#Amadurecer- PARTE I
Lara entreabre os olhos ao som do zumbido do celular
vibrando sobre a mesinha de cabeceira para avisá-la de que está na hora de
levantar. Um facho de luz de sol matutina entra pelas frestas das persianas,
indo parar aos pés do edredom cor-de-rosa com estampas florais. Ela se
espreguiça e boceja; a escola começa cedo, às sete e meia, e ao olhar a tela do
celular, Lara descobre que ainda tem alguns minutos. Pega o celular, arranja os
cabelos longuíssimos e loiros com as mãos, limpa os cantos dos olhos com os
dedos e prepara o formato dos lábios – que a uma simples contração toma a forma
de um coração – . Depois, jogando a alça da camisola para o lado e fim de expor
um ombro branco e macio como seda, ela faz a sua primeira selfie do dia:
#não estou muito bem hoje
#acabando de acordar
#school sucks.
Ela posta a fotografia na rede social, e
aguarda alguns segundos: logo surgem mensagens de solidariedade e outras, como:
“O que houve, my love?” Ela vê que é de Rick, um cara que usa uma cara de urso
como avatar. Ele é meio-obcecado por ela, e às vezes posta declarações de amor
em seu perfil. Lara não sabe quem ele é, mas não o deleta porque gosta dos
elogios que ele posta a respeito do quanto ela é linda e incrível. Em seguida, a mensagem de Bia, amiga da
escola: “#Levanta daí e vai pra escola!” E muitas outras mensagens com
emoticons de coraçõezinhos, flores, carinhas de cachorros e gatinhos, e em
menos de um minuto, já são quase cinquenta. Satisfeita, Lara afasta as cobertas
e vai para o banho. Aos quinze anos, ela é mais uma jovem que acha que virou
mulher mas ainda não passa de uma criança. Ainda é virgem – embora pretenda
acabar com esse problema dentro em breve, na festa de final de ano da escola
que frequenta, terminando o segundo ano do ensino médio. Ainda não sabe com
quem perderá sua virgindade, já que terminou com o namorado há uma semana.
Namoraram durante bastante tempo – cerca de dois meses – mas quando Lara
percebeu que todo mundo começou a se referir a eles como LaraeBruno, ela se
sentiu desconfortável. Além do mais, Bruno estava forçando muito a barra, e ela
simplesmente não estava a fim. No fundo, só ficou com ele porque ele estava no
time de futebol e era bastante popular – sonho de consumo de quase toda garota
da escola. Ficou com ele para provar que podia ficar, e pronto.
Ela coloca o uniforme da escola (detestava
uniformes), enrolando a saia na cintura para torná-la um pouco mais curta.
Veste a suéter azul-marinho sobre a blusa branca, e jogando os cabelos para um
dos lados, tece neles uma longa trança frouxa, que dá a ela um ar ainda mais
juvenil. Passa batom rosado nos lábios, novamente contraindo os cantos da boca
para dar-lhes um formato de coração, passa lápis preto no contorno inferior dos
olhos e desmanchando a trança um pouquinho mais, borrifa perfume no ar,
colocando-se sob a nuvem perfumada, agarra sua mochila da escola e faz uma pose
no espelho antes de ir, jogando-a sobre o ombro esquerdo e colocando a mão
direita na cintura. Mais uma selfie: #indopraescola.
Na cozinha, Valentina – sua irmã mais velha de
21 anos e meio – já está tomando café, sentada à mesa com os pais, Vítor e
Louise. Lara chega, jogando a mochila num canto da cozinha e beijando os pais
no rosto. A mãe diz “Bom dia, filha!” Enquanto a segura pela cintura, descendo
a saia, que cai quase até os joelhos Bia, a irmã, ri: “Já passei por isso.”
Vítor diz: “Olá, minha princesa!” e Lara finalmente senta-se à mesa, pegando um
potinho de iogurte e começando a comer.
Louise pergunta: “Vai comer só isso? Você não
acha que deveria comer um pedaço de pão e uma xícara de café com leite?” Lara
revira os olhos com impaciência, e não responde. O pai finge não ouvir, e
termina sua xícara de café preto, levantando-se da mesa e desejando a todos um
ótimo dia. Ele beija Louise na testa, e vai para o trabalho, deixando no ar o
cheiro de sua colônia de barba caríssima. Louise se levanta, e começa a tirar a
mesa. Ainda tenta convencer Lara a comer alguma coisa mais substancial, mas
naquele momento, Valentina olha o relógio de pulso, dizendo que precisa ir,
pois é dia de arrumar a vitrine da loja. Valentina possuía uma loja de roupas
em um dos shoppings mais badalados da cidade onde moravam. Na verdade, a loja
não era lá um grande sucesso, mas o pai ajudava a pagar as dívidas quando a
loja não se pagava, e como Valentina decidira não ir para uma faculdade, ele
concordou quando ela disse que gostaria de ter uma loja de roupas. Afinal, era
preciso que a filha se ocupasse com alguma coisa! É claro que Valentina nem
sempre ia trabalhar; às vezes, ela ficava em casa, trancada em seu quarto,
usando o Skype para conversar com alguém que ninguém sabia quem era. Louise
Parava à porta do quarto, tentando escutar, mas eles conversavam em voz baixa.
Ela só conseguia ouvir as gargalhadas.
Valentina diz à irmã: “Vamos! Estou atrasada!”
Lara se levanta, deixando o pote de iogurte por terminar, ao som dos protestos
da mãe, a quem ela abraça e beija no rosto mais uma vez, ignorando o que ela
diz. As meninas saem, e entram no carro de Valentina. Louise está à porta,
acenando-lhes e dizendo à Valentina que dirija com cuidado. Quando o carro some
na esquina da rua, ela entra e começa a preparar-se para ir trabalhar. Louise é
publicitária, e tem um escritório na cidade. Naquele momento, Iara, a empregada
doméstica que está com a família desde que Vítor e Louise se casaram, abre a
porta da cozinha, esbaforida: “Greve de ônibus de novo. Quase não consigo
chegar! Ainda bem que a van passou.”
Louise deseja-lhe um bom dia, dando as
ordens para o almoço e o jantar da família antes de sair de casa. Iara leva-a
até a porta, e Louise despede-se dela com um beijo no rosto.
Iara fica à porta, pensando no porquê de
precisar preparar duas refeições todos os dias se eles quase nunca almoçavam em
casa. Bem, mas pelo menos, Louise nunca se importou que ela levasse as sobras
de comida para casa, e era bastante generosa com ela. Dava-lhes muitas roupas e
sapatos, bolsas e artigos de cama e mesa. Louise vivia comprando coisas, e
quando os armários ficavam cheios demais, ela chamava Iara e as duas ficavam no
quarto, experimentando peças. Iara ficava com muitas delas, e levava outras
para distribuir entre as mulheres do bairro onde moravam. Com certeza, aquela
era uma comunidade muito bem vestida!
As duas tinham um relacionamento de mãe e filha,
apesar de Iara ser apenas quinze anos mais velha que sua patroa. As meninas
também tratavam Iara como se ela fosse uma avó muito querida, jamais se
lembrando de que ela era a empregada doméstica da casa. Muitas vezes, Lara
sentia-se mais próxima a ela do que à mãe, que estava sempre trabalhando e mal
tinha tempo para ela.
Mas era Valentina o verdadeiro ídolo de Lara. A
irmã mais velha, linda, magra e com cara de top model, era admirada por todos
os seus colegas de escola – masculinos e femininos – e Lara adorava quando
Valentina parava o carro no portão da escola e todos os olhares se voltavam
para elas. Lara sempre recorria a Valentina quando tinha dúvidas sobre o que
vestir, o que dizer a um menino ou como agir. A irmã era sua grande conselheira
e amiga.
Valentina para o carro no portão da escola.
Antes de sair, Lara puxa assunto com ela, para desfrutar da atenção das pessoas
que as observavam por mais alguns minutos: “Você vai almoçar em casa hoje?” A
irmã responde: “Não sei. Se der. Mas acho que não. Caso eu vá, passo para te pagar. Te mando uma
mensagem.” “Tá bom. Tchau!” e as duas se despedem com dois beijinhos. Antes da
irmã sair, Lara mantém a porta do carro aberta por alguns segundos, de forma
que os amigos não a vejam enquanto enrola a saia novamente. Valentina ri,
sacudindo a cabeça.
No corredor cheio da escola, Lara sente uma mão
apoiando-se em seu ombro, e o cheiro de chiclete de menta de Bia. As duas
amigas se abraçam, e vão abraçadas para a sala de aula – primeira aula,
matemática. Antes do professor entrar em sala, as duas têm tempo para uma
selfie com os amigos ao fundo. Ao olhar suas postagens, Lara fica orgulhosa ao
ver que suas duas últimas fotos já têm mais de duzentas visualizações e
curtidas.
