quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

SOB CONTROLE




 Joanna chegou àquela festa à qual preferiria não ter ido - mas como vocês já devem saber, muitas vezes sacrifícios são necessários para que se mantenha a paz... sua mãe havia implorado para que ela fosse; afinal, não aguentava mais dar desculpas pela sua ausência nas reuniões de família. 

Assim que Joanna pôs os pés na porta, viu a prima Margareth, filha do aniversariante, vir quase correndo em sua direção:

-Demorou por que? 

- Oi, Margareth, tudo bem? Boa noite pra você também.

Desvencilhando-se da prima, Joanna tentou levar seu presente ao aniversariante, seu tio Lúcio, que dava gargalhadas em um grupo de amigos de risos amarelos após ele mesmo ter contado (quem sabe, pela milésima vez) uma de suas piadas sem graça. Ao vê-la, o tio pegou o presente, e sem abri-lo, jogou-o dentro de uma caixa de papelão junto com outros presentes e aceitou os cumprimentos de feliz aniversário, lascando mais uma gracinha:

- Olá, querida sobrinha! Grato pela sua nobre presença desta vez, já que nas últimas duas festas você não compareceu. Mas e o cara metade? Não veio?

Joanna deu uma risadinha, sentindo todos os olhos presos nela:

- Ele está em uma viagem de negócios, tio. 

Lúcio riu, e procurando a aprovação dos demais com os olhos, umedeceu os lábios antes de soltar mais um comentário profano:

- Viagem de negócios, hein... sei... e essa viagem deve ser alta, loira, com peitões...

Joanna franziu as sobrancelhas e não respondeu, pedindo licença e se afastando, sentindo os olhos alheios pregados em suas costas e escutando a gargalhada insana do tio. Tia Helga passou com uma bandeja de copos de uísque barato, e Joanna, agarrando um deles, entornou o líquido garganta abaixo sem pensar. Ao sentir o peito e a garganta queimarem, ela fez uma careta.

Resolveu sentar-se em uma poltrona afastada do grupo, enquanto observava a festa. Mas sua paz durou bem pouco, pois logo viu sua avó caminhando em direção a ela:

-Não fala mais com os pobres, menina?

-Ah, oi, vó, desculpe, não vi a senhora.

-Então precisa colocar óculos o quanto antes. E como vão as coisas?

Logo, duas outras tias idosas juntaram-se a elas. A mais velha, ao sorrir, deixou aparecer o batom vermelho na ponta do dente. Joanna tentou soar simpática:

-Está tudo indo bem, vó. E a senhora, tudo bem?

-Melhor se eu pudesse morrer conhecendo meu bisneto antes. Já engravidou? Ainda não? Qual o seu problema?

A tia do batom no dente emendou:

-A função do casamento é ter filhos. Mulher que não tem filhos não é natural. E você já passou dos trinta, pelo que eu sei.

A outra tia acrescentou, arregalando os olhos:

-Você sabe... o relógio biológico...

A avó concordou com a cabeça, enquanto Joanna olhou o seu relógio de pulso - não o biológico:

-Sabe, está ficando tarde. Preciso ir. Amanhã tenho que acordar cedo.

A avó respondeu:

-Mas amanhã é sábado! Fica mais um pouco.

-Mas eu tenho uma reunião logo cedo, e...

A avó interrompeu-a:

-Já disse, você vai ficar até partir o bolo, é falta de educação sair da festa antes do bolo.

O rosto de Joanna esquentou, e ela respirou mais profundamente, se perguntando o que ela estava fazendo ali. De repente, uma das tias começou a falar com detalhes da sua cirurgia de apêndice, dos sintomas, sobre como ela descobriu o problema, o que o médico tinha dito. A tia do batom emendou a conversa falando sobre seu colesterol, e a avó abriu a bolsinha para mostrar os remédios controlados que tomava.

 Ao olhar para o outro lado da sala, Joanna deparou com Cláudia, sua irmã mais velha, olhando para elas com ar divertido. Joanna arregalou os olhos, pedindo para ser resgatada, mas Cláudia soltou uma gargalhada e sumiu no corredor em direção à cozinha. As duas nunca tinham sido grandes amigas, e Cláudia sustentava uma certa inveja da irmã mais nova.

