segunda-feira, 21 de julho de 2014

Como Fazer Amigos - Um Conto Juvenil - Parte IX




Não tive coragem de ir devolver o dinheiro de Priscila pessoalmente; acabei deixando na portaria do prédio dela, em um envelope lacrado com meu nome (não sabia qual era a quantia exata, então minha mãe telefonou ao salão e descobriu). Os três dias de suspensão voaram, e logo eu estava de volta à escola. 

Entrar na sala de aula passando por Priscila, Débora  e suas amigas não foi fácil, mas ergui a cabeça - de volta ao meu antigo estilo meio-gótico, mas sem deixar de levar em conta algumas características do meu velho / novo visual - e passei por elas sem nem sequer olhá-las. Elas se dividiram em um corredor, e eu passei bem no meio, pisando duro. Não houve sequer um sussurro enquanto eu passava.

Não foi fácil convencermos o diretor da escola a permitir-me uma retratação. Aliás, foi tão difícil, que não conseguimos da primeira vez, até que minha mãe ameaçou abrir um processo contra a escola. À contragosto, ele permitiu-me dez minutos antes da primeira aula, e ele mesmo foi até a sala para anunciar o meu pequeno discurso. Eu já tinha ensaiado o que ia dizer, mas assim que fiquei de pé diante da turma, e olhei no rosto de cada um - percebendo olhares de solidariedade, desprezo, descrença e raiva - eu fiquei muda. E assim permanecei durante pelo menos dois minutos, que duraram quase duas horas. O silêncio era tão profundo que escutei o estômago do menino da primeira fileira, Ronald,  roncar. Finalmente, criei coragem e comecei a falar:

-Olá, e obrigada por me escutarem. Eu quero me desculpar pelo que aconteceu há três dias na porta da escola, foi... horrível, e eu sinto muito. Não vou tentar me justificar acusando ninguém, pois a gente não pode acusar os outros porque perdemos nosso autocontrole. 

Olhei para Débora, e ela revirou os olhos, mas não me olhou.

-Mas eu fui vítima de uma grande calú... digo, mal entendido. Todo mundo, a essa altura, sabe do que eu estou falando.  Achei que Priscila tinha me dado o cabeleireiro de presente pelas aulas particulares de trigonometria que ela me pediu. Foi o que eu entendi.

Naquela hora, todos olharam para Priscila, que respirou fundo e concordou com a cabeça, enxugando uma lágrima do canto do olho.

-Eu jamais cometeria uma falta tão grande quanto trair a confiança de alguém que tentou ajudar-me. Eu sou uma pessoa digna. Claro, sei que muitos aqui me acham esquisita, mas eu não trairia a confiança de alguém que eu considerei, por um momento, mas considerei, minha amiga. Eu não sabia... acho que houve um grande mal entendido, e eu só queria esclarecer as coisas.

Dizendo aquilo, sentei-me novamente. Meus olhos marejados não me deixaram ver qual estava sendo a reação dos meus colegas de classe, e também reinava um silêncio tão grande que eu mal podia suportar. O diretor completou mu pequeno discurso:

-Bem, gostaria de dizer, Nanda, que você foi muito corajosa, e que suas desculpas foram aceitas. A partir de agora, espero não mais ouvir falar deste assunto, e não tolerarei qualquer espécie de fofo.. digo, mal entendido, envolvendo Nanda ou outro aluno qualquer.

O silêncio foi repentinamente cortado por palmas e assovios. Nem por um momento, ousei olhar para Santiago. Eu estava muito magoada com ele.

Na hora do recreio, quando eu me dirigia à cantina, ouvi Priscila chamar meu nome. Eu parei, sem olhar para trás, pensando se seria melhor continuar andando; afinal, ela já tinha me causado problemas demais. E era isso que eu ia fazer, quando ela me alcançou e segurou meu braço.

-Nanda, por favor... eu... sinto muito. Quero que você me desculpe.

Olhei em volta, e não vi Débora ou as outras meninas por perto.

-O que você quer, Priscila? Já devolvi seu dinheiro. Ou não lhe entregaram?

-Claro, mas não é por isso que eu quero falar com você. O dinheiro é o que menos me importa. Quero me desculpar pela Débora. Sabe, ela é ciumenta. Mas ela é legal se a conhecer melhor.

-O que?! Ora, Priscila! Me poupe!

