são tolos, e não sabem manter segredos.

-Mas... mãe, esta é...

A mãe olhou para ela muito séria, e levando o dedo indicador aos lábios, sinalizou-lhe uma ordem de silêncio. Nunca discutia com ninguém os casos de suas clientes. O fato é que Rúbia nunca mais viu aquele homem adentrar sua casa, e dias depois, deparou com o casal feliz em uma confeitaria.

Muitas vezes, Rúbia questionava consigo mesma as atitudes da mãe; afinal, elas iam contra tudo o que ensinavam-lhe na escola sobre moral, retidão, bons costumes. Mesmo assim, ela a amava acima de todas as coisas, e as duas jamais brigavam, pois Rúbia decidira que a moral e os bons costumes poderiam ser conceitos perfeitamente flexíveis. Sua mãe nunca prejudicava ninguém - pelo contrário, ajudava a todos que a procuravam com seus chás, panaceias e consultas. Na outra cidade onde moraram, Rúbia já a vira curar muitas doenças de pessoas desenganadas por médicos, embora ela jamais aconselhasse a ninguém deixar de fazer os tratamentos. 

Certa vez, um homem chegou em sua casa com um enorme tumor do lado esquerdo do rosto. Os médicos diziam que era inoperável. Deram-lhe um triste prognóstico, e o pobre homem, ao saber sobre Marta, decidiu recorrer a ela como sua última chance de cura. Marta não gostava de trabalhar com curas. Tinha pavor de tornar-se alguma espécie de guru, e de atrair peregrinações novamente à sua casa (tinham vindo de uma outra cidade, pois tornara-se insuportável morar lá devido às longas filas de pessoas que viam nela alguma espécie de santa milagreira e faziam fila à porta de sua casa implorando que Marta as curasse). Exigiu-lhe que mantivesse segredo sobre o tratamento, ou não o ajudaria. Também prometeu-lhe que só poderia curá-lo se ele mantivesse segredo para o resto de sua vida, sob a pena de, se revelá-lo, ter de volta a doença. Ele concordou.

Marta cuidou dele, que mudou-se para sua casa. Aplicou-lhe ervas e unguentos, fez com que tomasse chás várias vezes ao dia e alimentou-o apenas de frutas, verduras, legumes e sucos naturais. Ao mesmo tempo, passava muitas horas conversando com ele, e ajudou-o a livrar-se de muitos dos ressentimentos que carregava consigo, aconselhando-o, após certa melhora, a procurar seus desafetos, perdoar-lhes e pedir-lhes perdão. Meses após o tratamento, o tumor diminuíra consideravelmente de tamanho, e o homem (para espanto dos médicos) pode ser operado e obteve a cura. 

A mãe ensinava-lhe tudo o que sabia, e Rúbia também viu brotarem seus dons mediúnicos. As plantas pareciam falar com ela, revelando-lhe segredos sobre suas propriedades, e ela aprendeu a usá-las rapidamente. Às vezes, tinha visões de pessoas falecidas que falavam-lhe, pedindo-lhe que transmitisse recados aos vivos. Nem sempre o fazia, pois tinha muito medo daquelas coisas, e sabia que apesar de serem procuradas justamente por causa de seus dons mediúnicos, algumas das mesmas pessoas que por vezes se utilizaram deles as criticavam em público.

Aquelas memórias trouxeram outras que Aurora não desejava. Levantou-se, e foi cuidar das suas plantações. Enquanto o fazia, recordou-se que era seu aniversário. Fazia 29 anos de idade. Mas não; era o aniversário de Rúbia, uma pessoa que morrera há dois anos. Aurora fazia aniversário no mês de maio, como diziam seus novos documentos, e tinha 27 anos.

(continua...)


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O Casa do Caminho de Pedras - Parte I




Caminhemos por esta floresta, até chegarmos a uma clareira ampla, onde há uma casinha de madeira um pouco caidinha, mas muito bem cuidada. Na varanda, pendem do teto alguns feixes de ervas que lá foram colocadas para secar. Ao lado da porta, um tacho cheio de frutas: amoras, bananas, limões, goiabas, morangos silvestres, tangerinas, abacates, figos e outras frutas que são facilmente encontradas nas árvores que abundam por ali sem que ninguém as tenha plantado. Com elas, ela faz geleias e compotas que de tão deliciosas, são disputadas na cidadezinha de Vinhedo, onde tudo é vendido. Quando não há frutas disponíveis nas árvores, as pessoas trazem as suas próprias frutas para que ela prepare as compotas e doces.