Em casa, Iara arruma as camas. Ao chegar no
quarto de Valentina, acontece uma chamada por Skype. Ao ouvir a famosa
musiquinha, Iara não consegue deixar de olhar para a tela, e vê a imagem de um
homem bem mais velho, sorridente e com cara de galã de cinema cafajeste . Ela
não se atreve a atender, mas fica ali parada, olhando para a fotografia dele e
se perguntando quem ele poderia ser. Aparentava ter uns quarenta e cinco anos –
Iara raramente errava ao tentar adivinhar a idade de alguém. O que um homem
como aquele estaria fazendo na lista de amigos de Valentina?
A musiquinha finalmente para de tocar, e
aparece uma mensagem de texto, que Iara lê: “Não vou poder ir hoje. Julia vem
me encontrar para almoçarmos juntos.”
Ela aperta os olhos para ler, pois está sem os
óculos. Vê o nome do rosto na tela: “Renato.” Sem poder fazer mais nada, e
ainda pensando no assunto, ela começa a arrumar o resto da casa. Mas nem mesmo
o ruído do aspirador de pó consegue afastar sua preocupação com a sua menina
mais velha. Era assim: Iara sentia-se como se fosse a mãe das meninas.
Nunca se esquecera de como Vitor e Louise a
acolheram quando ela, mãe solteira, engravidou de seu filho Sérgio. Jamais
seria grata o suficiente por seus patrões terem pago pela educação dele até que
o rapaz terminasse o ensino médio, e do quanto o incentivaram a entrar para uma
faculdade pública e continuar seus estudos. Hoje, Sérgio – um ano mais velho do
que Valentina - estava cursando o segundo ano de engenharia mecânica, e tinha
um futuro promissor. De vez em quando, ele aparecia para uma visita, e a
família o recebia como a irmão que passara para ver como estão as coisas.
Valentina e Lara o carregavam lá para cima, e eles ficavam conversando, ouvindo
música e assistindo a filmes. Depois, quando ele ia embora, as duas faziam-no
prometer que voltaria logo.
Na verdade, assim que o seu filho nasceu, Vitor
e Louise convidaram Iara e o bebê para viverem com eles na casa. Lá eles
ficaram, até que o menino completou dez anos, e Iara casou-se.
Iara desligou o aspirador e foi preparar o
almoço. Tentava decidir se seria uma boa ideia mencionar Renato a Louise.
Depois da escola, com pilhas de tarefas de casa
na mochila, Lara e sua amiga Bia aguardam Valentina chegar para levá-las para
casa. Quando ela chega, percebem logo que Valentina não está bem, e se
entreolham, caladas. Conhecem-na o suficiente para saberem que em momentos
assim, ela constrói um muro em volta de si mesma, e torna-se impossível fazer
com que ela fale alguma coisa. Então as duas colocam seus fones de ouvido.
Iara fica feliz ao ver que as três chegaram
para comer a refeição que ela preparou com tanto carinho. Porém, Valentina mal
fala com ela, e sobe para o quarto. Iara olha para Bia e Lara, perguntando o
que houve, mas elas não sabem dizer. Sentam-se à mesa e comem, conversando
sobre as provas que farão. Vítor e Louise ligam para avisar que vão almoçar
juntos na cidade. Louise pede a Iara que fique de olho em Lara e que a faça
comer. Iara sente uma comichão na língua para falar sobre Renato, mas acaba
decidindo que não é uma boa hora. Ao invés disso, sobe e vai até o quarto de
Valentina. Bate à porta, e ela não responde. Iara bate outra vez, e ela
finalmente diz, impaciente: “O que é?” Valentina respira fundo: “Não vem
almoçar? Preparei as panquecas que você adora!” Valentina abre a porta após
alguns segundos, e Iara percebe os olhos vermelhos.
Ela olha para Valentina, fazendo uma cara
curiosa e, ao mesmo tempo, engraçada. Valentina sorri, mas os olhos estão
tristes. Diz: “Estou sem apetite. Acho que vou dormir um pouco, Iara.” “Você
não está se sentindo bem, minha flor? Quer conversar? Problemas na loja?”
Valentina demora um pouco a responder, e depois concorda com a cabeça: “É.
Problemas na loja. Amanhã eu resolvo, agora estou com dor de cabeça. Mais tarde
eu como alguma coisa.”
Quando Iara chega à sala de jantar, as duas
meninas já não estavam mais lá.
#Amadurecer - PARTE II
Deitadas na cama de Lara, que faz mais uma
selfie com os cabelos das duas esparramados sobre os travesseiros – duas ondas,
uma loira e outra totalmente negra se encontrando entre as duas cabeças unidas.
Lara lê mais uma das declarações de Rick, o urso: “Assim você me deixa
completamente louco por você!” Ela ri,
mostrando o post à amiga, que diz: “Você sabe quem é esse cara? Pode ser algum
maníaco!” Lara arregala os olhos ante aquela possibilidade. Se fosse, ela
ficaria famosa nas redes. Imaginem, ela, sendo perseguida na internet por um
maluco tarado! Todo mundo ficaria sabendo, e mandariam mensagens de apoio. Quem
sabe, ela até saísse no jornal? Ou em algum site de notícias?
Ela manda mais uma foto, desta vez, com uma
carinha bem triste, caprichando nos lábios-coração: “#Tristinha...” logo, uma
mensagem de Rick aparece: “Eu adoraria poder consolar você!” As duas amigas dão
gargalhadas. De repente, Bia sugere: “Vamos abrir um blog juntas!” Lara pensa,
e responde: “Blog de quê? Eu mal consigo escrever a minha redação de português!” Bia responde:
“E quem disse que você tem que saber escrever para abrir um blog? Pode ser um
blog de fotos... ou de moda!” “Não é minha praia...” “Pensa! Você bate as
fotos, eu escrevo. Podemos usar as roupas da loja da Valentina!”
Imediatamente, a imagem de fotos dela usando as
roupas caras da loja da irmã começam a criar vida na mente de Lara. Ela gosta
da ideia: “Eu posso ser a modelo, você a escritora e Valentina a
patrocinadora!” “E isso vai ajudar a
alavancar as vendas da loja!”
Na tela do celular, o urso está desesperado:
“Me manda uma mensagem, meu amor!” A caixa de mensagens de Lara estava repleta.
Ela não verificava as mensagens com muita frequência. Preferia postar
fotografias e ler os comentários. Ela jogou o celular sobre a cama, e começou a
andar pelo quarto, fazendo planos:
“A gente podia convidar os amigos da escola
para seguir o blog!” “Mas só os mais descolados. Como as meninas do terceiro
ano!” “É! Imagine, se eu ia convidar alguém da nossa sala... aquelas garotas
não tem a menor noção!” “Verdade. Só nós
escapamos!”
E as duas amigas ficam a tarde toda fazendo
planos, enquanto o dever de casa aguarda na mochila. Às cinco e trinta, Louise
chega em casa, indo direto ao quarto de Lara, e em tom de brincadeira,
despede-se de Bia: “Ora de ir para casa, mocinha. Amanhã cedo tem aula, e
aposto que vocês não estavam aqui estudando ou fazendo a tarefa de casa.” “Lara
franze as sobrancelhas: “Mãe! Você tá mandando a Bia embora assim, na lata?”
“Estou sim. Mas amanhã ela volta! Boa tarde, Bia. Vá, antes que escureça.” E
Bia pega sua mochila, despedindo-se delas com um beijo soprado.
Assim que a menina sai, Louise pega a mochila
da filha: “Dever de casa. Agora.” Lana dá uma profunda bufada, e abrindo a
mochila, espalha os livros e cadernos sobre a cama, escolhendo alguns, que leva
com ela para a escrivaninha. Somente quando ela começa a escrever, Louise sai,
fechando a porta.
Quando chega na sala de estar, Iara está pronta
para ir para casa.
“Já vai, Iara?” Iara balança a cabeça,
concordando. As duas se conhecem há anos, e logo Louise percebe que há algo
errado. “Aconteceu alguma coisa?” Iara faz sinal para que Louise a siga até a
cozinha, e chegando lá, as duas sentam-se à mesa. Lembrando-se de repente de
fechar a porta, Iara se levanta, e depois de fechá-la, senta-se novamente.
Louise percebe que o assunto deve ser grave.
Iara começa a falar: “Hoje, sem querer, eu
estava arrumando o quarto de Valentina quando o Skype dela tocou. Era um homem.
