segunda-feira, 9 de setembro de 2019

INOCÊNCIA - PARTE III, CAPÍTULO II




Parte III, capítulo II

Narração em terceira pessoa

O encontro de Yara e Cristina foi emocionante para ambas. Tudo voltou: a amizade e a intimidade que sempre as unira pareceu não ter sido afetada pelos anos e a distância que ficaram entre elas. 

Yara reparou o quanto sua velha amiga de infância e protetora estava diferente, refinada. Cristina percebeu que Yara, apesar de ter ganho alguns quilos extra, ainda tinha no rosto aquele mesmo ar infantil e doce de sempre. Ela ainda era a sua amiguinha, a menininha que ela gostava de proteger. 

Cristina afastou-se, e passando a mão sob os olhos de Yara, secou-lhe as lágrimas. Ambas subiram para o quarto de mãos dadas, se olhando avidamente no elevador sem nada dizerem. No quarto, elas sentaram-se de mãos dadas sobre a cama larga e macia, olhando-se. Elas bebiam a presença uma da outra. Yara finalmente perguntou:

-Por que você foi embora sem se despedir de mim?

-Porque se eu fosse me despedir de você, não teria tido coragem de ir embora.  

-E por onde você andou, o que tem feito?

-Bem... eu me casei! Com um advogado lindo e rico. Morei um tempo com minha avó, ela morreu e me deixou uma fortuna. E você?

-Eu me casei também. Com aquele meu primeiro namorado, lembra? O Fernando. Tivemos um filho que está com três anos, mas nos divorciamos há um ano.

-Não conheci Fernando... mas... e seu filho? Como ele é, onde está? Gostaria de conhece-lo!

-Ah, é verdade... você já tinha ido embora quando eu comecei a namorar Fernando. Meu filho, João,  mora com o pai. Quando nos divorciamos, achei melhor assim, já que eu viajo muito por causa do trabalho. Sou aeromoça. Sabe, na primeira vez que eu e Fernando namoramos, eu terminei com ele por causa de Duílio. Eu e Duílio ficamos noivos, mas...

Yara baixou os olhos, suspirando. Cristina ergueu o queixo da amiga suavemente, obrigando-a a olhar para ela:

-Eu jamais permitiria que você se casasse com aquele crápula! Yara... há coisas que você não sabe sobre ele. Mas que eu, como filha da empregada da casa, e me esgueirando sempre pelos jardins durante a noite, acabei sabendo. Duílio... não é uma boa pessoa. Nunca foi. 

Yara arregalou os olhos:

-Então... o que você sabe sobre ele? Tem a ver com a minha mãe?

-Não apenas com Dona Mirtes, mas também com Dona Aurora... e comigo. Uma noite, eu estava no jardim e ele tentou... tentou me agarrar. Ameacei gritar, se ele não me soltasse. Eu tinha apenas quatorze anos! 

Yara cobriu a boca para repelir um grito:

-Nossa, eu... ele... ele fez alguma coisa com você?

-Não... na verdade, ele estava me agarrando e passando a mão sob meu vestido quando eu ameacei gritar. Então ele me soltou. Eu corri para casa. 

-E por que você nunca contou nada disso a ninguém?

-Na verdade, eu contei. Na manhã seguinte, contei à Dona Mirtes, mas ela não quis me ouvir. Mandou que eu evitasse  ficar andando pela casa durante  a noite, e que mantivesse minha boca fechada, pois Duílio era sócio de seu marido, e ela não queria se indispor com ele. Me fez tentar entender que os homens são assim mesmo... mas... 

-Eu sei porque ela fez aquilo! Estava apaixonada por ele também. 

-Não só ela, mas todas as mulheres da família. Ele tinha um caso com sua tia Aurora. Não sei de nada concreto entre ele e sua mãe, só os vi se beijando uma vez, mas na noite do casamento de Berta, eu vi quando ele e Aurora transavam atrás do salão de festas, depois que todos tinham ido embora. 

Yara lembrou-se daquela noite, do quanto ela tinha se apaixonado por Duílio enquanto ele dançava com ela, e também de que tinha sido naquela noite que ela decidira que ele seria dela. Jamais suspeitara que ele e sua tia estavam tendo um caso. Pensava que era sua própria mãe que tinha um caso com ele. 

Yara exclamou:

-Meu Deus!!! Como isso pode ser possível? Como posso ter sido tão cega? Quase destruí minha família por causa dele.

-Que bom que vocês não se casaram! De qualquer forma, eu não teria deixado isso acontecer. Soube que vocês estavam juntos, mas achava que não daria em nada, como não deu. Mas por que terminaram?

-Porque... de repente, eu comecei a notar que havia algo errado com ele. Duílio era fascinante, mas a cegueira inicial da paixão já não conseguia mais disfarçar a minha intuição de que ele seria um desastre na minha vida. Você soube que ele se casou de novo, não soube? Com uma ricaça de São Paulo. De vez em quando ele ainda vem aqui por causa dos negócios de papai.

-E como está seu pai?

-Nada bem... minha mãe está com ele no hospital outra vez. 

-Sinto muito, querida... e... os outros? Como estão Berta e Sebastian? E Joanna?

-Berta e Sebastian continuam casados. Os gêmeos cresceram... você precisa vê-los, já são adolescentes. Joanna está morando na Espanha há alguns anos. Parece que conheceu um cara por lá, e não vai mais voltar. Tia Aurora virou uma mulher de negócios, e comanda tudo. Ela nunca mais se casou, depois que ficou viúva, mas dizem por aí que ela tem lá seus ‘affairs...’ nada sério, porém. Marcelo casou-se... 

