sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

AMOR E REVOLTA – CAPÍTULO IX







Jane caminhou até o carro – um Mercedes preto – que a esperava em uma rua paralela à rua da escola. Bufou e desacelerou o passo, tentando se acalmar. Estar perto do Deputado Tavinho sempre a deixava nervosa. Havia alguma coisa nele que ela não gostava, embora seus pais fizessem questão de tranquiliza-la e dizer que Tavinho era uma pessoa fundamental para a existência da ONG e que ela estaria sempre segura ao lado dele. Havia alguma memória confusa relacionada ao fato de não gostar de Tavinho, e sempre que Jane tentava acessá-la, ela escapulia pela janela. 

Jane reconheceu o motorista, que fumava encostado em um poste, em frente ao carro. Ela caminhou mais depressa e bateu na janela de vidro fumê escuro com mais força do que o necessário, a fim de assustar Tavinho. Ele baixou o vidro do banco traseiro, onde estava sentado, e olhou para ela, filmando-a dos pés à cabeça. Abriu a porta e mandou que entrasse, cerrando novamente os vidros. 
Dentro do carro, Jane sentiu-se sufocada, mas procurou controlar-se. O rádio tocava uma música suave e sensual, e o ambiente cheirava a Patchuli – o que sempre a deixava enjoada. Ele pegou o pacote pardo do tamanho de um tijolo, e ela o colocou na mochila. Sabia que teria que leva-lo até a ONG, que ficava a alguns metros dali, e entrega-lo à mesma pessoa de sempre – Rose, uma secretária de sua mãe. Jane nunca perguntou o que havia no pacote, mas desconfiava. Só não queria ter certeza. A mãe uma vez lhe dissera que era dinheiro para a ONG, mas ela não acreditou. Talvez a própria Sunny não tenha soado muito convincente de propósito. Sempre mandava que ela tomasse cuidado, não falasse com  ninguém e ao receber o pacote, entrasse o mais rapidamente na ONG e se livrasse dele. Dizia que tinha medo que Jane fosse assaltada. 

Ela já ia saindo do carro, quando Tavinho segurou-a pelo braço. Ela hesitou, olhando-o nos olhos e perguntando se ele queria mais alguma coisa.

-Quero sim – ele disse. – Preciso saber um pouco mais sobre o playboyzinho que anda com você.

Ela não gostou do tom de voz dele, e fuzilou-o com o olhar. Tavinho riu, dizendo:

-Calma, menina. Não vou morder seu namoradinho. Só preciso saber se ele é de confiança. Ele anda fazendo perguntas?

Ela mentiu:

-Não. 

-Tem certeza? Porque outro dia eu deparei com ele me olhando fixamente. O moleque é curioso?

-Ele não é moleque. E não, ele não é curioso. Do que você tem medo? Acha que ele pode saber o que tem nestes pacotes? Se eu mesma não sei...

Ele sentiu o tom de ironia na voz dela:

-E é melhor ficar sem saber, bonequinha. Sabe, nós nos conhecemos desde sempre. Vi você crescer. Acho que somos amigos, certo? 

Ela não respondeu. Sentiu que os olhos dele a devoravam. Ela vinha sentindo aquilo frequentemente, quando seus pais não estavam por perto. Tavinho lhe causava arrepios, embora não fosse um homem feio ou repugnante. Pelo contrário; as mulheres o consideravam atraente.
Agora o olhar dele sobre ela era quente e doce. Jane sentiu seu estômago revirar. Achou que fosse o Patchuli. Ela tentou desvencilhar-se da mão dele sobre seu braço, mas ele a deteve:

-Você está ficando cada dia mais bonita... sabe porque eu nunca me casei, Jane?

Ela baixou os olhos, sacudindo a cabeça, o corpo virado na direção da porta. Ele chegou bem perto do ouvido dela e disse:

-Estou esperando você crescer. Enquanto isso, vá se divertindo e se preparando para mim com esses moleques. Um dia, você vai ser a minha mulher. A minha esposa. 

Ela puxou o braço com força, e saiu do carro batendo a porta. Caminhou depressa, limpando o braço com a mão onde ele a tocara. Ela chorava. A memória que ela buscava teimava em não surgir, como se alguma coisa a puxasse para dentro, para o lugar mais escuro e profundo de sua mente. 
Enquanto isso, por telefone, Marvin tentou explicar à Sunny as preocupações de seus pais. Ela o escutou atentamente, e conversou alguma coisa com Paco durante alguns minutos, cobrindo o telefone. Depois, ela disse:

-Tudo bem, entendemos a preocupação de seus pais. Eles poderiam vir aqui na sexta à noite? Faremos um jantarzinho íntimo. Mas... querido, nós não vamos fingir ser o que não somos.

Marvin concordou com a cabeça, agradecendo:

-Não se preocupe. Meus pais não são tão caretas assim... já ouvi histórias dos tempos de adolescência deles que fariam qualquer um se arrepiar, Sunny. Muito obrigada por concordar em receber meus pais em sua casa.

A sexta-feira chegou, e no comecinho da noite, Marvin e seus pais entraram no carro para ir à casa dos pais de Jane. Melissa preferiu não ir, pois achava que não fazia sentido a sua presença por lá. Preferiu ficar em casa ouvindo música com com Gabi, que ficou bastante triste ao saber para onde todos estavam indo. Se os pais de ambos iam se conhecer, é porque o namoro estava ficando sério, pensou. Suas chances com Marvin, que antes eram minúsculas, tornavam-se impossíveis. 

Ela jamais conseguira esquecer aquele breve beijo que eles deram quando foram sair, logo depois que Marvin deixara a clínica de reabilitação. Toda noite, antes de dormir, ela recapitulava aquele momento. E outros meninos, interessados nela, iam passando diante de seus olhos sem conseguir serem vistos, apesar das advertências de Melissa:

-Esqueça o meu irmão, amiga. Ele está em outra, e parece que é um mal irreversível. 

-Mas... como assim, um mal?