Um homem bonitão, de gravata, arrumadinho... e bem mais velho do que ela.”
Louise escuta, sem interromper, franzindo as sobrancelhas de preocupação. Iara
continua: “Não atendi, é claro, mas ele deixou uma mensagem cancelando um
encontro hoje, e mencionando uma tal Julia que ia almoçar com ele. Nada demais,
eu suponho... mas achei que você deveria saber. Depois, na hora do almoço, ela
chegou aqui, não comeu nada e se trancou no quarto. Estava chorando.”
Louise
engoliu em seco; não sabia o que fazer, por onde começar. A filha estaria se
relacionando com alguém sem contar a eles? “E o que ela disse?” “Nada, apenas
que tinha um problema na loja. Mas eu a conheço, e sei que ela estava
mentindo.” Louise se lembra de ocasiões em que ela mesma desconfiou de que algo
estava acontecendo. As conversas sussurradas no quarto de Valentina, os ares
misteriosos, a filha calada durante o jantar.
Com certeza, ela estava apaixonada. Mas por que
estaria escondendo de todos? Naquele momento, Vitor bate à porta da cozinha.
Antes que elas abrissem a porta, ele coloca a cabeça para dentro: “Olá, minhas
queridas! O que é isso? Um complô? Conversas à portas fechadas?” Louise olha
para Iris, e ela imediatamente compreende que não deve tocar no assunto com
Vitor: “Estou aqui pedindo um aumento, patrãozinho.” Iara diz aquilo de uma
maneira muito engraçada, e os três riem. Depois, ela desmente; “Na verdade,
estamos tendo um papo de mulheres. Caia fora daqui.” Vitor fecha a porta,
fingindo ganir como um cãozinho ferido.
Em seu quarto, Valentina escuta o zumbir do seu
telefone. Ela atende: é Renato.
“Pode falar agora, amor?” Ela demora um pouco a responder, mas respira
fundo e diz: “Posso. Vi que você me mandou mensagem no Skype. Já te pedi para
não fazer isso, alguém pode ver!”
“Desculpe... eu me esqueci. Sinto muito por não ter ido ao nosso
encontro hoje.” Ela enxuga uma lágrima. “Tudo bem, eu sabia no que estava me
envolvendo. Não vou cobrar nada de você.” Ao dizer aquilo, Valentina sentiu-se
como se estivesse sendo a mais compreensiva e bondosa de todas as criaturas
vivas. No fundo, ela sentia raiva, frustração e ciúmes. Queria que ele fosse só
dela. Queria poder andar com ele de mãos dadas pelas ruas, ir a restaurantes,
fazer compras... ter filhos. Uma vida.
Lembrou-se da primeira vez que o vira: ele
entrou, acompanhado da mulher bonita, de meia-idade – que mais tarde, ela
ficaria sabendo que se chamava Julia. Os
dois entraram na loja, ficando de pé junto a vitrine, falando aos sussurros.
Ela olhou do balcão, e entendeu que não deveria interferir: os dois pareciam
estar discutindo. Ela levava a mão à cabeça, escondendo os olhos, e ele tentava
argumentar com ela. Finalmente, os dois se abraçaram, e então olharam para
dentro da loja, vendo Valentina, que na mesma hora, fingiu estar olhando algo
no computador. Os dois sorriram. Valentina sorriu de volta.
No dia seguinte, ele voltou à loja, mas daquela
vez, sozinho. Apresentou-se e pediu desculpas pelo inconveniente. Ela disse que
estava tudo bem. Os dois começaram a conversar, e finalmente, ele saiu da loja
levando um presente para a filha adolescente. Dois dias depois, ele voltou
com a menina: ela queria trocar o
presente, pois ficara grande demais. Valentina percebeu que ele não conseguia
tirar os olhos dela. Começou a sentir-se tímida. Ele era lindo, afinal... os
dois foram embora, e na semana seguinte, ele voltou à loja, novamente sozinho.
Valentina disse à atendente que deixasse com
ela, e caminhou até a entrada da loja, onde ele estava parado, fingindo
observar algumas roupas penduradas. “Posso ajuda-lo?” Ele olhou para ela,
abrindo o mais lindo sorriso que Valentina já vira: “Não sei... quem sabe?” Os
olhares de ambos se prenderam por mais tempo do que seria conveniente. Ela
baixou os olhos, e disse: “Outro presente para a filha?” “Não; desta vez, eu
vim porque queria ver você de novo. Não consigo parar de pensar em você.”
Ele disse aquilo sem pestanejar, e o olhar dele
queimou a pele dela. Ela sentiu o coração crescer e ficar grande demais para o
espaço que ocupava. O cheiro da colônia dele – a mesma que seu próprio pai
usava – chegou-lhe forte às narinas. Ela pensou no que poderia estar
acontecendo com ela, e não encontrou uma resposta. Então, ela sorriu – a única
coisa que conseguiu fazer. E ele interpretou aquele sorriso como uma resposta
positiva, o que de fato, era. Só que ela ainda não sabia. Valentina sussurrou:
“Mas você é casado...” “Pois é. Ninguém é perfeito. Mas se você me der uma chance,
farei você enxergar que este não é um problema tão grande assim.” Um cafajeste, ela pensou. Um enorme, óbvio,
incontestável cafajeste. Mas ela se derreteu diante do sorriso torto e o olhar
maldoso dele. Teve que fazer um esforço para reunir toda a sua dignidade para dizer
a ele que fosse embora, porque ela não se relacionava com homens casados. Ele
ficou muito sério, e dando meia-volta nos calcanhares, desapareceu dentro do
shopping.
Para voltar no dia seguinte, acompanhado da
esposa e da filha. Enquanto os três conversavam, Valentina descobriu que o nome
dele era Renato, a menina chamava-se Cláudia e a esposa, como já sabia, Julia.
Ela notou que havia alguma coisa pesada entre eles, apesar das tentativas –
principalmente, da parte de Julia – de aparentar serem uma família normal e
feliz. A filha era uma Barbie clássica: muito magra (mais do que a boa saúde
recomenda), fez com que palavras como bulimia e anorexia cruzassem a mente de
Valentina. A mulher também não parecia muito bem – igualmente magra, afetada,
maquiada demais, penteada demais. Apenas Renato tinha uma aparência normal. Ela
notou o quanto ele flutuava entre as vontades da mãe e da filha, como um gênio
da lâmpada. Elas faziam seus pedidos, e ele balançava a cabeça, dando sua
permissão. Pareciam usá-lo como uma máquina de assinar cheques e passar
cartões. Já entraram na loja trazendo bolsas de várias lojas caras, e ele
carregava a maioria delas.
Mais tarde, quando fecharam a conta e ele
assinou um cheque de valor absurdamente alto, eles se foram.
Mas ele voltou novamente, no dia seguinte, ao
final da tarde, quando Valentina fechava a loja.
“Posso oferecer-lhe um jantar?” Ela achou que
deveria aceitar só porque ele era um cliente da loja, e um dos bons. Mas na
verdade, ela teve dó do seu ar cansado e do seu olhar de cafajeste triste. E
eles foram jantar. Ele escolheu um restaurante afastado, e uma mesa escondida.
Após jantarem e conversarem sobre amenidades, ele disse: “Acho que ontem você
notou porque eu preciso tanto de você.” Ela não respondeu, baixando os olhos.
Ele ergueu o rosto dela, pondo a mão sob seu queixo: “Minha mulher e minha
filha têm sérios problemas emocionais. As duas... frequentam um psiquiatra e
tomam muitos remédios. Eu não amo mais a minha esposa, mas se deixá-las agora,
tenho certeza de que não viverão sem mim. Não posso, simplesmente, abandoná-las
à própria sorte neste momento. Eu me apaixonei por você.” “Mas nem nos
conhecemos...” “O amor não demanda muito tempo para ser despertado. Tenho
certeza de que você poderá ser a mulher da minha vida, e de que eu farei tudo
para que você seja feliz.”
Valentina quis perguntar: “Como você faz
felizes sua esposa e filha?” Mas dizer algo assim teria quebrado o encanto e
destruído sua fantasia. Ela não queria estragar aquela ilusão. Ficou calada.
Deixou que a mão dele repousasse sobre a
dela. E então concordou em ir com ele a um motel após o jantar. Quando entraram
no carro dele, ela já sabia, sem perguntar, para onde estavam indo.
E as duas horas que passaram juntos foram as
melhores de sua vida. Assim, já estavam juntos há mais de um mês.
