segunda-feira, 7 de abril de 2014

O Poeta e o Anjo





Havia um poeta muito pobre, que vivia em um pequeno quarto de pensão e passava por muitas dificuldades na vida. Tivera uma grande desilusão amorosa recentemente, e perdera também o emprego na mesma época. À noite, enquanto olhava para o teto seguindo as linhas da marca de umidade que mais parecia um rosto que o olhava, o poeta sonhava acordado com uma vida melhor, pois logo seu dinheiro acabaria e ele não poderia sequer pagar pelo aluguel daquele quarto pequenino e fétido. O poeta sonhava com o dia em que publicaria um livro de poemas e se tornaria rico.

Certa noite, após chegar um pouco embriagado de um encontro com amigos, um sarau de poesias - única ocasião em que ele esquecia-se de seus problemas -ele deitou-se na cama sentindo-se um pouco nauseado, e verbalizou a seguinte frase: "!Daria tudo para ter uma vida melhor e nunca mais precisar preocupa-me com dinheiro." Após um longo suspiro, ele adormeceu. Despertou na manhã seguinte, ainda um tanto nauseado, e passou a mão sobre o rosto barbado. Procurou no teto a conhecida mancha de umidade, e ficou olhando para ela sem saber como iria fazer para arranjar dinheiro para o café da manhã. Mas de repente, ele teve uma surpresa: aos poucos, percebeu que a mancha tomava o formato de um rosto que ele conhecia não sabia de onde, com olhos levemente amendoados e azuis, a pele alva e ... um par de asas. Sim,havia um par de asas! Assustado, ele sentou-se na cama, esfregando os olhos, achando que estava sendo vítima de um delirium tremens tardio. Olhou para o teto, e viu que a tal mancha tomava também um corpo, que se movia e se esticava em direção a cama, saindo do teto batendo as enormes asas que exalavam um doce perfume.

O poeta deu um grito abafado, levando as mãos à boca. A estranha e bela figura andou em volta dele, examinando o quarto, balançando a cabeça em sinal de desaprovação. Disse: "Você merece coisa melhor, amigo."

O poeta murmurou, aproximando-se (percebeu que tratava-se de uma entidade benéfica) e estendendo a mão para tocar-lhe as asas de leve:

"Quem, ou o que é você?

"Sou seu anjo guardião. Vim porque escutei seu desespero, e estou aqui para ajudá-lo."

O poeta bateu palmas de tanta satisfação, e disse:

"Que notícia maravilhosa! E eu posso pedir qualquer coisa?"

"Sim, peça o que quiser! Mas peça com cuidado, pois  só lhe será concedido um único desejo."

Ele andou pelo quarto, coçando a cabeça durante algum tempo, pensando no que poderia pedir. Finalmente, escolhendo bem as palavras, acabou pedindo o óbvio:

"Faça de mim um homem muito rico, de forma que eu jamais precise preocupar-me com dinheiro novamente."

O anjo olhou para ele, e eu juro que havia um pouco de decepção em seu olhar quando ele respondeu:

"Assim será feito; mas ninguém pode ter tudo, então teremos que fazer uma troca: você terá de abrir mão do verdadeiro amor. Viverá sozinho o resto de sua vida, sem jamais encontrar o verdadeiro amor."

O poeta hesitou, mas pensou em todas as vezes que tivera o coração despedaçado pela dor do amor, e em quantas vezes já tinha sofrido traições e abandonos. Achou que seria fácil, e então respondeu:

"Trato feito!"

E o anjo, ainda decepcionado, apenas disse:

"Está certo; mas você também terá que concordar em abrir mão de sua família e amigos mais próximos: os verdadeiros amigos."

O poeta pensou um pouco, e concluiu que se sua família e amigos se importassem realmente com ele, não estaria vegetando naquele quartinho fétido, e concordou com a troca.

O anjo bateu as asas de leve, antes de acrescentar:

"Mais uma condição: você terá dez anos de vida a menos neste planeta do que lhe é de direito, e assim, ao invés de morrer aos setenta anos, morrerá daqui a trinta anos, em seu sexagésimo aniversário."

O poeta ficou em dúvida; afinal, trocar dez anos de vida por dinheiro... mas ele pensou: se dissesse não, teria muitos anos para viver naquelas condições deploráveis em que vivia, sem jamais conhecer o conforto e as alegrias que o dinheiro podia comprar. Não poderia ter o amor verdadeiro, mas o anjo nada dissera quanto à paixão proporcionada pelo sexo casual e as lindas mulheres que o dinheiro podia atrair. Decidiu aceitar a proposta do anjo, e concordou, mais uma vez, com a troca.