Olhemos para a lateral direita da casa, e veremos uma pequena horta onde estão plantadas algumas verduras e tomates. Parte é vendida em uma barraca na feira, aos sábados, e o que sobra, é consumido pela própria moradora. 

Nos fundos, há um galinheiro. Os ovos vem dali. As galinhas, patos e marrecos podem ficar tranquilos, pois não virarão jantar - pelo menos, enquanto morarem por ali. Porque os filhotes também são vendidos na feira. Há também um pequeno curral, bem rústico, construído pelas mãos da proprietária daquela casa, onde descansa, mastigando seu capinzinho, a Betânia. Dali vem o leite que é usado para produzir manteiga e queijo. Não é muito, mas serve para o próprio consumo. Quando sobra alguma coisa, também é vendido na feira. Perto dela, o Zezé - um cavalo já velho - espera o momento em que seus serviços serão necessários  para transportar os poucos produtos até a feira.

A eletricidade provinha de um gerador que às vezes dava defeito, e era consertado de graça por seu Manoel mecânico, em troca de alguns produtos. Ela tomava seus banhos no meio da cozinha, em uma tina de água quente que era aquecida no forno à lenha. Não havia chuveiro ou banheira no pequeno banheiro. 

O piso da casa era todo de madeira, que era mantida sempre limpa e encerada. Em alguns pontos estratégicos, havia tapetes de malha trançada, muito coloridos, feitos pelas mãos dela. As pequenas janelas envidraçadas, que abriam para dentro da casa, tinham sido pintadas em pátina branca e azul bem clarinho, por ela mesma. Confeccionara cortinas brancas e curtas, de algodão, em cujas barras ela bordara, em linhas pálidas, pequenas rosas em vermelho , lilás e amarelo, entremeadas de folhas em verde bem pálido. As paredes eram amarelas, muito clarinhas, e havia desenhos de flores coloridas em volta dos portais - que é claro, ela mesma pintara. 

Na parede do corredor, um único quadro com o retrato de sua falecida mãe.

Na sala principal da casa de 4X4, havia uma mesa de madeira antiga, meio-quebradinha e gasta, que ela tinha patinado em branco, e duas cadeiras que ela achara no lixo e reformara, forrando os assentos com tecidos de florzinhas miúdas e patinando-as de branco. Em um dos cantos, um sofá de dois lugares em veludo vermelho, um pouco desbotado, que ganhara de uma de suas clientes. Era antigo, e dava um ar de nobreza decadente ao ambiente. Em frente ao sofá, uma estante antiga (também presente de um de seus clientes) que continha alguns livros já gastos de tão lidos.  Do lado de fora das janelas, sobre os largos peitoris, ela tinha colocado vasinhos de barro pintados de várias cores, onde plantara temperos e flores miúdas.

Na cozinha, imperava o fogão à lenha, uma pequena mesa tosca de madeira, escurecida aqui e ali pelo calor das panelas e a calda derramada das compotas, dois banquinhos redondos que pintara de vermelho-vivo e um armário que continha suas poucas louças - a maioria, doações de suas clientes. Sobre o fogão, seu enorme bule de ágata, também achado em uma lixeira, e cuidadosamente limpo e desamassado por ela. Refizera o cabo com um pedaço de madeira que esculpiu à canivete. Ela era muito habilidosa. Em um canto perto da pia, algumas caixas de madeira empilhadas onde ela colocava vidros de maionese ou café, reciclados por ela, que ela pintaria à mão e que conteriam suas compotas.

Também vendia na feira toalhinhas bordadas, paninhos de croché e tricô e alguns quadrinhos pequeninos, com motivos de paisagens, tão bem pintados, que também eram disputadíssimos pelos seus clientes. E assim ela vivia, e ganhava a vida.

No único quarto, havia uma cama de casal (doada por uma cliente ao ver que ela dormia em um velho colchão, no chão) para a qual ela confeccionara uma linda colcha de fuxicos coloridos. Ao lado da cama, sobre uma mesinha pintada de cor-de-rosa pálido, um pequeno luxo: um candelabro de prata para uma vela grossa, que comprara na cidade. Custara-lhe muito dinheiro, mas desde que pusera os olhos nele, pensou no quanto seria bom possuí-lo. Poderia ler à noite, economizando o combustível do gerador. É claro que ela poderia acender sua vela em um prato velho, mas possuir o candelabro tornara-se um sonho de consumo que ela conseguiu realizar economizando por seis semanas. 

