segunda-feira, 18 de maio de 2015

AS RUAS DAS ÁRVORES QUE CHORAM - Histórias em Petrópolis


foto de família: minha irmã Dal e meu falecido sobrinho Ricardo; minha sogra, minha mãe, Tia Rosa, eu e meu marido, então, namorado. Há 30 anos.




Meu avô era da época em que todo homem usava chapéu e gravata. Lembro-me de quando ele nos visitava - morava em Niterói, pois trabalhava como copeiro na casa de madame Nair de Tefé. Chegava trazendo sempre bolsas e mais bolsas cheias de guloseimas, e algumas ele distribuía entre os meninos que ajudavam-no a carregar as sacas do táxi até  a nossa casa. Era sempre uma festa quando ele chegava, e apesar de sua morte ter ocorrido quando eu tinha apenas oito ou nove anos de idade, ainda me lembro dele muito bem; meu avô tinha características marcantes. Por exemplo, não comia carne, era espírita Kardecista, chegou a fazer parte do Partido Integralista por algum tempo (minha mãe contou-me que quando Getúlio Vargas assumiu a Presidência, ele e muitos outros queimaram seus uniformes verdes nos fundos de quintais), sempre usava chapéu e teve muitas mulheres.  Além disso, era extremamente generoso, ao ponto de abrir mão de suas casinhas para abrigar pessoas que não tinham onde morar. Tais pessoas abusaram muito de sua boa vontade. Meu avô sempre dizia que imóvel não se vende, se compra.

Quando ele e sua família, os D'Agostinni, chegaram a petrópolis fugindo da Primeira Guerra, vindos da Itália, meu avô era bebê. Naquele tempo, ele se chamava Rezier D'agostinni, mas ao fazer o registro de nascimento aqui no Brasil, não sei por que cargas d'água ele foi rebatizado como Rogério Agostinho. Acho que abrasileiraram seu nome. Mas meu avô acabou usando ambos os nomes, o que causou muita confusão na hora de preparar o inventário dos poucos bens que ele deixou. A família D'Agostinni acabou se dispersando, entre Agostinhos, D'Agostinhos e outras variações. Minha mãe, por exemplo, era Ruth Agostinho. 

Quando chegaram por aqui, meus avós compraram a casa onde, mais tarde, minha família veio a morar. Também compraram uma bela casa na antiga Rua João Pessoa, atual Nelson de Sá Earp, que existe até hoje. Hoje, no andar térreo funciona um restaurante e também uma franquia das Empadas Brasil. Na divisão de bens, meu avô ficou com a casinha onde minha família morou a vida toda enquanto nós, os filhos, éramos solteiros. Mais tarde, ele também comprou um pequeno terreno no antigo Bairro Indaiá - hoje São Sebastião - e outro em Visconde de Itaboraí.  Minha mãe dizia que tudo o que compraram foi conseguido juntando dinheiro com as vendas das frutas e legumes que vendiam de porta em porta. 

 Na época que ele comprou o nossa casa,  não havia absolutamente nada naquele bairro. A estrada era de terra, cheia de matos, e com pouquíssimas casas. O bairro foi sendo construído em volta da nossa casa. Minha mãe contava que, quando foi morar lá, ao casar-se, sentia-se muito sozinha. Aos domingos, depois que as crianças começaram a nascer, a família ia à pé para a casa de minha avó, mãe de meu pai, no Bairro Duchas. É bem longe. Muito longe para se ir à pé levando crianças no colo, bolsas com fraldas e mamadeiras e outras coisas. Mas durante muito tempo, não havia ônibus. No final do dia, eles faziam todo o caminho de volta. Imagino a cena: meus pais com crianças adormecidas subindo no escuro a enorme ladeira que levava à nossa casa, cansados, após um domingo cheio. 

Quando meu avô morreu, minha mãe vendeu os terrenos do Indaiá e de Visconde de Itaboraí, indo contra a máxima sagrada de meu avô de que terra não se vende, se compra. Mas no fim, o que nos resta mesmo é "Aquela parte que nos cabe nesse latifúndio..."