-Sei lá... de alguma forma, meu irmão anda muito diferente do que é, e eu sinto que essa família tão moderninha e liberal pode ter uma influência ruim sobre ele... essa tal de Jane não me agrada nem um pouco.

-Nem a mim. E não é porque eu gosto do Marvin. Ela é estranha mesmo. sabe, não consigo me conformar com a rapidez com que o Marvin se envolveu com ela, Melissa. E chutou todos nós para escanteio. Inclusive o Luis, que é amigo do peito dele. O Luis está muito magoado... sabe, falei com ele hoje. 

-Quando ele volta?

-Na próxima semana. Antes do natal. 

-Legal! A gente tem que comemorar! Vamos chamar a galera?

-Vamos sim. Seria ótimo se Marvin pudesse ir também...

Melissa colocou uma mexa de cabelos atrás da orelha, e disse:

-Não conte muito com isso, amiga.

Ao chegarem na casa de Paco e Sunny, Cadu, Rafaela e Marvin foram recebidos por um mordomo que acomodou a todos em uma linda sala, sobre um sofá confortável, onde drinks gelados foram servidos. Ninguém tocou nos drinks, e Rafaela e Cadu permaneceram em silêncio olhando em volta e estudando todo o luxo que os cercava . Cinco minutos depois, seus anfitriões adentraram a sala, e Rafaela ficou deslumbrada com o que viu:

De mãos dadas, um casal que parecia ter saído de uma revista dos dez mais elegantes se encaminhava em direção a eles, os rostos sorridentes e amigáveis. Rafaela olhou de soslaio para o marido e notou que ele também estava absolutamente surpreso pela beleza dos seus anfitriões. Imediatamente, ela se arrependeu pelo vestido simples e discreto que escolhera, achando que deveria ter comprado algo mais ousado para a ocasião. 

Pois Sunny usava um longo preto, decotado e de alcinhas,  com discretos detalhes em dourado com fenda lateral que mostrava metade da pele bronzeada e perfeita de sua perna esquerda quando ela caminhava. Como jóias, apenas um par de brincos de ouro e pedras preciosas negras estilo pingente, que iam até seus ombros. Trazia os cabelos loiros soltos, e eles balançavam suavemente quando ela andava. Paco usava uma camisa branca de linho, mangas arregaçadas, bermudas azul-marinho também de linho e sapatos mocassim marrons; apesar da simplicidade, dava para ver que as roupas dele, tanto quanto as dela, só poderiam ter custado uma fortuna.

Rafaela pensou em seu vestido verde-escuro simples, sem detalhes, até os joelhos e nas sandálias baixas de cor nude. Seu marido usava um par de jeans novos e camisa polo vermelha, simples. Pareciam os empregados do casal que os recebia. 

Após as apresentações formais, na qual muitos sorrisos e elogios foram trocados de ambos os lados, todos se sentaram nos sofás elegantes e confortáveis. Logo, surgia Jane, usando um vestido branco curto  e esvoaçante, sandálias rasteiras com pedrinhas brancas, os cabelos presos em um coque mal-feito que deixava escapar suas mechas douradas. Usava muitas pulseiras no braço esquerdo, todas bem fininhas e de diversas cores, e um par de brincos solitários pequenos que soltavam faíscas quando ela se mexia. Parecia uma fada, Rafaela pensou. 

O casal desculpou-se sobre a ausência de seu filho Max, que tinha viajado com um grupo de amigos. 
Conversaram sobre amenidades, e logo a conversa seguiu para as atividades do casal anfitrião. Rafaela até achou estranho que, em mais de meia hora de conversa, nenhuma pergunta a respeito da família cujo filho sua filha adolescente estava namorando, tivesse surgido por parte dos pais desta. Assim, Rafaela sentiu-se na liberdade de indagar algo sobre a família da menina que namorava seu 
filho:

 - Meu filho mencionou que você administra uma ONG, Sunny. 

-Oh, é verdade! Chama-se Coração Aberto. Ajudamos pessoas necessitadas ao redor de todo o país. Temos uma sede aqui na cidade, e minha filha frequentemente a visita. Gosta de estar entre as crianças. E também sou terapeuta holística. Tenho um consultório no centro. Acho que você adoraria conhecer. E antes que me pergunte, Paco possui uma fazenda que herdou dos pais, onde mantém um projeto social voltado à agricultura. Além disso, também temos várias outras fazendas, onde plantamos café, cana de açúcar e vários tipos de frutas. 

Rafaela ainda teve tempo de notar o ar constrangido de Marvin antes que ela voltasse a fazer perguntas, e também a observação irônica de Sunny através da frase “...E antes que você me pergunte”, acrescentada à resposta que dera à sua pergunta, incluindo nelas mais detalhes do que os que foram solicitados; continuou:

-Já ouvi falar da sua ONG... parece ser um trabalho muito bonito. E... estão casados há quanto tempo?

Sunny e Paco se entreolharam, e foi ele quem respondeu:

-Não somos casados. Pelo menos, não legalmente. Vivemos juntos há quase vinte anos, e temos um relacionamento aberto. 

Agora foi a vez de Rafaela e Cadu se entreolharem, e ambos soltaram um “Ah” de reconhecimento. Cadu pensou que , se ele mesmo tivesse um relacionamento aberto, não teria necessidade de ficar declarando isso aos quatro cantos da terra. Mas ele apenas pigarreou e perguntou, apenas para demonstrar interesse:

-E o que seria um... relacionamento aberto?

Paco respondeu novamente:

-Bem... nós somos pessoas modernas. Não acreditamos em fidelidade. 

Diante dos olhares chocados de Rafaela e Cadu, Sunny acrescentou:

-Mas nada temos contra aqueles que pensam diferente. Este é o nosso estilo de vida, e não o impomos a ninguém. 

Naquele momento, o mordomo voltou, dizendo que o jantar estava servido na sala ao lado. Todos se levantaram, e se encaminharam para a sala de jantar. No caminho, Rafela não pôde deixar de reparar nas pinturas que decoravam as paredes – algumas de pintores que ela reconheceu, pois estudara suas obras. 

