Parte 9 -
DESCOBERTAS
-Então Viviane não é minha mãe? E Lázaro não é
meu pai, certo?
Por um segundo, a outra a olhou como se ela
fosse uma pessoa totalmente obtusa, mas respondeu pacientemente:
- Não. Seus pais verdadeiros não existem mais.
Eles a tiraram deles e a puseram aos cuidados daquele casal que a criou;
depois, eles a trouxeram aqui para satisfazer seu propósito.
-Mas eles sequer desejam viver essa vida tão
longa. Lázaro me confessou que...
Hélida a interrompeu:
-Ele apenas disse aquilo porque faria com que
você continuasse calma e permanecesse aqui.
Eduína levantou-se da mesa, começando a andar
de um lado ao outro pela cozinha, balbuciando coisas inaudíveis e balançando
negativamente a cabeça. Hélida a observava, um brilho maligno escapando-lhe dos
olhos. Finalmente, Eduína pareceu conversar consigo mesma, às vezes olhando a
outra de soslaio:
-Quer saber? Essa história toda está muito
ridícula. Não acredito em merda nenhuma disso que vocês estão tentando me fazer
engolir. Essa coisa toda não existe, não tem ninguém morrendo e voltando, você
não é bruxa nenhuma, todos se reuniram por algum propósito que eu desconheço e
inventaram essa história toda por algum motivo que eu também desconheço. Querem
me enlouquecer, quem sabe. Mas a troco de quê?
(Neste momento, ela pareceu falar consigo
mesma): ”O que ganhariam com isso? Seria algum teste psicológico, quem sabe?
Devo ser parte de alguma experiência, ou então... quem sabe, é uma vingança de
Cláudio, meu ex-namorado? Não, ele não teria inteligência para bolar algo
assim, e nem mesmo condições financeiras para conseguir um cenário caro como
esse.”
Depois, olhando diretamente para Hélida, Ela
explodiu:
-Mas não pense que vocês vão me pegar.
Dizendo aquilo, ela saiu, batendo a porta e
andando pela rua sob a luz de uma lua azul enorme. Quando finalmente chegou em
casa, já passava da meia-noite. Lázaro, Beatriz, Guiomar e Felício a aguardavam
em silêncio, sentados nos sofás e poltronas da casa. Ela parou no alpendre,
sendo observada por eles, um pouco surpreendida pela presença de Felício, que a
olhava muito sério. Ela não os cumprimentou, subindo as escadas para seu quarto.
Eles se entreolharam, e Eduína ainda conseguiu
ouvi-los sussurrando algo pelas suas costas.
No quarto, ela percebeu que Felix a tinha
seguido de volta até a casa, e sentado no tapete, seu olhar inquieto a observava.
Eduína pegou sua mala em cima do armário e começou a colocar suas roupas –
apenas as que trouxera com ela – dentro da mala. Felix atravessou o quarto,
parecendo nervoso, sentando-se dentro da mala. Parecia tentar impedi-la. Eduína
o olhou com raiva:
-E que porcaria de animal é você, seu gato
idiota? Um espião daquela bruxa?
O pobre gato arrepiou-se todo, saindo de dentro
da mala e indo sentar-se na cadeira do outro lado do quarto, o mais longe dela
possível.
Mas de repente, ela sentou-se na cama, pensando
melhor. Ergueu-se e começou a guardar as poucas coisas que havia retirado do
armário. Ela precisava descobrir quem estava mentindo! Precisava também saber o
porquê daquilo tudo. Era uma história fantástica demais. A sua história. Sua
cabeça ainda estava cheia de perguntas. Olhou para o gato; de certa forma, ele
a “ajudara” a acreditar nas histórias a ela contadas por aquela estranha
família, pois mostrara a ela onde ficavam os álbuns de fotografias.
A não ser que...
Eduína levantou-se da cama com um pulo,
agarrando o álbum que estava sobre a cômoda. De repente, pensou, Félix estava
tentando mostrar-lhe alguma outra coisa.
Abriu o álbum sobre a cama, ajoelhando-se no
chão. Olhou cuidadosamente para as fotos mais uma vez. Retirou uma delas do
álbum, olhando o verso. Estava em branco. Começou a fazer o mesmo com as demais
fotografias, até que em uma delas, encontrou um anel colado no verso. Ela olhou
para ele, retirando-o da fotografia cuidadosamente e colocando-o sobre a cama.
Os olhos de Félix brilharam ao ver o anel, e
ele saltou da cama, e saiu às pressas pela porta.
