sexta-feira, 23 de maio de 2014

A Bruxa que Não Tinha Pontaria - um conto de fadas macabro






Era uma vez uma bruxa que vivia isolada em seu velho castelo, no alto de uma colina. Abaixo desta colina, espalhada em casinhas lindas e aconchegantes, vivia a população daquela vila encantada, e também muitos parentes da bruxa.  Ela bem que tivera seus dias de glória, quando saía distribuindo pragas e lançando maldições e indiretas através de falsos sorrisos; mas devido a esta sua mania de espalhar iniquidade aonde quer que fosse, as demais pessoas (mágicas ou não) resolveram que seria melhor se Perpétua (era este o nome da bruxa) ficasse de fora das festas e comemorações.

Um dia, para sua desgraça final, sua linda filha Endora conheceu um belo príncipe, e dele se enamorou. Perpétua tremia ante a possibilidade de ficar só, já que seu marido morrera há muitos anos - dizem que foi de desgosto pela megera na qual sua esposa se transformara após o casamento. Perpétua fez de tudo para impedir o casamento de sua filha Endora com o Príncipe Garboso (este era o nome do príncipe): lançou maldições para que o príncipe adoecesse e não pudesse visitar a filha - o que só fez uni-los ainda mais, pois Endora passou a visitá-lo frequentemente, até que ele curou-se, pois era muito forte; também espalhou calúnias a respeito da reputação do rapaz, tentando desacreditá-lo diante da filha e dos demais membros da família - tática que funcionou apenas temporariamente, pois todos que se aproximavam dele e o conheciam melhor logo notavam que era pessoa íntegra e de caráter incontestável. Tentou chantagem emocional, dizendo à filha que se ela se casasse, sua pobre e velha mãe morreria de desgosto... mas Endora conhecia as artimanhas da mãe, e não deu-lhe atenção.

Enfim, o grande dia chegou! O casamento foi celebrado na igrejinha local, e assistido e comemorado por todos os moradores da vila. 

Perpétua, sentindo-se derrotada, resolveu usar outras táticas para minar o relacionamento de sua filha com o príncipe: fingiu aceitá-lo, e frequentemente, levava-lhe pratos enfeitiçados; é claro, sem o conhecimento deste. Era sempre gentil e sorridente, solícita e muito boazinha. O príncipe, ao alimentar-se das comidas da sogra, sentia-se mal, adoecia e chegava a sentir uma certa repulsa pela bela e jovem esposa; nestas ocasiões, ambos começavam a discutir. Enquanto isso, a "solícita" sogra fingia tentar reconciliá-los, servindo-lhes presentes e seus chás enfeitiçados que só faziam com que os dois brigassem ainda mais! 

Porém, havia na vila uma fada boa que, percebendo a situação, resolveu ajudar o jovem casal: sem que ambos soubessem, ela fez uma magia e quebrou os feitiços lançados pela bruxa. Por que sem que ambos soubessem? Não queria causar uma briga em família, o que seria muito constrangedor. Achou que a velha bruxa acabaria se conformando e aceitando melhor o casamento da filha com o príncipe, conforme o tempo fosse passando e ela tivesse a chance de conhecer melhor o genro.

Alguns anos se passaram, e o jovem casal conseguiu comprar uma bela casa no sopé da colina onde vivia a bruxa Perpétua. Nem mesmo a chegada do netinho derreteu o coração da megera, que sempre que podia, jogava suas indiretas para tentar aborrecer o príncipe e fazer o casal brigar. Seu castelo ia ficando cada vez mais velho, e o vento passava pelas gretas, ditando-lhe amarguras e acentuando sua solidão. O Príncipe Garboso até que tentou relacionar-se bem com Perpétua, mas sempre que tentava, recebia em troca insinuações e alfinetadas.

A felicidade do casal e a maneira como as pessoas da vila referiam-se ao príncipe através de elogios, deixavam Perpétua cada vez mais amargurada e invejosa, embora ela sorrisse e fingisse concordar. Certa noite, enquanto caminhava por seu castelo vazio e deteriorado,  ela tomou uma decisão: faria uma magia muito forte, que destruiria de vez aquele casamento. Sua filha Endora voltaria para casa dentro em breve, e cuidaria dela em sua velhice.

Pensando desta forma, ela pegou um enorme caldeirão e começou a fazer seu preparado: asas de morcego, dentes de dragão, veneno de salamandra, pele de cobra, ovo de lagarto, erva do diabo, cicuta, arsênico, uma pitada de urina de coruja, uma objeto de cada cônjuge (tivera a chance de roubar um pé de meia do genro e um grampo de cabelo da filha) e finalmente, água pútrida do fosso que ficava atrás do castelo. Passou a noite toda mexendo o caldeirão e concentrando seu pensamento em ódio, separação, destruição e maldade. Na manhã seguinte, a bruxa estava tão exausta que caiu no sono ali mesmo, no chão da cozinha, ao lado do caldeirão.

Quando despertou, encheu uma caneca com a poção e foi até a beira da colina, de onde podia avistar toda a vila, e a casa de sua filha lá em baixo, no sopé da mesma. Então, Perpétua respirou fundo, e com toda a sua concentração e força, atirou o líquido em direção à casa onde habitava o jovem casal, mas como fosse muito ruim de mira, acabou acertando uma outra casa próxima, onde moravam suas duas irmãs e cunhados. Resultado: em alguns dias, os dois casais se separaram, e uma de suas irmãs adoeceu e morreu poucas horas após a partida do marido. E sem querer, uma gota da poção caiu sobre seus próprios pés, o que fez com que a bruxa ficasse doente por vários dias.

