quinta-feira, 22 de agosto de 2013

As Aventuras de D. Iraci e D. Nena - O Grito do Lobo


D. Iraci está na cozinha, terminando o jantar na noite de sexta-feira. Marluce, a galinha, permanece tranquila encolhidinha em sua caixa de papelão junto ao fogão, tranquila sim, pois já não sofre mais a ameaça de tornar-se, ela mesma, o jantar.

Cantarola daqui, cantarola dali, um pouco mais de água na panela do arroz, destampa o ensopado de frango e testa o sal. Daqui a pouquinho o maridão vai chegar em casa, e os filhos, Uelinton, Uélerson e Gleidson, chegarão do futebol. Ela desliga o fogo das panelas e passa água nas mãos, dando uma última sacolejada com as ancas ao som da música que toca no rádio. De repente, ouve Nena, a vizinha chamar seu nome:

"Ô Iraciiiii!"

Marluce estica o pescoço, e Iraci corre lá para fora, onde vai conversar com Nena, que a aguarda do outro lado do muro.

"Fala, mulher! Que gritaria é essa?"
"Imagina que fiquei sem antena?"
"Jura? Mas por que?"
"Aqueles peste dos moleque jogando bola na rua, rebentaram meu fio. E o homem da manutenção disse que só vai dar um jeito na segunda feira! Logo amanhã, que vai passar aquele filme que eu tô esperando um século pra assistir, "O Grito do Lobo!"
"Ara, tem pobrema não, mulher! Vem assistir aqui em casa!"

E fica resolvido assim.

Na noite de sábado, Dona Iraci prepara alguns sanduíches de queijo com café para receber a família da vizinha, e o marido reclama:

"O muié, além de ceder o aparelho de TV a gente vai ter que sustentar eles?"
"Deixa de pão-durismo, homem! É um dia só!"

Logo chegam Dona Iraci com o marido, as filhas Charlene e Creuza e o filho Ribamar. Ela traz um tabuleiro com bolo de aipim, e munidos de copos de café e pratinhos de papelão com bolo e sanduíches, eles se ajeitam como podem na pequena sala de D. Nena. Ao todo, são dez pessoas: quatro espremidas no sofá de três lugares, quatro sentadas nas cadeiras desconfortáveis trazidas da cozinha e duas no chão.
Assistem a novela, o Jornal, o programa de comédia... finalmente começa o que todos estavam esperando: "O Grito do Lobo!"

Durante os comerciais, as comadres levam a louça suja para a cozinha e fazem mais café. As crianças gritam, chamando as duas, pois o filme vai recomeçar.

Nenhum som. Todos os olhos vidrados na tela da TV, enquanto o lobo devora mais uma vítima inocente. No final, sobra apenas o mocinho do filme, que deixa a cidade numa nuvem de poeira - carregando consigo a maldição do lobo!

Charlene, muito impressionada, ainda treme um pouco. Uélerson tenta consolá-la, achegando-se para mais perto dela, mas recebe um safanão de Dona Iraci.

Já passa da meia-noite, e lá fora, um cachorro uiva bem alto, provocando gritinhos em Charlene e Creuza:

"Ai, mãããe! Será que é o lobo?"

D. Iraci responde: "Larga de bobagem, menina! Que lobo o quê! É o vira-lata da Dona Alice!"

Lá fora, uma lua cheia brilha bem no meio do céu. Cada sombra de arbusto, parece-se com o lobo. Charlene reclama: "Eu é que não saio daqui nesse escuro!"
O pai responde: "E vai fazer o que, menina? Dormir aqui?"
Ouvindo isso, Gleidison, Uélerson e Uélinton bradam:" "Só se for agora!"
Ao ouvir isto, D. Nena pede à vizinha:

"Se não for abuso, dá pra gente ficar mais um pouco, só até passar a impressão de lobo?" (O que ela não confessa de jeito nenhum, é que ela também estava com medo de sair).
Meio-contrariada, a vizinha responde, com um sorriso amarelo e os olhinhos quase fechando de sono: "Tá bom, se ajeitem mais um pouquinho..."

Daí, eles assistem ao Corujão e ao comecinho da Sessão da Madrugada - durante a qual Zé, o marido de Iraci, sussurra em seu ouvido: "Essa gente não sai mais, não?" E deixa a sala, dando um 'boa-noite' atravessado. O pessoal responde de má vontade, prestando atenção ao filme.

Mas, ao invés de ir para a cama, Zé sai pela porta dos fundos e vai até o morrinho onde se encontra a antena da televisão, girando-a para o outro lado, fazendo com que a TV saia do ar.
Na sala, um "Aaaaahhh" consternado vara a madrugada. Ainda esperam mais uma meia hora, para ver se a imagem retorna. Logo depois vão embora, D. Nena reclamando: "Só pode ter sido os moleque! Rebentaram seu fio também!"

Aliviada, Dona Iraci despede-se dos vizinhos. Quando eles já estão no meio da rua, seu marido, enchendo os pulmões, solta um uivo de lobo tão perfeito, que a cachorrada toda do bairro o acompanha. Aos gritos, os vizinhos apertam o passo, logo entrando em casa e batendo o portão.

Dona Iraci leva um susto tremendo, quando vê o marido surgir detrás da moita, mas logo entende o que tinha acontecido e se recupera:
"Que ideia foi essa agora?"

"O uivo foi só pra evitar deles voltar no meio do caminho!"











quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Fé na Pedra





Um dia, caminhando por um jardim público, em um momento no qual passava por uma imensa tristeza e muitas dificuldades, Julia vislumbrou através da nuvem de lágrimas que encobria seus olhos, alguma coisa que faiscava de brilho, no chão, alguns passos adiante. Secou as lágrimas com as costas da mão, e inclinando-se até o chão, pegou o objeto.

Era uma estranha pedra branco-azulada, com alguns veios dourados que mais pareciam estradas tão finas quanto fios de cabelo em seu interior. O mais incrível, é que ela tinha a forma perfeita de uma pirâmide.

Julia tinha lido, há algum tempo, que pirâmides eram objetos que continham muito poder e magia, e considerou seu achado como um presságio de boa sorte. levou a pedra para casa, e colocou-a em seu pequeno altar, onde já moravam a imagem de São Jorge, em uma estátua, um vaso com flores sempre frescas e uma fotografia de seu falecido pai.

Naquela noite, ela acordou e foi olhar a pedra. Ao acender o abajur, a luz fez com que ela brilhasse intensamente. Era mesmo uma linda pedra! Ainda um pouco entorpecida pelo sono, Julia viu-se fazendo um pedido à pedra: que lhe ajudasse a ter sorte na entrevista de emprego que faria na manhã seguinte.