Durante o jantar, eles continuaram o assunto que fora começado na sala de estar, entre os drinks. O casal adolescente estava calado, sem participar daquela conversa até o momento; eles apenas trocavam olhares e de vez em quando, diziam alguma coisa baixinho um para o outro. Rafaela comentou:

-Então... me explica melhor essa coisa de relacionamento aberto, Sunny. Como isso começou?
Sunny limpou a boca levemente  com o guardanapo alvíssimo de linho, e explicou:

-Bem... desde que nos conhecemos e decidimos ficar juntos, chegamos a esse acordo. Nós dois achamos que não existem casas fiéis, e que é melhor viver de forma aberta e franca do que fingir sermos algo que não somos.

Rafaela tomou um grande gole de seu vinho, pensando se ela poderia ter razão. Ela e o marido também eram casados há muitos anos, mas com o acordo tradicional de fidelidade – que, da parte dela, pelo menos, jamais tinha sido quebrado. Mas ela tinha suas suspeitas quanto ao marido, embora nenhuma delas jamais tivesse sido confirmada. 

Rafaela notava a total ausência de Jane na conversa; a mocinha apenas os cumprimentara, permanecendo em silêncio desde então durante a maior parte do tempo, ou conversando apenas com Marvin, que parecia totalmente hipnotizado por ela. Era uma família estranha... Paco disse:

-Bem, eu e minha mulher acreditamos que o que realmente importa, é que as pessoas sejam felizes à sua maneira. Repito, não condenamos a forma de viver de ninguém. 

Cadu, que se mantivera calado durante algum tempo, declarou:

-Nem nós estamos aqui para isso. Mas... confesso que para mim, eu... esse tipo de relacionamento não serviria. Eu e minha esposa estamos juntos da forma tradicional, e tenho sido fiel a ela desde então. Vale o que foi combinado antes. 

Ele ergueu sua taça de vinho, sendo acompanhados por todos, que repetiram o que ele acbara de dizer, como em um brinde:

-Vale o que foi combinado antes!

Mais tarde, Jane e Marvin subiram para o quarto dela, ante os olhares ansiosos de Rafaela (que é claro, sabia muito bem o que eles iam fazer). Paco e Cadu encontraram um belíssimo tabuleiro de xadrez antigo em uma das salas, e passaram a jogar juntos. Paco explicou que o tabuleiro pertencia à sua família há três gerações. 

Sunny e Rafaela foram sentar-se na sala de estar novamente, entre os tapetes cor de creme e os sofás brancos da anfitriã. Rafaela pensou que a decoração da casa, apesar de luxuosa e bonita, parecia um tanto impessoal, como se estivessem dentro de uma revista de decorações: tudo meticulosamente planejado – até as revistas glossy acomodadas sobre um divã, milimetricamente distanciadas umas das outras, formando um leque. 

Quando as duas ficaram sozinhas, Rafaela também percebeu que as feições do  belíssimo rosto de Sunny relaxou. Ela descalçou as sandálias altas, colocando os pés sobre o sofá. Rafaela reparou nas unhas dos pés muito bem cuidadas esmaltadas de bege, e nos calcanhares sem qualquer sinal de ressecamento, que pareciam pertencer a um bebê – enquanto ela mesma lutava para evitar as rachaduras nos seus. Tudo em Sunny lembrava a perfeição. E aquilo fez com que Rafaela se sentisse ansiosa, pois não acreditava em perfeição. Onde seu filho se metera? Bem, ela teria que arriscar-se para saber. E foi o que ela fez:

-Sunny... me desculpe tocar neste assunto, mas gostaria de dizer o porquê dessa visita... quero dizer, o verdadeiro motivo.

Sunny ergueu as sobrancelhas, olhando-a atentamente. Rafaela continuou:

-É que Marvin anda usando maconha. Ele nunca usou isso antes, e... também encontramos alguns comprimidos em sua mochila, que ele diz servirem para deixa-lo menos... cansado durante as festas a que tem comparecido. Você sabe alguma coisa sobre isso?

Sunny não se abalou:

-Bem, aqui em casa todos usamos maconha livremente. Ouvi dizer, e foi seu filho quem me disse, que você e seu marido contam algumas histórias sobre a juventude de vocês... e que vocês mesmos usavam. Não usam mais?

Rafaela soou zangada:

-Não. Agora nós temos duas crianças para educar. Achamos que precisamos dar o exemplo.

Sunny fuzilou-a com seus olhos azuis, mas manteve a voz calma:

- Dar que tipo de exemplo, se na idade deles vocês faziam a mesma coisa, e eles sabem disso? Cara Rafaela, entendo a sua preocupação, mas minha filha também faz uso destas substâncias, e eu prefiro que eu mesma forneça para ela – pois sei as origens – e que ela consuma na minha frente, onde posso monitorá-la adequadamente e dosar o uso. Melhor do que fingir que eu não sei que ela usa qualquer coisa por aí em doses perigosas. Não se preocupe, seu filho está muito seguro entre nós. 

-Me desculpe, Sunny, mas fale pela sua filha, não pelo meu filho. Prefiro que ele não use essas coisas. Eu e meu marido deixamos de usá-las faz tempo, e eu não quero que ele...

Sunny interrompeu-a:

-Se você não quer, deve dizer isso a ele, e não a mim. Mas posso garantir que das nossas mãos, ele não consumirá mais. Lamento que a coisa agora vá fugir do seu controle, e do meu. Não sabemos se ele continuará usando, e de quem vai adquirir. 

Um silêncio mortal percorreu a sala. Rafaela não sabia o que dizer. Estaria, ela mesma, sendo hipócrita? Poderia estar colocando a vida de seu filho em risco? Sunny aproveitou o silêncio, e amenizando o tom de voz, tentou uma abordagem mais amigável:

-A decisão é de vocês, pois vocês são os pais. Mas na minha casa, as coisas continuarão sendo como sempre foram... ouvi dizer que seu filho tentou suicídio há alguns meses. Que ele andava confuso quanto aos métodos da escola onde estudava. 