As memórias de Valentina foram interrompidas
pela voz dele ao telefone: “Me desculpe. Mais uma vez, me perdoe... farei tudo
para recompensar amanhã. Olha, é sábado, podemos pegar a estrada, ir a outra
cidade... direi a minha esposa que tenho uma viagem de negócios. Será a nossa
primeira viagem juntos.” A possibilidade de passar um dia inteiro com ele,
sozinhos, de mãos dadas, deixou-a excitada: “Para onde iremos?” Do outro lado
da linha, ele sorriu, satisfeito. Tinha ganho novamente.
Valentina desligou o celular, apagando o
registro da chamada. Apagou também a mensagem dele no Skype, no tablet. Sabia
que o que estava fazendo era errado, mas não conseguiria parar, e nem queria.
Mais tarde, a irmã invadiu seu quarto:
“Tenho a melhor das ideias, Val!” Ela disse,
esparramando-se na cama ao lado da irmã, que zangou com ela: “Hum... não me
chame de Val.” “Sorry... mas eu e Bia estamos pensando em abrir um blog de moda. E achamos que você gostaria
de ser a nossa produtora!” Valentina
respirou fundo, olhando a irmã, que piscava exageradamente para ela. “Que tal?
Eu serei a modelo, Bia escreverá os textos (ela é boa nisso) e você emprestará
as roupas para as fotos. Será uma boa promoção para sua loja!” Valentina ergueu
as sobrancelhas: “Hum... até que pode ser uma boa ideia! Juro que vou pensar no
assunto, mas agora vou comer alguma coisa. Estou morrendo de fome!”
E as duas desceram as escadas correndo, em
direção à geladeira da casa.
Iara já tinha ido embora, e elas beijaram o
pai, que lia um jornal em frente à TV. Entraram na cozinha, e depararam com
Louise dando os últimos toques no jantar. Ao ver Valentina tão alegre, Louise
achou melhor não tocar em assuntos que poderiam tornar-se problemáticos,
especialmente, antes do jantar de família. E foi um verdadeiro jantar de
família feliz e normal.
No final de semana, Valentina anunciou que
estaria viajando à praia com amigos. E que não poderia levar Lara, apesar dos
protestos da irmã, pois não havia lugar no carro.
Louise ficou desconfiada, mas ao mesmo tempo,
preferiu não ligar para um dos amigos da filha para confirmar a história. Não
queria aborrecer-se à toa. Afinal, tudo estava indo bem. Chamou Vitor, Lara e
Bia, que levou Annie, uma outra amiga da escola, e foram todos passar o final
de semana na casa da montanha.
Jantaram fora, foram ao parque, tomaram
sorvetes. Uma noite de sábado perfeita. Depois que os pais foram dormir, Lara,
Bia e Annie ficaram sentadas em volta de uma fogueira, conversando e olhando estrelas.
Lara não gostava muito de Annie, que parecia meio-fascinada por ela, mas
aceitava a companhia dela porque era ‘cool’ conviver com pessoas diferentes –
Annie era gordinha. Além do mais, Annie também era a CDF da turma, e dava aulas
de matemática para ela de graça. Mas o mais importante, é que Annie gostava de
viver à sombra, servindo de altar para que Lara e suas amigas bonitas se
destacassem. Era ela também quem ajudava nas lições de casa, fazia penteados
maravilhosos, emprestava dinheiro quando elas precisavam e sempre dizia
‘sim.’ Também era ótima com os garotos,
levando e trazendo recados. Começaram a falar do blog, e Annie perguntou se
poderia ajudar em alguma coisa. As duas amigas se entreolharam, incrédulas, e
Lara disse: “Hã... é claro, imagine! Quando surgir alguma coisa a gente te
fala.”
E Annie deixou que um sorriso imenso tomasse
conta de seu rosto. Várias vezes, ao olhar para Annie na semiescuridão da
noite, Lara notou o quanto ela lhe fitava como se ela fosse alguma espécie de
deusa na terra. Só para provocar, ela fazia o famoso coração com os lábios,
apenas por alguns segundos, e então notava, divertida, que Annie tentava
copiá-la quando achava que ninguém estava olhando. Mais tarde, ela comentaria
sobre aquilo com Bia, e as duas dariam gargalhadas.
#Amadurecer – PARTE III
O fim de semana passou rapidamente, e Lara só
precisaria ir à escola para fazer uma prova final. Depois da aula, ela, Bia e
alguns amigos combinaram de almoçar juntos no shopping: Joe, Marquinhos, Annie,
Marcel, Duda e Clarinha. Ao todo, oito jovens que riam e chamavam a atenção por
onde passavam. Joe tinha uma queda por Valentina, e topou o almoço porque
alimentava a chance de vê-la no shopping. Marquinhos arrastava uma asa para
Lara, mas sabia que não tinha chance alguma, pois eram amigos desde que se
lembravam, e ela o via como a um irmão. Marcel, capitão do time de futebol,
amigo do ex de Lara, era bonitão e estava a fim de Bia, que não sabia se estava
a fim dele ou não. Duda era a fofa da turma, a menina que adorava vestir
cor-de-rosa e tinha um lápis com plumas cor de rosa na ponta, que esvoaçavam
quando ela escrevia. Clarinha era a pestinha, a que aprontava, fumava escondido
e não tinha papas na língua.
Um grupo heterogêneo, e era assim que Lara
sentia-se bem, pois ela podia destacar-se melhor entre pessoas que eram
totalmente diferentes dela. É claro, postaram um selfie com seus sanduíches:
#horadoalmoço. E os jovens que curtiram aquela foto, dariam tudo para estar
nela. Mas Lara sentiu falta de Rick, o Urso, que não curtiu nem comentou nada
daquela vez. Mas de repente, um pensamento surgiu como uma bola de chiclete
estourando; Lara olhou em volta: será que Rick estaria ali, olhando para ela
naquele momento? Se estivesse, ele não teria a menor chance...
Ficaram falando da festa de aniversário de
Clarinha, que seria na próxima sexta-feira à noite. Discutiam sobre o que iam
vestir, enquanto os meninos discutiam sobre como fariam para conseguir comprar
cervejas. Lara adorava festas, principalmente porque ela costumava ser a
sensação de todas elas. Dançava muito bem, era sempre a mais bem vestida e a mais rodeada de
amigos.
Após terminarem seus sanduíches e deixarem uma
mesa bagunçada para a garçonete limpar, eles foram dar uma volta pelo shopping.
Passaram pela loja de Valentina, mas a funcionária disse que ela tinha dado uma
saída. Joe não conseguiu esconder sua decepção, e foi zoado pelos outros
amigos. Annie e Bia foram ao banheiro, e os demais ficaram esperando por eles
na saída do shopping.
Foi quando Lara viu um sedan preto parar do
outro lado da rua, e Valentina sair de dentro dele. Os vidros eram escuros, e
ela não conseguiu ver quem estava dirigindo. Por algum motivo, ela não quis que
a irmã soubesse que ela a tinha visto. Arranjou um pretexto para voltar para
dentro do shopping, seguida pelos amigos, antes que eles vissem a irmã que se
aproximava, tentando atravessar a rua movimentada. Eles se sentaram em volta da
fonte, mexendo em seus celulares. O celular de Lara bipou, e Rick, o Urso,
apareceu: “Adoraria estar aí com você.” Lara riu, e ignorou a mensagem, como
sempre fazia. Mas no fundo, ficou feliz. Estava começando a gostar do tal Rick.
Ou pelo menos, de suas mensagens.
Mas algo a incomodava naquela tarde, e ela teve
que esforçar-se bastante para que os amigos não notassem nada. A imagem da irmã
abrindo a porta daquele carro preto e dando um sorriso para alguém que ficara
dentro dele, fazia com que ela se sentisse, de certa forma, excluída da vida de
Valentina. Será que a irmã estava namorando alguém? E se estava, por que não
contou para ela?
Eles foram ao cinema ver um novo filme que
estava bombando, e ela conseguiu esquecer o assunto.
À noite, quando estava chegando em casa, ouviu
vozes alteradas na sala de jantar. Achou que deveria saber o que estava
acontecendo antes de entrar em casa, então ela girou a maçaneta com cuidado,
ficando no hall de entrada para que ninguém percebesse que ela tinha chegado. Eram as vozes de
Louise e Valentina. A mãe dizia: “Mas quem é esse homem, minha filha?” “Já disse,
é um cliente da loja!” “E por que ele está no seu Skype?” “Você não tem o
direito de mexer nas minhas coisas. Sou de maior, vacinada, ganho meu próprio
dinheiro (o que ela sabia não ser bem verdade, já que ainda recebia uma mesada
gorda do pai) e posso viver minha vida como quiser.” “Mas por que você não pode
dizer quem é esse homem, minha filha?”
“Mas eu já disse, é um cliente da loja!”