Quando amanheceu, ela vestiu-se muito bem, maquiou-se levemente e, confiante, sentou-se à mesa para o café. A mãe e a irmã comentaram que Julia estava com uma aparência radiante! Foi para sua entrevista, e foi imediatamente selecionada, entre muitos candidatos!





Depois de apenas algumas semanas, recebeu uma promoção e um bom aumento de salário. Os colegas a olhavam com admiração, dizendo que não era comum que funcionários novos fossem promovidos tão rapidamente. Julia sorriu, lembrando-se de seu amuleto da sorte.

Um dia, após o trabalho, ela estava indo para casa, em uma tarde quente de verão. Suava em bicas dentro do coletivo lotado, e ao chegar em casa, olhando para a pedra, pensou: "Gostaria de poder ter um carro para ir ao trabalho e voltar para casa..." No dia seguinte, ficou sabendo que a companhia ceder-lhe -ia um de seus carros.

Desde que encontrou a pedra, a vida de Julia mudou radicalmente, e para melhor! Passou a ter mais confiança em si mesma, e coragem para ir atrás das coisas que desejava. Sua fé aumentou consideravelmente, e embora ela atribuísse tudo à pedra que encontrara, não sabia que esta era apenas um objeto que a ajudava a acreditar em si própria. Um símbolo, através do qual ela projetava a si mesma.

Um dia, recebeu em sua casa a visita de uma velha amiga, que ao ver a beleza da pedra, perguntou a Julia do que se tratava. Animada, ela contou-lhe toda a história - da tristeza em que se encontrava ao achar a pedra, e da reviravolta que sua vida dera desde que levara a pedrinha para casa. A amiga, que era uma pessoa muito religiosa, quase beirando ao fanatismo, imediatamente retrucou:

"Jogue esta pedra fora, Julia! Com certeza, é um amuleto do diabo. Superstições não ajudam ninguém a melhorar de vida, apenas a fé pura em Deus e em Nosso Senhor Jesus Cristo."

"Mas... mas eu tenho fé em Deus e em Jesus Cristo!"

"Se tivesse, não precisaria de uma simples pedra. Prove que tem fé realmente, jogando-a fora agora mesmo!"

Julia hesitou bastante. mas finalmente, após a insistência da amiga - que teimava em descrever a Julia o que significava a verdadeira fé - ela pegou a pedra e atirou-a com força pela janela.

Na manhã seguinte, após uma noite mal-dormida, ela amanheceu adoentada, e não pode ir ao trabalho. No outro dia, quando apareceu no escritório, tinha a aparência cansada, e cometeu muitos erros. Semanas depois, foi demitida. Em pouco tempo, Julia voltou a ser a pessoa triste e derrotada que fora antes de encontrar a pedra.




Moral da história: quem somos nós para questionar a fé de alguém? Talvez, para alguns, a fé em um simples objeto ou ritual, as ajude a se tornarem mais confiantes, até que possam perceber, em seu próprio tempo, que na verdade, não necessitam dele.




Às vezes, Deus nos manda uma pedra quando precisamos de fé.



segunda-feira, 12 de agosto de 2013

AMOR IMPOSSÍVEL - FINAL




Bruno estava na estação , de malas prontas, com um olhar ansioso, que só se tranquilizou quando viu Camila correndo para ele. Tinham tanto a dizer um ao outro, e tão pouco tempo para fazê-lo. Decidiram ficar de mãos dadas, se olhando longamente, prevendo as enormes cartas de amor que escreveriam um para o outro, os telefonemas , as férias. Talvez, com o tempo, seus pais até os deixassem sair sozinhos. 
Quando ele entrou no ônibus e este começou a se movimentar, ela o acompanhou correndo até perder o fôlego, triste por ele estar partindo, mas com o coração aquecido pelo que viria depois.


E os meses se passaram. As cartas se acumulavam em suas gavetas, cartas que eram lidas e relidas tantas vezes que tornavam-se amassadas , cheias de marcas de ketchup ou mostarda. Pelo menos duas vezes por semana falavam-se por telefone, longas ligações , e sempre tinham muito a contar. As férias chegaram, e Bruno estaria vindo para visitá-la dentro de três dias. 
Marta e Claudio acharam que tinham tomado a decisão correta, vendo a felicidade da filha estampada no rosto, e sentindo que a confiança dela neles aumentara consideravelmente. Conversavam muito mais, e ela lhes contava sobre seus planos , coisa que jamais fazia . Por isso, quando chegou o dia da chegada de Bruno, eles concordaram que ela fosse encontrá-lo sozinha no parquinho ( com a condição de logo voltarem para a casa ) , o que ela concordou imediatamente. Teve tempo de telefonar para Bruno e dar-lhe a boa notícia.

- Adivinha! Meus pais concordaram da gente se encontrar sozinhos! 
- Jura? Mas você é mesmo uma bruxinha. Consegue tudo o que quer!
- Que horas você chega?
- Acho que antes do que eu pensava. Vou pegar carona com um amigo, então acredito que lá pelas três da tarde eu estou chegando por aí.
- Então vá direto para o parquinho, eu te espero lá. Não vejo a hora de te ver...
- Nem eu. Olha, Camila, tem uma coisa que eu preciso te contar. Uma coisa que já aconteceu há algum tempo, mas não tive ainda coragem de te falar.

Mil coisas passaram pela cabeça dela. Será que ele tinha ficado com outra?

- Olha, Bruno, se for alguma coisa que você fez por aí, eu não quero saber.
- Como assim?
- Sei lá, se de repente você ficou com alguém, não aguentou, pintou a vontade, e aconteceu... eu prefiro não saber, entende? Prefiro que você não fale comigo. 
- Você está certa... mas não é nada disso, sua boba. Pintou uma vontade sim, mas de dizer que eu te amo...
- Puxa, você nunca falou isso antes!
- Mas resolvi falar agora. Pensei em te dizer olhando nos olhos, mas bateu a vontade de te falar agora, só para fazer você me esperar mais feliz.
- E pode Ter certeza: Surtiu efeito!
- Agora tenho que desligar. Meu amigo tá chamando para a gente ir. Três horas!
- Três horas!




Só depois que desligou o telefone, ela se deu conta que não tinha dito que o amava também. Mas diria pessoalmente.

