terça-feira, 17 de março de 2015

Nem Tudo é Bem Assim - Parte III - FINAL






Nem Tudo é Bem Assim - Parte III - FINAL



Roberto tomou um gole grande de café quente, que queimou-lhe  a garganta. Ainda tentou fingir que não sabia do quê o amigo falava. Notou as olheiras roxas sob os olhos de Carlos:

-Ela quem?


Carlos olhou-o magoado:

-Bia. A minha  mulher Bia está apaixonada por você.

Naquele momento, um grupo de moças que estava entrando na sala do café estancou à porta, e olhando para eles muito sérias, deram meia-volta. Com certeza, pensaram eles, elas tinham ouvido a última frase. Ao constatar aquilo, Carlos bateu na própria testa com força. Roberto ouviu a própria voz:

-Sinto muito. Também estou apaixonado por ela, Carlos. 

Ao chegarem em casa após o almoço na tarde do último sábado, Bia e Carlos acabaram tendo uma briga muito séria, na qual ele a acusara várias vezes de não amá-lo mais. Ela tentara ser paciente, pois afinal de contas, tinha feito algo que traíra a confiança dele, e sentia-se culpada. Mas ele fora tão vil e insistente, dizendo palavras tão duras e cortantes, que ela acabara gritando bem alto:

-OK! Eu estou apaixonada pelo Roberto! E daí?

A discussão terminou imediatamente. Como sempre, ele saiu batendo a porta, e não voltou para casa. Passou a noite no carro, após dirigir até uma estrada deserta. Pensou muito sobre tudo o que estava acontecendo, e a iminência de estar perdendo Bia fazia com que seu estômago desse voltas. A vida que conhecera até então, tudo o que ambos construíram juntos, estava ameaçado de acabar. Ela ainda tentou falar com ele por telefone, mas ele desligou o celular. 

Na manhã de domingo, voltou para casa e encontrou-a sentada no sofá da sala, os olhos inchados e vermelhos. Eles se olharam em silêncio, e ela se levantou:

-Quer café? Acabei de fazer. 

Quantas vezes ele ouvira aquela mesma frase, mas dita de forma alegre, casual e totalmente caseira? Agora, a casa toda parecia uma geleira. Carlos disse 'sim' através de um aceno, e ambos foram para a cozinha, onde ela serviu-lhe uma xícara. Foi ele quem falou primeiro, sem tom acusatório, apenas como forma de constatação:

-Então eu estava certo o tempo todo.

Ela enxugou as lágrimas que tinham voltado a cair:

-Olha, vamos esquecer tudo isso, está bem? A gente pode recomeçar. A gente pode ... você pode pedir demissão, eu também,  e nós podemos abrir um negócio próprio, uma firma de arquitetura, como sempre desejamos.

Ele teria pulado de alegria há apenas algumas semanas, se ela tivesse lhe dito que desistiria do emprego para trabalhar com ele, como ele sempre sonhara. Mas agora, a proposta dela pareceu-lhe movida pela piedade, ou pelo desespero de que tudo ficasse como sempre tinha sido. Mas ele sabia (e ela também) que algo tinha sido quebrado. Se teria conserto ou não, nenhum dos dois poderia dizer. Não ainda. Ele pensou que talvez aquilo tudo tivesse acontecido por um motivo: a vida deles estava calma demais, certinha demais, sem atrativos. Quem sabe, aquilo desse uma sacudida neles, de forma a trazer de volta o entusiasmo perdido? Afinal, se ainda havia amor... mas ele se lembrou que, na noite passada, ela confessara que estava apaixonada por outro!

-Como pode dizer isso, após confessar que está apaixonada por outro, Bia?

Ela concordou com a cabeça:

-Foi apenas... uma ideia. Mas eu... eu não quero me separar de você, Carlos! Na verdade, eu e Roberto mal nos conhecemos. Nós... eu... é tão difícil, Carlos...