Eduína reparou que tratava-se de uma joia
antiga e delicada, na qual brilhava uma pequena pedra negra ladeada por outras
pedras azuis escuras. Ela nada entendia sobre jóias, mas sua intuição lhe dizia
que aquele era um anel muito especial. Seus olhos não conseguiam desviar-se da
pedra – era quase hipnotizante. Eduína tentou colocá-lo em seu dedo, mas não
conseguiu, apesar de aparentemente ele ser do seu tamanho. Ela tentou mais uma
vez, em todos os seus dedos, e entendeu que o anel só serviria em sua verdadeira
proprietária. Veio-lhe imediatamente a resposta: aquele anel pertencia à
Hélida, e estava ali escondido há séculos. Era um anel mágico.
Talvez aquela joia fosse muito importante para
a bruxa. Ela sentiu uma presença atrás de si, no mesmo momento em que uma voz
sussurrou em seu ouvido: “Guarde esta joia, não deixe que eles a vejam. E não
conte a ninguém sobre meu despertar. Quando todos estiverem dormindo, venha até
a minha casa e traga-me o anel.”
Eduína tinha um coração frio em relação a todos
os humanos que conhecera, embora aquela frieza não se estendesse aos animais e
plantas. Lembrou-se do que a bruxa lhe dissera: ela tinha sido medicada para
desenvolver sociopatia. Ela perguntou a si mesma como seria poder sentir.
Afastou aquela ideia, e achou melhor descer para a sala e fingir que tudo
estava normal. Mas quando chegou lá, todos já tinham ido embora –
provavelmente, estariam dormindo. Foi até a cozinha e preparou para si mesma
uma xícara de café, que tomou com o bolo de chocolate surreal que Beatriz havia
preparado. Uma hora mais tarde, ela verificou se estava realmente sozinha, e
apagando todas as luzes da casa, voltou à casa de Hélida levando consigo o
anel.
Enquanto caminhava até lá, a lua cheia
brilhante parecia acompanhá-la. Olhou para a casa de Lázaro, onde todas as
luzes estavam apagadas.
Empurrou a porta entreaberta, que rangeu
tristemente, e encontrou Hélida sentada no sofá. Ela agora vestia um vestido de
veludo negro, justo no corpo, que se abria em uma saia godê e o mesmo par de
botas. Parecia um daqueles modelos de 1940 que ela via nos filmes que assistia
com sua mãe adotiva.
Sem nada dizer, ela estendeu a mão e deixou o
anel cair sobre a palma da mão de Hélida, que agradeceu com um leve aceno de
cabeça. Imediatamente, ela colocou-o no dedo anelar esquerdo, e um brilho
intenso saiu das pedras. Eduína sentiu o quão poderosa a jóia poderia ser, pois
Hélida tornou-se ainda mais bonita ao usá-la. Hélida olhava para o anel, os
olhos marejados:
- Esperei por tantos anos para poder reaver
esta jóia!
Félix aproximou-se dela, ronronando e
sentando-se ao seu lado no sofá. Eduína sentou-se na poltrona em frente a ela
sem nada dizer, fascinada pela imagem da mulher diante dela. Por um instante,
sentiu inveja da bruxa; gostaria de ter todo aquele poder. Na mesma hora,
Hélida olhou-a bem dentro dos olhos:
-Nem pense em uma coisa dessas. Você sequer
imagina o que significa ser alguém como eu. Além disso, você não tem o dom.
Eduína engoliu em seco, pensando que teria que
tomar mais cuidado com seus pensamentos quando estivesse perto de Hélida.
A bruxa olhava o anel, como se quisesse
absorvê-lo. Colocou sua mão direita por cima da esquerda, murmurando algo em
uma língua desconhecida. Élida não se atrevia a abrir a boca. Percebeu que
aquele era um momento emocionante para a mulher – sim, a bruxa tinha
sentimentos, e mais uma vez, Élida não conseguiu deixar de invejá-la. Ela
apenas a olhava, fascinada, enquanto lágrimas desciam pela face da bruxa.
Eduína lembrou-se que jamais tinha chorado - nem mesmo quando pensou ter
sepultado seus pais adotivos. Lembrou-se de fazer amor com Cláudio, e que nada
sentira por ele além da sensação física de prazer.
Estava tão entretida em suas próprias
lembranças e questionamentos, que quando percebeu, Hélida tinha terminado seu
pequeno ritual e a fitava novamente. Ela disse:
-Sinto que você tem muitas perguntas. Pode
começar.
(continua)