As duas horas, Camila já estava impaciente, andando de um lado para o outro. Às duas e quarenta, despediu-se dois pais e foi correndo para o parquinho. Seu coração batia descompassado, e seu estômago dava voltas. Um friozinho gostoso de antecipação corria pela sua espinha. 

Três horas. Ele estaria chegando a qualquer momento. Pegou um espelhinho na mochila, espalhou batom sabor morango pelos lábios. Iria beijá-lo até deixá-lo sem fôlego.
Andava de um lado para o outro, sentava-se no banco do parque, olhando as crianças que corriam umas atrás das outras. Três e quinze. Ele estava atrasado, e para esperar o tempo passar, ela foi jogar bola com algumas meninas que brincavam ali por perto. Quando olhou novamente o relógio, já eram três e trinta. “O melhor da festa é esperar por ela”, pensou. Logo, as meninas se despediram de Camila e foram para suas casas. Três e quarenta e cinco. Sentada no banco, um pouco suada devido à correria, Camila torcia as mãos no colo, estalava os dedos. Quatro horas. Quatro e cinco. Quatro e dez... o céu estava ficando escuro, e nuvens pesadas se aproximavam no horizonte. Abriu a mochila e viu que tinha esquecido o guarda chuva. Começou a sentir frio. Uma gota grossa caiu bem na ponta de seu nariz, seguida por outra, e por outras. Logo estava chovendo pesadamente. Ela permanecia sentada no banco do parque, já que não havia nenhum abrigo por perto. Num instante, pingava água de seus cabelos encharcados, e o frio aumentou.

Alguém vinha chegando numa capa de chuva preta, lá longe, andando bem devagar. Era um homem. 
Camila levantou-se, tentando divisar a silhueta de Bruno. Mas conforme ele se aproximava, viu que era seu pai. Quando ele chegou mais perto, notou que a expressão no rosto dele era fechada, como ela nunca tinha visto antes. Um mau sentimento apossou-se dela, mas ela não conseguia se mover. 

Cláudio parou diante da filha, abrindo os braços para que ela pudesse aninhar-se neles. Sem nada dizer, ele correu para o pai e abraçou- o . Cláudio deixou-a ficar assim por alguns instantes , até que segurou seu rosto entre as mãos e disse as tristes palavras que o haviam trazido até ali:

- Querida, eu... você vai Ter que ser forte.
- Não. Nãããão! Eu não quero ouvir!

Camila empurrou o pai e afastou-se dele, virando-lhe as costas e tapando os ouvidos. Bruno não a queria mais. Seu pai mudara de ideia e não deixaria mais que eles namorassem. Os pais dele o proibiram. 

- Não, não, não!!! 
- Camila, olhe para mim, filha...
- Pai, me deixe em paz!
- Camila, ouça!...

Ela só gritava e tapava os ouvidos. Claudio segurou-a pelos ombros , sacudindo-a violentamente. Ela estava histérica, totalmente fora de controle, e por isso Cláudio respirou fundo e deu-lhe um tapa no rosto. Na mesma hora ela se acalmou e ficou fitando-o com os olhos arregalados, respirando apressadamente.
Ele esperou até que sua respiração voltasse ao normal. 

- Houve um acidente, um terrível acidente.
- Bruno morreu!
- Bruno morreu.

Enquanto ela desfalecia em seus braços, Cláudio segurou-a no colo e sentou-se no banco, embalando-a como se ela tivesse voltado a ser um bebê. Depois, tendo-a ainda em seus braços, deitou sua cabeça em seus ombros e levou-a para casa. Sabia que tinham um longo inverno tempestuoso pela frente.



AMOR IMPOSSÍVEL - PARTE II




Magda telefonou aos tios, e em dez minutos ambos chegaram ao clube. Cláudio parecia furioso, enquanto Marta tentava acalmá-lo, apesar de também estar desesperada. Estavam os quatro conversando no jardim, tentando decidir o que fazer, quando uma porta se abriu e Camila e Bruno saíram por ela, abraçados. Sem se darem conta do que estava acontecendo, ambos pararam para se beijar. Marta, Claudio, Magda e Marina os observavam, estupefatos. Marta via que algo nas feições da filha tinha mudado. 

Ambos conversavam em voz baixa, enquanto se encaminhavam de volta para o salão de mãos dadas. Foi quando viram Cláudio, furioso, caminhando na direção deles seguido por Marta e as duas meninas. Os dois pararam, largando as mãos, sem saber o que fazer. Bruno empalideceu. Tudo foi muito rápido: Claudio agarrou Bruno pela gola da camisa e ia dar-lhe uma surra, quando Marta , quase gritando em seu ouvido, pediu que ele evitasse um escândalo, já que outras pessoas estavam se reunindo à volta deles. 

Voltando à razão, Cláudio puxou Camila para seu lado e disse a Bruno, com a voz contida:

- Se você fez alguma coisa com minha filha, eu ponho você na cadeia. 
- Pai, a culpa foi toda minha, eu que levei ele...

Marta mandou que Camila se calasse, dando-lhe uma bofetada. Cláudio mal podia acreditar no que estava acontecendo. Magda e Mariana permaneciam mudas de espanto. Bruno falou:

- Eu adoro sua filha. Se ela quiser, eu caso com ela.
- Casar! 

Cláudio soltou uma gargalhada.

- Você sabe, seu idiota, que ela tem quatorze anos?
- Sei. Mas a gente se ama, o que importa a idade? 

Camila tentou interferir e correr para o lado de Bruno, mas Marta segurou-a firmemente, e foi andando com ela em direção ao carro, enquanto Camila gritava e tentava se soltar . Cláudio segurou Bruno pela gola da camisa mais uma vez , e aproximando bem seu rosto do dele, falou:

- Minha conversa agora é com seu pai. De homem para homem. Não me entendo com moleques.
- Eu não sou nenhum moleque. Estou disposto a reparar qualquer coisa que eu tenha feito que prejudique a Camila. 
- Você foi longe demais. A única coisa que você poderia Ter feito para não prejudicar a Camila, seria Ter ficado longe dela. 
- Eu tentei, eu juro! 

Bruno agora chorava descontroladamente. Apesar da raiva que estava sentindo, Claudio não pode deixar de Ter pena do rapaz e soltou- o .

- Amanhã de manhã vou até sua casa conversar com seus pais. Você vai ter que se afastar de minha filha. Senão, estou disposto a processá-lo por corrupção de menores. E reze, reze muito para que ela não tenha ficado... ficado...

Claudio não conseguiu completar sua frase. Só a ideia de sua filha de quatorze anos grávida, era o suficiente para fazê-lo pensar em morrer. 
Bruno pensou em dizer-lhe que tinham usado camisinha, mas achou que isso só iria piorar a situação, já que as mesmas tinham sido compradas por Camila. 




