quinta-feira, 1 de agosto de 2024

A RUA DOS AUSENTES - PARTE 9

 


Parte VII -  DESCOBERTAS

 

-Então Viviane não é minha mãe? E Lázaro não é meu pai, certo?

Por um segundo, a outra a olhou como se ela fosse uma pessoa totalmente obtusa, mas respondeu pacientemente:

- Não. Seus pais verdadeiros não existem mais. Eles a tiraram deles e a puseram aos cuidados daquele casal que a criou; depois, eles a trouxeram aqui para satisfazer seu propósito.

-Mas eles sequer desejam viver essa vida tão longa. Lázaro me confessou que...

Hélida a interrompeu:

-Ele apenas disse aquilo porque faria com que você continuasse calma e permanecesse aqui.

Eduína levantou-se da mesa, começando a andar de um lado ao outro pela cozinha, balbuciando coisas inaudíveis e balançando negativamente a cabeça. Hélida a observava, um brilho maligno escapando-lhe dos olhos. Finalmente, Eduína pareceu conversar consigo mesma, às vezes olhando a outra de soslaio:

-Quer saber? Essa história toda está muito ridícula. Não acredito em merda nenhuma disso que vocês estão tentando me fazer engolir. Essa coisa toda não existe, não tem ninguém morrendo e voltando, você não é bruxa nenhuma, todos se reuniram por algum propósito que eu desconheço e inventaram essa história toda por algum motivo que eu também desconheço. Querem me enlouquecer, quem sabe. Mas a troco de quê?

(Neste momento, ela pareceu falar consigo mesma): ”O que ganhariam com isso? Seria algum teste psicológico, quem sabe? Devo ser parte de alguma experiência, ou então... quem sabe, é uma vingança de Cláudio, meu ex-namorado? Não, ele não teria inteligência para bolar algo assim, e nem mesmo condições financeiras para conseguir um cenário caro como esse.”

Depois, olhando diretamente para Hélida, Ela explodiu:

-Mas não pense que vocês vão me pegar.

Dizendo aquilo, ela saiu, batendo a porta e andando pela rua sob a luz de uma lua azul enorme. Quando finalmente chegou em casa, já passava da meia-noite. Lázaro, Beatriz, Guiomar e Felício a aguardavam em silêncio, sentados nos sofás e poltronas da casa. Ela parou no alpendre, sendo observada por eles, um pouco surpreendida pela presença de Felício, que a olhava muito sério. Ela não os cumprimentou, subindo as escadas para seu quarto.

Eles se entreolharam, e Eduína ainda conseguiu ouvi-los sussurrando algo pelas suas costas.

No quarto, ela percebeu que Felix a tinha seguido de volta até a casa, e sentado no tapete, seu olhar inquieto a observava. Eduína pegou sua mala em cima do armário e começou a colocar suas roupas – apenas as que trouxera com ela – dentro da mala. Felix atravessou o quarto, parecendo nervoso, sentando-se dentro da mala. Parecia tentar impedi-la. Eduína o olhou com raiva:

-E que porcaria de animal é você, seu gato idiota? Um espião daquela bruxa?

O pobre gato arrepiou-se todo, saindo de dentro da mala e indo sentar-se na cadeira do outro lado do quarto, o mais longe dela possível.

Mas de repente, ela sentou-se na cama, pensando melhor. Ergueu-se e começou a guardar as poucas coisas que havia retirado do armário. Ela precisava descobrir quem estava mentindo! Precisava também saber o porquê daquilo tudo. Era uma história fantástica demais. A sua história. Sua cabeça ainda estava cheia de perguntas. Olhou para o gato; de certa forma, ele a “ajudara” a acreditar nas histórias a ela contadas por aquela estranha família, pois mostrara a ela onde ficavam os álbuns de fotografias.

A não ser que...

Eduína levantou-se da cama com um pulo, agarrando o álbum que estava sobre a cômoda. De repente, pensou, Félix estava tentando mostrar-lhe alguma outra coisa.

Abriu o álbum sobre a cama, ajoelhando-se no chão. Olhou cuidadosamente para as fotos mais uma vez. Retirou uma delas do álbum, olhando o verso. Estava em branco. Começou a fazer o mesmo com as demais fotografias, até que em uma delas, encontrou um anel colado no verso. Ela olhou para ele, retirando-o da fotografia cuidadosamente e colocando-o sobre a cama.

Os olhos de Félix brilharam ao ver o anel, e ele saltou da cama, e saiu às pressas pela porta.

