domingo, 29 de setembro de 2013

AREIAS DE UM TEMPO SEM FIM - PARTE II





Ingrid apagara todas as luzes da casa - exceto por uma fraca lâmpada que ficava em uma arandela afixada à parede do corredor - e dirigiu-se para o seu quarto, antes ocupado por Agnes. Escolhera-o porque assim não precisaria subir ao segundo andar da casa, onde havia passado dias maravilhosos com Jonas. Ainda não se sentia pronta para rever os cômodos que traziam as lembranças mais fortes dos dois : o magnífico solário, o quarto de hóspedes aonde passaram noites mágicas, o enorme e sofisticado banheiro que utilizaram durante sua estadia, que continha uma banheira branca com pés de latão dourado situada bem no centro do romântico cômodo, que oferecia, através de uma grande janela, uma das mais deslumbrantes vistas da casa.

Ao deitar-se, Ingrid pensou ouvir vozes no corredor; aquietou-se ainda mais a fim de ouvir melhor. Eram apenas sussurros, mas indiscutivelmente, havia mais alguém na casa! Assustada, ela sentou-se na cama, agarrando as cobertas e levando-as ao ombros num gesto instintivo de proteção. Engoliu seco; teria que levantar-se e fazer alguma coisa, nem que fosse apenas trancar a porta do quarto!

Mas enquanto ainda pensava no que fazer, a maçaneta girou, e aporta entreabriu-se vagarosamente. Ingrid deixou escapar um gritinho abafado, e pode ver que o corredor estava mais claro do que o normal. À contragosto, levantou-se da cama, e entreabrindo a porta e olhando para fora, constatou que todas as luzes da sala de estar estavam acesas! Ela ainda permaneceu de pé atrás da porta durante alguns minutos, escutando; mas não conseguiu ouvir mais nenhum ruído. Finalmente, saiu descalça pelo corredor, sentindo o corpo arrepiar de medo, e então viu que todas as outras lâmpadas da casa também se encontravam acesas. Certamente, alguém estivera ali!

Após verificar as trancas de portas e janelas - e perceber, espantada, que todas elas estavam intactas - Ingrid voltou a apagar as luzes e deitou-se novamente, trancando a porta do quarto.

Na manhã seguinte, bem cedo,  decidiu dar uma volta pela praia. O dia estava mais quente do que o de costume naquela época de primavera, e ela pode usar um leve vestido branco de algodão acompanhado por um belo chapéu também branco. Calçava sandálias plásticas transparentes, adequadas ao passeio pela praia, pois podiam ser molhadas pela água do mar sem problemas. 



Caminhou durante quase uma hora, e chegou ao Penhasco Azul.  Lembrou-se imediatamente dos momentos felizes que passara ali com seu marido, e lágrimas vieram-lhe aos olhos. Escolheu a mesma pedra lisa onde costumavam sentar-se juntos para olhar a imensidão do mar lá embaixo. Abraçada aos joelhos, Ingrid deixou-se ficar ali, sentindo a maresia e o calor do sol sobre os ombros. Não queria pensar em tudo o que acontecera; por um momento, fingiu que tudo estava bem, e que logo voltaria à casa para reencontrar Jonas e sua encantadora tia Agnes. Deixou fluir a imaginação, e pensou que ela os estaria esperando com a mesa pronta para o almoço, e haveria um belo jarro de flores do campo bem no meio da mesa.

Eles se sentariam para conversar animadamente como sempre faziam, e tudo ficaria bem. E então, ela poderia contar-lhes sobre o terrível pesadelo que tivera. Desejou intensamente que aquilo fosse verdade... foi quando um forte vento soprou, arrancando-lhe o chapéu, que ela viu rodopiar no ar em frente a ela para ir pousar lá embaixo, em um platô que ficava a mais ou menos quinze metros de onde ela estava. Ingrid suspirou fundo; adorava aquele chapéu, comprado especialmente para a praia, presente de seu marido. 

Observou o penhasco escarpado, e percebeu que seria possível descer até lá a fim de resgatar seu chapéu. Havia muitas reentrâncias na pedra que serviriam como degraus, e apesar de perigoso, já vira muitos pescadores descerem por ali a fim de conseguirem um bom local para a pesca sobre aquele mesmo penhasco onde seu chapéu caíra. Suspirou profundamente. Lá no céu, um bando de gaivotas gritava. Ingrid aproximou-se da beira do penhasco e olhou as ondas batendo lá embaixo. Colocou um dos pés sobre a pedra, e firmou o passo, segurando-se firmemente a uma outra pedra. Testou o pé; quando percebeu que seu passo estava seguro, desceu mais um pouco. Achou que seria mais fácil chegar ao platô do que ela pensava.

Firmou mais um passo, e sentiu que a sandália escorregou levemente. Talvez devesse voltar; afinal, aqueles não eram sapatos adequados para aventurar-se sobre pedras escorregadias e cheias de limo! Mas lembrou-se que muitas vezes vira pessoas descalças fazendo aquele mesmo percurso, e achou que se tomasse bastante cuidado, não haveria nenhum problema. 





Firmou um outro passo, apoiando a mão direita por sobre uma pedra; mas ela escorregou novamente, e na tentativa de segurar-se, Ingrid cortou a mão, e o sangue jorrou sobre a pedra. Um certo pânico começou a tomar conta dela; olhou para cima, e calculou que a distância entre o platô onde se encontrava seu chapéu e o topo do penhasco, de onde ela descera, era a mesma, e resolveu continuar. Firmou novamente o passo. Devagar, dobrou os joelhos para chegar à próxima reentrância na pedra. Uma das gaivotas voou bem próximo a ela, e quando Ingrid ergueu a cabeça para olhá-la, os raios de sol deixaram sua visão temporariamente turva; mas ela respirou fundo mais uma vez, e continuou a descida.

De repente, escorregou; sentiu-se ser lançada ao ar, e a última visão que teve, foi a de um fundo azul de céu, onde gotas vermelhas caíram de sua mão e macularam o branco da saia de seu vestido. O último som que ouviu, foi o grito das gaivotas e a batida das ondas do mar. Seu corpo aterrissou pesadamente sobre o platô, e Ingrid desmaiou.



2 comentários:

  1. Bom dia Ana.. acho primoroso os contos.. e devem dar um certo trabalho para prever situaçoes.. um dia espero ter talento para eles.. obrigado pela gentil visita e um excelente dia pra vc até semrpe

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  2. OI ANA!
    ESTOU GOSTANDO MUITO E AQUI, FIRME, LENDO.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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