quinta-feira, 2 de maio de 2019

INOCÊNCIA - PARTE 1- CAPÍTULO XVII






A VOLTA DE BERTA

Um mês após o casamento – naqueles tempos as luas de mel podiam ser bem longas – Berta e Sebastian voltaram a Rio da Prata. Foram recepcionados com um jantar na nossa casa, e os pais de Sebastian também foram convidados. Insisti para que papai convidasse Duílio, e ele concordou. Cândida e Marcelo, acompanhados de Tia Aurora e Joana, também compareceram ao jantar.

Berta estava radiante. Usava um terninho amarelo-claro que a deixava com ares de senhora, uma blusa creme e um colarzinho de pérolas. Notei que Tia Aurora aprovava seu novo visual. Berta desistira da faculdade para tornar-se a esposa de Sebastian, e ambos já planejavam um filho. Sebastian começou a trabalhar com o pai no escritório de engenharia, assim que retornaram da lua de mel. As coisas eram assim: os filhos seguiam a carreira dos pais, e a maioria das mulheres viravam “prendas do lar.” Era o final dos anos setenta.

Joana ainda não estava namorando ninguém, apesar dos dezessete anos de idade recém-completados, para cuja festa eu fora convidada, e comparecera a contragosto, a pedido de meus pais.

Berta e Sebastian ocupariam uma ala na casa dos pais dele, que tinha sido ampliada e convenientemente replanejada para dar privacidade total ao casal. Felizmente, Berta e Lourdes, a sogra, deram-se bem desde o princípio, tornando-se grandes amigas. Ambas tinham praticamente os mesmos gostos e opiniões, faziam compras juntas, organizavam juntas as coisas da casa e após o nascimento dos bebês gêmeos de Berta, Paulo e Marcos, a sogra tornou-se uma verdadeira mãe para todos eles – nora e bebês. Eu também gostava de Lourdes e Moacir, sogros de Berta. Eram pessoas boas, cordatas. Acho que Cristina os acharia convencionais demais. Eu sempre pensava no que Cristina poderia achar sobre isso ou aquilo. Tentava escutar suas opiniões imaginárias sempre que eu estava em dúvida sobre alguma coisa, me perguntava: o que Cristina faria? Muitas vezes, eu seguia aquelas respostas imaginárias, e nem sempre me dei bem. Porque na verdade, elas eram apenas isso: respostas de uma Cristina imaginária. Na verdade, Cristina tornou-se alguém totalmente diferente daquilo que eu imaginava, mas eu só descobriria aquilo bem mais tarde.

Um ano depois do casamento, Berta engravidou dos gêmeos. Eu adorava acompanhá-la às compras, juntamente com Lourdes. Ficávamos horas escolhendo roupinhas de bebê, e depois íamos almoçar juntas no restaurante de Tia Aurora. Às vezes, mamãe juntava-se a nós, mas ultimamente, ela andava um tanto deprimida, e tomava alguns medicamentos que faziam com que ela dormisse por horas, mesmo durante o dia. De repente, ela acordava bem disposta e dedicava-se à casa, ia ao cabeleireiro, comprava roupas novas, passava horas fazendo seus cursos, e logo em seguida, caía novamente num estado de torpor que podia durar dias a fio.

Eu não entendia porque mamãe andava tão infeliz. Nós tínhamos uma boa vida, éramos uma família unida e feliz, tínhamos uma boa casa. Berta ia dar-lhe netos. Eu terminara o colegial e já dava aulas na parte da manhã para um grupo de crianças da primeira série primária. Papai estava bem, e com saúde. Aliás, papai dizia que mamãe estava passando por uma fase difícil, coisa de mulher, segundo ele. Pedia que nós tivéssemos paciência com ela, e afirmava que um dia passaríamos pelas mesmas coisas. Eu procurava deixá-la em paz naqueles momentos, e talvez ter ficado longe dela tenha contribuído para que nos afastássemos totalmente mais tarde: eu não tentei compreender minha mãe.

(CONTINUA...)






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