Rafaela concordou:

-É verdade. Por isso nós o trocamos de escola. Mas como você sabe disso?

-Ele mesmo nos contou. E nós damos a ele todo o apoio. Não notou que ele tem estado mais feliz, mais tranquilo ultimamente? 

Mais uma vez, Rafaela ressentiu-se por não saber de algo sobre seu filho que aquela deusa sabia muito bem, e que ele preferiria conversar com Sunny do que com ela, que era sua própria mãe. Ela engoliu seu orgulho e confessou:

-Sim, ele tem estado... mais alegre. Talvez um pouco mais nervoso.

-O nervosismo dele se deve ao fato de não se sentir confortável em não poder contar a vocês sobre o que realmente acontece aqui em casa, ou o tipo de pessoas que somos. Vou ser muito franca com você, nós não somos uma família convencional. Não somos pessoas convencionais. Mas somos pessoas totalmente honestas em tudo, inclusive sobre o nosso estilo de vida. 

-Mas... por que meu filho estaria inseguro em dizer isso a nós?

-Sabe... ele está totalmente apaixonado pela minha Jane. Posso dizer que penso que ele faria qualquer coisa para estar com ela. Ele teme contar certas coisas a vocês porque a ideia de que vocês possam proibí-lo de encontrar Jane o paralisa. 

Rafaela alarmou-se:

-Mas... que coisas misteriosas são essas?

-Por exemplo: nós somos nudistas praticantes. Temos uma festa de nudismo pelo menos uma vez ao mês, e ela é tradicionalíssima. Também usamos maconha livremente, e acreditamos na liberdade sexual e no amor livre. Educamos nossos filhos com liberdade total.

Rafaela gaguejou:

-Festa de nudismo... tradicionalíssima? Como pode ser isso?

Sunny sorriu:

-Bem, venha conferir, eu vou convidá-los para a nossa próxima. Será na noite de ano-novo. Venham, e verão por si mesmos. 

Rafaela engoliu em seco, e não disse nada. Não queria parecer crítica ou ultrapassada. De repente, sentiu-se muito velha, e era como se o seu corpo pesasse uma tonelada, e seus cabelos fossem totalmente brancos. Ela simplesmente não sabia como lidar com aquilo.


(continua...)





terça-feira, 12 de dezembro de 2017

AMOR E REVOLTA - CAPÍTULO VIII









-Nós não pudemos deixar de escutar vocês gritando, meninos! – Disse Sunny, em tom conciliatório. 

Mas de repente, Jane explodiu:

-Nem nós! Escutamos vocês brigando no escritório.

Sunny olhou para Paco, que disse:

-E é exatamente no escritório, por trás de  portas trancadas, que resolvemos nossos conflitos, e não nas partes comuns da casa, por onde os empregados circulam. 

Os dois se desculparam:

-Sinto muito, Sunny e sinto muito, Paco. Esta não é a minha casa, e eu extrapolei.

Paco olhou-o sério, antes de responder:

-Marvin, nós o acolhemos na nossa casa sem qualquer problema. Fizemos e fazemos de tudo para que você se sinta à vontade aqui dentro, mas eu não vou admitir, nem por um instante, que você nos julgue ou questione os nossos valores. Aqui, somos nós que estabelecemos as regras, e se você não concorda com elas, está convidado a não mais frequentar a casa. 

Marvin sentiu-se muito magoado, e pensou que nenhum dos colegas de escola, a não ser ele, frequentavam a casa de Jane. Mas iam à casa dele. Achou que eles também deveriam ter passado por aquele momento. Sunny acrescentou:

-Não podemos admitir que você tente fazer da nossa filha alguém preconceituoso, “quadrado” e infeliz. 

Ele olhou para Jane, que não o olhou de volta e nem disse qualquer palavra. Respirou profundamente; afinal, quem era ele para questionar a maneira como as pessoas viviam? Sentiu-se como seus avós: careta e controlador. Desculpou-se novamente:

-Me desculpem. Não vai acontecer de novo. 

A tensão foi cedendo aos poucos, e logo, todos estavam recostados no sofá, conversando sobre o jogo que aconteceria naquela noite. Seria uma final de campeonato, e Paco, que amava futebol, tinha entradas para todos eles. Mas embora eles tenham se divertido muito durante o jogo, Marvin estava com alguma coisa entalada na garganta que ele não conseguia definir. E achava que não poderia conversar com seus pais, porque, instintivamente, sabia que se eles soubessem o que rolava na casa de Jane, com certeza tentariam proibi-lo de encontrar-se com ela ou frequentar a sua casa. E ele sabia que já tinha swe envolvido com ela mais do que poderia controlar. Não podia, simplesmente, voltar atrás e fingir que Jane não era parte de sua vida. A paixão que sentia por ela era tão forte, que ele não sabia direito o que fazer com ela. Jane era linda. Era uma estrela que brilhava forte. A vioz dela deixava-o totalmente sem reação, e vê-la se aproximando fazia com que o mundo inteiro derretesse e sumisse debaixo dos seus pés. 

Jane era quase toda a sua existência – e ele nem percebia que estava deixando de lado seus amigos de infância e sua própria família para passar tempo com ela. E se fosse preciso mudar para que ela o amasse, ele seria capaz de fazê-lo. O futuro? Uma incógnita. Preferia não pensar muito nele. Temia o dia em que teria que enfrentar ver Jane saindo com outro garoto. E ela sempre lhe prometia que talvez aquilo fosse acontecer um dia.

