quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O Cavalo e o Menino - Final






Dormimos durante muitas e muitas horas, eu acho. Dormimos sob as estrelas, com o vento quente beijando nossas faces. Eu às vezes olhava para a lua e tinha a impressão de que ela estava se aproximando, ou que eu estava cavalgando até ela com o menino e o pai em meu dorso. Havia algumas pessoas vestidas de branco nos olhando, e pensei que eram socorristas que vinham para nos salvar daquela vida seca.

Quando abrimos os olhos, na manhã seguinte, tudo estava inexplicavelmente diferente: o asfalto negro era ladeado por milhões de árvores muito frondosas, de onde pendiam frutos dos mais variados sabores - eu esticava o pescoço e conseguia colhê-los, sua pele fina partindo-se entre meus dentes e revelando um sumo doce e refrescante. O sol brilhava intensamente, mas não queimava; menino e pai se levantaram e olharam em volta, maravilhados. O caminhão tombado sob o qual nos abrigáramos havia desaparecido. A estrada revelava-se reta e tranquila, e muitas pessoas caminhavam sobre ela, indo e voltando, e sorriam ao passar por nós. Pai e menino deram-se as mãos, enquanto conduziam-me com eles em direção à um belo prédio que vislumbrávamos ao longe, no final daquela estrada. 

De repente, passei por um rosto que julguei conhecido: era o mesmo rosto que eu vira morto, caindo para fora do caminhão! Relinchei de surpresa. Olhei para o pai e o menino, tentando saber se eles também tinham visto a mesma coisa, mas eles olhavam em volta, maravilhados com tanto verde e tantas flores perfumadas e coloridas que salpicavam arbustos e ladeavam o caminho. Uma bela fonte surgiu, de onde jorrava abundantemente a água mais pura e mais fresca, e corremos até ela, onde saciamos nossa sede de dias com apenas poucos goles. Tudo era belo! E apesar de ter absoluta certeza de que jamais estivera ali, ao mesmo tempo, sentia como se, no fundo de minha memória, eu já tivesse cavalgado por aqueles verdes prados que se estendiam a perder de vista, sob aquele sol que não queimava, mas apenas aquecia suavemente a pele.

De repente, andando em nossa direção, vi uma moça de cabelos cacheados penteados para trás, que usava um vestido cor de rosa suave. Quando pai e menino a enxergaram, ela abriu-lhes os braços. Vi quando o menino boquiaberto gritou "Mãe!" Correndo na direção dela. O pai acompanhou-o. Os três se abraçaram, chorando muito.

Enquanto eles estavam juntos, esqueceram-se de mim, e pude olhar melhor em volta e trotar um pouco sozinho. Reconheci uma bela égua branca, a que me amamentara quando eu nasci; e uma outra, cujos olhos eu mirara pela última vez quando eles estavam baços e sem vida, mas agora, eles me olhavam cheios de vivacidade e saúde.De repente, olhei em volta e percebi que muitos dos animais da fazenda que haviam perecido na seca, passeavam por ali. Achei tudo muito estranho, mas cavalos não fazem perguntas: apenas aceitam a realidade que vivem. 

Assim, a nossa jornada se concluiu. Ainda hoje moramos nesse lugar maravilhoso, e somos felizes. Nunca mais ouvimos falar ou ficamos sabendo de Corisco, e nem desejamos saber. As cicatrizes que ele me infligira desapareceram misteriosamente. Meu pelo hoje cresce bonito e sedoso. Não sinto mais fome ou sede. 

Mas o que eu mais gosto, é que as histórias que o menino costumava contar sobre nossos reinos encantados, hoje são reais. Eu o levo a cavalgar por verdes campos floridos, e descansamos à margem de riachos encantadores. Não há dragões ou princesas, mas há muitos castelos, e nós entramos neles juntos, acompanhados por dezenas de crianças que correm junto conosco e jamais se cansam. Brincamos todos juntos. Entre eles, está a menina dos milagres, aquela, que salvou o irmãozinho. Hoje, ele também está entre nós.

E assim termina a nossa história: a história de um menino e um cavalo que se conheceram e ficaram amigos.




4 comentários:

  1. Bom dia,
    Seu conto é maravilhoso, ao ler, sentimo-nos menino a viver a historia que nos relata.
    Abraço
    ag

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  2. Bom Natal, Ana, que o 2014 lhe traga muitos bons momentos para transformar em Memórias a recordar, bem melhores do que as do 2013, que foi um ano duro
    Gostei do seu conto e da sua visão do Paraíso, é muito semelhante a uma descrita por mim, num romance que nunca publiquei.
    Gosto do seu/nosso Paraíso, mas entretanto cá vamos encher as casa de brilhos e cores e"agarrar mais um ano, com ambas as mãos.
    Abraço
    Teresa

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  3. Querida, desculpe mais uma vez por esta vindo aqui, agradecer, com mais um comentário colado. Final de ano deve concluir provas e toda documentação dos alunos, cadernetas. Temos prazo para entrega, como tenho 18, haja trabalho, tarefas de casa , estou só, o reumatismo está me prejudicando muito, problema da idade mesmo que vou superando segurando na mão de Deus.
    Agradeço o carinho da sua visita , sempre com comentários maravilhosos bem como as felicitações de um Feliz Natal. Desejo Que o Menino Jesus , faça morada em seu coração, irradiando-o com sua luz e seu amor e que o FELIZ NATAL , não seja apenas no dia 25, que se estenda por todo ano de 2014 e porque não dizer, por todo sempre.
    Abraços, fica na paz do Menino Jesus.

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  4. Ana , adorei o conto . Aproveito para lhe desejar um abençoado Natal e um 2014 com saúde e alegrias . Beijos

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