Uma hora mais tarde, com uma dor fininha no meio dos olhos e bocejando sem parar, ela finalmente conseguiu uma brecha para interromper a conversa, ao ver sua própria mãe adentrar a sala trazendo o bolo de aniversário. Disparou:

-Olhem, é o bolo. Já vão cantar parabéns.

E dizendo aquilo, levantou-se correndo, seguida pelas três "gentis" senhoras. Uma delas falou às suas costas: 

-Mas Joanna, você não me explicou ainda: não tem filhos porque não quer ou porque é seca mesmo?

Joanna mal acreditava no que tinha acabado de escutar. Virou-se tão bruscamente, que acabou esbarrando na mãe, fazendo com que o bolo se esparramasse no chão. Ela instintivamente cobriu os lábios com as mãos, enquanto a tia berrava:

-Mas que desastrada! 

O tio bradou:

-Paguei uma nota preta nesse bolo para isso! Como você conseguiu estragar tudo, menina?

Enquanto a mãe tentava recolher o que tinha sobrado do bolo, ajudada pela esposa de seu tio aniversariante, a irmã gargalhava. A avó desferiu um doloroso beliscão em seu braço:

-Mas que porcaria, Joanna! Isso é coisa de hormônios! Teus hormônios não estão sendo utilizados como devem, e dá nisso! Destempero!

Naquele momento, Joanna explodiu; sentiu a sala tornar-se cada vez mais abafada, como se as paredes se curvassem sobre ela. Viu a raiva e o escárnio no rosto de cada um dos parentes e conhecidos - alguns riam, outros cochichavam, outros xingavam. De repente, Joanna não era mais ela mesma. Ou então, quem sabe, finalmente ela se tornara ela mesma?

-Vão todos vocês para o inferno - ela gritou.

Houve um silêncio geral, interrompido apenas por alguns 'ohs' escandalizados. Aquilo apenas incentivou-a:

-Quero que vocês todos vão para os quintos dos infernos! Comam esse bolo do chão como porcos que são! Lambam o piso, e depois sirvam-se de bebida no vaso sanitário! Eu odeio vocês! Desde sempre, tenho sido abusada e criticada por todos vocês, que só são gentis comigo quando precisam de alguma coisa! Mas agora acabou a assistência jurídica gratuita, por parte de meu marido, e as consultas médicas gratuitas da minha parte! Vão todos para os quintos dos infernos! Eu não aguento maaaaais!!!

Lentamente, Joanna acordou do seu próprio delírio, enquanto sua mãe, que tinha conseguido salvar uma parte do bolo, espetava nele algumas velinhas. O "Parabéns a você" começou a ser cantado, seguido pelo tradicional "É pique!", e depois pelo irritante "Com quem será."




8 comentários:

  1. Nossa que convite mais terrível para a Joana neste covil de antas. Ninguém merece estragar um fim de semana deste jeito. A personagem acordou e deu a todos, o que eles mereciam pela falta de respeito. E saber, que isto acontece na realidade.
    Gostei.
    Abraços Ana.

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  2. Por vezes não há como não perder o controle. Excelente conto.
    Beijinhos

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  3. Boa tarde de quarta-feira e obrigado pela visita.
    Ana, tenho grandes amigos em Guapimirim. Vale do Amor nunca ouvi falar.
    Luiz Gomes

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  4. Histórias nem sempre com final feliz. É vida...
    Abraço amigo.
    Juvenal Nunes

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  5. Muito bem escrito e por isso tão bem apreciado,
    por nós, seus leitores. Palmas e parabéns pra você.
    Beijos e beijos, muitos.

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  6. Estou encantada com esta história tão bem escrita e que prende a nossa atenção do início ao fim, além de ter me feito rir. Amei muito. Parabéns!
    Beijo, beijo!
    She

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  7. Ás vezes apetece - nos mandar tudo ao ar!
    Fixou o meu olhar do principio ao final do texto!
    Parecia estar lá na festa!
    Um beijinho!
    Gratidão!
    Megy Maia😘💙💐

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