segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

MADRE - CAPÍTULO 4






MADRE -Capítulo 4

Eu ia e vinha. Tudo era branco quando eu abria os olhos. Logo caía no sono. Havia coisas apitando em volta de mim – aparelhos. Eu não conseguia me mexer nem engolir. Havia rostos estranhos à minha volta de vez em quando, mas eu não conseguia identificar quem eram aquelas pessoas, até que vi o rosto preocupado de minha avó Beatriz. Mas embora ela falasse comigo, meu ouvido só escutava um zumbido insistente, e então eu caía no sono outra vez.

Fiquei naquele limbo durante algumas horas. 

Mas depois eu descobri que na verdade, foram 22 dias. 

Abri os olhos de verdade pela primeira vez, e então a realidade branca mostrou-me suas cores reais: eu estava em uma cama de hospital, cercada de aparelhos e tubos. Um deles entrava pela minha garganta. Minha avó dormia em uma cadeira aos pés da minha cama. Parecia bem mais magra, envelhecida e exausta. Fiquei olhando para ela. Eu ainda não conseguia me mexer, então olhei em volta devagar – minha cabeça doía – e descobri uma pequena janela com as persianas fechadas. Era noite. Minha cabeça doía, minha garganta doía, meus ouvidos zumbiam, e eu tinha a impressão de que toda a parte inferior do meu corpo não existia mais. Fiquei com medo de que minhas pernas tivessem sido amputadas. Olhei para baixo e percebi que elas ainda estavam lá, e o pânico passou. Pensei nos meus pais pela primeira vez: onde eles estavam? Estariam bem? A porta se abriu e uma enfermeira entrou. Quando olhou para mim e meu viu de olhos abertos, ela voltou para o corredor e voltou com um médico: eu estava de volta. Minha avó despertou e segurou minha mão, chorando. 

Então descobri que estava mesmo em um hospital, e que estivera em coma por 22 dias. Meus pais também tinham se machucado bastante e estavam em recuperação em outro quarto. Eu teria que passar por vários tratamentos de fisioterapia antes de andar novamente, pois machucara a coluna, mas o médico me garantiu que meu problema não era definitivo. Eles tiraram os tubos da minha garganta, mas ela ardia tanto, que falar era um sacrifício. O médico me assegurou que eu ficaria bem em alguns dias. 

Minha avó Beatriz só chorava; ela tentava disfarçar, tentava não chorar, mas ela era uma manteiga derretida. Dizia que estava chorando porque estava feliz em me ver bem de novo, me recuperando. Mas depois que comecei a caminhar, após alguns dias de fisioterapia, eu quis visitar meus pais. Só que eles não estavam mais lá. 

Minha avó teve que me contar a verdade: meu pai morreu na hora do acidente, e minha mãe, cinco dias depois. 

No começo, eu não consegui sentir nada. Era como se ela estivesse me contando sobre um filme que tinha assistido, aquela não era a minha vida. Não podia ser. Meus pais não tinham morrido. Se eu, que não estava usando o cinto de segurança, ia ficar bem, como é que eles, que estavam usando o cinto e tinham airbag, poderiam estar mortos? Minha vó então me contou sobre o incêndio após a batida, e me deu detalhes: um caminhão avançou na nossa direção em uma transversal; aparentemente, o motorista caíra no sono enquanto dirigia. O carro foi arrastado e capotou na pista molhada, e então pegou fogo. 

Minha avó me contou que minha mãe ainda sobreviveu por cinco dias, e eu só queria saber se ela tinha sentido dor. Minha vó só concordou com a cabeça, e então me entregou um envelope: ela me deixara uma carta. Minha mãe, apesar da dor, conseguiu ditar uma carta que a enfermeira escreveu para ela e entregou à minha avó. Agora que eu já estava melhor e teria altas do hospital no dia seguinte, minha avó finalmente achou que já era hora de eu ler a carta. Trêmula, ela me estendeu um envelope lacrado. Notei que seu olhar era de medo, e não compreendi o porquê.

(Continua...)




5 comentários:

  1. Muito bom este texto.

    Arthur Claro
    http://www.arthur-claro.blogspot.com

    Sigam no Instagram
    @donahilariadagraca

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  2. I have just been catching up with your fabulous story...and I am totally hooked!! Truly amazing work, Ana...oh thank you so much for sharing...😊😊

    Big Hugs ❤❤❤

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  3. Olá Ana
    Texto interessante. Bjs querida.

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  4. Ana ,
    Quero ler logo o próximo capítulo .
    Beijos

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