Vestia-se com as roupas que ela mesma costurava, ou com roupas que suas clientes lhe traziam e que ela reformava, retingia, recortava e personalizava. Ninguém poderia dizer que se vestia mal, mesmo que não seguisse a moda. Seus vestidos eram simples, mas belíssimos, sempre de cores claras, imaculadamente limpos e bordados por suas mãos de fada. Gostava muito de usar botas, não apenas pela conveniência (havia muita lama e terra por ali) mas também porque elas mantinham seus pés e pernas aquecidos, já que não tinha muitas calças compridas por não gostar delas.

Vivia em paz naquele lugar aonde chegara há apenas dois anos, vinda de uma outra cidade que ficava bem longe dali, e onde deixara a vida de sua mãe e uma história de muita tristeza e incompreensão.

Aquela paz conquistada não tinha sido de graça. Aquele pequeno mundo que ela criara viera de um outro mundo bem mais conturbado, do qual ela precisara fugir para sempre. Chegar até aquele remanso tinha custado muito caro... usara todas as suas economias para comprar aquele pedacinho de terra com a casinha de madeira, no meio do nada. Para conseguir meio de transporte até a cidade, era preciso caminhar entre a floresta por quase meia hora, e ela dava graças por não precisar fazê-lo todos os dias. Quando o tempo estava seco, era fácil; mas se chovia, a lama chegava aos tornozelos. Por isso, ela começou a catar pedras lisas e formar um caminho até a estrada, aonde estava o ponto de ônibus. Precisaria de muitas! Algumas pessoas, ao encontrar alguma pedra que achariam que poderia servir, levavam-na até o caminho e a colocavam lá. Assim, aos poucos, a estradinha até a porta de sua casa ia sendo feita. E sua casa ficou sendo conhecida como A Casa do caminho de Pedras.

Mas quem era a moça que vivia ali? Vamos olhar um pouco para ela, agora que compreendemos seu estilo de vida:

Não era muito alta, e um pouco magrela, devido ao grande gasto calórico que seu trabalho e estilo de vida a submetiam. Tinha cabelos muito negros e lisos, que quando soltos, alcançavam sua cintura, mas por conveniência, mantinha-os quase sempre presos em um coque na nuca. Suas mãos eram lindas: dedos finos e longos, terminando em unhas ovais rosadas, com meias-luas muito brancas, apesar de trabalhar na terra constantemente. Para mantê-las assim, sempre limpas e macias, sempre usava luvas para mexer na terra, e após o trabalho,  limpava-as todas as noites com sumo de limão e uma escova macia. Seu rosto não era realmente bonito - o nariz era um pouco afilado demais, e as sobrancelhas um pouco grossas e muito escuras que ela nunca tirava, davam-lhe um ar meio-desproporcional ao rosto fino e levemente bronzeado. Tinha um ar meio-selvagem/contido, devido ao contraste entre os olhos verde-escuros e o comportado coque, que emprestava-lhe uma aparência respeitável. Os lábios eram finos e delicados, e os dentes eram brancos mas um pouco tortos . 

Seu nome? Poderia ser qualquer nome. Mas ela escolhera para viver naquela cidade, Vinhedo, um que achava que combinaria com as vinhas que ela vira de dentro do ônibus de manhã cedinho, aquele ônibus que tomara à noite, por acaso, em seu momento de desespero na estação da outra cidade onde vivera; ela vislumbrara vinhas que se perdiam de vista na imensidão daquelas terras: Imediatamente, achou que ninguém a reconheceria por ali, ou suporia procurá-la naquele lugar pequeno e inusitado, há milhares de quilômetros de distância de onde ela vinha. Escolhera por nome Aurora. Porque os céus rosados com voos de pássaros encimavam as plantações e o movimento lento dos primeiros trabalhadores. Porque a névoa da manhã ainda se dissipava ao calor dos primeiros raios do sol. Seria Aurora, deixando para trás a negra vida de Rúbia. Deixaria para trás a noite de sangue e ruína, os gritos acusadores, as lágrimas e as dores causadas pela mentira, a calúnia e a incompreensão daquelas pessoas. Deixaria para trás a vida que tivera com sua mãe - por quem ainda chorava e de quem sentia muita falta, mas que deveria ficar no passado, junto com as outras pessoas e acontecimentos. Isto, se ela quisesse realmente seguir em frente e reconstruir a sua vida.

