quarta-feira, 1 de novembro de 2017

AMOR E REVOLTA – CAPÍTULO III






Estar com os amigos trouxe de volta uma certa leveza a Marvin. Eles assistiram a uma comédia, e depois foram a um fast food. Depois, caminhavam pela rua tomando suas casquinhas de baunilha; Gabi ao lado de Marvin. 

Luis e Melissa se afastaram um pouco, pois ficaram olhando um computador em uma vitrine, e os dois se sentaram em um banco de praça para esperar por eles. Gabi mantinha os olhos fixos em Marvin. Sempre fora apaixonada por ele, mas não achava bom misturar namoro com amizade, e já que eram amigos desde sempre, disfarçava muito bem os seus sentimentos. Ela sobrevivera a algumas namoradas de Marvin, e também tivera alguns relacionamentos de uma semana, mas nada mais sério. O tempo todo, quando um garoto a beijava, ela fechava os olhos e pensava em Marvin. Mas disfarçava tão bem, que nem mesmo Melissa percebia. 

A maioria de suas amigas não era mais virgem, mas ela não conseguira ainda encontrar alguém que estivesse à sua altura, como Marvin. Sonhava em perder sua virgindade com ele. 
Olhando para ele tão perto dela, há apenas alguns centímetros de um toque de mão, Gabi se lembrava de que ele quase tinha morrido. Se Rafaela tivesse chegado mais alguns instantes depois, ele não estaria ali. Aquele pensamento a apavorava: um mundo sem Marvin dentro dele. Perguntou:

-Como foi?

Ele olhou para ela confuso:

-Hein?

-No hospital... como foi?

Ela viu o maxilar dele tremer, e arrependeu-se de perguntar. Mas Marvin foi muito doce ao responder:

-Você é a primeira pessoa que me pergunta isso assim, diretamente. Todo mundo só fica me olhando, andando em volta de mim e tomando cuidado como se eu fosse de vidro... obrigado pelo interesse, Gabi. Bem, mas foi... surreal. Um conselho: não tente fazer isso.

-Não vou. Sabe, eu fiquei muito preocupada, e um pouco magoadinha porque você não nos deixou vê-lo. 

Na verdade, ela passara dias e dias chorando por causa dele; primeiro, de medo, e depois, sentindo-se rejeitada. 

-Desculpe... é que eu estava muito confuso também. Me sentindo fraco. Não gosto que olhem para mim quando estou assim. Mas eu vou te confessar uma coisa que só a mamãe e o papai sabem. E a Melissa, é claro. Pedi a eles que não contassem a ninguém. Mas pra você eu vou contar:

Ela arregalou os olhos ao perguntar:

-E o que é?

-Eu não queria morrer de verdade... foi tudo... uma simulação. Só que acabou saindo do controle. Eu só queria chamar a atenção dos meus pais. Usei éter para limpar a lâmina, inclusive, pois não queria pegar uma infecção no corte. Também cheirei um pouco para criar coragem. Mas acho que cheirei demais, perdi a noção e afundei a faca mais do que deveria, e depois... eu apaguei.

Ela abriu a boca, surpresa e ao mesmo tempo zangada e aliviada:

-Não posso acreditar! Seu moleque mimado filho-da-mãe! Eu não sei se te odeio ou se eu...

Ela parou de falar, e deixou a frase não dita suspensa entre eles. Ficou zangada por Marvin ter agido de forma tão imatura e inconsequente. Ao mesmo tempo, tirou um peso dos ombros ao saber que ele não quisera morrer de verdade. Porque ela não queria mais ficar tantos dias chorando escondido por causa dele. 

Para disfarçar o que quase dissera, ela deu um soco no braço dele, que levou a mão ao local e deu um gritinho. Os dois voltaram a se dedicar exclusivamente aos sorvetes, e enquanto Gabi via Luis e Melissa caminhando na direção deles, pensou no quanto o mundo ficara mais bonito de repente. Se um dia Marvin seria seu namorado, ela não sabia. Mas mesmo que nunca fosse, era bem melhor saber que ele estava vivo, e que era seu amigo. Seu melhor amigo.

Gabi sentia vontade de beijá-lo. E antes que Luis e Melissa chegassem mais perto, foi o que ela fez: inclinou-se e beijou o rosto dele. Foi um beijo um pouco demorado. Ela deixou que seus lábios gelados por causa do sorvete pousassem na bochecha dele, bem perto da boca, por mais tempo que o necessário. Na verdade, depois que ela colou os lábios no rosto dele, teve vontade de nunca mais sair. Sentiu o cheiro da colônia que ela sabia que ele sempre pegava emprestada do pai. O cheiro era familiar e confortável. 

