sexta-feira, 10 de abril de 2015

As Ruas das Árvores que Choram - Histórias em Petrópolis






As Ruas das Árvores que Choram  Parte I


Quando caminhei por aqui pela primeira vez, foi segurando a mão de minha mãe. Eu era bem pequena. Minha mãe gostava de passear à pé pela cidade, e assim, acabei passando grande parte da minha infância entre o casario antigo, as ruas ornadas de magnólias e hortênsias, cruzando praças e atravessando pontes, ao mesmo tempo em que ouvia as histórias que minha mãe contava:

-Está vendo esta casa? Eu já morei aqui quando pequena. (E ela apontava para um enorme casarão branco de dois andares, janelas verdes, na Avenida Presidente Kenedy, bem em frente à descida da Rua Montecaseros. E ela continuava:)

-Eu era pequenininha, e minha mãe trabalhava de empregada doméstica nesta casa. Mas não ficou muito tempo, porque ela logo adoeceu e morreu quando eu tinha quatro anos de idade. Meu pai costumava vir me visitar aqui, e os donos desta casa deixavam que a gente se encontrasse nos fundos, na cozinha.

Às vezes, entrávamos pela Presidente Kenedy, e ela apontava uma ruazinha adjacente, uma espécie de vila bem estreita:

-Aqui mora a minha prima.

E de vez em quando, nós íamos tomar café na casa da tal prima. Para os nossos padrões de vida naqueles tempos, era uma casa grande, bonita e luxuosa, mas se eu a visitasse hoje, talvez a achasse bem menor e menos glamourosa. A prima de minha mãe era uma mulher tremendamente bela. Tinha o rosto bem emoldurado por cabelos loiro-escuro cacheados, maxilares largos que abrigavam um sorriso lindo de dentes muito alvos e, compondo o rosto belíssimo, um par de olhos azuis. Era casada e tinha quatro belas crianças, e eu tinha uma paixonite platônica pelo mais velho, embora eu fosse apenas uma criancinha. Todos eram lindos e tinham olhos azuis. Lembro-me de algumas festas as quais comparecemos naquela casa, e do quanto dava gosto de ver aquela gente bonita se movimentando: parecia um comercial de margarina! Ela era a prima que dera certo na vida.

Minha mãe e eu também caminhávamos muito pela Avenida Koeller, parando para admirar as enormes mansões. Ao final da rua, nós atravessávamos para a Praça da Liberdade, onde eu passava algum tempo feliz, esquecida de qualquer desejo, a não ser o de balançar bem alto, até que as pontas dos meus pés quase tocassem as pontas verdes das copas da árvore. Ali, eu não tinha tempo para pensar nas canetinhas coloridas que eu não tinha para usar nas aulas de desenho da escola, ou na boneca Amiguinha do meu tamanho que eu jamais ganharia, nas roupas bonitas que desejava. Ali naquele balanço, olhava lá de cima as outras crianças que aguardavam que eu me cansasse para que elas mesmas tivessem a sua vez de balançar bem alto, e eu me sentia superior a elas. E eu só desistia quando minha mãe parava ela mesma o balanço, arrancando-me dele enquanto eu, aos prantos, gritava e esperneava, vendo o 'meu' balanço sendo ocupado por outra criança. E minha mãe dizia, irritada:

-Todo mundo está olhando! Olha que coisa feia! Nunca mais eu trago você.

Mas ela sempre me levava naquela praça. E eu sempre gritava e esperneava na hora de sair do balanço. Íamos para casa ao crepúsculo, quando as luzes dos postes começavam a acender e a garoa fria de Petrópolis começava a cair. Tomávamos o ônibus e eu adormecia no colo de minha mãe, que me acordava quando chegávamos em casa. Ela ainda precisava preparar o jantar, e como sempre, meu pai reclamava pelo atraso quando chegava do trabalho.

Eu adorava caminhar pela Rua Ipiranga, que na minha infância, era bem pouco movimentada. Lá estavam as mansões de veraneio, casas tão velhas e tão mágicas, que pareciam guardar muitos mistérios. Eu parava na frente da Casa dos Sete Erros e a imaginava assombrada, e estranhamente, apesar do medo que sentia, desejava entrar nela, o que só aconteceu quando ela virou ponto turístico, e eu já era casada. Subíamos a Ipiranga e descíamos pela Rua Dom Pedro, uma outra de casas também antigas e muito bonitas.

Cresci caminhando entre estes casarões e inventando histórias na minha cabeça sobre o que se passava dentro deles. Passei por jardins inacessíveis onde, com certeza, moravam fadas e outras criaturas mágicas, e eu os recriava em nosso pequeno quintalzinho ao chegar em casa: recortava das revistas e livros infantis imagens de fadas e as espalhava pelos galhos da figueira plantada por meu avô. Fingia que elas eram reais. Passava horas brincando sozinha, pois para mim, não era (nunca foi) muito fácil fazer amizades. minhas amigas eram as da escola, ou então as irmãs mais novas das amigas de minha irmã mais velha. Eu gostava de brincar sozinha, tomar todas as decisões, escolher os finais das minhas histórias sem ter que pedir a aprovação de ninguém ou entrar em acordo com os gostos das outras meninas. minhas histórias, eu mesma criava e encenava - com a ajuda de minhas inseparáveis bonecas.

Lembro-me da Petrópolis de quando eu era criança e as temperaturas no inverno chegavam, às vezes, a atingir números negativos. A gente saía de manhã cedo para ir à escola ou a o trabalho, e os vidros dos carros estacionados ao longo da Avenida XV de novembro - hoje Rua do Imperador - estavam cobertos por fina camada de gelo. Também andei muito através da neblina gelada, branca e densa, tão densa, que quando alguém falava tinha a impressão de estar falando dentro de uma caixa. Nada se via. E assim como aparecia, ela ia sendo dissipada conforme o sol se erguia.

Sentada à mesa de madeira da cozinha, eu fazia meus deveres de casa e escutava as muitas histórias de quando minha mãe era criança como eu. E ela me contava que crescera em um colégio interno - o Colégio Nossa Senhora do Amparo - depois que sua mãe morrera quando ela tinha apenas quatro anos de idade. Ela me falava das freiras boas e das freiras más. Dos banhos de água gelada que as crianças eram obrigadas a tomar às seis da manhã. Um dia, ela me contou que achou uma barata em sua comida, no caldo do feijão. Coisas assim eram comuns. Ela chamou a freira e mostrou a ela. a freira mandou que ela tirasse o inseto e continuasse a comer. E foi o que ela fez, pois era o que todas as crianças faziam.


Um comentário:

  1. Que lindo texto! Conheci seu blog hoje e amei, assim como esses corações saltitantes do ponteiro do mouse! ♥

    Está rolando uma enquete lá no blog, se você puder passar lá e responder fico grata. E a todos que responderem é só deixar o link que retribuo sempre!!!
    Bjus

    http://simplesmentelilly.blogspot.com.br/p/enquete.html

    ResponderExcluir

Obrigada por visitar-me. Adoraria saber sua opinião. Por favor, deixe seu comentário.

A RUA DOS AUSENTES - PARTE 5

  PARTE 5 – AS SERVIÇAIS   Um lençol de luz branca agitando-se na frente do rosto dela: esta foi a impressão que Eduína teve ao desperta...