Assim, pediu ao motorista que a deixasse ali, no meio daquela estrada. Ele ainda perguntou se ela tinha certeza; afinal, não havia nada por ali. Não havia casas, apenas as vinhas em ambos os lados da estrada, e os raios de sol que chegavam, dissipando a neblina. Ela assentiu com a cabeça. Inventou uma história sobre uma tia que morava ali perto e que a estava aguardando. E depois, ficou olhando o ônibus partir, carregando sua única valise, até que ele sumiu lá na frente, na primeira curva daquela estrada tão reta. 

Apertou o casaco contra o corpo para proteger-se do frio. Suspirando fundo, começou a caminhar lentamente, sem saber para onde ir. Carregava em sua pequena valise algumas poucas mudas de roupas e um saco de pano com o dinheiro que João, seu único amigo e advogado, conseguira pela venda da casa, do carro e de seus demais bens. Sentiu-se triste ao lembrar-se de que nunca mais o veria, ele, o único que permanecera ao seu lado depois de tudo o que acontecera. Acolhera-a em sua casa, dando-lhe carinho e abrigo, sem nada pedir em troca. Ignorou as calúnias que circulavam sobre ela e sua mãe. Ajudou-a com a venda do que restara da sua casa, seu carro e um terreno. Insistiu para que ela reconsiderasse sua decisão, e ficasse com ele. Disse que concordaria em mudar-se com ela para qualquer outro lugar, pois ele a amava apaixonadamente (ainda se lembra da surpresa agradável que aquela confissão fora de hora lhe causara. A quentura no coração, de saber-se amada, afinal, por uma única pessoa no mundo todo.  Descobriu que o amava também, e que exatamente por isso, não poderia deixar que sacrificasse sua vida por ela. João era um advogado com uma carreira de sucesso pela frente, que trabalhava em uma grande firma e resolvia casos dificílimos.

 Conheciam-se desde a faculdade, onde ela estudara Ecologia, especializando-se em Botânica. Eram tão diferentes... ele, filho de pais ricos e bem sucedidos, prático, seguro de si; ela, filha de mãe solteira, pai de origem desconhecida, mística e emotiva. mas alguma coisa aproximara os dois, desde o primeiro momento em que começaram a conversar na cantina da faculdade. Uma grande amizade nasceu. 

João a amara desde o primeiro momento, mas sabia que sua família não a aprovaria. Não tinha coragem suficiente para ir contra as normas impostas pelos pais. No fundo, ele mesmo era preconceituoso, e sabia que Rúbia não se encaixaria entre seus amigos. Não havia lugar para ela em sua vida; seria como plantar uma roseira selvagem dentro da sala escura de um apartamento. Assim, amou-a em segredo, embora os dois se encontrassem quase todas as noites de sexta-feira para ir ao cinema, conversar ou simplesmente deitar-se na relva do campo de golfe e olhar as estrelas. E naquelas conversas, ele se apaixonava cada vez mais. E ela também, mas não admitia nem para si mesma; achava-se pouco demais para ele. Evitava aparecer ao seu lado em público, pois sabia que suas roupas simples o envergonhariam diante de seus amigos sofisticados, que nem sequer sabiam de sua amizade.

Uma noite, a paixão aflorou naquele campo de golfe. Talvez tivesse sido pela influência daquela lua cheia azul e  enorme. Quando viram, estavam nos braços um do outro, e ela entregou a João a sua virgindade. E ele a amou calma e cuidadosamente, sabendo que aquilo nunca mais deveria acontecer. E ela deixou-se ser amada, registrando na memória cada momento, sabendo que a vida estava lhe dando um presente que ela deveria devolver dentro em breve. O silêncio que reinou quando eles se separaram (nunca mais tocaram no assunto) registrou e selou a impossibilidade daquele romance. Passaram a se encontrar menos. 

Mas quando tudo aconteceu, ele voltou e ficou ao lado dela. E descobriu que não poderia deixá-la ir embora, sem se importar em contrariar a vontade dos seus pais e atraindo para si a revolta das outras pessoas. Ele defendeu seu caso e colocou na cadeia os assassinos de sua mãe - gente importante e influente. 

Todas aquelas memórias voltaram para ela - agora, chamada Aurora - enquanto ela caminhava devagar, e o sol fazia-se alto no céu. A última memória que teve de João foi do beijo de despedida. Não deixou que a levasse à estação, pois não queria que ele soubesse para onde ela iria. Jogou fora os seus documentos e o celular. 

Rúbia morrera.





A RUA DOS AUSENTES - Parte 4

  PARTE 4 – A DÉCIMA TERCEIRA CASA   Eduína estava sentada em um banco do parque. Era uma cinzenta manhã de quinta-feira, e o vento frio...