Fim da festa. Todos foram embora. 
Durante a conversa com os pais de Bruno, ficou decidido que Bruno iria deixar a cidade para estudar . 
Magda concordou em não contar aos tios que Mariana estava envolvida em tudo, já que Camila não tinha contado nem para sua melhor amiga o que pretendia fazer. 

Uma semana depois, quando todos estavam mais calmos, Claudio e Marta decidiram Ter uma conversa com a filha. Camila estava em seu quarto, lívida de dor. Passara a semana toda chorando, e não quis receber Mariana quando esta lhe procurou. Claudio concordou com Marta quando esta lhe pediu que a deixasse falar com a filha a sós. Teria de contar a ela que Bruno viajaria no dia seguinte. 

- Filha, posso entrar?
- Me deixe sozinha, mãe.
- Por favor, tem algo que você precisa saber.

Camila abriu a porta do quarto e deitou-se de bruços na cama, olhando a paisagem desolada lá fora. Chovia muito, uma chuva triste , que formava correntezas pelo meio-fio.

- Camila, um dia você vai entender por que estamos fazendo isto.
- Fazendo o que? Acabando com minha vida?

Marta suspirou. Queria abraçar a filha, mas sentia-a tão distante, que se deteve.

- Bruno vai embora amanhã. 
- Embora?

Lágrimas de frustração encharcavam o rosto de Camila. 

- Vocês não entendem... ele não teve culpa de nada, fui eu... eu o provoquei, eu propus que namorássemos escondido, eu o arrastei para dentro daquele quarto, lá no clube. E quer vocês gostem, quer não, foi o dia mais feliz da minha vida.
- Conheço você o suficiente para saber que está dizendo a verdade. O que eu não quero... o que eu e seu pai não queremos é que você destrua sua vida, que faça coisas para as quais nem você e nem ele estão prontos para assumir. Olhe bem, Bruno ainda é um menino! Você gostaria que ele interrompesse seus estudos, assumisse responsabilidades , e depois, olhasse para trás e acusasse você de tê-lo feito desistir de seus sonhos?
- Mas os sonhos dele incluíam a mim, mãe...

Camila soluçava.

- A gente só queria ficar juntos, namorar, como qualquer casal da nossa idade. Se você e papai tivessem concordado, nada disso teria acontecido.
- Admito que erramos. Mas todo mundo pode errar quando tenta defender alguém que ama. 
- Se sabem que erraram, por que não deixam a gente ficar juntos? Por que papai fica ameaçando o Bruno de denunciá-lo se ele não for embora?
- Camila, agora que vocês já transaram a primeira vez, seria impossível que não houvessem outras vezes. Você ainda não é uma mulher feita. Estamos tentando evitar o pior, para vocês dois.

Camila não respondeu. Enxugou o rosto com o punho da blusa. 

- Filha, eu e seu pai decidimos que, se quando ele se formar ainda quiser namorar você, a gente não vai impedir. 
- Mas isso vai levar no mínimo quatro anos!
- Quatro anos nos quais vocês poderão escrever um para o outro, trocar telefonemas, fotos... 
- Desde que a gente não se toque, não é?
- Quando ele vier para as férias, ele pode visitá-la. Mas aqui em casa. Diante de mim e de seu pai.
- E você acha que ele vai concordar com uma coisa dessas? Você acha que um homem vai ficar sem tocar uma mulher durante quatro anos?
- Filha, ele já concordou.

Camila virou-se na cama para encarar a mãe.

- Como puderam pedir isso a ele?
- Não pedimos, ele nos propôs. Depois disto, entendemos que ele realmente gosta muito de você.

Um leve sorriso insinuou-se no rosto da menina. Ela sentou-se na cama.

- Isso é verdade, mãe?
- Verdade verdadeira. Tanto que, nesse exato momento, ele está esperando por você na estação para se despedir. Mas vá correndo, que o ônibus dele sai em menos de uma hora.

Camila saltou da cama, abraçando a mãe. Neste momento, Claudio entrou no quarto e ela pulou no colo dele, que a abraçou sorrindo. Como um furacão, Camila saiu de casa e bateu a porta, sem nem ao menos se lembrar de pegar um guarda chuva.

(continua)



AMOR IMPOSSÍVEL - Parte I (UM CONTO ADOLESCENTE)





Debaixo de seu guarda-chuva, Camila esperava por Bruno no parquinho vazio. Ninguém se atreveria a sair de casa num domingo como aquele. A chuva fina parecia envolver tudo, tornando escuros os troncos das árvores e formando gotículas que mais pareciam diamantes, brilhando sobre o musgo aveludado do muro. O ar frio da manhã entrava-lhe pelas narinas, levando o cheiro de chuva para dentro dela. 

Dissera a seus pais que precisava terminar um trabalho da escola, e que iria até a casa de sua amiga Mariana. Sua mãe, muito severa, ligara para a casa de Marina antes de Camila sair, para confirmar a estória da filha. Como ela tivesse apenas treze anos de idade, ainda achava que era muito cedo para que ela namorasse. Confirmada a estória ( Mariana era uma cúmplice fiel da amiga) , a mãe de Camila sorriu aliviada, e enquanto enrolava um cachecol em volta do pescoço da filha, disse-lhe:
“desculpe, querida, mas você está na idade de estudar, e não de namorar. Além do mais, esse Bruno já tem dezoito anos, é muito mais velho que você. Não daria certo. Agora vá, e não volte muito tarde. Te esperamos para o almoço”. 

Camila beijou a mãe, despediu-se do pai , que lia o jornal na sala de estar, e partiu, carregando um livro de Geografia. 

No parquinho, os balanços vazios balançavam, impelidos pelo vento. Ela permanecia de pé, pois era impossível sentar-se nos bancos encharcados. Logo, uma silhueta indistinta desenhou-se no meio da chuva fina e da neblina. Era Bruno. Vestia uma capa de chuva preta, e não trazia guarda-chuva. Ambos se abraçaram, sem nada dizer, e depois se beijaram longamente. Toda vez que ele a beijava daquele modo, Camila sentia um arrepio gostoso percorrer-lhe o corpo todo. Era sempre como se fosse a primeira vez. 

Bruno abriu uma caixa de chicletes e ofereceu-lhe um. 

- É de tutti - frutti. 

