terça-feira, 28 de abril de 2015

AS RUAS DAS ÁRVORES QUE CHORAM - HISTÓRIAS EM PETRÓPOLIS





Havia a Rua da Feira. Nunca soube, e até hoje não sei, o nome daquela rua. Só sei que era lá que eu ia com minha mãe uma ou duas vezes por semana, bem cedinho, quando o dia mal amanhecera. Saíamos de casa com nossas bolsas de feira coloridas feitas de couro sintético. A minha era pequena, com quadrados verdes e vermelhos, e eu carregava nela as verduras mais leves: alface, couve, cheiro-verde. Mal chegávamos à feira, e aquele mundaréu de gente carregando sacas enormes, cheiros misturados de flores, peixes, verduras e coisas em decomposição, cães abandonados, os sons dos pregões dos feirantes, tudo ia entrando pelos meus olhos, ouvidos e nariz. Uma confusão de cores, sons e cheiros.

Começávamos ali no início da feira com as sacas vazias. Minha mãe escolhia os tomates, as batatas, as cenouras, as maçãs. Pechinchava com os feirantes. Reclamava quando achava que estava caro. Eu ficava com medo de me perder no meio daquele monte de gente, e ficava praticamente grudada na barra da saia dela. De repente, uma voz atrás da gente: "Dona, deixa eu carregar?" Era um garoto pequeno, pouco mais velho que eu, e eu me perguntava se ele aguentaria carregar aquela saca enorme cheia de legumes. Minha mãe deixava ele pegar em uma das alças, só para dar a ele uns trocados mais tarde. Ele nos seguia por toda a feira, até que acabássemos de comprar tudo, e nos levava ao ponto de táxi ou de ônibus. Hoje, seríamos acusadas de escravizar uma criança!

Eu gostava quando minha mãe ia às compras com minha irmã mais velha, aos sábados, e eu, já adolescente, ficava com a casa só para mim: eu escrevia em meu diário, fumava cigarros "Charm" e escutava música no último volume. Também gostava quando íamos todos juntos às compras: eu (criança), minhas duas irmãs (a outra irmã e o irmão mais velho estavam no trabalho) e nossos pais. Entrávamos no antigo supermercado ENSA - que mais tarde, virou CB, e depois, ABC, e depois EXTRA, e mais tarde, Princesa, e hoje eu nem sei mais. A gente circulava pelo mercado tentando lembrar as regras: "Não peçam nada!" Minha mãe às vezes tinha pena, porque eu ficava olhando os iogurtes caros que não podíamos comprar, e ela pegava um, dizendo: "Termine antes de chegarmos ao caixa!" E eu comia com a mão, passando o dedo no fundo do pote.

As compras de roupas aconteciam uma ou duas vezes ao ano. Meu pai nos levava à loja Mona Modas e fazia um crediário gigante. Comprava um vestido para minha mãe e algumas roupas para nós, crianças. Tínhamos excelentes lojas em Petrópolis, como a antiga Casa Sloper, que vendia de tudo, desde roupas e sapatos a brinquedos, bijuterias e cama e mesa. Era uma loja grande e luxuosa, bem no centro da cidade. Eu adorava comprar lá, mas isso raramente acontecia. Tínhamos a Sapataria da China, a Sapataria Moderna, a Schetini... comprar sapatos era um evento! Eu chegava em casa e ficava andando pelo quintal, olhando meus sapatos novos, com cuidado para não arranhá-los. A vida era difícil. Logo minha mãe ralhava: "Vá tirar esses sapatos, que são de sair!"