O anjo, ainda insatisfeito, fez então sua última proposta:

"Há apenas mais juma condição, e se concordar com ela, eu o farei um dos homens mais ricos da Terra."

Impaciente, o poeta respondeu:

"Mas eu já abri mão do amor, da família, dos amigos e de dez anos de vida! O que mais você quer tirar de mim?"

O anjo olhou-o bem dentro dos olhos:

"A poesia. Você jamais escreverá uma linha sequer."

O coração do poeta apertou-se. Ele sentiu o coração acelerar, e recomeçou a andar de um lado ao outro no quarto, pensando nas muitas vezes em que a poesia o salvara até mesmo do suicídio. Recordou-se das noites de insônia em que ela sentara-se ao lado dele, ditando-lhe lindas palavras que fizeram as pessoas se encantarem e chorarem durante os saraus. Com saudades, olhou sua pilha de cadernos acomodados sobre a escrivaninha, onde inocentes, descansavam seus poemas. Após muito se entristecer, o poeta tomou sua decisão, e virou-se para o anjo, dizendo:

"Leve-me tudo o que tenho: amigos, amores, família, anos de vida. Leve a minha saúde se quiser. Leve até mesmo a minha vontade de viver. Pegue tudo e ponha sobre as suas asas. Mas por favor, não leve a minha poesia! Sem ela, eu nada sou. Não me reconheço. Serei como uma alma vazia a vagar pelo mundo, sem nada que me traga alívio."

O anjo sorriu, mas foi firme:

"A única maneira de ter seu pedido concedido, é desistir da poesia."

O poeta deixou cair uma lágrima, mas manteve-se firme:

"Então, deixe-me aqui, neste quartinho. Deixe-me em paz, pois não posso abrir mão da única coisa que realmente importa para mim: a minha alma."

Dizendo aquilo, ele virou-se de costas para o anjo, que desapareceu em uma cortina de fumaça. Mas ele deixou-lhe uma pena longa e branca, com a qual o poeta escreveu seu nome na eternidade.




5 comentários:

  1. Ana não conhecia esta tua casa, que linda menina, este conto menina me arrepiou, nossa o que seria de quem desaguá a alma nas letras se não pudesse fazê-lo? lindo já estou seguindo e vou ver se tem como seguir por email, para poder sempre estar aqui quando o bolo saí quentinho do forno, beijos Luconi

    ResponderExcluir
  2. Boa tarde Ana.. acho que o poeta, sendo um recebe um mundo de versos dos anjos.. eles estão mais perto do que imaginamos..
    não penso que sou eu quem faça tudo, acho que muito canalizo ou o nome que queiram chamar.. uma boa forma de manter contato com os anjjos é com o salmo 90 e com o nono nome de Deus em hebraico.. do livro os 72 nomes de Deus.. pratico todos os dias.. não os vejo mas sinto a vibração.. bjs

    ResponderExcluir
  3. Ana, creio que não poderia ser diferente disto que a história nos diz. O poeta realmente é tocado pela pena dos anjos e com ela vai tecendo doces e belos versos que tocam as mais diferentes almas. Um beijinho, minha querida!!!

    ResponderExcluir
  4. Olá Ana.

    Já estava a ficar extremamente desiludida com o poeta, pois na minha opinião as coisas pelas quais ele iria abdicar são as que dão sentido à vida.
    O dinheiro não compra tudo.
    Adorei o conto.

    Beijinhos,

    Cris Henriques

    http://oqueomeucoracaodiz.blogspot.com

    ResponderExcluir
  5. UAU que lindo!!! Ele finalmente percebeu que sua ALMA valia muito e que era imortal, porque ele era a própria poesia. E a poesia JAMAIS deve morrer.
    Foi assim que interpretei a essência do teu conto - que é belíssimo !

    bacio

    ResponderExcluir

Obrigada por visitar-me. Adoraria saber sua opinião. Por favor, deixe seu comentário.

A RUA DOS AUSENTES - Parte 4

  PARTE 4 – A DÉCIMA TERCEIRA CASA   Eduína estava sentada em um banco do parque. Era uma cinzenta manhã de quinta-feira, e o vento frio...