Camila colocou-o na boca e deixou o açúcar derreter bem devagar. Beijaram-se novamente, desta vez sentindo o gosto do chiclete transferindo-se de uma boca para a outra. O coração dela batia descompassado, enquanto as mãos dele percorriam sua nuca, descendo suavemente pelas costas, indo descansar em sua cintura. A respiração de ambos tornou-se ofegante, e ela deixou cair o guarda chuva aberto que foi sendo levado pelo vento, ficando preso num arbusto próximo. A chuva trouxe-os de volta à realidade. Bruno correu atrás do guarda chuva e agarrou-o um segundo antes que ele voasse para longe. Ambos riram. 

- O que você disse para sua mãe?
- Que ia fazer um trabalho na casa de Mariana.

Mostrou-lhe o livro de Geografia.

- Pena que eles não deixaram a gente namorar. Sempre a velha estória; “você ainda é muito novinha...” 
- Eu tentei falar com eles, mas seu pai nem quis me ouvir. Sua mãe ainda foi mais gentil.
- Ela é mulher também...


Bruno riu . Achou engraçado Camila incluir a si mesma no grupo das mulheres adultas. Sabia muito bem que ambos eram apenas dois adolescentes, embora Camila aparentasse ter dezesseis anos, pois era mais alta que as meninas de sua idade. Por isso tinha se interessado por ela. Quando descobriu que ela tinha apenas treze anos, quis terminar o namoro, mas viu que era tarde demais: estava apaixonado. Sentia-se confuso, pois o desejo que nutria por ela era muito forte, e não poderia ser satisfeito. Precisava lembrar-se que há bem pouco tempo atrás, ela era apenas uma criança. 




Camila acariciou o rosto dele com a ponta de seus dedos gelados, contornando-lhe a boca.

- Você sabe que é meu primeiro namorado?
- Já imaginava. No início, você nem sabia beijar...

Ela deu-lhe um tapinha no ombro.

- Seu mentiroso! Eu aprendi na revista!
- Mas teoria é bem diferente de prática!

Ela colou os lábios nos dele novamente. Introduziu a língua em sua boca, procurando pela dele. Bruno afastou o rosto, ofegante.

- Já te pedi para não me beijar assim...
- Não gosta?
- Este é o problema: adoro! Mas isto me faz Ter vontade de fazer outras coisas com você. Coisas que eu sei que não devemos ainda. Não podemos.
- Mas a gente podia ao menos brincar...
- ... com fogo? Menina, eu não quero que você se machuque, ou se arrependa depois. 
- Mas eu sinto por você a mesma coisa que você sente por mim. Este desejo, esta vontade de ficar sozinha com você, de fazer coisas...

Bruno saiu de debaixo do guarda chuva , andando de um lado para o outro.

- Camila, você só tem treze anos.
- Mas você já fez antes, não fez? 
- Isso não vem ao caso...
- Claro que sim! E quantos anos você tinha quando transou pela primeira vez?
- Camila, eu...
- Quantos anos?

Ele respirou fundo.

- Você não desiste, heim? Eu tinha quinze.
- Todo mundo acha que eu tenho dezesseis...
- Mas você não tem; olha, um dia pode ser que a gente não fique mais juntos e você se apaixone por outro, e...
- Isso nunca vai acontecer.

Bruno jogou os braços para o alto, e voltou para debaixo do guarda-chuva. Enlaçou-a pela cintura.

- Se isso não acontecer, daqui a uns dois anos, quem sabe.
- Dois anos?! Você vai aguentar ficar dois anos nesse chove-não-molha?
- Que horas são?
- Hein?
- Que horas são? E se sua mãe ligar para a casa da Mariana?
- Ela diz que eu estou no banheiro.
- E se sua mãe não acreditar?
- Problema dela.
- Camila, eu topei namorar escondido, contanto que a gente tomasse cuidado. Não quero confusão. 
- Sabe, às vezes parece que você tem trinta anos.
- Tenho medo de que eles descubram tudo e aí... já era!

Ela recobrou um pouco do bom senso:

- Você está certo. Não posso nem pensar em ficar sem te ver.

Olhou o relógio; eram quase onze horas.

- Tenho que ir. A gente se vê amanhã?
- Claro. Te pego na escola.

Eles se despediram, e Camila foi para casa. Quando chegou, sua mãe estava terminando de preparar o almoço, e Camila ajudou-a a por a mesa. 





- Filha, seu aniversário é no mês que vem . Estive conversando com seu pai, e pensamos que você gostaria de dar uma festinha e chamar seus amigos. Que tal?
- Legal! Posso convidar quem eu quiser?
- Claro! Faça a lista. Alugaremos um salão de festas no clube.
- Mãe, que ótimo!

Camila deu a volta na mesa e beijou a mãe. 

- Só que... sabe, eu e o Bruno éramos amigos antes de... antes da gente tentar namorar. Não vejo motivo para virar a cara para ele agora, sö porque vocês não querem que a gente namore. Posso convidar o Bruno?

Neste momento, o pai de Camila entrou na sala de jantar.

- Não. Isto é definitivo.
- Mas pai, por que? Não tem nada a ver... por que a gente não pode ser nem amigos?
- Porque este garoto é muito mais velho, pertence a outro grupo. Seus amigos têm entre doze e quinze anos, não vejo porque incluir alguém que não pertence ao grupo de vocês.
- Mas eu ...
- Camila, eu já disse que não!


Ela bufou, exasperada. Pisando firme, foi para o quarto e bateu a porta. Sua mãe seguiu-a, dizendo que o almoço estava pronto, mas ela berrou: “não estou com fome”. 

- Querido, realmente não vejo razão para proibi-la de convidar o rapaz. Você sabe muito bem que o que é proibido tem muito mais atrativos.
- Marta, acho melhor cortar o mal pela raiz.
- Mas Claudio, você quer que ela fique infeliz no dia de seu aniversário?
- Eu não acho conveniente e pronto.

Marta sentou-se e começou a servir o almoço.