Houve um momento de silêncio, e Louise disse:
“E quem é Julia? Por que você deveria saber que ele e Julia almoçariam juntos,
e por isso ele teria que cancelar um compromisso com você?” Após ouvir aquilo,
Lara, de pé na semiescuridão do hall, viu quando a irmã passou por ela sem
vê-la, feito uma fera, em direção às escadas, e a mãe segurou-a pelo braço,
obrigando-a a encará-la: “Responda! Não vire as costas para mim!”
“Eu nunca vou perdoar você por estar futucando
as minhas coisas, mãe!” Louise não se
deu por vencida: “Julia é a esposa dele, não é? Você está tendo um caso com um
homem casado!”
Lara viu quando a irmã se virou na direção da
mãe: “Sim, eu estou. Se é isso que você quer saber, então aí está: eu estou
saindo com um cara casado, e bem mais velho do que eu. Gostou? Está satisfeita?
E Julia é a praga da mulher dele, a que não deixa ele ser feliz!” Lara deixou cair a mochila da escola, sem
querer, e o som fez com que Valentina e Louise olhassem na direção dela. Lara
tentou disfarçar, fingindo que acabara de chegar em casa, mas as duas
perceberam que ela tinha ouvido pelo menos o final da conversa.
Lara passou no meio das duas sem nada dizer, e
subiu para o quarto, fechando a porta. Gostaria que Iara estivesse ali, mas ela
já tinha ido embora, pelo visto. Sem saber o motivo, sentiu uma vontade enorme
de chorar, e deixou que as lágrimas saíssem aos borbotões, sentindo um aperto
no peito causado pelos muitos soluços. Ela entendera direitinho: sua família
estava passando por uma crise, e Lara estava assustada.
O telefone zumbiu: era uma mensagem de Rick, o
Urso. Sem saber porquê, Lara começou a digitar: “Obrigada por estar aí do outro
lado... bad moment... estou muito triste. Obrigada por estar aí.”
Rick, o Urso, surpreso por ter uma mensagem de
Lara direcionada a si pela primeira vez, ficou sem saber o que digitar. Colocou
uma fileira de corações coloridos.
Lá em baixo, Louise tentava se acalmar; chamou
a filha para sentar-se no sofá e conversar. Valentina concordou. Afinal, já
estava farta de viver aquela segunda vida, às escondidas. Quem sabe, a mãe
acabaria compreendendo que logo, Renato deixaria a mulher para ficar com ela, e
tivesse paciência.
“Minha filha, como você pôde ver, Lara sabe.
Como você acha que isso está dentro da cabecinha dela?” “Mãe, você sabe que eu
amo a Lara, mas preciso pensar em mim também. Ela vai entender. Nós duas sempre
nos entendemos bem. Ela vai ficar bem.” “Ela vai, mas... e você, minha filha?
Como vamos contar isso para o seu pai?” “Ele não precisa ficar sabendo, até o
Renato separar-se da esposa. Não precisa contar para ele.” “Está sugerindo que
eu minta para o seu pai? Para o meu marido? Ele é parte da família!” “Mãe, eu
sinto muito...as coisas foram acontecendo, eu me apaixonei por ele! Não queria,
mas... aconteceu!” “Mas você acha mesmo que ele vai deixar a esposa?
Dificilmente eles deixam.” “A filha dele é maluca igual à esposa, ele não
suporta mais a pressão, mãe, e me disse que vai deixa-las, assim que elas
estiverem melhor.” “Então ele tem uma filha??? Oh, céus, ele tem uma filha! E
você está metida no meio dessa família, servindo como uma marreta para
destruí-la!” “Que drama, mãe! O casamento deles já ia mal antes de eu entrar. A
culpa não é minha!”
Louise ergueu-se, passando a andar de um lado
para o outro da sala. Não acreditava no que estava ouvindo Valentina dizer-lhe!
“Valentina, como pode achar isso? É claro que
você está contribuindo para o fim dessa família! Acha mesmo que vai ser feliz
em cima da desgraça alheia?” “Mãe, que tom! Que desgraça? Um casamento falido?”
Louise sentou-se novamente, tentando
acalmar-se:
“Filha, o que sentiria se soubesse que seu pai
está fazendo uma coisa dessas comigo... com vocês? E o que diria, se soubesse
que algo assim estivesse acontecendo com a Lara?”
Valentina olhou para a mãe, e sem ter uma
resposta para dar a ela, subiu as escadas correndo, trancando a porta do
quarto. Lara ouviu quando ela bateu a porta. Parou de chorar, e ficou escutando
os soluções da irmã no quarto ao lado. Será que deveria ir até lá, ou falar com
a mãe? O telefone tremeu: “Me diga o que está acontecendo com você, meu
amor...” e sem pensar, ela digitou; “Meu mundo está caindo...”
Em poucos minutos, mas sem entrar em detalhes
sobre os motivos, Lara disse a Rick, o Urso, como se sentia. E ele mandou-lhe
dezenas de corações coloridos e carinhas tristes. Disse a ela que estaria
sempre disponível se ela precisasse conversar, e que a amava ainda mais, agora
que ela se abrira com ele. Como agradecimento, ela fez uma selfie com uma
lágrima escorrida, e a boquinha de coração, e mandou para ele. Rick retribuiu
com mais corações e desejos de que ela ficasse logo bem.
Sem pensar direito, Lara ergueu a blusa e
retirou-a, ficando somente de sutiã. Depois, tirou os shorts, ficando apenas de
calcinha, e sem colocar o rosto na foto, mandou para Rick, o Urso, uma
fotografia de seu corpo seminu. Ela estava sentada na cama, as pernas cruzadas,
os longos cabelos loiros repartidos e cuidadosamente colocados sobre os seios.
Era uma foto sensual, e mesmo que ele fosse o garoto mais cretino do mundo e
compartilhasse com todos os amigos, ninguém poderia ter certeza de que era ela
na foto. Poderia ser qualquer uma. Na escola, havia várias garotas como ela,
com longos cabelos loiros.
Mas Lara esqueceu-se de um pequeno detalhe: o cordão com a
medalhinha em forma de coração que ela sempre usava. E que todo mundo que a
conhecia sabia que existia. E que não tinha como ser de outra pessoa, já que o
pai mandara fazer para ela sob medida para dar-lhe de presente em seu
aniversário de quinze anos – sua festa de debutantes – e todo mundo estava lá,
e todo mundo viu. Ela se arrependeu de enviar a foto, mas era tarde demais.
Corações, flores e cachorrinhos de agradecimento encheram a tela do seu
celular. Ela digitou: “Não compartilhe, por favor!” Ele respondeu: “Eu jamais
faria isso!”
#Amadurecer – PARTE IV
Quando Lara chegou à escola, no dia seguinte
(seu pai a levara de carro, pois Valentina estava adoentada) não soube se era
paranoia ou se os amigos estavam olhando demais para ela, e comentando quando
ela passava. Ora, aquilo sempre acontecia! Afinal, ela sempre tivera muitos
admiradores. Era a menina mais bonita da sala, senão, da escola! Tinha milhares
de amigos nas redes sociais. Todos a admiravam e mandavam mensagens fofas todos
os dias, mensagens que ela quase nunca respondia. Com certeza, era alguma
paranoia.
Naquela manhã, ela não postara nenhum selfie.
Estava tão atormentada pelos acontecimentos do dia anterior, que não conseguiu
encontrar inspiração para tal. Mas na verdade, ela estava com medo de olhar o
celular e descobrir que... nem pensar! Rick dera a ela a sua palavra. Disse que
jamais partilharia sua foto sensual. Ela confiava nele.
Mas quem era ele, afinal?
Bia logo veio abraçá-la, como fazia todas as
manhãs. Sem querer despertar suspeitas, Lara não fez nenhuma pergunta sobre se
por um acaso, a amiga tinha ficado sabendo de algo estranho a seu respeito. Bia
disse:
“Senti sua falta hoje no Insta...” “Indisposta.
Também gosto de fazer um pouco de suspense...”
Bia continuou: “Mas que ideia foi aquela ontem
à noite?” Lara gelou: “Do que você está falando?” A amiga riu: “Cara, você
colocou uma foto de calcinha e sutiã na rede!”
“O que??? Eu não fiz isso!”
Bia abriu a bolsa, sacando o celular, e
mostrou-o à amiga: mais de setecentas curtidas!