Numa manhã de sábado, em que Marvin fora mais uma vez passar o dia na casa de Jane, Melissa e Rafaela estavam sozinhas na piscina, pois Cadu tinha ido levar Teófilo, Helena e Gertrude até o ônibus de excursão que os levaria a Caldas Novas – eles iam passar uma semana em uma estação de águas quentes. Melissa pensou se não seria uma boa ideia abordar com a mãe o assunto que lhe perturbava a mente há vários dias: seu irmão. Ela baixou os óculos escuros e olhou para Rafaela de soslaio. Ela parecia concentrada na leitura de uma revista de modas. Melissa pigarreou:

-Mãe... você acha que o Marvin está legal?

Rafaela ergueu os olhos da revista:

-Claro. E ele tem ido ao Dr. Figueiredo uma vez por semana. Se algo errado estivesse acontecendo, ele já teria me ligado. Mas por que pergunta?

-É que... ele anda distante da gente. Diferente...

-Seu irmão está apaixonado. É normal na idade dele. 

-Sim, mas... você já prestou atenção na Jane?

Rafaela baixou a revista, e inclinou-se na direção da filha:

-Sim. Ela é um estouro! Menina linda. Não é à toa que seu irmão está babando em cima dela. 
Melissa tirou os óculos, e sentou-se com as pernas cruzadas, olhando a mãe de frente:

-É, ela é linda sim, mas... já conversaram alguma vez?

Rafaela encolheu os ombros?

-Na verdade, não...

-E ela frequenta a nossa casa há mais de dois meses! Não seria natural que já tivesse aceitado um dos convites para almoçar? Ou que ao menos se interessasse um pouquinho pela nossa vida, por nós? Parece que essa garota esconde alguma coisa. Uma vez tentei conversar com ela, e ela foi monossilábica! Sem contar que ela ignora completamente o Luis e a Gabi. Nem os cumprimenta. Não come nem bebe nada aqui, mal chega e os dois se trancam no quarto do Marvin. e quanto ao vovô e as vovós... ela parece tão desconfortável quando eles estão aqui! E uma vez aquele Max, irmão da Jane, veio aqui para busca-la... e que cara esquisito! 

-Conflito de gerações. Nada demais. O que uma menina como ela teria para conversar com seus avós, Melissa?

Melissa percebeu que não importava como ela abordasse o assunto, a mãe tentava fugir dele, talvez para que a paz temporária pudesse durar. Rafaela não queria se preocupar. Resolveu ser direta:

-Mãe... eu achei maconha na mochila do Marvin. E uns comprimidos estranhos também. 

Rafaela engoliu em seco, e seu rosto perdeu a cor.

-Tem certeza? Porque... o Dr. Figueiredo receitou-lhe uns comprimidos, e...

-Eu conheço remédio para depressão e também comprimidos esquisitos, mãe. Sou adolescente, lembra? Já me ofereceram essas coisas. E também conheço maconha, o cheiro é inconfundível. Você precisa conversar com o Marvin e com o papai.

Rafaela sentiu um alarme soar fininho dentro dela. 

-Eu vou fazer isso, filha. Mas por favor, não deixe que seus avós fiquem sabendo, ou eles vão ter mais um motivo para dizerem o quanto eu sou uma mãe incompetente. 

Melissa percebeu que não ser julgada pelos sogros era quase uma prioridade para a mãe. 

-Aproveite que eles vão ficar uma semana fora. 

-Rafaela colocou os óculos escuros novamente, recostando-se na espreguiçadeira:

-Eu vou falar com seu pai. 

Fingiu estar concentrada na leitura, mas seus pensamentos eram alarmantes: e se precisassem internar o filho de novo? E se Marvin estivesse viciado?
Naquela mesma noite, Rafaela conversou com Cadu sobre o assunto. Ele ficou transtornado:

-Mas Rafaela, você sempre me diz que ele está bem quando eu pergunto! Como é que uma coisa dessas está acontecendo debaixo do seu nariz, e sua filha adolescente precisa alertá-la para que você enxergue?

-Pare de gritar, Cadu! Você, que é o pai, também não notou nada!

-Mas você é a mãe, Rafaela! A mãe! A responsável pelo bem estar dos filhos enquanto eu me arrebento para sustentar todo mundo!

-Peraí, Cadu! Você não faz isso sozinho, eu também trabalho, e ponho dinheiro aqui dentro! E você está me culpando de tudo, como se a responsabilidade fosse só minha?!

Cadu sentou-se na cama, passando as mãos sobre os cabelos, e respirando profundamente. Acalmou-se, e respondeu:

-Me desculpe, é que eu fiquei nervoso, só isso, você tem toda razão. 

Rafela sentou-se ao lado dele, segurando-lhe a mão:

-Precisamos conversar com nosso filho. O mais rápido possível.

Ele concordou com a cabeça. 

-Acho melhor não dizermos que a Melissa nos alertou. Eu... vou dizer que eu achei a droga na mochila dele.

-E ele vai acreditar?

-Não sei... mas não quero que os meninos briguem.

-Só te peço uma coisa: deixe seus pais fora disso, Cadu. Não aguentaria o olhar de censura da sua mãe. Você sabe que  a Helena me detesta.

-Isso não é verdade! Ela apenas se preocupa, Rafaela.

-Não; ela extrapola seus direitos de avó, e se mete em tudo. Não quero os dramalhões dela envolvidos nisso. Não quero ela perseguindo o Marvin e andando em volta dele o tempo todo, sufocando-o. 

Cadu guardou para si a sua irritação, e concordou:

-Ok, eu vou deixar minha mãe fora disso. 

Os dois ficaram acordados até tarde, esperando Marvin chegar. Mandaram Melissa ir para o quarto e deixar que eles tivessem aquela conversa à sós. Marvin chegou por volta das duas da manhã, parecendo levemente embriagado. Ao ver os pais sentados no sofá com ar preocupado, ele olhou de um para o outro e sentiu um certo alarme:

-Tudo bem, pessoal? Aconteceu alguma coisa? Meus avós estão bem?

Eles balançaram a cabeça, e se entreolharam. Cadu falou:

-Seus avós estão ótimos, foram passear por uma semana. Mas temos que ter uma conversa. Sente-se aí, filho. 