Meu pai comprava tudo a crediário: nossa geladeira demorou dois anos para ser totalmente paga. Os móveis de cozinha, as camas, colchões, a TV... tínhamos uma preto-e-branca, daquelas de válvula, que precisava esquentar um pouco antes da imagem aparecer. Ela ficava tão quente, que se tocássemos nela, queimávamos a mão. Meu pai a desligava durante os comerciais, "para esfriar." Um dia, ela queimou. Ao levá-la ao conserto, meu pai exclamou: "Mas eu não sei o que houve! Até desligava na hora dos comerciais, para esfriar!" O técnico riu, e disse: "Foi por isso que ela queimou! Esse liga/desliga/liga/desliga..." Nunca mais ele desligou na hora dos comerciais, mas comprou um estabilizador que pesava uma tonelada e esquentava feito o inferno. Quando ele chegava do trabalho, colocava a mão rapidamente sobre o estabilizador, e se estivesse quente, ele brigava: "Vocês ficam vendo TV o dia todo! Vai acabar queimando, e depois, o ferrado sou eu!" Assim, desligávamos alguns minutos antes que ele chegasse... eu me lembro de ter assistido à suposta chegada do homem à lua, em 1969, aos quatro anos de idade, naquele aparelho de TV...

Quando a TV dos vizinhos queimava, era comum que a família inteira aterrissasse de para-quedas na nossa sala de estar e ficasse lá até tarde da noite. Meu pai ficava furioso, mas não queríamos ofender ninguém, então, quando ele achava que estava na hora dos vizinhos irem embora, ele dava boa noite a todos, e dando a volta por fora da casa, ia até o local da antena e a virava, para que os canais saíssem do ar. Ele fazia aquilo sempre. Não sei como eles não desconfiavam...

Acho que uma das poucas lojas da cidade que resistiram até hoje, é a filial das Lojas Americanas. Quando eu saía do colégio, geralmente ia até lá com alguns colegas. Eles vendiam balas à varejo, e era comum todo mundo pegar uma ou duas quando passava por elas. Todos faziam aquilo, adultos e crianças, e ninguém considerava aquilo como roubo, mas uma vez, sem querer, acabei 'roubando' um caderno: coloquei-o no meio dos outros para pagar quando saísse. Minha mãe pegou um outro caderno, sem reparar que eu já havia pego um. Ela pagou por ele. Ficamos algum tempo fazendo compras, e esqueci-me totalmente do caderno que estava comigo. Só percebi quando chegamos em casa.

Infelizmente, as boas lojas de Petrópolis fecharam. Hoje, o que mais se vê por aqui são drogarias e lojas de 1,99, a não ser na Rua 16 de Março, onde ainda se pode comprar alguma coisa. Fico pensando: Por que será que todas as lojas que abrem por aqui hoje em dia acabam fechando? Parece que alguém enterrou uma cabeça de burro em algum lugar... quanto às tentativas de shopping centers, elas sempre falham. Acho que petropolitanos não gostam de shoppings. Preferem andar pela rua ao fazer suas compras, mesmo debaixo de chuva ou com frio. Os petropolitanos adoram novidades; quando abre um novo restaurante, loja ou clube, fazem fila na porta; depois de algum tempo, desaparecem, e o negócio acaba falindo por falta de clientes. Não dá para entender!

Temos fama de sermos ricos. Se chegamos a alguma outra cidade e dizemos que somos de Petrópolis, todo mundo nos olha com uma certa reverência ou inveja: "Hum, você é de Petróópolis?!?!" A fama que a Família Imperial deixou por aqui permanece até hoje, e acho que eles pensam que todo mundo aqui tem sangue nobre. Muito pelo contrário: Petrópolis hoje é uma cidade que sofre devido à invasão de suas encostas, desmatamento, uso indevido da água, explosão demográfica - basta dar uma olhada em Itaipava o número absurdo de condomínios que estão sendo construídos, e  eu não sei como essa gente vai circular por aqui quando todos estiverem prontos e ocupados, ou se vai ter água para tanta gente. 

Mesmo assim, ainda desfrutamos de boa qualidade de vida por aqui, na maioria dos bairros.

(continua)








Um comentário:

  1. Oi Ana.
    Petrópolis de ontem Petrópolis de hoje.
    Lá vem o ser que se diz racional, o SER HUMANO, e modifica, destrói, constrói, devasta, polui em nome das novas necessidades.
    Por aqui não é diferente.
    Estou aguardando a continuação de sua história.
    Um abraço.

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