Marvin ficou surpreso, e sentiu o coração dar um pequeno salto, mas também teve um sentimento de estranheza, pois para ele, Gabi era como uma irmã. Sentia-se a respeito dela da mesma maneira que se sentia a respeito de Melissa. Ou quase... nunca tinha pensado naquilo antes, até aquela noite. Ele a olhou e viu uma outra menina, diferente da menina a qual ele estava tão acostumado, a sua amiga de infância. A sua Gabi. Mas logo o espaço dos dois foi invadido pelas risadas de Melissa e Luis, e a conversa tomou um outro rumo. 

No primeiro dia de aula na nova escola, uma segunda-feira chuvosa, Rafaela parou o carro em frente à luxuosa entrada. Marvin, que não tinha ido conhecer o local antes, deixou seu queixo cair, surpreso pela beleza do local. Reparou nas hortênsias rosadas plantadas junto ao portão, e no brilho do asfalto negro que conduzia à entrada, que ele percorreria à pé. Leu o letreiro sobre o portão: “Escola da Luz.” Também reparou nos outros alunos que chegavam, a maioria usando fones de ouvido, os capuzes erguidos devido à chuva fina, caminhando lentamente em direção à escola. Ele respirou fundo, e olhou a mãe, sentindo um arrepio incômodo na base da espinha:

-É isso, então... lá vou eu, acho.

Rafaela sorriu:

-Está tudo bem? Quer que eu entre com você?

Ele revirou os olhos:

-Mãe, pelo amor de Deus! Eu não tenho cinco anos. Não me faça pagar esse mico. Vou indo, tchau!
Sem esperar por uma resposta, ele abriu a porta do carro de repente e saiu. Rafaela observou-o durante algum tempo, enquanto ele misturava-se aos outros adolescentes, e sumia na curva do caminho. Foi trabalhar, sentindo-se ansiosa. Parecia que era ela a nova aluna em uma escola estranha bem no final do segundo semestre. 

A caminho da escola, acompanhada do pai, Melissa pensava no irmão. Achou estranho, e não queria admitir para si mesma, que estava sentindo falta dele, e que dali em diante, seria assim: ambos em escolas diferentes. Ela temia que em breve, ele estaria entrosado com seus novos amigos, e se esqueceria dos outros amigos da antiga escola. Luis tinha dito aquilo a ela na noite em que tinham ido juntos ao cinema. Ela ainda se lembra do ar melancólico que ele tinha ao dizer: “Marvin? Agora ele está em outra. Acho que não vai mais querer passar tanto tempo com a gente.” Ela retrucou o que ele disse, afirmando que eram amigos de infância e que uma amizade daquelas não acabaria assim, mas 

Luis apenas encolheu os ombros, mudando de assunto. 

Na escola, Gabi esperava por Melissa, e sentiu um nó apertado na garganta quando não viu Marvin. Torcia para que ele odiasse a nova escola e quisesse voltar para a antiga, mas sabia que aquilo não ia acontecer. Lembrou-se de quando Melissa e Marvin anunciaram que estavam para mudar de escola, há dois anos, e do quanto fora difícil para ela convencer seus pais a mudá-la junto com eles. O mesmo se dera com Luis. Eles queriam ficar juntos. Se conheciam desde sempre, eram amigos, mais que amigos até, quase irmãos, e o que ela sentia (ela bem sabia) não ia diminuir com a distância. Mas e quanto a Marvin? Se esqueceria dela? Se esqueceria deles e dos demais amigos que fizeram na escola naqueles dois anos? Mudar novamente de escola estava fora de cogitação, ainda mais sendo a Escola da Luz tão cara (ela havia pesquisado). Gabi temia perder Marvin. Teria que fazer um esforço enorme para que aquilo jamais acontecesse.

Na nova escola, Marvin dirigiu-se ao único lugar vazio – a primeira carteira na terceira fileira junto à janela, à direita da mesa do professor. Nunca gostara de sentar-se na frente, mas era o único lugar disponível. Sentia-se um tanto nervoso, pois sabia que estava sendo observado e julgado pelos alunos mais antigos, e que a impressão que deixaria com eles naquele primeiro dia, era a que ficaria. Tentou ser sociável, dirigindo-se a alguns deles e fazendo perguntas sobre a escola, e eles foram simpáticos e acessíveis. 