Marvin sentiu um certo nervosismo, pois a mãe torcia as mãos sobre o colo, e evitava olhar para ele. Cadu estava assumindo o controle da conversa:

-Eu encontrei uma coisa na sua mochila ontem à noite, filho. Era maconha. Mas o que ram aqueles comprimidos?

Marvin sentiu o rosto ficar vermelho, e explodiu:

-Foi a Melissa, não é? Aquela fofoqueira!

-Não, deixe sua irmã fora disso! Queremos saber o que são os comprimidos.

Marvin viu que não tinha saída, e após um suspiro, disse:

-Alguma coisa para espantar o cansaço. Assim eu posso aproveitar as festas. Mas é tranquilo, pai. Olha, não faz mal se a gente ingerir só um e beber bastante água.

Rafaela disse:

-Meu filho, você sabe o que essas coisas podem causar? Ataque cardíaco! Você pode morrer de repente!

Ele riu:

-Mãe, eu tenho só dezessete anos, e não vou ter um ataque cardíaco, Ok?

Ela ignorou o que seu filho firmou, e perguntou:

-O Dr. Figueiredo sabe disso?

Ele negou com a cabeça:

-É claro que não, mãe! Se eu contasse, ele viria correndo contar a vocês. 

-Ela se alarmou:

-Você vem mentindo para nós e para o seu psiquiatra, Marvin? Onde pretende chegar com isso?

Cadu sentiu que ela estava perdendo o controle, e interrompeu-a:

-Rafaela, espere... o mais importante aqui é que saibamos o que está acontecendo com o nosso filho. Marvin, você sabe que a gente te ama, não é?

Marvin olhou para o pai, parecendo confuso:

-Por que isso agora, pai? Só porque eu fumei um cigarrinho e tomei um ou dois comprimidos? Aí de repente você descobre que me ama?

Cadu ignorou a ironia de Marvin:

-Filho, como são os amigos e a família de sua namorada?

-O que a Jane tem a ver com isso?

Os pais notaram o tom alarmado na voz do filho, e sentiram que tinham colocado o dedo na ferida. 

Cadu tentou uma abordagem mais suave:

-Nada... não temos nada contra ela, mas como você passa a maior parte do seu tempo lá, gostaríamos de conhece-los melhor. 

Rafaela interrompeu:

-Filho, você precisa nos prometer que vai parar de tomar drogas. E que vai parar de usar maconha também. É perigoso, e contra a lei! Você pode ir preso, nós podemos ir presos, somos os responsáveis por você. E a maconha leva ao uso de drogas mais pesadas, nós já conversamos sobre isso, e você sabe!

Marvin achou melhor não discutir. No fundo, ele sabia que estava errado. Concordou com  a cabeça. 

-Eu vou falar com os pais da Jane. Dizer que vocês querem conhecer eles. Mas não sei como vai ser, pois eles são muito ocupados. Sabem, a mãe dela tem uma ONG muito importante, e ajuda um monte de gente carente. E o pai dela é um empresário, ele é muito legal. Os dois são... muito legais. Eu... gosto muito deles. 

Tanto Cadu quanto Rafaela notaram que o filho afirmava algo em que não acreditava, mas que tentava convencer a si mesmo do que dizia. Rafaela tentou sorrir, e acariciou o rosto do filho:

-Mas se é assim... então eles não se negarão a nos receber, ou a aceitar o nosso convite para um café. Mas por favor, diga que não vai mais beber ou tomar qualquer tipo de droga, Marvin. Você está tomando antidepressivos, e a mistura pode ser muito perigosa. E você vai falar com o Dr. Figueiredo. Vai contar a ele a verdade. 

Marvin concordou, e foi autorizado a ir para o quarto. Rafaela e Cadu ainda permaneceram na sala durante algum tempo, tentando convencer um ao outro de que tudo ficaria bem, e que aquilo não passava de uma fase passageira. Ainda se lembraram das vezes em que fumaram maconha juntos quando eram jovens, e riram. Mas ambos sabiam que a coisa não seria tão simples assim. 


(continua...)




quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

AMOR E REVOLTA - CAPÍTULO VII






As férias chegaram, e Marvin sentia-se aliviado por não estar sob a pressão das provas finais. Escrevera algumas dissertações, fizera trabalhos e exercícios de gramática e matemática em grupo, passara por algumas entrevistas. O suficiente para que decidissem que ele estava aprovado para cursar o último ano. Às vezes, as coisas que a irmã lhe dissera ficavam martelando em sua cabeça. Mas Marvin era apenas um adolescente apaixonado, e a testosterona era sua maior conselheira. Seu relacionamento com Jane continuava como sempre – quente, apaixonado, instável. Marvin ia do paraíso ao verdadeiro inferno em questão de minutos. Não gostava quando ela cumprimentava seus amigos com beijos na boca. Não aprovava quando ela abusava das drogas ou do álcool, ficando totalmente fora de sí, dançando a noite toda em uma das festas que sempre aconteciam em sua casa, movendo-se entre os amigos de seu pai, que a olhavam com olhos gulosos e faziam questão de dançar com ela de maneira íntima, apertando-a contra seus corpos. 

Acima de tudo, ele não se sentia à vontade quando chegava na casa dela e encontrava o Deputado Tavinho circulando por lá. Havia algo de muito negativo naquele homem. 
Certa vez, ele estava passeando no jardim, quando viu Paco e o deputado conversando em voz baixa. Marvin agiu por curiosidade apenas; parou, e ficou escutando a conversa deles. De onde estava, os dois não poderiam perceber sua presença, pois havia um denso arbusto entre eles. Marvin prendeu a respiração, concentrando-se para escutar melhor. Fragmentos de frases chegavam até ele:

-...Paco... eu vou mandar o dinheiro pela Jane... mande o material...

-...ninguém desconfia de nada, ... tenho certeza que... 

-olhe lá, hein!  Esse garoto que anda com ela... muito observador...

-...Ciúme de adolescente... nada sério.

