A casa do Caminho de Pedras – parte IX
O telefone tocou, e ele atendeu. Tinha um dia ocupado pela frente, principalmente após ter dado férias à sua secretária. Ninguém respondeu quando ele disse “Alô.” Do outro lado da linha, apenas o silêncio. Ele repetiu: “Pois não, quem fala?” E uma voz respondeu:
-É sobre a mulher no cartaz...
Ele endireitou-se na cadeira, ouvindo com atenção, todo o seu corpo rígido de ansiedade:
-Eu a vi. Sei onde ela está.
Do outro lado daquela grande cidade, Jorge chegou em casa de repente. Quando Helena deparou com ele àquela hora, surpreendeu-se, pois o marido jamais almoçava em casa. Ela olhou para ele, como a indagar sobre sua presença inusitada.
-Precisamos conversar, Helena, e você terá que me ouvir com atenção e acreditar no que eu tenho para lhe dizer.
Há milhares de quilômetros dali, Maria, em seu apartamento, olha a fotografia de Aurora no cartaz. Deixa rolar uma última lágrima, que enxuga com as costas da mão. Respirando fundo e pensando se tomara a decisão certa, ela guarda o cartaz na gaveta enquanto arruma suas malas. Estava indo embora daquela cidade que tanto amava, pois precisava recomeçar. Precisava deixar para trás os acontecimentos tristes de sua vida, nos quais ela tanto se demorava. Naquele apartamento onde vivera com os pais, ela sabia que não conseguiria esquecer-se da tristeza que sentia pela falta que eles lhe faziam, e também não poderia esquecer-se de sua grande paixão por Aurora se continuasse a vê-la todos os dias como vinham fazendo – afinal, a amizade não terminara. Iria embora sem despedir-se, pois sabia que se tentasse despedir-se dos bons amigos que tinha feito ali, eles tentariam fazê-la ficar. Também não conseguiria despedir-se de Aurora. Já tinha tocado no assunto com ela, sugerindo que estava pensando em ir embora. A amiga levantou-se da cadeira e foi até o quarto, voltando com um baralho de tarô. Enquanto embaralhava as cartas, foi dizendo:
-Vamos ver o que o futuro lhe traria, se fosse embora daqui...
Aurora começou a deitar as cartas sobre a mesa, após pedir-lhe que fizesse o corte do baralho. Ela respirou fundo, fechando os olhos, antes de virar a primeira carta, que mostrava uma figura que ela explicou-lhe ser “O Louco”, onde um andarilho com uma trouxa às costas caminhava sem direção, despreocupadamente, enquanto era seguido por um cão. Virou uma outra carta, que mostrava O Diabo – que ela explicou ser a carta das paixões e dos bons negócios. Finalmente, uma outra carta mostrava uma figura de um sol brilhante, que coroava todos os sucessos. Aurora explicou o significado da leitura:
-O andarilho, ou o Louco, representa você mesma e sua viagem; se decidir ir, mesmo sem saber muito bem para onde... (ela colocou ao lado da primeira carta a figura do Diabo), encontrará uma grande paixão e fará um bom negócio. Mas cuidado ao misturar paixão e negócios, pois pode ser uma mistura explosiva. Mas pelo jeito, esta mistura será coroada de êxito, no seu caso (ela colocou sobre as outras cartas, a figura do sol). Querida, se quiser ir, sentirei muito a sua falta, mas compreenderei e ficarei torcendo por você. Mas já sei que tudo dará certo, sua vida dará uma guinada de cento e oitenta graus. Se decidir ficar, levará a vida que tem levado – que não é triste, é boa e tranquila, e continuará assim: boa e tranquila, sem grandes acontecimentos.
Maria fora para casa pensando muito nas palavras de Aurora, e tomou sua decisão: iria embora. Um tanto decepcionada, pois guardava a esperança de que ela lhe pediria que não fosse. Tinha um gosto amargo na boca porque a amiga aceitara sua partida com tanta resignação...
Mas antes de ir embora, ela tomara a decisão que mudaria para sempre a vida de Aurora.
Em sua casa, Aurora cuidava de sua pequena horta. O calor do dia fazia com que pequenas gotículas de suor brotassem em sua testa, mas ela trabalhava alegremente. Cavava a terra, plantava as mudas. O dia prometia ser bastante quente, e quem sabe, haveria uma tempestade de verão no final da tarde?
Ao terminar seu trabalho, cansada e satisfeita, Aurora recolheu as roupas do varal. Depois, alimentou seus animais e foi verificar o andamento da fabricação de seus deliciosos queijos; estava tudo indo muito bem, como sempre! Verificou se havia bastante combustível para o gerador, e ficou contente ao ver que aquele ainda duraria alguns dias. Faltava colocar os laços e pintar mais alguns vidros para suas compotas, e ela colocou seu material de pintura sobre a mesa, começando seu trabalho. Trabalhava com gosto e precisão. Logo, tinha mais uma meia-dúzia de potes de vidro lindamente decorados, que após secos e higienizados, dariam maravilhosas embalagens para suas compotas de amoras silvestres. Assim, antes de guardar seu material, ela ainda terminou a pintura de um quadro de flores, encomenda de uma de suas clientes da feira.
A vida era boa por ali, ela pensou. Não queria ir embora nunca mais. Apenas uma tristeza não a deixava naquela tarde quente e perfumada: é que em seu coração, despedira-se da amiga (que, ela sabia, estava entrando no ônibus naquele momento). Aurora estava sentindo-se um pouco melancólica, mas feliz porque sabia que Maria seria muito feliz no lugar para onde estava indo. Lá, ela encontraria o amor verdadeiro, e ainda começaria um bom negócio, que era seu sonho: uma fábrica de objetos de madeira para pintura, e uma escolinha de artesanato. Sua sócia e ela teriam um excelente relacionamento... e ambas seriam muito felizes juntas.
De repente, uma rajada de vento trouxe para dentro de casa algumas folhas secas, e derrubou uma pequena cesta de palha que Aurora mantinha sobre o balcão da cozinha. “Mudanças,” Ela pensou.
Voltou a trabalhar, mas quando ergueu os olhos, Aurora deparou com a imagem de sua mãe parada diante dela.
(continua...)
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