quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

MADRE - Capítulo 2






MADRE - Capítulo 2 

Fui despertada  bem cedo em uma manhã de sábado pelas vozes dos meus pais na sala do apartamento. Minha mãe dizia:
- Eu vi um homem estranho... rondava o prédio... estava tomando notas em um bloco de papel...
Meu pai respondia:
-Não, não pode ser... estamos a quilômetros de distância!
E o diálogo continuava, em vozes sussurradas:
- Precisamos ir embora agora! Ela nos encontrou!
-Mas... a festa... Aisha...
-Esqueça a festa. Vou fazer as malas. Não podemos correr nenhum risco.
-Mas Fernanda, estamos tão bem aqui!
- Não podemos ficar mais, Jairo Seremos encontrados. Não podemos esperar!
-Mas... meu emprego, tudo está indo tão bem, e... o que diremos a Aisha??? Não podemos esperar a festa? É Daqui a três dias.
-Não! Você não entende? Precisamos ir agora mesmo!

E o meu mundo que já estava quase perfeito, construído ao longo daqueles cinco anos, ruiu em menos de um minuto quando meu pai bateu à porta do meu quarto para me explicar que precisaríamos nos mudar novamente. Porém, àquela altura da vida, eu já tinha amadurecido o bastante para exigir uma explicação. Não obedeceria sem saber o que estava acontecendo, e o motivo pelo qual estávamos fugindo há tantos anos. Quem nos perseguia? Por que? Eu queria respostas, e estava disposta a lutar por elas. 

Aos trancos e barrancos, sendo praticamente arrastada para fora do apartamento por meus pais, entrei no carro sem poder sequer despedir-me de meus amigos. Nem cancelamos a festa, que já estava totalmente paga e pronta para acontecer. Todos os convites já tinham sido distribuídos, e pensei na cara dos meus amigos quando chegassem para uma festa de quinze anos na qual a debutante e seus pais estariam ausentes. Pensei na casa maravilhosa que meus pais tinham comprado, e que eu já visitara, e que estava sendo decorada naquele momento para que pudéssemos nos mudar. 

Eu odiava meus pais. Sentada no banco de trás do carro, eu tentava conter as lágrimas que caiam aos borbotões. Pensava em meus amigos, na escola, nos professores, e a cada pensamento e lembrança, eu afundava um pouco mais. Nunca mais estaria com eles. Nunca mais abraçaria minhas amigas ou iria às festinhas que elas organizavam. 

Minhas lágrimas embaçavam a paisagem lá fora, que já estava cinzenta e prenunciava uma tempestade para breve. Meus pais permaneciam calados. O silêncio que reinava no carro era quase insuportável, e a atmosfera estava tão pesada, que meus ombros doíam. 

Quando eu perguntava o porquê de estarmos fugindo novamente, minha mãe dizia que assim que encontrássemos um novo lugar (estávamos dirigindo para longe sem destino, apenas para o mais longe possível de onde estávamos, deixando para trás todas as nossas coisas), eles me contariam tudo. Lembrei-me de repente do meu vestido verde que ficara para trás, pendurado no cabide do quarto de Tina para que fosse passado. Doía ainda mais o meu coração saber que Tina nem tinha sido avisada que tínhamos partido, pois ela estava passando alguns dias no sítio de uma amiga, e lá não tinha wi-fi ou sinal de celular. Meu pai disse que entraria em contato com ela mais tarde. Ela não teria sequer onde morar quando voltasse! Eu não podia entender ou aceitar o que meus pais estavam fazendo. O que seria de Tina? O que seria dela, eu repetia incessantemente. Minha mãe prometia que mandaria passagens para que ela nos seguisse quando encontrássemos um lugar para ficar, e que eu não me preocupasse com ela, pois ela tinha uma conta reserva em um banco para situações como aquela. 

Mas que situação era aquela, afinal? Por que eles não me contavam logo? Minha mãe respondia: “Porque é uma história muito longa e deve ser bem contada. Deveríamos nos sentar e falar sobre tudo com calma, e não estressados como estávamos.”

No final da tarde, a chuva desabou. Estávamos em algum lugar entre Curitiba e Santa Catarina. Eu nem me interessei em saber direito onde estávamos. Chorara o dia inteiro. Sentia-me cansada, totalmente esgotada e fraca. Me recusara a comer qualquer coisa quando paramos em um restaurantezinho à beira da estrada. 

Apenas bebi uma garrafa de água mineral. Eu só queria morrer, sumir, e queria que meus pais fossem para o inferno por estarem fazendo aquilo comigo, mas eles só repetiam que em breve eu entenderia tudo. 
Finalmente paramos em um motel de quinta, na beira da estrada, para passar a noite, por total falta de opção. O lugar era sombrio e um tanto sujo, e fiquei com nojo de tocar no balcão da recepção, mas meus pais me asseguraram de que logo tudo mudaria, e quem sabe, poderíamos voltar à Curitiba. Aquela possibilidade me encheu de esperança, e comi o sanduíche que meu pai tinha comprado para mim no McDonald’s, há alguns quilômetros atrás. 

Lá fora, a chuva desabava e não parecia disposta a ceder. Adormeci sem perceber, o travesseiro molhado de lágrimas, sabendo que em apenas dois dias, meus amigos estarrecidos estariam em minha festa de debutante sem mim. Naquela noite, sonhei com um rosto. Uma mulher estranha, muito bonita, que me olhava de longe e parecia muito ansiosa. De repente, percebi que aquela mulher estranha estivera em vários de meus sonhos desde a infância, e que aquele rosto que tantas vezes eu tinha ignorado por achar desimportante, estivera presente em minha vida pouco antes de todas as vezes em que fugíamos. 

(continua...)







6 comentários:

  1. Gostei muito da leitura! Por vezes encontramos pessoas que fizeram parte dos nossos sonhos...Amei!
    -
    Cansada de estar cansada...
    Beijo e uma excelente tarde!

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  2. Oh this just gets better and better...I am so enjoying your story!:))

    Have an amazing weekend!

    Hugs xxx

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  3. Ana,
    Que enredo envolvente.
    Vou acompanhar.
    Bjins de 5a feira,
    CatiahoAlc./Reflexod'Alma
    entre sonhos e delírios

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  4. Olá Ana,
    Tinha iniciado a leitura por este capítulo e fiquei presa à história, ao formato e a escrita.
    Não conhecia este seu Blogue que é fabuloso.
    Vou tentar seguir, porque a história apaixona.
    Beijinhos e bom fim de semana.
    Ailime

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  5. ¡Hola, Ana!

    Una maravilla de relato, dentro de la intriga que la hace más interesante, intuyo es, o me parece...Una interesante historia autobiográfica; aunque esto se sabrá más adelante.
    Me ha encantado el argumento y tal como la narras.
    felicidades y adelante porque tiene muy buena pinta.

    Un pacer pasar a leerte, gracias por tu buen hacer.
    Te dejo un besito y mi estima.

    Se muy, muy feliz.

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