-Se eu fosse você mandava ele vazar...

-A menina precisa sair... se divertir...

-Mas ela tem que estar disponível... se precisar...

-Não se preocupe... amanhã ela leva...

-A encomenda é grande, tem certeza?

-Sem problemas... deixo ela na porta... ela entrega e sai. Quem ia desconfiar dela?

-Então mando  a grana da “ONG.”

Tavinho dissera a última frase em tom de ironia. Os dois começaram a rir. 
O coração de Marvin batia descompassado. Havia algo de muito errado acontecendo ali! Ele estava tão distraído, que não percebeu a aproximação de Sunny, que logo percebeu o que ele andara fazendo. Mesmo assim, para não assustá-lo, ela usou um tom de voz casual, e estranhamente sussurrante, como se não desejasse que Paco e Tavinho os escutasse:

-Olá, Marvin. Perdido por aqui? Venha comigo, vamos almoçar. Você é nosso convidado de honra hoje!

Marvin levou um baita susto, mas notou que ela parecia mais assustada do que ele, enquanto o segurava pelo braço e se afastava dali rapidamente. No caminho, ela chegou a tropeçar, e Marvin notou que Sunny estava ofegante. Ele a amparou, e ela agradeceu. Ficaram se olhando por um tempo, até que ela percebeu que ele exigia uma explicação. Ela ajeitou o cabelo, e disse:

-Sei que pode ser que você pensou ter ouvido alguma coisa... mas deixe-me explicar, Marvin: você nos conhece há apenas alguns meses. Já notou que não somos uma família convencional. O Deputado Tavinho não é o que parece, ele é um bom homem. Ele faz gordas contribuições à nossa ONG, e através dela, nós ajudamos muitas pessoas necessitadas. Venha, vou lhe mostrar!

Dizendo aquilo, ela conduziu-o a um escritório, e convidou-o a sentar-se em frente ao computador. Abriu um site, mostrando a ele:

-Olhe... este é o site da ONG Coração Aberto. A ONG que eu administro. Veja só quantos projetos realizamos!

Marvin passou o cursor pela tela, e leu sobre projetos que levavam água a locais de sêca, alimentos a crianças carentes e até mesmo construção de casas populares para moradores de rua. Nas fotografias, mostravam o “antes” das pessoas e o “depois”, em imagens onde elas apareciam magras, sujas e carentes, e depois felizes e sorridentes, limpas e arrumadas em frente a casas com canteiros floridos na frente. 

-Este é o nosso trabalho. Acredito nas causas sociais!

Marvin não sabia o que dizer. Finalmente, olhou para Sunny e exclamou:

-Nossa, isso é... massa! Muito legal o trabalho de vocês. Mas...

Sunny, que sorria, satisfeita, deixou o sorriso morrer após indagação final de Marvin:

-Eu... esse senhor, o Deputado Tavinho... ele é sinistro. Não gosto dele... e você?

Ela riu:

-Sim, eu concordo! Acho que essa é uma característica dos políticos. De todos eles. Mas pode acreditar em mim, ele é dos bons! Uma referência para nós e nossos projetos, e também para os projetos de várias ONGS. Sabe, Marvin... você não sabe o que é a política. Às vezes, é necessário fazer algumas concessões, agir de maneira menos ética, a fim de se alcançar objetivos... ou eles o colocam para fora, arruínam com a sua vida. Existe todo um sistema lá dentro... mas deputados como o Tavinho tentam derrubar esse sistema, criando e incentivando projetos sociais. Você precisa conhece-lo melhor.

Marvin apavorou-se, sentindo um arrepio na espinha:

-Talvez algum dia. Ele... vai almoçar com a gente?

-Não. Hoje não. Passou apenas para acertar alguns detalhes com meu marido sobre um novo projeto. 
Marvin suspirou de alívio. Como Sunny estivesse sendo aberta com ele, atreveu-se a perguntar o que Jane tinha a ver com tais projetos.

Ela ergueu as sobrancelhas, mostrando-se confusa:

-Jane? Nada... por que? É claro que ela às vezes gosta de visitar as crianças, mas... não está pessoalmente envolvida.

-Porque eu escutei o nome dela sendo falado várias vezes. Sabe, lá fora. 

Jane abriu a boca para responder, mas não tinha a menor ideia do que dizer. Foi salva pela chegada de Jane e Max, que entraram na sala conversando e rindo alto. Ela saiu de fininho, dizendo que ia deixar os jovens à sós. 

O almoço foi um pouco tenso entre Marvin e Sunny. Jane também não parecia muito feliz, mas sorria e tentava disfarçar. Max, porém, parecia até quase simpático naquela tarde, pois seu pai lhe prometera um carro de luxo para o seu aniversário. Max discursava sobre o modelo e as facilidades que o carro oferecia, enquanto Paco o incentivava. Os dois dominavam a conversa. Até que Max, virando-se repentinamente para Marvin, perguntou:

-E você, Marvin? Não tem um carro ainda?

Marvin, surpreso, até tentou responder, mas Max cortou-o:

-Ah, é... você é de menor. – E riu, de maneira irônica. Jane mostrou-se furiosa, e os olhos dela se encheram de lágrimas, mas ela nada disse; apenas pousou os talheres, tomando um gole de água. 

Marvin corou, engolindo a humilhação, enquanto Sunny, parecendo muito desconfortável, servia-se de mais vinho. Marvin percebeu quando ela e Paco trocaram olhares nervosos. 

Após o almoço, Marvin escutou os dois discutindo no escritório, e suas vozes abafadas às vezes se erguiam, mas logo voltavam a sussurrar. Jane pegou-o pela mão, e ambos foram até o jardim. Max tinha saído, para alívio de Marvin, que já não gostava do cunhado antes, e agora, menos ainda.
À sós com Jane, Marvin decidiu passar as coisas a limpo:

-Eu pensei que seus pais fossem o casal perfeito. Parece que estão discutindo. Desculpe, não pude deixar de ouvir.