-É verdade! Ela apenas teve medo de perder minha amizade. Mas ela mesma, antes de você fazer aquele discurso, me contou a verdade. Sabe, ela tinha me dito umas coisas sobre você antes... coisas que me deixaram com muita raiva de você...

-Nem quero saber o que foi!

-Melhor assim. Mas ela mesma desmentiu tudo esta manhã.

-Por livre e espontânea vontade?

Ela olhou para o chão, torcendo as mãos:

-Não exatamente. A mãe dela a obrigou. Mas o que importa é que ela disse a verdade.

Eu cheguei mais perto dela, e olhando-a no rosto, disse:

-Olha, quem são as amigas que você escolhe, é problema seu. Mas se eu fosse você, tomaria cuidado com essa aí, pois é dominadora e intriguenta. De qualquer forma, não é da minha conta.

Dando de ombros, virei-me de costas para ela, que mais uma vez, segurou-me pelo braço:

-Eu gostaria de continuar sendo sua amiga, Nanda. Eu gosto de você. E olha, obrigada pela ajuda. Eu passei na prova.

-E eu vou ter que fazer segunda chamada porque fui suspensa. Nós duas somos muito diferentes, Priscila. Olhe só para suas amigas, sua maneira de vestir, as coisas que curtem... eu não gosto de nada que vocês gostam.

-Eu sei. Você é diferente delas. Você é real. Uma pessoa de verdade.

Vi que ela estava sendo sincera.

-Então, por que anda com elas?

-Porque... você não entenderia. a minha mãe. Ela exige que eu faça amizade com meninas de "boa família." (Ela disse aquilo com um traço de ironia na voz).

-E eu não sou de boa família, hein?

-Não é isso... é claro que é. Se não fosse, eu não ia querer a sua amizade.

-Escute, Priscila: você já disse à sua mãe o que você pensa, o que é importante para você?

-Minha mãe só se importa com o que é importante para ela.

-Não acredito. Se eu fosse você, tentaria dizer a ela o que você quer fazer. Você poderá se surpreender.

-Você não conhece minha mãe... ela só pensa em aparências. Em ser melhor que suas amigas. Ela pensa que sou um tipo de bonequinha de luxo que ela exibe às outras mães.

Senti pena dela, sinceramente. Mesmo assim, achei melhor não ceder.

-Olha, Priscila, você é legal! Juro... mas não dá mesmo. Depois de tudo o que aconteceu, sabe. E olha, pode ficar com o Santiago, ele se parece mais com você do que comigo.

Dizendo aquilo, corri para longe, e passei por Santiago, que me esbarrou e quase derrubei-o no chão. Não olhei para trás. Quando voltei da cantina, segurando meu guaraná e meu bolinho de salsicha, vi os dois conversando, e minha garganta fechou. Quando passei por eles, Santiago me encarou, mas eu passei direto e não falei com ele.

Que ficassem juntos. Eu nem ligava.

Dois dias depois, após algumas tentativas frustradas de se aproximar de mim, Santiago forçou-me a olhar para ele, ficando em meu caminho. Tentei desviar, mas ele agarrou-me pela cintura, e me deu um beijo na boca. Eu o empurrei, e senti muita raiva.

-Quem você pensa que é?

Ele ficou muito sem graça, pois alguns colegas que passavam por nós viram tudo, e ficaram comentando de longe. Fui para o meu lugar, e fingir que estava estudando para a prova.

Ele arrancou a folha da minha mão:

-Você precisa me ouvir. Eu preciso que você me desculpe, Nanda.

-Você não acreditou em mim, e portanto, não me merece.

-Você tem razão. Mas eu fui um idiota. Todo mundo é idiota um dia. Me desculpe? Olha, eu gosto de você, eu quero ficar com você. 

-Acho que você e Priscila formam um lindo casal.

-Ah!...

Ele riu, o que me deixou ainda mais irritada.

-Eu não tenho nada com ela. Já conversamos, e ela me disse que não está zangada com você. Nem comigo. Ela entendeu tudo. Sabe, ela não está mais falando com a Débora.

-E eu com isso?...

-Não seja tão dura, Nanda.

Senti que ia começar a chorar, pois minha garganta apertou e meu rosto estava pegando fogo. Não olhei para ele, com medo de me jogar em seus braços. O professor entrou, mandando todo mundo ir sentar em seus lugares. Santiago tirou um papel dobradinho de dentro do bolso, e colocando-o na minha mesa, disse:

-Por favor, leia... não jogue fora!

(continua...)




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