Lara ainda tentou se defender: “Mas... não sou
eu!” “E essa correntinha, amiga? E não sei se você se lembra, mas fomos comprar
esse conjunto de langerie juntas.” Lara sentiu o rosto ficar vermelho. Todo
mundo estava olhando para ela, mas ninguém estava rindo ou zombando. Parecia
que a admiração que ela causava tinha virado uma espécie de fascínio! Ela começou
a gostar daquilo. Ergueu a cabeça, jogou o cabelo para o lado, e entrou na sala
de aula, deixando uma porção de gente parada à porta, murmurando e olhando
celulares. Ela ficou se achando o máximo naquele dia. As outras meninas a
rodeavam, mostrando suas próprias fotos – tiradas após a dela. Algumas a
olhavam com desprezo (as invejosas, com certeza) mas os garotos se reuniam em
volta dela feito moscas.
Lara adorou toda aquela atenção! Já estava pensando em
postar outra foto.
Até que, ao chegar em casa, deparou com o pai
sentado na sala, ao lado da mãe.
Algumas horas antes, Louise recebera um
telefonema da mãe de Clarinha: “Olá, Louise. Aqui é Mariana, mãe de Clarinha.”
“Oh, como vai, Mariana! Há quanto tempo não nos vemos. Precisamos sair qualquer
dia desses! Adorei ouvir sua voz!” “Igualmente, querida. Mas o assunto que me
traz não é nada agradável. Vou mandar uma foto pra você, e você olha antes de
continuarmos a conversa.”
Alguns segundos depois, chegava-lhe a fotografia de
uma menina de longos cabelos loiros usando apenas calcinha e sutiã. E ela teve
a impressão de que conhecia aquela menina. Quase não pode acreditar! Era Lara,
a sua filha mais jovem! Lá estava a correntinha que o pai lhe dera no
aniversário, e a langerie que ela mesma já colocara na máquina de lavar tantas
vezes. Ela colocou o fone novamente no ouvido: “Meu Deus! Nem sei o que dizer,
Mariana!” “Nem eu... sei como são as meninas. Achei esta foto no celular de
Clarinha. Minha filha não é fácil, então eu frequentemente monitoro o celular
dela. Achei que você não sabia de nada, e pelo que vejo, estava certa.” “Oh...
muito obrigada por me avisar, mariana. Poderia por favor... não contar a mais
ninguém?” “Eu nunca faria isso, mas... a foto já tem mais de oitocentas
curtidas na rede.” Louise exclamou: “Meu deus! O que deu na minha filha?”
“Bem... sinto não saber dizer... a minha já é um tanto difícil. Mas... eu sinto
muito, mas acho melhor – e foi muito difícil tomar esta decisão – que sua filha
não venha À festa de Clarinha na sexta-feira. Melhor deixar a poeira baixar.
Não quero causar confusões.”
Louise levou alguns segundos para entender:
“Então... você está desconvidando a Lara para a festa de Clarinha?” Mariana
hesitou, mas respondeu: “Sim... será para o próprio bem dela. Espero que entenda.”
Imediatamente após desligar o telefone, Louise
ligou para o trabalho, alegando não estar se sentindo bem, e em seguida, para
Vitor, pedindo-lhe que fosse para casa o mais rápido possível. Quando ele
chegou, ela mostrou-lhe a foto, contando tudo. Achou melhor não falar sobre
Valentina, porém. Uma coisa de cada vez seria melhor.
Vítor olhou a foto, coçando o queixo, e ela viu
o rosto dele ir ficando vermelho. Ele caminhou até a mesa da sala, apoiando-se nela com as duas
mãos. Respirou fundo, antes de dizer: “É por isso que eu dizia que seria bem
melhor você ficar em casa cuidando das meninas!” Louise riu: “Espere aí! Você está me culpando
por isso?” “Se você tomasse conta dela, ela não teria...” Louise interrompe o
marido: “Hey! Nada disso! Você acha que as mães que ficam em casa sabem de tudo
o que acontece com as filhas? Sua irmã casou-se grávida aos dezessete anos, e
sua mãe era uma fera de plantão. Já se esqueceu?” Ele olhou para ela, concordando: “Desculpe,
você tem razão... é que eu estou muito chocado com tudo isso.”
Iara, que ia passando, não pôde deixar de
perceber a aflição dos dois. Perguntou: “O que aconteceu?” Louise estendeu-lhe
o telefone, e Iara ficou olhando para a foto durante um longo tempo, e
finalmente, fez o sinal da cruz. Perguntou: “E agora? O que vocês vão fazer?”
Louise choramingou: “Não sei como falar com ela, Iara! Tenho medo de
aborrecê-la, de coloca-la contra nós!”
Iara pegou-os pelas mãos, fazendo-os se sentar
à mesa. Trouxe um copo de água com açúcar para cada um deles, e depois, um para
ela mesma. Falou: “Vocês não podem ter medo de suas filhas: elas é que tem que
ter medo de vocês, se for o caso! Essa menina precisa ser repreendida, e já! A
coisa é séria. O importante não é que sua filha seja sua amiga, e sim, uma pessoa
que cresça equilibrada, sabendo a diferença entre o que é certo e o que não é.
E são vocês que vão ter que ensinar a ela! Enxugue essas lágrimas, Louise, e
seja forte. Use sua autoridade de mãe! E você, Vítor, trate de concordar com
ela e ficar do lado dela em tudo o que ela disser! Nem se atreva a contestá-la
na frente de Lara!”
Vendo a aflição dos dois, Iara abrandou a voz:
“Lara é uma boa menina. Talvez muito influenciada por essa coisa de internet,
mas, uma boa menina. Vocês precisam lutar por ela, para que ela consiga superar
essa fase. Se for preciso, tirem o celular, o tablete e o computador dela!”
Louise disse: “Mas... se eu fizer isso, ela vai
me odiar!” “Ora, melhor odiar agora do que chorar depois!” Para Iara, as coisas
eram muito simples, Louise pensou. Mas Iara continuou: “Só Deus sabe o que
passei com o meu menino quando nos mudamos para aquele bairro! A barra lá é
pesada. Tive que jogar duro com ele para que ele não se desviasse do caminho, e
olhem para o meu Sérgio hoje! É um bom menino, vai ser engenheiro! Graças a
ajuda de vocês, é claro. Mas não foi fácil lidar com ele, eu me lembro. Quando
entrei em casa um dia e o peguei jogado na frente da TV, o cabelo pintado de
branco... onde já se viu preto de cabelo branco? Agarrei o menino pelas orelhas
e fiz ele ir comprar tinta preta. Eu mesma pintei os cabelos dele de novo, e
depois, dei-lhe um bom sermão e botei ele para estudar. Deixei claro quem é que
manda na casa. Vocês tem que fazer o mesmo.”
Vitor e Louise se entreolharam, dando-se as mãos.
Vítor agradeceu; “Obrigada, Iara. Não sei o que seria de nós sem você!”
E naquele momento, Lara estava parada, olhando
para os pais.
Lara pensou que os pais pudessem estar ali,
àquela hora, por causa de Valentina. Afinal, era ela quem estava saindo com um
cara casado. É claro: só podia ser aquilo! Ela se recompôs, e entrou em casa
como se não estivesse nada apreensiva, e disse um ‘olá’ bem normal aos pais. Ia
subindo para o quarto, quando o pai ordenou, a voz fria: “Menina, volte aqui!”
Ela congelou no primeiro degrau, fechando os olhos. As notícias corriam
rapidamente naquela cidade, afinal.
Lara olhou para trás, a cara mais casual do
mundo:
“Algum problema?” Vítor fez sinal para que ela
se sentasse. Entregou a ela o smartphone, com a foto. Lara ficou olhando, e o
rosto, foi ficando vermelho. Vítor perguntou: “O que significa isso?”
Ela tentou rir, dizendo: “Ora, pai... é uma
foto sensual. Todas as meninas postam. E eu nem coloquei meu rosto.” Louise
disse: “Todo mundo já sabe que é você, Lara.” Lara gelou, e não disse nada.
Olhou para a toalha de mesa. Sem pensar, disse a primeira bobagem que passou
pela sua cabeça desesperada: “Bem, é melhor do que namorar homem casado!”
Louise ficou branca, e Vítor fez uma cara curiosa: “O que? Não estou entendendo.
Pode me explicar melhor?”
Lara já estava arrependida de ter entregado a
irmã, e colocado a mãe em maus lençóis, mas nada disse. Sabia que se tentasse
consertar a situação, poderia deixa-la ainda pior. Olhou para a mãe com olhos
desesperados, como se pedisse perdão. Louise parecia cansada e aflita. Lara
teve pena dela. A mãe baixou a cabeça, e disse: “Este... bem, este é um assunto
que eu tinha planejado discutir com você uma outra hora, Vítor, mas já que
alguém tocou no assunto indevidamente, melhor falarmos dele também. Mas não
pense, minha filha, que dedurar sua irmã vai fazer com que seu castigo seja
atenuado. Ele vai ser duro, muito duro, mais ainda agora, depois do que você
acaba de fazer!”
