segunda-feira, 20 de abril de 2015

AS RUAS DAS ÁRVORES QUE CHORAM - HISTÓRIAS EM PETRÓPOLIS





"Midnight, not  a sound from the pavement. Has the moon lost her memory? She's smiling alone..."

Ao som desta canção e sob uma lua cheia fantasmagórica, eu fui atraída para fora de casa em um anoitecer frio. Minha mãe veio atrás de mim, para saber de onde vinha a canção. Vinha da casa vizinha. Barbra Streisand cantando "memories."  Nós ficamos escutando aquela música linda no quintal, enquanto o luar branqueava a superfície brilhante das folhas de bananeiras. Quando a música terminou, ficamos algum tempo ainda mudas, como que encantadas por alguma espécie de magia. 

Eu às vezes caminhava pelas ruas invernais de Petrópolis com músicas na minha cabeça, as mãos nos bolsos do casaco marrom de capuz que chegava aos joelhos, os olhos grudados na calçada. Na minha cabeça, como se fosse uma play list, iam surgindo as letras musicadas de Supertramp, Queen, Barbra Streisand, Elton John, Peter Frampton - a galera que fazia sucesso naqueles tempos. Eu às vezes erguia os olhos e olhava para os carros passando, as pessoas, as árvores, o céu. Criava vídeo clipes em minha mente.

Certa vez me perguntaram, enquanto caminhávamos pela Rua Paulo Barbosa em uma sexta-feira movimentada: "Por que você anda olhando para o chão?" Não sabiam que eu via tudo, menos o chão. Mas a partir daquele dia, com medo de que me achassem esquisita, passei a andar de cabeça erguida, olhando para frente. E não vi mais nada. Muitas pessoas reclamavam e me perguntavam por que eu não as cumprimentava. É que eu ia focada naquilo que eu precisava fazer, eu respondia. Tentando não parecer esquisita, eu parecia mais esquisita do que antes.

Eu amava ir ao cinema sozinha nas tardes de sábado. Sentava-me nas cadeiras do balcão do cinema Casablanca, que fica em um hotel que, naquela época, era luxuoso. Não tinha quase ninguém no cinema. Eu ficava ali, totalmente envolvida pela história que rolava na tela, como se fizesse parte dela. Uma vez, estava tão absorvida que nem percebi quando alguém sentou-se ao meu lado. Só notei quando senti uma mão atrevida sobre o meu joelho.

Aquilo foi chocante... acho que eu tinha apenas doze ou treze anos. Olhei para o lado com o canto do olho, e vi que era um homem que fingia estar assistindo ao filme enquanto tentava me bolinar. Ergui-me de repente da cadeira, assustada, e acho que o assustei mais ainda, pois ele levantou-se e saiu, de cabeça baixa, sem olhar para trás.  Nunca contei aquilo para ninguém, pois temia que meus pais nunca mais me deixassem ir ao cinema, mas aprendi que, em um cinema vazio, toda vez que alguém senta-se ao nosso lado, devemos levantar e ir embora o mais rápido possível.

E um dia, cantando "Bohemian Rhapsody," do Queen, entrei na loja onde uma de minhas irmãs trabalhava. Me perguntaram que música era aquela, e eu repeti o que havia aprendido traduzindo a letra com um dicionário. Me disseram que a música era horrível, ridícula, e aprendi que a gente não deve sair por aí falando das coisas que gosta com qualquer um, pois corremos o risco de ser ridicularizados. 

Caminhando pelas ruas de Petrópolis, aprendi a olhar muito, imaginar muito, pensar muito e falar bem pouco. Adolescente, eu às vezes ia sozinha às palestras do Centro de Cultura. Certa vez, assistia a uma palestra sobre racismo, onde a palestrante era uma moça negra muito bonita, mas com o cabelo esticado para ficar como o de uma branca. De repente, ela convidou a platéia a fazer perguntas. Meu coração batia na garganta. E eu me vi abrindo a boca e perguntando a ela por que ela esticava o cabelo, pois se ela se orgulhava de ser negra, não deveria esticar o cabelo. Eu estava tão nervosa que nem me lembro da resposta que ela me deu. Meus ouvidos taparam-se. Só sei que algumas pessoas da plateia se viraram para me olhar, e ao constatarem a minha pouca idade (deveria ter uns quatorze anos), apenas balançaram a cabeça em desaprovação. Aprendi que não se deve fazer perguntas embaraçosas durante palestras.

Eu saía para andar sozinha. Quando tinha dinheiro, comprava algum disco de vinil, e amava andar com meus discos debaixo do braço e levá-los aonde quer que eu fosse. Literalmente, Petrópolis me viu crescer com trilha sonora. Havia uma loja chamada A Musical, que deixava a gente escutar trechos dos discos antes de decidirmos se queríamos realmente comprá-los. Eu ficava sempre muito tempo por lá. Adquiri um gosto eclético, pois escolhia os discos pelas capas, pedia para ouvir e muitas vezes, descobria verdadeiras pérolas. Foi assim que conheci alguns compositores clássicos, e também o Aerosmith, Rick Springfield ( a capa me atraiu porque havia uma foto dele e eu o achei bonito demais), Bee Gees, Pink Floyd e muitos outros. A música era a minha vida. Não fazia nada sem que houvesse uma trilha sonora. Até quando eu sonhava acordada, punha uma musica ou a imaginava. 

Tantas e tantas vezes, lá no meu bairro, nós levávamos o aparelho de som para a rua e cada um levava um disco diferente! Ficávamos lá, escutando música após fazermos ligação direta da caixa de luz de um vizinho... conversávamos, dançávamos, tomávamos Coca-cola com rum e fumávamos escondido. Organizávamos festas de São João incríveis... cada um contribuía com alguma coisa. Eu adorava morar naquele bairro. Hoje, quando vou lá, vejo que quase nada mudou, e fico feliz de ter saído.

(continua...)





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