Ele se levantou, abraçando-a, e ambos choraram, ali, de pé, encostados à pia da cozinha.  Depois, sem nada dizer, ele foi para o quarto. Minutos depois, ela o seguiu. Viu que ele estava arrumando as malas. Ela recomeçou a chorar. Ele hesitou um instante à porta do quarto, segurando as malas. Sem olhar para trás, saiu, batendo a porta da frente - daquela vez, para sempre. 

Roberto suspirou, após ouvir a história de Carlos. Passou a mão pela testa. Parecia muito cansado. Ele ouvira a história toda sem que houvessem mais interrupções dos colegas na sala do café.   

-Acho melhor a gente sair um pouco, tirar o dia de folga, Carlos. Precisamos conversar. O chefe vai entender.

Quando ambos saíram da sala do café, havia um silêncio constrangedor no escritório. As pessoas não olharam para eles, mas por mais que tentassem agir normalmente, ficou claro para eles que todos já sabiam do que estava acontecendo. Eles passaram pelas escrivaninhas sem olhar para o rosto de ninguém, dirigindo-se à porta. 

Foram para um café do outro lado da rua. Estava vazio àquela hora, pois todos já estavam trabalhando. 

-Então você saiu de casa?

Carlos tomou um gole de café, e sem olhar para Roberto, respondeu:

-O caminho está livre para vocês. Hoje é segunda, então Bia estará trabalhando em casa. 
Roberto hesitou:

-Eu sinto muito. Essas coisas não acontecem porque a gente quer.

Carlos pareceu furioso quando olhou novamente para ele. Levantou-se, fazendo com que Roberto se encolhesse na cadeira. Mas ele apenas caminhou para fora do café, sem olhar para trás.
Quando Roberto chegou à casa de Bia, a porta estava destrancada e entreaberta. Ele entrou devagar, vendo a névoa gelada  da manhã desenhar-se em feixes pelos raios fracos de sol que entravam pela vidraça. Ele chamou por Bia. Ouviu-a responder da estufa. Seguiu o som da voz dela. 

Passou pela cozinha em desordem, sentindo o mesmo aconchego que sentira da primeira vez que ela o conduzira por ali. 

Encontrou-a de avental, podando algumas das plantas. Parou à porta, extasiado com a beleza daquela cena. Bia vestia pijamas, e estava de pé, de costas para ele, e o sol da manhã penetrava o vidro da estufa espalhando finos arco-íris pelos seus cabelos curtos e desgrenhados. Olhou em volta, pensando que em breve, talvez estivesse vivendo com ela naquele lugar, e aquele pensamento pareceu-lhe estranho. Talvez fosse melhor se morassem em outro lugar, um lugar só deles. Teriam filhos, quem sabe... ele caminhou até ela, o coração aquecido pela expectativa de tê-la em seus braços sem culpas e sem medos. 

Quando ele a tocou, ela virou-se, caindo nos braços dele. Ambos beijaram-se apaixonadamente. E foram indo para o quarto daquela maneira, beijando-se e abraçando-se desajeitadamente, enquanto ela ia retirando o avental, deixando-o caído no chão da cozinha, e ele descalçava os sapatos e tirava o casaco, deixando-os sobre o sofá da sala, e ela retirou a parte de baixo do pijamas, deixando-a no corredor, e quando estavam diante da cama, eles se entreolharam em silêncio. A atmosfera em volta deles, antes carregada pela estática apaixonada que os envolvia, pareceu esfriar de repente. Ele passou um dedo pelo rosto dela, sabendo que aquilo tudo não poderia ser. A melancolia crescia. Ela sentiu o desejo diminuir, murchar, e morrer. Eles se abraçaram. Quando se olharam novamente, eram apenas amigos. 


FIM



Um comentário:

  1. Nem sempre verdades podem ser ditas com tamanha naturalidade.
    Às vezes mentiras no adeus são preferíveis para se evitar crimes passionais...
    Na realidade tudo é muito complexo!

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