Mas Perpétua não se conteve: assim que sentiu-se melhor, novamente encheu um balde com o líquido fétido e, numa noite de luar, dirigiu-se ao alto da colina, de onde avistava toda a vila e a casa onde viviam sua filha, genro e neto. Mais uma vez, usou de toda a sua força e concentração e lançou a água do feitiço, mas errou de novo; desta vez, a água caiu em outra casa próxima, que pertencia aos parentes de seu falecido marido. Todos adoeceram e tiveram morte lenta e dolorosa.

A bruxa Perpétua tinha mesmo péssima pontaria! Mas não era mulher de desistir, e novamente lançou a água de seu feitiço (desta vez, usou um barril que ela foi empurrando até a beira da colina, pois achava que assim conseguiria atingir seu alvo). A água respingou em suas mãos, mas ela nem sequer se importou. Ao chegar bem na beiradinha, Perpétua entornou todo o conteúdo do barril, e um rastro fumegante de água fedorenta, negra e viscosa começou a descer colina abaixo. Atingiu várias casas, mas uma pedra acabou desviando o curso da correnteza e impedindo que chegasse até aonde ela desejava. Muitas pessoas, inclusive seus parentes, adoeceram ou sofreram graves acidentes. Outros, viram seus negócios irem à falência, enquanto ainda outros perderam seus empregos ou viram várias espécies de desgraças tomarem conta de suas vidas. Os mais velhos e fracos morreram em poucos dias. E a própria Perpétua também quase morreu daquela vez, pois acidentalmente, derramara boa quantidade de poção em suas mãos.

Ficou aos cuidados da filha por vários dias, até que finalmente, melhorou. Mas nem mesmo a própria desgraça ou a desgraça de seus parentes pode fazer com que o coração da egoísta criatura se abrandasse! E ainda sem poder levantar-se da cama, ela passou a concentrar seus pensamentos todas as noites na direção do jovem casal. Mas o príncipe Garboso era uma criatura forte, e além disso, estava protegido pelo contra-feitiço da fada boa. Assim, suas maldições passaram a atingir a própria filha! A moça começou a definhar a olhos vistos. Emagrecia, e tornava-se cada vez mais taciturna e calada. Frequentemente, chorava sem motivos e sentia uma dor no coração que nenhum remédio conseguia curar. Consultou vários médicos e fez vários tratamentos, mas nada parecia ajudá-la! O pobre príncipe viu-se na incumbência de cuidar da esposa e do filho, o que fez com que Perpétua ficasse ainda mais abandonada.

No entanto, a megera, reunindo suas últimas forças, levantou-se da cama disposta a arrastar o que sobrara do caldeirão até a beirada da colina, a fim de tentar, mais uma vez, atingir seu genro. Mas como ainda estivesse fraca, deixou que uma boa quantidade da água viscosa atingisse sua cabeça, antes de lançá-la na direção do telhado da casa onde viviam seu genro, neto e filha. 

Daquela vez, Perpétua acertou seu alvo.

Porém, a magia negra sempre prejudica aqueles que estão mais fracos e vulneráveis, o que fez com que sua pobre filha Endora fosse atingida em cheio. E assim, ela veio a falecer. 

Foram meses de luto e tristeza na vila. Todos se perguntavam o que estaria acontecendo com sua cidade, pois parecia que ultimamente, uma nuvem negra baixara sobre todos, trazendo dores, desgraças e mortes. A pequena vila tornou-se um lugar triste e ermo. Mas nada se comparava à dor e à tristeza que habitavam o velho castelo no alto da colina.

Finalmente, a consciência de Perpétua começou a doer, e a velha bruxa passou o resto de seus dias vivendo solitária e doente, carregando um peso enorme em seu coração e um arrependimento para o qual jamais encontrou a cura. Compreendeu a extensão de todo o mal que causara a todas as pessoas que a cercavam, inclusive seus parentes, apenas porque cultivara a inveja e o ódio de alguém que nunca lhe fizera mal e o sentimento de posse e  ciúme pela própria filha.

Dizem que o fantasma de Perpétua vaga até hoje nas imediações daquele castelo em ruínas, e seus uivos de dor podem ser claramente ouvidos quando o vento sopra em noites de lua cheia.




8 comentários:

  1. De perpétua quero distância! querida Ana! Imagine! Quando entrei num cemitério pela primeira vez, vi uma frase escrita assim numa lápide: "Perpétua 25, aqui jaz Perpetulinio "o pedreiro do cemitério" que após cansativas horas de trabalho neste cemitério, por fim morreu"

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  2. O que mais existe por ai sao Perpetuas... estao disfarçadas de sogras... colega de trabalho... vizinhas... e algumas nao se arrependem nunca...

    Beijos...

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  3. Olá, bom dia.
    E chegamos ao fim de semana. Com saúde, paz espiritual. uns com os seus desejos, outros com as suas manias, e outros sem desejos e sem manias. Mas, o importante, é que atravessamos, mais esse mar de nuances, vivos.
    Que o Criador, tenha sempre compaixão de nós. Precisamos.
    Um abraço.

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  4. Boa tarde,
    Historia bem criada que entusiasma e encanta, adoro o desconhecido, gostava de encontrar um fantasma para conversar com ele, estou convencido que os fantasmas são excelentes conversadores.
    Dia feliz
    ag
    http://momentosagomes-ag.blogspot.pt/

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  5. Uiaaa que história macabra heim e
    que bruxa maldosa não sossegou até ver o fim
    mas quem ficou mal foi ela de tanta ruindade
    Bela história

    Bom final de semana

    └──●► *Rita!!

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  6. Pérpetua terrível... Rss
    Gostei do conto.

    Abraços

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  7. que maravilha ...eu nao sabia desse seu espaço aqui....tá lindo! Parabéns...como sempre lindo os seus escritos!

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