-Eu sei. Conheci a esposa dele. Que criatura, hein?

Yara riu:

-Verdade! Ela morre de ciúmes dele. Os dois não tiveram filhos, ela não pode. Na verdade, eu não gosto muito dela, sabe... eu sempre a comparo com você.

-Ora, por que? Marcelo para mim é passado. Gustavo – meu marido – é maravilhoso. Dê uma chance à fadinha!

Ambas riram. 

-Estou louca para conhecer Gustavo! Ele deve ser maravilhoso, afinal, você gosta dele. Cristina.. . você está feliz?

-Sim, eu estou. Até fiz as pazes com meus pais. Não somos lá muito próximos, mas podemos ficar juntos sem brigar, se é que você me entende. Estou pensando em vir passar o natal com eles. Você acha que eu criaria uma situação desagradável na casa?

-Bem... acho que não... na verdade, não sei. Tem a Cândida. Mas eu adoraria passar o Natal com você, Cristina!  Que se dane ela. E tenho certeza que meu pai vai ficar muito feliz em vê-la. Aliás... por que não faz uma visita a ele?

Assim, ambas decidiram visitar Nelson naquela tarde. 

Ao chegarem ao hospital, Mirtes dormia pesadamente na cadeira ao lado da cama. Yara notou que seu pai estava ainda mais pálido do que no dia anterior. Ela sabia que não o teria mais dentro em breve, e aquele pensamento apertou seu coração como uma prensa. Sentou-se perto dele, acariciando-lhe a cabeça, e disse:

-Como você está hoje, pai?

-Hum... acho que morrer não dói tanto assim, afinal...

Yara engoliu em seco, mas não tentou fantasiar a situação como todos faziam, dizendo que ele ainda viveria muito. Ela o respeitava demais. 

-Tem uma pessoa aqui fora que gostaria muito de ver você. É a Cristina. Você quer vê-la?

-Oh, mas é claro! Sempre gostei muito dela. Como ela está?

-Veja por você mesmo!

Naquele momento, Cristina entrou no quarto, sorrindo. Ao ver Nelson tão doente, ela teve que fazer força para não chorar. 

Ela se aproximou da cama, e sentou-se ao lado dele, que num esforço, acariciou seu rosto.

-Você está ainda mais bonita, querida. Que bom ver você de novo! Soube que está feliz. Eu estou muito feliz por você. 

Naquele instante, Mirtes despertou, e ao ver Cristina, seu rosto se abriu em um sorriso:

-Oh, mas que alegria ver você, Cristina! Seus pais sabem que está aqui?

As duas trocaram cumprimentos.

Cristina notou que Mirtes envelhecera bastante, mas ainda continuava muito bonita. 

-Olá, Dona Mirtes, não, ainda não falei com eles.

-Então venha jantar conosco. Será nossa convidada de honra!

Cristina pensou na ironia daquela situação, pois há alguns anos, era tratada como a filha da empregada. Sorriu, e respondeu:

-Agradeço muito, mas meu marido vai telefonar para mim à noite, e preciso estar no hotel. 

Era uma mentirinha a fim de evitar uma situação pela qual ela não desejava passar.

-Que pensa... Berta e Sebastian estarão lá com os gêmeos. E Yara vai trazer o João. 

-Bem, fica para uma outra vez. Virei com meu marido!

-Sim, claro! Adoraríamos conhece-lo. Soube que ele também é advogado. 

-Sim, é verdade. Com certeza, ele e Sr. Nelson terão muito a conversar.

Ela olhou para a cama, mas Nelson tinha adormecido. Mirtes aproximou-se, sussurrando:

-Ultimamente tem sido assim... ele passa horas dormindo. Acho que... acho que nós vamos perde-lo dentro em breve.

Ela derramou algumas lágrimas, e Yara a abraçou. Cristina, comovida com a situação, também sentiu seus olhos encherem-se de lágrimas. 

Naquela noite, Cristina voltou para o hotel, aceitando o convite de Yara para o almoço do dia seguinte, que seria um sábado. Também aproveitou para telefonar aos pais, e após conversarem, eles foram vê-la no hotel antes do jantar. 

Yara foi para casa com Mirtes, já que Berta e sua família estariam presentes. Após o jantar, Yara disse que passaria a noite no hospital com o pai, já que Mirtes precisava descansar. O jantar foi alegre e muito jovial. João, ao ver a mãe, abraçou-a e choramingou, perguntando quando ela voltaria para casa. Yara prometeu que as férias de natal se aproximavam e que em breve eles passariam mais tempo juntos.

Mirtes ainda conseguiu ficar um tempo acordada a fim de desfrutar da companhia dos netos, mas às oito e trinta, despediu-se e foi deitar-se. João passaria a noite na casa de Berta, que despediu-se às nove. 
Yara não suspeitava que em breve, acontecimentos inesperados mudariam o rumo daquela família para sempre. 

(CONTINUA...)




3 comentários:

  1. Ana,
    Esse texto me fez recordar da narrativa de Alice Moreira em: "Donas de Casa Desesperadas"... Lógico, que guardando as devidas diferenças no enredo.
    Eu sempre gosto de ler suas postagens e esperar a continuidade da obra.
    Beijos!
    E bom fim de semana!!!

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  2. A truly engrossing new instalment...your writing just gets better and better!
    Thank you so much!!😊😊

    I hope you are having a wonderful day!

    Big Hugs xxx

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