- Quando nos conhecemos, você tinha vinte anos, e eu, quinze.
- Eu sei. Mas foi diferente. Eu já tinha um emprego, fazia faculdade, era mais maduro. Ela sö tem treze anos e esse garotão ainda nem terminou o vestibular. Nem sabe que rumo vai tomar na vida.
- Mas eles são apenas garotos, e provavelmente isso não vai dar em nada. Daqui a um tempo ela esquece esse menino, ainda é criança e não sabe o que quer.
- Mas Marta... nós sabemos o quanto nossa filha é diferente das outras meninas da idade dela. As revistas que lê, os gostos, as opiniões.... são maduras demais. Eu tenho medo de que tudo isso seja apenas um disfarce.
- Como assim?
- Ela finge essa maturidade toda para poder fazer coisas que sua idade não permite. Por exemplo, quando ela tinha doze anos, deixamos que viajasse para os Estados Unidos com as amigas, e ela ligava no meio da noite chorando de saudades.
- Ora, francamente! Elas não foram sozinhas, a mãe da Mariana estava junto. Acho que devíamos mostrar um pouco mais de confiança na nossa filha. 
- Ela parece madura para umas coisas, mas às vezes, quando a vejo dormindo, sem aquela máscara de mulher determinada... vejo o quanto ela é apenas uma menina. Daqui a alguns anos, se ela ainda gostar deste menino, e se ele ainda pensar nela, quem sabe. Agora, não. 




Marta sabia que Claudio estava certo. Mas não suportava ver Camila sofrer. Sabia também que Claudio era praticamente irredutível em suas decisões , portanto terminou o almoço em silêncio.

No dia seguinte, Bruno foi encontrar Camila na saída da escola, como haviam combinado. Ela ficou susprêsa ao ver que ele dirigia o carro do pai. Bruno abriu-lhe a porta do carro com exagerada cerimônia, e ela entrou , dando gritinhos de alegria. Foram até uma rua sem saída onde não havia muitas casas, e ele desligou o motor. Depois de ficarem conversando durante alguns minutos sobre a escola, as provas e outras coisas que sempre ocupam a mente dos adolescentes, ela contou-lhe sobre a festa.

- Meus pais resolveram dar uma festa em meu aniversário. Querem alugar o salão no clube.
- Legal! E você reage com essa cara de bola murcha?
- Eles não me deixaram convidar você.
- Você tá louca? Como é que... você pediu para me convidar?!
- Lógico que sim!

Ele balançou a cabeça.

- Você é louca, mesmo! Eles vão acabar desconfiando.
- Bom, eles não deixaram eu convidar você. Portanto, eu disse que não quero festa nenhuma.
- Ah, mas você vai mudar de ideia.
- Não.
- Vai, sim.
- Não vou, não.
- Olha, faz o seguinte: Eles vão estar lá na festa? 
- Não, mas a fofoqueira da minha prima vai. Com certeza, ela não vai hesitar em contar para eles se você for. A Magda me detesta! Às vezes eu acho que ela queria ser eu. O mais engraçado, é que ele disse que não queria que você fosse porque você é mais velho e não pertence ao grupo. Mas aquela jararaca já tem dezenove anos e pode ficar me rodeando o tempo todo.
- A Magda vai estar lá... isso é mau.

Ambos ficaram pensativos por alguns instantes.

- E se eu... for disfarçado?
- Como assim?
- Meu amigo tem uma peruca que ele usou quando deu um show de rock. Ela é meio- feia, mas acho que se eu usar aquela peruca e uns óculos escuros, a Magda não vai me reconhecer. Só nos vimos umas duas vezes e ela mal prestou atenção em mim...
- Você, de peruca? Adorei a ideia!
- É claro, não vou ficar muito tempo, para não dar na vista. Mas no meio da festa eu apareço, a gente se esconde um pouquinho... vai ser divertido.
- Grande! A gente foge um pouquinho para o jardim. Peço pra Mariana despistar a Magda. Mas cuidado para que ninguém te chame pelo nome.
- Não tem problema. A maioria de seus amigos não me conhece, e os que conhecem, vão ficar na deles. 
- Combinado. Até que enfim, achei que essa festa ia ser um saco, sem você.



Eles se beijaram, e depois Bruno deixou-a numa rua próxima de casa. 
Durante aquele mês, eles continuaram se encontrando furtivamente. Os minutos que ficavam juntos eram sempre poucos, mas cada vez mais intensos. Crescia a vontade de ultrapassar o sinal, e se não fosse por Bruno, já o teriam feito mais de uma vez. Mesmo assim, ficava cada vez mais difícil para ele se controlar, já que Camila o provocava o tempo todo. Parecia que ele era a menina e ela, o garotão sedutor. 

Finalmente, chegou a noite da festa. Camila estava lindíssima. Quando deixou-a no clube, Cláudio ficou olhando-a afastar-se do carro e entrar no salão, enquanto um nó lhe apertava a garganta. Viu-a ser abraçada pelos amigos e desaparecer no meio deles, sem olhar para trás. Achou melhor voltar para casa, apesar da curiosidade que tinha em entrar e dar uma boa olhada. Mesmo sabendo que Bruno não estaria lá, decidiu pedir a Magda que “desse uma olhada” na prima. 

E Magda levou à sério sua função, não desgrudando de Camila o tempo todo. Mesmo quando ela ia ao banheiro, Magda plantava-se na porta. Camila estava furiosa, mas procurava divertir-se e fingir que a prima não estava lá. De repente, olhou para a porta e viu um sujeito estranho, de óculos escuros e cabelos um tanto desgrenhados a olhar para ela. Imediatamente, Camila fingiu ignorá-lo e chamou Mariana.

- Ele chegou! Me ajude a ficar livre de Magda.

Mariana seguiu o olhar de Camila e teve que se segurar para não dar uma gargalhada.

- Nossa, ele está totalmente diferente... se eu não soubesse, não o reconheceria.
- Faz o seguinte: Eu vou correr até o outro lado do salão. Quando ela tentar correr atrás de mim, você a chama e a arrasta para o banheiro, dizendo que seu sutiã abriu e que você precisa de ajuda para fechá-lo de novo. Ou invente uma outra desculpa qualquer, mas tire ela daqui.
- Acho que a do sutiã está legal. Vai fundo.
- Lá vou eu.

Camila fingiu avistar alguém do outro lado do salão e , metendo-se no meio da multidão, rapidamente despistou Magda; enquanto isso, antes que ela pudesse seguir Camila, Mariana puxou-a pelo braço:

- Magda, me ajuda aqui... estou em apuros... meu sutiã arrebentou.
- Logo agora? Onde foi a Camila?
- Camila? Não sei. 
- Você viu aquele cara estranho na porta?
- Que cara?

Magda apontou para onde Bruno havia estado, mas não tinha mais ninguém.

- Tinha um cara estranho parado ali...
- Deve ser algum penetra. O segurança põe ele pra fora, não se preocupe. Mas agora, venha comigo. Senão, não vou conseguir desabotoar a blusa sozinha para ver o que houve com meu sutiã.

E antes que Magda pudesse dizer mais alguma coisa, Marina praticamente arrastou-a para o banheiro.
Lá fora, num cantinho escondido entre algumas árvores, Bruno e Camila se abraçavam. Já livre da peruca e dos óculos, ele admirava a beleza de Camila.