Vitor olhava de uma para outra, e explodiu:
“Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui, que todo mundo sabe,
menos eu?”
Tentando manter a calma, Louise começou: “É
Valentina. Ela está saindo com um homem casado, e bem mais velho do que ela.”
#Amadurecer– PARTE V
Vitor mal conseguiu absorver o impacto daquela
notícia. Ele engasgou, e bebeu o resto da água com açúcar que Iara tinha
servido há algumas horas. Depois, o olhar dele fuzilou Louise: “E quando é que
você pretendia me contar? Até quando você planejava esconder as coisas de mim?
Eu sou o pai dela, droga!”
Ele se levantou de repente, derrubando a
cadeira, e Louise fechou os olhos. Lara encolheu-se na cadeira, amedrontada com
a reação do pai. Ele passou a mão pelos cabelos, andando de um lado ao outro da
sala, e finalmente olhou para ela: apontoando o dedo no rosto da filha, ele
gritou: “Sem celular, sem computador, sem câmera, sem tablete. De casa para a
escola, da escola para casa. Sem shopping, cinema, casa de praia, montanha,
nada! Por tempo indeterminado.” Lara sentiu as lágrimas engrossarem e caírem.
Ela não conseguia ficar muito tempo fora da rede! Precisava do amor que as
pessoas passavam para ela, da admiração que demonstravam! Sem aquilo, ela se
sentia vazia, solitária, desamada! Precisava das palavras doces de seus amigos,
gostava dos elogios que eles faziam a ela, das frases apaixonadas, dos
emoticons...
Ela começou a chorar, e com a voz quase sumida,
pediu: “Pelo menos me deixem ir à festa da Clarinha na sexta-feira. Eu já disse
pra todo mundo que estarei lá!” Louise
olhou para ela, penalizada: “Sinto muito, filha. Mas a Mariana, mãe da
Clarinha, me ligou e desconvidou você.”
Aquilo foi como uma avalanche de neve gelada
caindo em cima de Lara! Ela havia sido desconvidada para uma festa! Bradou, os
olhos nublados de lágrimas: “Ela pensa que a filha dela é santinha por acaso?
Foi ela que quase colocou fogo no depósito da escola no ano passado! Foi ela
também que roubou o papel higiênico e espalhou os rolos pelos corredores da
escola depois da aula, há algumas semanas! E foi ela também que criou um perfil
no falso da Dorinha no Facebook ! Sem contar que ela já não é mais virgem há
muito tempo!
Dizendo aquilo, ela saiu, batendo os pés, em
direção ao quarto. Subiu as escadas correndo, mas ao chegar lá em cima, Lara
parou por uns instantes, e olhando para baixo – para os rostos preocupados e
entristecidos dos pais – ela disse: “Me desculpem.”
Vitor e Louise se olharam, e sem saber bem
porque, começaram a rir. Finalmente, se abraçaram. Mas sabiam que tinham problemas
sérios a resolver naquela casa, e que eles seriam difíceis e não podiam mais
ser adiados. Perceberam que tinham deixado as pontas soltas demais e que já
estava na hora de disciplinar melhor as suas meninas. Liberdade demasiada faz
mal, principalmente quando se trata de mentes imaturas que não sabem o que
fazer com ela.
Na loja, Valentina quase gelou, engolindo em
seco, quando viu Julia entrando na loja toda sorridente, e indo em sua direção.
Ela teve que se controlar e lembrar que Julia não sabia de nada. Quando a
mulher se aproximou dela, pedindo que a ajudasse a escolher um presente para
uma mocinha que estaria aniversariando – colega de sua filha Cláudia –
Valentina soltou um suspiro de alívio. Fez sinal à vendedora da loja para que
deixasse aquela cliente com ela, e saiu de trás do balcão.
“O que seria de mim sem você e sua loja,
Valentina! Imagine, não sei mais escolher presentes para essas meninas de hoje.
Elas querem brincar com coisas cada vez mais complicadas nos dias de hoje, não
concorda?” Valentina sentiu o peso da ironia na voz de Julia, mas tentou
manter-se firme: “Bem, o que gostaria de ver?”
Julia pegou seu telefone: “Vou mostrar a você uma foto da menina, assim
você ficará sabendo como ela é, qual o estilo dela... ficará mais fácil
escolher.”
Valentina tentou sorrir enquanto olhava para o
celular – porém sentiu que o chão faltava sob seus pés ao deparar com uma foto
sua e de Renato, de mãos dadas, caminhando por uma praia. Fora tirada no sábado
em que viajaram juntos.
Julia desfrutou por alguns momentos do choque
no rosto da moça, antes de falar novamente:
“Então, o que acha? Não é uma menina mimada e
inconsequente?” Esperou que Valentina dissesse alguma coisa, mas quando
percebeu que ela perdera a voz, disse em voz alta, para que a vendedora a escutasse
lá do balcão: “Vamos tomar um café antes, e então falaremos sobre isso
melhor.” Puxou-a pelo braço, levando-a
até a cafeteria do shopping. Valentina estava se sentindo péssima,
principalmente ao olhar para o rosto da outra mulher e perceber as olheiras que
apareciam sob a camada de base que se desmanchava, enquanto ela chorava. Julia
pegou um guardanapo de papel, enxugando o rosto, e embolando-o sobre a mesa.
Valentina olhou para o papel colorido pela maquiagem, e não conseguia desviar
os olhos dele. Sentia o rosto arder. A outra falou:
“Eu pensei em vir aqui e fazer um escândalo.
Bater em você. Puxá-la para fora da loja pelos cabelos, e mostrar a todo mundo
quem você é de verdade. Pensei em ligar para sua casa e contar aos seus pais. E
ainda sinto vontade de fazer isso, mas antes, quero que você me escute, e
então, talvez, eu decida, afinal, que não quero fazer nada disso.”
O garçom se aproximou com o menu: “O que vão
tomar?” Julia respondeu: “Por enquanto, nada. Mas você vai tomar chá de sumiço,
e não me interrompa novamente até que eu o chame.” O pobre rapaz foi embora, sem entender nada.
Julia continuou seu discurso:
“Você não é a primeira. Não é a segunda, ou a
terceira tampouco, e nem será a última. Renato não sabe encarar os problemas.
Quando eles aparecem, ele procura uma válvula de escape. Nossa filha Cláudia
está muito doente, e ela pode morrer. Talvez ela morra. Cláudia tem leucemia.
Os médicos suspenderam o tratamento, ou ela não aguentaria. Não há mais nada
que eles possam fazer. Parece que o transplante de medula não está dando certo.
Tivemos um outro filho, sabe, e ele morreu há alguns anos, da mesma doença, e
dizem que um raio não cai duas vezes num mesmo lugar. Mas isso é mentira.
Valentina ergueu os olhos, e olhou para Julia.
“Sinto muito, eu não sabia... não tinha ideia.” “Se soubesse, não estaria tendo
um caso com o meu marido? “É claro que não!” “Bem, então você não é uma
vagabunda qualquer: é uma vagabunda com escrúpulos. Melhor assim.” Valentina
não conseguiu dizer nada em sua defesa, pois era exatamente como ela se sentia
a respeito de si mesma. O nó que estava em sua garganta se desfez, e as
lágrimas rolaram. Julia pegou um guardanapo de papel, estendendo-o para ela.
Valentina o aceitou, assoando o nariz com força. “Por que você não se separa
dele, já que ele é infiel?” Julia pensou antes de responder: “Porque Renato é
um homem bom, afinal. Mas está sofrendo. Começou a ter casos depois que nosso
filho morreu, antes era um excelente marido. Ele está desesperado por afeto, afeição
e amor – coisas que no momento, só posso dar à nossa Cláudia. Mas depois eu
acho que nosso casamento não vai resistir...” “Depois?” Joana a encarou:
“Depois que nossa filha morrer.” A crueza de Joana chocou Valentina, mas ela
compreendeu. Julia baixou o tom de voz a um sussurro, e implorou: “Será que
você se afastaria dele por algum tempo, até que Cláudia não esteja mais aqui?
Ela precisa dele. Inteiro. Ela não suportaria se nos separássemos agora, e eu
não suporto que ele seja infiel tão displicentemente, onde todos os nossos
amigos podem ver. Todos os nossos amigos têm casas de praia nesta cidade para
onde ele levou você.”
