segunda-feira, 26 de julho de 2021

AS ESTRELAS QUE CONTEI - CAPÍTULO 8


 Capítulo 8


Quando batemos à porta da casa de tia Samira, cerca de quinze dias depois do nosso encontro, era uma fria tarde de junho, e estávamos todos um tanto sem graça: mamãe, Sara e eu aguardamos à porta, torcendo as mãos, até que a porta se abriu e revelou a imagem tão querida do nosso tio Helvécio, os cabelos quase total e precocemente brancos. Ao nos ver, ele abriu os braços para nós, e nos aconchegamos entre eles em um abraço que durou algum tempo. Eu sentira tantas saudades dele!

Finalmente, ele nos levou para dentro da casa, onde Tia Samira aguardava, recostada em uma poltrona, as pernas cobertas com uma manta e o rosto ainda mais magro do que quando eu a vira pela última vez. Ela tentou se levantar, mas Tio Helvécio fez com que permanecesse sentada. Sara e eu nos sentamos no sofá após beijarmos e abraçarmos nossa tia, e mamãe permaneceu de pé no meio da sala, olhando para ela.

As duas ainda se olharam durante um longo tempo. Minha mãe tinha lágrimas nos olhos. Tia Samira também. Vagarosamente, mamãe caminhou até ela, segurando brevemente a mão que minha tia estendera em sua direção. As duas explodiram em lágrimas amargas, mas não se abraçaram. Tio Helvécio sentou-se entre mim e Sara, passando os braços sobre nossos ombros. Achamos melhor deixá-las sozinhas, e fomos para a cozinha, enquanto ele nos preparou pessoalmente xícaras de chocolate quente e marshmellows, e nos contou que Décio, Gabriela e Joana estavam morando em outra cidade com uma irmã sua enquanto terminavam o segundo grau e estudavam inglês, mas que voltariam nas férias de julho para ver a mãe. Ele os transferiu, mesmo contra a vontade deles, para que tia Samira não precisasse se preocupar com nada, e eles pudessem se concentrar nos estudos.

Tomamos nossos chocolates em silêncio. Estar naquela casa me trazia tantas lembranças de uma época que fora tão boa em minha vida... senti muitas saudades de meus primos, das nossas bagunças, de tia Samira ralhando conosco por causa do barulho, enquanto ela e mamãe preparavam o lanche da tarde. 

Mais ou menos uma hora depois, nos despedimos de nossos tios. No carro, permanecemos calados durante quase todo o trajeto, comentando apenas amenidades. 

Mas ao chegarmos em casa, mamãe nos chamou para o seu quarto, fechando a porta. Eu e Sara nos sentamos na cama, e ela, em uma poltrona em frente a nós. Aguardamos, enquanto ela parecia tomar coragem para nos dizer o que tinha para dizer. Finalmente, uma voz fina e contida, que não parecia pertencer à nossa mãe, começou a falar:

-Vocês sabem o quanto sua tia está doente, não sabem?

Nos entreolhamos, Sara e eu, concordando com a cabeça. Mamãe continuou:

-Ela não tem mais muito tempo. Mas me disse algumas coisas que eu quero que vocês saibam, para que a lembrança do pai de vocês (a voz dela embargou) não fique maculada. Ela e seu pai nunca tiveram nada. Ela me disse que tentou, mas que ele nunca cedeu, porque nos amava muito, e nunca amou a ela como ela queria. Isso é tudo o que vocês precisam saber.

Me adiantei:

-Você a perdoou?

Mamãe fechou os olhos, respirando profundamente. Ao abri-los, ela negou com a cabeça.

-Talvez um dia eu consiga. Mas agora eu não posso. Mas não desejo o mal dela. E disse a ela que a tinha perdoado.

Compreendi a generosidade daquele gesto. Sara perguntou:

-Você ainda ama a tia Samira?

Minha mãe encolheu os ombros:

-Ela sempre será minha irmã... quero que aprendam isso: a família é importante, e mesmo que as pessoas façam coisas imperdoáveis, devemos amá-las. Mesmo se não pudermos perdoá-las ainda.

(CONTINUA...) 




Um comentário:

  1. Muito bem. Todos nós temos direito ao perdão. Uma coisa é a mágoa, outra é o amor... Gostei de ler!
    --
    Feliz dia dos Avós...
    -
    Beijo e uma excelente semana.

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