Eduína reparou que tratava-se de uma joia antiga e delicada, na qual brilhava uma pequena pedra negra ladeada por outras pedras azuis escuras. Ela nada entendia sobre jóias, mas sua intuição lhe dizia que aquele era um anel muito especial. Seus olhos não conseguiam desviar-se da pedra – era quase hipnotizante. Eduína tentou colocá-lo em seu dedo, mas não conseguiu, apesar de aparentemente ele ser do seu tamanho. Ela tentou mais uma vez, em todos os seus dedos, e entendeu que o anel só serviria em sua verdadeira proprietária. Veio-lhe imediatamente a resposta: aquele anel pertencia à Hélida, e estava ali escondido há séculos. Era um anel mágico.

Talvez aquela joia fosse muito importante para a bruxa. Ela sentiu uma presença atrás de si, no mesmo momento em que uma voz sussurrou em seu ouvido: “Guarde esta joia, não deixe que eles a vejam. E não conte a ninguém sobre meu despertar. Quando todos estiverem dormindo, venha até a minha casa e traga-me o anel.”

Eduína tinha um coração frio em relação a todos os humanos que conhecera, embora aquela frieza não se estendesse aos animais e plantas. Lembrou-se do que a bruxa lhe dissera: ela tinha sido medicada para desenvolver sociopatia. Ela perguntou a si mesma como seria poder sentir. Afastou aquela ideia, e achou melhor descer para a sala e fingir que tudo estava normal. Mas quando chegou lá, todos já tinham ido embora – provavelmente, estariam dormindo. Foi até a cozinha e preparou para si mesma uma xícara de café, que tomou com o bolo de chocolate surreal que Beatriz havia preparado. Uma hora mais tarde, ela verificou se estava realmente sozinha, e apagando todas as luzes da casa, voltou à casa de Hélida levando consigo o anel.

Enquanto caminhava até lá, a lua cheia brilhante parecia acompanhá-la. Olhou para a casa de Lázaro, onde todas as luzes estavam apagadas.

Empurrou a porta entreaberta, que rangeu tristemente, e encontrou Hélida sentada no sofá. Ela agora vestia um vestido de veludo negro, justo no corpo, que se abria em uma saia godê e o mesmo par de botas. Parecia um daqueles modelos de 1940 que ela via nos filmes que assistia com sua mãe adotiva.

Sem nada dizer, ela estendeu a mão e deixou o anel cair sobre a palma da mão de Hélida, que agradeceu com um leve aceno de cabeça. Imediatamente, ela colocou-o no dedo anelar esquerdo, e um brilho intenso saiu das pedras. Eduína sentiu o quão poderosa a jóia poderia ser, pois Hélida tornou-se ainda mais bonita ao usá-la. Hélida olhava para o anel, os olhos marejados:

- Esperei por tantos anos para poder reaver esta jóia!

Félix aproximou-se dela, ronronando e sentando-se ao seu lado no sofá. Eduína sentou-se na poltrona em frente a ela sem nada dizer, fascinada pela imagem da mulher diante dela. Por um instante, sentiu inveja da bruxa; gostaria de ter todo aquele poder. Na mesma hora, Hélida olhou-a bem dentro dos olhos:

-Nem pense em uma coisa dessas. Você sequer imagina o que significa ser alguém como eu. Além disso, você não tem o dom.

Eduína engoliu em seco, pensando que teria que tomar mais cuidado com seus pensamentos quando estivesse perto de Hélida.

A bruxa olhava o anel, como se quisesse absorvê-lo. Colocou sua mão direita por cima da esquerda, murmurando algo em uma língua desconhecida. Élida não se atrevia a abrir a boca. Percebeu que aquele era um momento emocionante para a mulher – sim, a bruxa tinha sentimentos, e mais uma vez, Élida não conseguiu deixar de invejá-la. Ela apenas a olhava, fascinada, enquanto lágrimas desciam pela face da bruxa. Eduína lembrou-se que jamais tinha chorado - nem mesmo quando pensou ter sepultado seus pais adotivos. Lembrou-se de fazer amor com Cláudio, e que nada sentira por ele além da sensação física de prazer.

Estava tão entretida em suas próprias lembranças e questionamentos, que quando percebeu, Hélida tinha terminado seu pequeno ritual e a fitava novamente. Ela disse:

-Sinto que você tem muitas perguntas. Pode começar.


(continua)





 

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