De repente, notou uma menina que estava acabando de entrar na sala. O professor entrou logo depois dela. A menina era loira, de longos cabelos levemente ondulados que caíam até a cintura. Alta e magra, a pele branca feito porcelana, olhos azul escuros e lábios naturalmente vermelhos. Ela lançou-lhe um olhar ao passar por ele, e Marvin sentiu que seu coração parou por alguns segundos quando seus olhos se cruzaram. Ela sorriu de leve e encaminhou-se para a parte de trás da sala, sentando-se ao lado de um rapaz de cabelos pretos e escorridos até os ombros, como os de um índio. Marvin viu quando ele tirou a mochila da cadeira para que ela se sentasse, e percebeu que ele estivera guardando o lugar para ela. Ambos se cumprimentaram com um beijo rápido nos lábios, e ficaram cochichando por algum tempo. A menina lançou-lhe um outro olhar furtivo, e Marvin virou-se para frente, parando de olhá-los quando o professor começou a falar. Estava sem fôlego, pois nunca tinha visto uma menina tão bonita. Lamentou que ela tivesse namorado, porém. 

O professor apresentou-se a Marvin, antes de começar a aula. Encaminhou-se até onde ele estava sentado, estendendo a mão: 

-Olá! Você é o Marvin, não é? Sou o professor de história. Meu nome é Fernando.

Os dois apertaram a mão rapidamente. À essa altura, os outros alunos estavam começando a ficar em silêncio, e passaram a observá-los, o que fez Marvin corar. Mas ele ergueu a cabeça e olhou em volta, sorrindo. Fernando apresentou-o à turma:

-Pessoal, este é o Marvin. Ele veio juntar-se  a nós. 

Marvin ouviu alguém perguntar, mas não viu quem:

-Mas por que ele está começando agora, no final do ano?

Fernando olhou para Marvin, e a turma toda estava em silêncio profundo naquele momento:
-Gostaria de responde seu colega, Marvin?

Marvin hesitou um pouco, mas sentiu que era muito importante se enturmar o mais rapidamente possível, e que recusar-se a responder, além de ser uma atitude antipática, causaria ainda mais curiosidade nos outros alunos. Olhou para trás, e viu a menina de olhos fixos nele. Ela assentiu com a cabeça de leve, como se estivesse dando força para que ele falasse. Marvin pigarreou:

-Eu não estava adaptado na minha outra escola. Pressão demais. 

Uma outra voz veio do fundo da sala, desta vez, uma menina ruiva:

-E por que não esperou até o final do ano letivo?

Marvin olhou para o professor como se pedisse socorro, mas este apenas permaneceu fitando-o com a expressão mais serena do mundo. Marvin não teve outra saída, senão responder. Pensou que deveria ter ensaiado alguma resposta para aquele momento, mas na verdade, ele nem sequer pensara que aquele tipo de pergunta poderia surgir. Abriu a boca, e o que disse em seguida, simplesmente saiu sem querer:

-Eu tentei me matar.

Imediatamente, murmúrios percorreram a sala de aula. Fernando colocou a mão no ombro de Marvin, dizendo:

-Muito corajoso por nos dizer a verdade, Marvin. (E virando-se para o restante dos alunos:) - Mais alguma pergunta, turma?

Silêncio. Marvin suspirou aliviado, sentindo o rosto arder: que coisa mais idiota para se dizer! Ele queria que o chão abrisse e o engolisse. Pelo menos, não teria que responder mais nenhuma pergunta. Até que uma voz doce e musical veio do fundo da sala. Ele olhou para trás: era a menina.

-Por que? 

Ela fincou os olhos nele, e Marvin sentiu-se invadido. A pressão estava sendo maior do que ele esperava. Os demais alunos também o olhavam fixamente, e o professor não o salvaria. Ele gaguejou:

-Eu... é que... bem... na verdade, eu não sei. Acho que estava cansado, me sentindo muito pressionado pelas exigências da escola. E dos meus pais, talvez. Eu... 

Sem saber mais o que dizer, ele se calou, olhando para as próprias mãos que estavam cruzadas sobre a carteira. Olhou para trás, bem direto nos olhos dela, e disse, com a voz mais firme que conseguiu:

-Vocês se importariam de nunca mais tocar neste assunto?

A menina concordou com a cabeça. Os outros alunos começaram a abrir seus livros, e Fernando finalmente começou a aula. Marvin ficou achando que tinha arrasado com todas as suas possibilidades de fazer amigos ali. Quem ia querer ser amigo de um cara tão estranho e covarde? De onde diabos surgiu aquela ideia de dizer aquilo assim, em plena sala de aula, na frente de todo mundo?

(continua...)




3 comentários:

  1. Olá, vai ser um historia interessante com o Marvin a ser o protagonista.
    feliz domingo e semana,
    AG

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  2. A verdade sempre vem à tona. Contar a verdade, mesmo sem o Marvin perceber, foi uma forma de ganhar a confiança e o respeito dos colegas e, principalmente, do professor.

    Abraços e uma ótima semana para ti e para os teus.

    Furtado.

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