- Nossa, você está linda...
- E um ano mais velha. Venha comigo.
- Para onde?
- Não discuta, só venha.


Camila levou-o para uma sala vazia, onde, em segredo, ela tinha arrumado uma cama improvisada com alguns tatâmis usados pelo grupo de judô do clube. Bruno alarmou-se, mas ela puxou-o para dentro, trancando a porta.



Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, ela começou a despir-se. Ao vê-la ali, totalmente nua, iluminada apenas pela luz do luar que entrava por uma janela alta, toda a resistência de Bruno foi por água abaixo. Abraçou-a novamente, e ambos tiveram sua primeira noite de amor. 

Mas enquanto isso, Mariana estava tendo problemas com Magda dentro do banheiro. Ao ver que não havia problema nenhum com o sutiã de Marina, Magda logo percebeu que tudo se tratava de uma trama feita para despistá-la. 

- Onde está Camila?
- Camila? Ora, ela está no salão.
- Então vamos lá para verificar. Você não entende? Meu tio me fez prometer que tomaria conta dela! Estou fazendo isso apenas para proteger minha prima dela mesma! 
- Ora, todo mundo sabe que você morre de inveja da Camila. 
- Isso não é verdade. Apenas sou mais velha, e como ela não tem nenhuma irmã, acho que devo tomar conta dela. Prometi ao meu tio, não entende? Se alguma coisa acontecer, você será a responsável, Mariana!

Enquanto falava, Magda puxava Mariana pela mão em direção ao salão de baile. Procurou-a por todos os lugares; perguntou por ela , mas ninguém sabia onde ela estava. 

- Aquele cara estranho na porta, ele era o Bruno, não era?
- O que? O Bruno não foi convidado, todo mundo sabe disso.
- Acha que sou alguma idiota? Vamos olhar no jardim.
- Magda, espere...

Mariana, desesperada, tentava usar a imaginação e inventar uma estória que tornasse as coisas mais fáceis, mas isso era privilégio de Camila. Quando sob pressão, Mariana não conseguia raciocinar rápido.

- E se a gente procurasse no banheiro?
- Acabamos de sair de lá.
- Mas a Camila pode ter entrado depois que a gente saiu. Vamos lá dentro de novo.
- Não. Tive uma ideia melhor: vamos lá fora.
- Mas Magda, eu acho que...

Magda não deu ouvidos à Mariana, e a esta só restou seguir a outra , esperando que o pior não acontecesse. Procuraram por todo o jardim, e nada de Camila. Foram à portaria do clube, mas o porteiro informou-lhes que Camila não tinha saído do clube. Voltaram para o salão, mas ela ainda não estava de volta. Até mesmo Mariana estava ficando preocupada: “Onde será que aqueles dois se meteram?” Enquanto voltavam novamente para o jardim, Magda pensou em ligar para Claudio e contar o que acontecera. Já havia quase uma hora desde que Camila tinha desaparecido. 

- Acho melhor chamar meus tios.
- Ainda não... vamos esperar mais um pouco. Não temos motivos para alarmá-los. 
- E se aconteceu alguma coisa ruim?
- Tenho certeza que não. Vamos esperar.
- Nada disso. Tem um telefone no corredor. Venha.
- Mas Magda, são quase duas da manhã... Você vai dar um susto nos seus tios à toa.
- Como pode Ter tanta certeza de que é à toa? Você sabe de alguma coisa?

Mariana não respondeu.

- Escute bem, Mariana: Estamos falando de uma menina de quatorze anos. Uma menina que não tem a cabeça no lugar, e acho que nunca terá. Meu tio pediu que eu olhasse por ela, e se alguma coisa acontecer com ela, você vai ser a culpada também!
- Está bem. Seja o que Deus quiser. 
- Ela está com o Bruno ou não?
- Está. Mas eu pensei que eles só fossem se ver por alguns instantes, foi isso que ela disse para mim!
- E você acreditou, é claro.

Mariana suspirou, impotente.



quinta-feira, 8 de agosto de 2013

CONSIDERAÇÕES DE UMA MENINA



Naquela casa, ultimamente, imperava um silêncio misterioso. A menina observava o movimento, o entrar e sair de dentro do quarto do irmãozinho doente. Vinham médicos (estes, sempre carregavam uma maleta e vestiam branco); vinham outras visitas (tias, primos e primas. Os adultos cheiravam à naftalina, e os menores, algo entre chiclete de frutas e tangerina). Todos entravam e saíam após alguns minutos, silenciosamente...

A menina quase não recebia nenhuma atenção, a não ser por algum adulto que, de vez em quando, passava-lhe a mão pelos cabelos.

Apenas a avó conversava com ela. Já muito idosa, ela tentava fazer com que a menina fizesse um pouco de silêncio - afinal, o irmãozinho precisava dormir - e procurava, como podia, substituir-lhe a mãe, ocupada nos cuidados com o menor. Para distraí-la, a avó contava muitas histórias. As duas viviam sentadas na calçada lá fora, entrando e saindo de mundos encantados, onde conheciam fadas, princesas, príncipes e bruxas malvadas - e nem tão malvadas. Às vezes, uma joaninha pousava ali perto, e imediatamente, a avó inventava alguma história sobre ela.




De repente, no meio de uma dessas histórias, a menina pergunta, de supetão:

"Vó, o que é morrer?"

A velha senhora suspira, e tenta escolher bem as palavras:

"Bem, minha querida... todos nós nascemos, crescemos, daí nos casamos, temos filhos, depois netos... e a gente fica velhinho, velhinho... e depois, morre!"

Ela parece refletir por alguns instantes.

"Só gente velha morre?"

"Não, não... às vezes, gente nova também morre! Podem ficar doentes, ou sofrer algum acidente..."

"Mas... como é morrer?"

Não querendo mentir para a menina, mas também não pretendendo que ela pudesse compreender uma explicação exageradamente elaborada, a avó responde:

"Não sei, querida... alguns dizem que é como dormir para sempre."

"E nunca mais se acorda, vó?"

"É como eu já te disse, não sei. Tem gente que acha que a gente vai para um outro lugar; não com este corpo, mas com uma fumacinha que mora dentro da gente, chamada 'alma.' A alma sai do corpo quando a gente morre, e viaja para outro lugar."

A menina parece lembrar-se de alguma coisa de repente:

"Para o céu!" - Ela diz, apontando a imensidão azul. A avó concorda:

"Sim... para o céu."