Valentina sentiu vergonha: Renato tinha
garantido que estariam seguros por lá! Ele não se preocupou com a reputação
dela, ou com a própria esposa e filha. Era um egoísta. Um mentiroso, um
cafajeste. Mas no fundo, ela já sabia disso, desde o começo. Só precisava que
alguém lhe dissesse, para que ela pudesse acreditar. Ela respirou fundo,
assoando o nariz de novo, e antes de se levantar, disse à Joana: “Você tem a
minha palavra. Nunca mais verei seu marido. Nem agora, nem depois.”
Dizendo aquilo, ela se afastou, caminhando sem
olhar para trás em direção ao banheiro do shopping, onde encostou-se na parede
e foi descendo devagarinho, até o chão, enquanto os soluços a sacudiam.
Quando finalmente chorou todas as lágrimas que
podia, Valentina lavou o rosto e foi para casa. Ao chegar, encontrou os pais
sentados na sala de estar, esperando por ela, os rostos cansados. Sem nada
dizer, e percebendo que Vitor já sabia de tudo, ela disse a eles, enquanto os
abraçava ao mesmo tempo: “Acabou. Está tudo terminado, e nunca mais vai
acontecer nada parecido, eu prometo. Me desculpem.” Vítor murmurou: “Valentina,
eu queria entender...” Ela olhou para ele, e riu com tristeza: “Eu também.”
#Amadurecer – PARTE VI
No dia seguinte, na escola, Lara encontrou seus
melhores amigos reunidos em um grupo no corredor. Ela percebeu que eles estavam
tristes, e pararam de falar quando ela chegou. Ela disse um ‘oi’ quase
murmurado. Bia sentiu falta da autoconfiança da amiga, sempre ‘lá em cima.’ Lara estava com olheiras profundas, como se
tivesse ficado acordada a noite toda. Bia disse: “Senti falta dos seus selfies
hoje, Lara.” Lara respondeu: “#celular e computadores confiscados. Meus pais
ficaram sabendo.” Ela olhou para Clarinha, que parecia a mais triste de todos.
Clarinha baixou os olhos. Disse: “Sinto muito pela minha mãe, Lara. Ela vive
invadindo a minha privacidade.” Lara sacudiu a cabeça: “Está tudo bem. Eles iam
acabar descobrindo mesmo. Pena que não vou poder mais ir à sua festa, sabe...
um primo de longe vem ficar lá em casa, e terei que dar atenção a ele.” Ela disse
aquilo, e logo percebeu que ninguém acreditou nela. Annie perguntou: “Por que
você fez aquilo, Lara? O que estava pensando?” Lara olhou para Annie, não acreditando que ela
tivera a coragem de perguntar-lhe aquilo. Estava pronta para dar-lhe uma
resposta atravessada, quando Marcel a interrompeu: “Nós amamos você, Lara. Aqui
fora. Somos seus verdadeiros amigos.”
Lara escutou, e ficou feliz. Olhando para
Annie, ela disse: “Eu... eu... queria ser admirada. Sabe o Rick Urso? Foi para
ele. Pensei em agradecer por ele estar sempre ali quando eu precisava. Não
sabia que ele ia me trair!” E então, Marquinhos disse: “E ele não te traiu. Você
se esqueceu de postar a foto em privado. Postou na linha do tempo para todo
mundo ver, como postagem pública.” Dizendo aquilo, ele mostrou a ela o celular,
para comprovar o que dissera. “Rick, o Urso, cumpriu sua promessa: ele nunca
faria aquilo com você.” Lara perguntou; “Mas...
como você sabe que...? Meu Deus, você é Rick, o Urso!” Marquinhos balançou a cabeça, concordando. “Por
que você me enganou, Marquinhos?” Lara estava começando a ficar zangada. Marquinhos
não respondeu, mas o olhar dele na direção dela, foi a resposta. Lara compreendeu
que ele a amava. Estava apaixonado por ela de verdade. Aquilo deixou-a
desconcertada. Sempre vira Marquinhos como um amigo de infância, que crescera
junto com ela e sempre estudara na mesma escola. Jamais imaginaria que ele
estivesse apaixonado por ela.
Lana perguntou: “Mas há quanto tempo?” E ele
respondeu: “Acho que desde sempre, quem sabe.” O sinal tocou, e os alunos começaram
a entrar em suas salas de aula. Lara começou a entrar também, mas Clarinha
segurou-a pelo braço, dizendo: “Lara! Gostaria que você soubesse que a festa
foi cancelada.” Lara ficou muito surpresa: “O que? Mas por que?” “Porque eu
quis assim. Disse à minha mãe que se a minha amiga não podia comparecer, então
eu não queria festa nenhuma!” “Mas... é seu aniversário de dezesseis anos!” “Não
me importo. De qualquer forma, a festa nem foi ideia minha, mas da minha mãe!”
Lara arrependeu-se profundamente das coisas que
havia dito sobre a amiga no momento em que estava zangada. E também das que
dissera sobre a irmã, passando por cima da autoridade da mãe. De repente, todas
as vezes em que ela foi vaidosa e mesquinha, acusando outras pessoas a fim de esconder uma culpa ou diminuir um
erro seu, começaram a passar pela sua cabeça. E ela viu que foram muitas! Lara compreendeu
que a tal “reputação” que ela precisava defender com unhas e dentes, era como
um perfil falso em uma rede social, que todo mundo amava, curtia, enchia de
emoticons... mas na verdade, não existia! A menina de longos cabelos loiros que
postava fotos e tinha a boca em forma de coração era um perfil fake. Os milhares
de amigos que ela tinha em sua lista eram, quase todos, tão fakes quanto ela. A
não ser... aqueles, que estavam em volta
dela todos os dias, e que a conheciam e a amavam como ela realmente era. Com todos
os seus defeitos e carências, e toda a sua vaidade. E todos eles sabiam o
quanto ela era carente, pois a conheciam muito bem, há muito tempo. Com eles,
ela não precisava contrair o rosto para fazer boquinha de coração, pois eles
conheciam o seu coração verdadeiro. O que ninguém mais enxergava.
Mariana compreendeu que estava sendo cruel e
injusta com uma das melhores amigas de sua filha, afinal. Também achou-se
preconceituosa, principalmente sabendo muito bem o quanto era difícil lidar com
filhos adolescentes, e admitiu que a sua própria filha também não era nada
santinha. Ela descancelou o cancelamento da festa, e desfez o desconvite de Lara,
re-convidando-a e pedindo desculpas à Louise.
A festa bombou, todo mundo se divertiu e Lara
apareceu em muitas selfies, e foi maraca em várias fotografias.
Conversando com a mãe, ela confessou que desde
que era muito pequena, sentia falta de sua presença em casa. Queria fazer
coisas e mostrar a ela, mas que ela nunca estava em casa, e apesar do carinho
de Iara, ela não era sua mãe. Crescera sentindo que faltava alguma coisa, seu
coração estava vazio. Louise pediu desculpas, dizendo que a amava muito, que
sempre a amara, mas que deu muito valor à seu trabalho, valor demais, deixando
um pouco de lado o que era realmente importante. A mãe diminuiu um pouco a
carga horária no trabalho, a fim de ficar mais perto das filhas e do marido. Nas
férias, a família viajaria junta.
Enquanto isso, toda vez que Lara olhava para
Marquinhos, percebia que um sentimento novo começava a aparecer, como as
folhinhas tenras de uma plantinha que tentava brotar da terra antiga. E Marquinhos
sabia que ele agora tinha todas as chances com Lara.
O blog tornou-se um sucesso! Lara posou para as
fotografias – sem a boquinha de coração, mas com um sorriso verdadeiro –
enquanto Bia escrevia textos incríveis, que Annie revisava e sugeria
modificações. Annie, que desenhava muito bem, também criou ilustrações para
várias postagens, e editava fotos como ninguém. A loja de Valentina deixou de
ser um hobby e transformou-se em um negócio lucrativo.
Louise e Vítor abriram contas em redes sociais para que pudessem monitorar de perto as publicações da filha, e sempre que ela se excedia um pouco, eles chamavam sua atenção.
Quase um ano após todos aqueles acontecimentos,
Valentina viu Joana entrar na loja, acompanhada de uma linda mocinha. Era
Cláudia, totalmente recuperada de sua doença! Enquanto a menina escolhia
algumas roupas, conversando com Lara, Annie e Bia, Joana foi até o balcão para
falar com Valentina:
“Queria agradecer a você por ter cumprido a sua
promessa. Foi muito importante para Cláudia ter o pai junto dela durante sua
recuperação.” Valentina respondeu: “Fico
muito feliz ao ver que ela se curou. Espero que vocês três estejam felizes
agora.” “Na verdade, nós nos divorciamos. Ele está disponível.” Valentina riu: “Muito
obrigada. Só que não...”
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