As fotografias do meu avô , em preto e branco, mostram um homem bonito e elegante, sentado em um dos bancos da Praça D. Pedro, ou caminhando pelas calçadas quadriculadas da antiga Petrópolis, ou vestido de índio com amigos, fingindo caçar. Meu avô era um homem bastante bonito, e talvez por isso tivesse muitas mulheres. Aos poucos, minha mãe foi fazendo contato com seus irmãos "ilegítimos:" um deles, meu tio David, que ninguém sabia se era realmente filho de meu avô, e mais dois irmãos em Taubaté, São Paulo. Quando os irmãos de São Paulo vinham passar uma temporada com alguns membros da família, a nossa pequena casa ficava cheia! Era uma festa... aliás, duas: quando chegavam e quando iam embora. 

Passeando pelas ruas e praças de Petrópolis, constato que muitas das árvores que choram hoje são as mesmas que choravam na época em que meu avô vivia. Ele também passou por elas. Ele sentou-se nessas praças por onde eu passo, e talvez tenha visto muitas carruagens onde eu hoje vejo carros e ônibus. Ele fazia compras em lugares como a Casa D'ângelo - hoje, um bar e restaurante badalado - e quem sabe, na Sapataria Schettini, Casa Sloper, Confeitaria Obelisco (atual Padaria Petrópolis) e Modas De Carolis. Passo pelas casas onde minha mãe morou quando pequena: em uma delas, hoje funciona a Águas do Imperador. O Colégio Nossa Senhora do Amparo ainda existe, mas sem o internato. No Bairro Duchas, onde meus avós por parte de pai moravam, ainda moram alguns parentes daquelas épocas, mas perdi contato com eles. A casa de meus avós foi demolida. 

Havia um rico senhor da família Moscatel que comprou todas as casas simples daquele bairro. Eu não me lembro dele, era muito pequena quando meus pais iam passear no gramado da chácara dos Moscatel após o almoço de família na casa de minha avó. Meu avô por parte de pai trabalhou para aquela família, e por isso, tínhamos permissão para circular por lá. A única coisa da qual eu me lembro, é de um gramado muito verde, inclinado, sobre o qual eu rolava. E o sol passando pelas folhas das árvores, o brilho em meus olhos quando eu olhava para cima. E é claro, uma sensação de estar segura e protegida. Ainda tenho algumas peças do faqueiro que minha mãe recebeu de presente de casamento da família Moscatel. Ela enrolou as poucas peças que restavam com um elástico, embrulhadas em um bilhete que dizia mais ou menos o seguinte: "Ana, guarde estas peças, você que dá valor a estas coisas. São uma relíquia de família, as únicas peças que restaram do meu faqueiro de casamento."

As peças ainda existem... estão no sótão, enroladas no bilhete, da mesma maneira que ela as deu para mim. Há muito tempo eu não me lembrava delas, até agora... acho que vou mandar descê-las e conseguir um lugar de honra para elas na minha cristaleira.

(continua...)




3 comentários:

  1. Gosto muito das histórias de vidas, tantas lembranças, tantas belezas, que muitas vezes se perdem, sem que ninguém as conheçam. Através delas compreendemos os porquês de nossos hábitos, nossos comportamentos e nossos pensamentos, bem como nosso olhar mais apurado, para as árvores que choram, nas ruas de Petrópolis. Linda e rica sua infância, obrigada, abraços carinhosos
    Maria Teresa

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  2. Gostaria um dia de escrever um pouco sobre a história de meus avós, de meus pais e da minha mesma. Lembro de algumas situações que com a devida inspiração dariam verdadeiros quadros literários, assim como pude perceber em sua linda e atraente narrativa. Parabéns!

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  3. Ana, gostei de ler. Vida, de fato, relembrada com detalhes e com o que a família guardou na memória. As peças que sua mãe lhe deixou merecem, realmente, um lugar especial. Bjs.

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