"Mas... não tem gente que vira fantasma?"

A avó ri:

"Alguns dizem que sim... mas eu nunca vi nenhum, e você?"

"Eu não! E se eu visse, saía correndo!"

Ela parece ficar quieta por algum tempo, e se distrai, brincando de enfeitar as unhas com pétalas de flores. A avó espera, pois conhece a neta, e sabe que ela terá mais perguntas. A menina olha para ela:

"Vó... quem morre primeiro, gente velha ou gente nova?"

"Ah... geralmente, gente velha."

"Mas então... a vó vai morrer antes de mim?"

"Espero que sim, querida!"

"E antes do meu irmãozinho?"

A menina vê uma sombra passar pelo rosto da avó.

"Não sei, meu bem... você sabe, seu irmãozinho está muito doente!"

"Ah... mas o Totó ficou muito doente um dia, mas depois, ficou bom! Meu irmão não vai ficar bom?"

A velha senhora enxuga uma lágrima furtiva.

"Espero que sim, meu bem... espero que sim..."





Dizendo isso, a avó abraça a menina, e as duas ficam assim, quietinhas, olhando o céu e adivinhando formas nas nuvens.

Enquanto isso, a menina pensa na vida. E enquanto pensa, ela vai crescendo, e compreende que viver ou morrer é apenas uma questão de estarmos vivos, pois não importa quantos anos alguém possa ter, ou caso seja ou não saudável; isso não determinará quem vai antes ou quem vai depois. Quem está doente, pode vir a curar-se, enquanto alguém que está saudável, pode acidentar-se e ir bem antes daquele que está se curando. O dia da morte é sempre um mistério, como misteriosos são os caminhos da vida. 

Viver ou morrer são dois lados de uma mesma página, que ninguém sabe quando será virada. Por isso, tudo o que nos resta, é não pensar muito nisso, e deixar que o Vento de Deus decida quando virá-las. Se vivermos com intensidade, teremos vivido o bastante, e isso é o que importa.



domingo, 4 de agosto de 2013

ADEUS, SETEMBRO!





Era a última chuva de primavera, e ela tentava manter-se seca sob o guarda-chuva, enquanto esperava. Aquele local, que tinha sido palco de uma dolorosa despedida há um ano, fora também escolhido como o local de um promissor reencontro. Tratava-se de um parquinho infantil, desses com balanços, gangorra, muitas árvores, banquinhos onde as mães se sentavam para observar suas crianças brincando, vendedores de balões coloridos, carrocinhas de pipoca, algodão doce e música de realejo.

Mas hoje, ele estava vazio. Exceto pela presença dela, e das lembranças que desfilavam diante de seus olhos e se dissolviam nas poças d'água. A chuva caía seguindo sempre o mesmo rítimo, quase intensa, formando uma cortina entre ela e o restante da paisagem. Apesar do atraso, ela esperava.

Tinham um encontro marcado. O fato de terem se separado, há um ano, não significava o fim. Ele precisou partir por motivos além de sua vontade: fora convocado para trabalhar nas forças de paz do exército, em um país distante. No começo, trocavam cartas e e-mails apaixonados, mas cinco meses depois de sua partida, as cartas e e-mails cessaram sem aviso prévio. Dias deppois, ela recebeu uma carta oficial, que dizia que ele tinha desaparecido. 

Ela não se desesperou, como os outros. Sabia que ele não era homem de não cumprir as promessas que fazia. Ao despedir-se dela, jurou encontrá-la novamente naquele mesmo local, onde se separaram, e por isso, ela estava ali. Seu desejo de revê-lo era tão forte, que ela seria capaz de esperar por ele a vida toda. bastaria que houvesse um fio de esperança, apenas, bastaria que ele continuasse desaparecido. Ela esperaria. A vida toda.

Quando chegou setembro, ela pareceu encher-se de vida. Atravessar aquela primavera seria como viver a antecipação de reencontrá-lo, portanto, ela apreciou cada cor, cada flor, cada momento daquela estação. Alguns pensavam até que ela o tinha esquecido, devido a sua vivacidade. Mas ela - só ela - sabia que sua alegria era a certeza (não mais a esperança) que gritava dentro dela, que, ao final daquela estação, exatamente no último dia de primavera, ele voltaria, como tinha prometido. Dali em diante, todos os dias seriam dias de setembro.




Duas horas se passaram. A chuva foi diminuindo aos poucos, e as nuvens foram descortinando um céu alaranjado de final de tarde. Vapores começaram a subir das copas das árvores, e passarinhos cantavam, despedindo-se da primavera. Mas ela não foi embora; sentou-se em um dos bancos da pracinha, sentindo que o grito de certeza dentro dela aos poucos tornava-se um rouco murmúrio de esperança.

Foi quando ela viu surgir, do meio da névoa, uma figura masculina em um sobretudo escuro. Levantou-se, coração aos pulos, e prendeu o olhar naquela direção. Queria ter certeza. E teve: era ele! Aos poucos, ele se aproximava, parecendo mais flutuar em direção a ela do que caminhar. Ela quis correr em direção a ele, e surpresa, percebeu que seus pés estavam grudados no chão. Seria emoção?

Finalmente, ele parou diante dela. Ela podia ver a nuvem de vapor que emanava dos cabelos dele, e viu-se refletida dentro de suas pupilas. Mas quando tentou tocá-lo, não pode fazê-lo: era incapaz de erguer o braço, como se uma força a mantivesse imovel.

Ela ouviu - ou sentiu - o pensamento que vinha dele, em uma única palavra: "Continue." 

Aos poucos, ela compreendeu que ele não estava mais ali. Não fazia mais parte de seu mundo. Tinha vindo apenas cumprir uma promessa. Viu quando uma lágrima rolou no rosto dele, e sentiu que elas rolavam sobre seu rosto em profusão.

De repente, a imagem dele foi se afastando cada vez mais, até desaparecer pelo mesmo caminho de onde tinha surgido. Ela sentiu-se rodeada por um silêncio intenso, mas pouco a pouco, passou a ouvir novamente o canto dos pássaros e barulhos de carros na estrada próxima. A tarde já estava tingida por um intenso tom avermelhado, e olhando para o céu, ela avistou a primeira estrela.

Suspirou fundo, tentando compreender o que ela tinha acabado de vivenciar. Depois, despediu-se de setembro.



A RUA DOS AUSENTES - Parte 4

  PARTE 4 – A DÉCIMA TERCEIRA CASA   Eduína estava sentada em um banco do parque. Era uma cinzenta manhã de quinta-feira, e o vento frio...