terça-feira, 22 de dezembro de 2020

NINGUÉM VOLTA TOTALMENTE - CONTO CURTO

 

 


 

Dizem que ninguém volta com todas as partes que tinha quando se foi. E também que quem volta, traz consigo outras partes agregadas pelo caminho. Assim pensava Suzanna enquanto olhava a paisagem que passava rapidamente pela janela do trem. Ela imaginava o que teria mudado durante todos aqueles anos durante os quais vivera fora de sua cidadezinha natal, depois da morte dos pais. Pensava se a casa fechada teria resistido ao abandono – casa é igual a gente, também morre de tristeza e solidão.


Seu tio Raul prometera tomar conta de tudo para ela enquanto ela estudava na cidade grande para tornar-se advogada. Mas mesmo com todos os cuidados, a casa era antiga: resistira?


Finalmente, depois de pegar a chave com o tio, Suzanna parou em frente à porta da casa. Tinha quase certeza de que ela estava feliz em revê-la. Quanto a Suzanna, tinha medo do que aconteceria quando a casa descobrisse que estava ali para despedir-se: iria vende-la. Naquela tarde, ela sentou-se no alpendre, xícara de café na mão, olhando a chuva cair e lembrando de muitas outras tardes como aquela, quando ela sentia que cabia perfeitamente naquela casa.


Aos poucos, sentia que a casa também se despedia dela; afinal, tornara-se uma estranha. Já não via magia naqueles cômodos, só saudades e tristeza. As partes que trouxera não cabiam entre aquelas paredes, e as partes que deixara para trás tinham se perdido para sempre.


Suzanna levantou-se do alpendre e preparou-se para sua última noite naquela casa e naquela cidade. Lá fora ainda chovia. Em alguma parte dentro dela, choveria sempre. Na parede do quarto, em uma fotografia amarelada, alguém zelava pelo seu sono.





7 comentários:

  1. Lindo conto, meus parabéns.

    Arthur Claro
    http://www.arthur-claro.blogspot.com

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  2. Como sempre adorei ler. Obrigada
    Que todos tenhamos a noção de que o perigo nos prossegue e espreita em cada esquina. Feliz Natal

    .
    É OUTRA VEZ NATAL...
    .
    Beijos festivos

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  3. 💝Que nesta quadra natalícia.
    Somente espalhe sementes de luz e de amor.
    Um abraço apertadinho, Ana.💝
    🎀Megy Maia🎀

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  4. Bom dia, Ana.
    As suas narrativas são sempre muito belas e reflexivas.
    A meu ver, os espíritos se desencarnam e podem voltar, porém, mais depurados, num constante ciclo de renovação no afã das vinhas somente do bem, paras as quais fomos criados.
    Meu carinho e meus aplausos.

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  5. Oi Ana gosto de ler o que você escreve, sempre envolvente, fiquei com saudades da casa de Suzana e pensando o quanto é difícil para alguns romperem com sua historia, para outros é muito fácil, e é assim a vida.
    Feliz 2021,beijos.

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  6. Such a beautiful short story, that I totally identified with. I have always felt that our houses have characters, thoughts and emotions too.
    Oh I so enjoyed reading this, Ana...thank you so much!😊😊
    Thank you, also, for the lovely comment you left in my newest post...it really touched my heart!💖

    Have a super day...and stay safe, dear friend!

    Hugs xxx

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  7. Olá Ana!
    Para uns e tão fácil partir!
    Para outros nada tem significado!
    Cabe a cada coração decidir!
    Beijinhos!
    Megy Maia🌹💗🌹

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