quinta-feira, 22 de agosto de 2013

As Aventuras de D. Iraci e D. Nena - O Grito do Lobo


D. Iraci está na cozinha, terminando o jantar na noite de sexta-feira. Marluce, a galinha, permanece tranquila encolhidinha em sua caixa de papelão junto ao fogão, tranquila sim, pois já não sofre mais a ameaça de tornar-se, ela mesma, o jantar.

Cantarola daqui, cantarola dali, um pouco mais de água na panela do arroz, destampa o ensopado de frango e testa o sal. Daqui a pouquinho o maridão vai chegar em casa, e os filhos, Uelinton, Uélerson e Gleidson, chegarão do futebol. Ela desliga o fogo das panelas e passa água nas mãos, dando uma última sacolejada com as ancas ao som da música que toca no rádio. De repente, ouve Nena, a vizinha chamar seu nome:

"Ô Iraciiiii!"

Marluce estica o pescoço, e Iraci corre lá para fora, onde vai conversar com Nena, que a aguarda do outro lado do muro.

"Fala, mulher! Que gritaria é essa?"
"Imagina que fiquei sem antena?"
"Jura? Mas por que?"
"Aqueles peste dos moleque jogando bola na rua, rebentaram meu fio. E o homem da manutenção disse que só vai dar um jeito na segunda feira! Logo amanhã, que vai passar aquele filme que eu tô esperando um século pra assistir, "O Grito do Lobo!"
"Ara, tem pobrema não, mulher! Vem assistir aqui em casa!"

E fica resolvido assim.

Na noite de sábado, Dona Iraci prepara alguns sanduíches de queijo com café para receber a família da vizinha, e o marido reclama:

"O muié, além de ceder o aparelho de TV a gente vai ter que sustentar eles?"
"Deixa de pão-durismo, homem! É um dia só!"

Logo chegam Dona Iraci com o marido, as filhas Charlene e Creuza e o filho Ribamar. Ela traz um tabuleiro com bolo de aipim, e munidos de copos de café e pratinhos de papelão com bolo e sanduíches, eles se ajeitam como podem na pequena sala de D. Nena. Ao todo, são dez pessoas: quatro espremidas no sofá de três lugares, quatro sentadas nas cadeiras desconfortáveis trazidas da cozinha e duas no chão.
Assistem a novela, o Jornal, o programa de comédia... finalmente começa o que todos estavam esperando: "O Grito do Lobo!"

Durante os comerciais, as comadres levam a louça suja para a cozinha e fazem mais café. As crianças gritam, chamando as duas, pois o filme vai recomeçar.

Nenhum som. Todos os olhos vidrados na tela da TV, enquanto o lobo devora mais uma vítima inocente. No final, sobra apenas o mocinho do filme, que deixa a cidade numa nuvem de poeira - carregando consigo a maldição do lobo!

Charlene, muito impressionada, ainda treme um pouco. Uélerson tenta consolá-la, achegando-se para mais perto dela, mas recebe um safanão de Dona Iraci.

Já passa da meia-noite, e lá fora, um cachorro uiva bem alto, provocando gritinhos em Charlene e Creuza:

"Ai, mãããe! Será que é o lobo?"

D. Iraci responde: "Larga de bobagem, menina! Que lobo o quê! É o vira-lata da Dona Alice!"

Lá fora, uma lua cheia brilha bem no meio do céu. Cada sombra de arbusto, parece-se com o lobo. Charlene reclama: "Eu é que não saio daqui nesse escuro!"
O pai responde: "E vai fazer o que, menina? Dormir aqui?"
Ouvindo isso, Gleidison, Uélerson e Uélinton bradam:" "Só se for agora!"
Ao ouvir isto, D. Nena pede à vizinha:

"Se não for abuso, dá pra gente ficar mais um pouco, só até passar a impressão de lobo?" (O que ela não confessa de jeito nenhum, é que ela também estava com medo de sair).
Meio-contrariada, a vizinha responde, com um sorriso amarelo e os olhinhos quase fechando de sono: "Tá bom, se ajeitem mais um pouquinho..."

Daí, eles assistem ao Corujão e ao comecinho da Sessão da Madrugada - durante a qual Zé, o marido de Iraci, sussurra em seu ouvido: "Essa gente não sai mais, não?" E deixa a sala, dando um 'boa-noite' atravessado. O pessoal responde de má vontade, prestando atenção ao filme.

Mas, ao invés de ir para a cama, Zé sai pela porta dos fundos e vai até o morrinho onde se encontra a antena da televisão, girando-a para o outro lado, fazendo com que a TV saia do ar.
Na sala, um "Aaaaahhh" consternado vara a madrugada. Ainda esperam mais uma meia hora, para ver se a imagem retorna. Logo depois vão embora, D. Nena reclamando: "Só pode ter sido os moleque! Rebentaram seu fio também!"

Aliviada, Dona Iraci despede-se dos vizinhos. Quando eles já estão no meio da rua, seu marido, enchendo os pulmões, solta um uivo de lobo tão perfeito, que a cachorrada toda do bairro o acompanha. Aos gritos, os vizinhos apertam o passo, logo entrando em casa e batendo o portão.

Dona Iraci leva um susto tremendo, quando vê o marido surgir detrás da moita, mas logo entende o que tinha acontecido e se recupera:
"Que ideia foi essa agora?"

"O uivo foi só pra evitar deles voltar no meio do caminho!"











4 comentários:

  1. kkkkkkkkkk Ai que show rsrsrs...
    E que medo também, cheguei a pensar que o marido da Dª Iraci fosse um lobisomem..
    Vc é craque, Ana, pq deixa a gente viajar em teus contos. Adoooooooro!

    Hilário o conto.
    bacios






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  2. KKKK...Muito boa essa história!Personagens bem caracterizados e não há como não entrar na história!bjs,

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  3. Oi Ana!! Parabéns por mais esta linda história, também chegui a pensar que o esposo da Dª Iraci fosse um lobisomem, maravilhoso! Querida, edite seu livro se ainda não fez isto, fará sucesso, você escreve maravilhosamente bem.
    Querida ,bons sonhos, uma noite de paz, que Jesus te proteja nesta noite e abençoe toda tua família e que o Domingo seja um dia repleto de felicidade.
    Bjuss
    bem.

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  4. kkkkkkkkkkkkkkkkkk Adorei, Ana! Sua maneira de narrar, assim como o conteúdo, sensacionais. Bjs.

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