Ela retesou-se:

-Isso é problema deles. 

Depois, retratou-se:

-Olhe, Marvin, eu gosto de você de verdade, mas queria que você não julgasse a minha família. Já disse que somos diferentes.

-Mas me explique mais sobre essa diferença. Eu só queria entender!

Ela olhou para ele:

- Um exemplo: Eles não acreditam em monogamia. Sunny sai com quem ela quiser, e Paco também. 

-Por que você não os chama de “pai” e “mãe?”

Ela sacudiu a cabeça, enrolando os longos cabelos em um coque sob a nuca:

-Que importância isso tem? Gente, são só nomes! Aqui fomos acostumados assim, só isso. Além do mais, não achamos que alguém deva ser limitado a ser definido como ‘pai’ ou ‘mãe’ de alguém pelo resto da vida. Aqui, nós temos nomes, personalidades. 

Paco concordou com a cabeça, achando que ela estava certa:

-Fale mais sobre a sua família.

-Bem... o que quer saber?

-A Sunny e o Paco não ligam se você dorme comigo aqui dentro?

Ela riu:

-Claro que não! Eles acreditam no amor livre, eu já disse. E em todas as formas de amor. 
De repente, um travo de ciúme e estranheza cortou a paz de Marvin. Ele ficou pensando em quantos meninos ela já tivera naquela cama de casal confortável que ficava em seu quarto. Mas resolveu não perguntar. Ao invés disso, perguntou:

-Quantos anos você tinha quando transou pela primeira vez?

Ela não pareceu constrangida, e respondeu, olhando-o nos olhos:

-Doze anos. Mas por que isso é tão importante?

-Não é, e que... eu só queria entender vocês melhor. E... quem foi?...

-Você quer saber com quem eu perdi a “virgindade?” – ela tinha um tom de zombaria na voz que não o agradou – mas que caretice, Marvin! Mas tá bom, se é tão importante assim... eu perdi a virgindade com um primo. Ele era oito anos mais velho que eu. 

Marvin engoliu em seco, tentando digerir aquela informação.

-Mas isso não é ...

Ela completou:

-Pedofilia? Sim, no seu mundinho, é sim. Mas como você é careta, Marvin!

De alguma forma, e pela maneira com que ela disse aquela frase, Marvin sentiu que ela não pensava realmente daquela forma, mas que repetia frases que se acostumara a ouvir. Pois os olhos dela fugiam dos dele, pela primeira vez, desde que se conheceram. Jane tentava desesperadamente soar natural, rir, e abusar da ironia, mas não olhava mais para ele. Não parecia estar convencida do que dizia. Ela convidou-o:

-Vamos lá para cima. Acho que você precisa “dar um tapa”, e de também transar um pouco. 

Mas ele a segurou, obrigando-a a ficar aonde estavam:

-Não, antes... quero que você me responda uma coisa. 

Ela revirou os olhos, em sinal de impaciência. 

-Você também é assim tão liberal? Você acha que é certo ficar com outros meninos, transar com eles, estando comigo?

Ela demorou a responder, mas finalmente, ergueu os olhos e disse:

- Acho que devemos viver o momento. A vida é curta. Temos que ser resilientes, temos que aproveitar a vida, Marvin. Gosto de você e no momento, estamos juntos. Isto deveria ser o suficiente. 

-Mas você não me respondeu.

-Sim, eu sou liberal. Mas se quer saber se fiquei com alguém enquanto estou com você, a resposta é não. 

-Mas isso quer dizer que pode vir a ficar.

-Sim. Posso. Se eu sentir que devo. Esta sou eu, Marvin, este é o meu mundo, e ou você se encaixa dentro dele, ou não. 

Ele respondeu com irritação na voz:

-E quanto ao meu mundo?

-O seu mundo não deu certo. Todos os dias, vocês matam por ciúmes, vocês matam por preconceito, vivem uma vida hipócrita onde a fidelidade é exaltada a qualquer custo, enquanto todo mundo trai. Falam de valores, de família, mas todos vivem brigando e vivendo de forma vil. 

-Minha família não é assim!

-Ótimo!

-Você deveria conhecê-los melhor. Sempre vamos lá em casa, mas você nunca conversa com eles!

-Eu não vou lá para ver seus pais, mas para ver você!

-E se de repente eu aparecesse de mãos dadas com outra garota na sua frente, como você ficaria?

Ela levou ambas as mãos à cabeça, fazendo uma cara irritada:

-Mas você não entendeu? Você é uma pessoa livre! Você pode ficar com quem quiser, quando quiser, e não me deve satisfações da sua vida! Estamos juntos porque queremos, não existe hipocrisia, não existem laços ou nós que nos prendam! 

Eles se deram conta de que estavam gritando um com o outro. Um dos jardineiros, que trabalhava ali perto, fingia não escutá-los. Ambos se afastaram um do outro, caminhando alguns passos, e depois voltaram a se olhar. Suas mentes estavam confusas. Jane sabia que nunca sentira por ninguém o que sentia por Marvin, e no fundo, vê-lo com oura garota não seria nada agradável. Mas ela aprendera a ver seus pais saindo com outras pessoas, e até mesmo convidando-as para seus quartos. É claro que muitas vezes, ela notava que Sunny estava infeliz. Ela sabia que a mãe, no fundo, sofria. Pensou se gostaria de ter uma vida como a dela. 

Marvin olhava para ela, tentando administrar a dor que suas palavras causaram dentro dele. Crescera entre pessoas que valorizavam a família, a fidelidade e o respeito. Não estava acostumado àquelas ideias. 

Nem notaram quando Pacco e Sunny se aproximaram deles. Os dois levaram-nos para dentro da casa, segurando-os pelas mãos. 

(continua...)






A RUA DOS AUSENTES - Parte 4

  PARTE 4 – A DÉCIMA TERCEIRA CASA   Eduína estava sentada em um banco do parque. Era uma cinzenta manhã de quinta-feira, e o vento frio...