segunda-feira, 19 de setembro de 2016

FEITIÇOS DE AMOR – CAPÍTULO VII







Na manhã de domingo, antes mesmo que todos se levantassem, acordei com o som da TV no quarto de Flora. Vesti meu roupão e fui até lá, pois queria saber o que tinha acontecido no dia anterior, quando eu estava fora, que poderia ter levado papai a sair de casa sem sequer despedir-se de mim. Encontrei Flora entretida com um filme de terror. Ela nem ergueu os olhos da telinha quando entrei e me esparramei na cama ao lado dela. Olhei o relógio na cabeceira: ainda eram seis e quinze da manhã, e as cortinas ainda estavam fechadas, mas uma luz pálida já atravessava as frestas quando a brisa da manhã, fresca e cheirando a chuva, soprava.

Na tela, uma estranha e medonha criatura perseguia um grupo de adolescentes em uma casa velha, no meio de uma floresta. Flora não gostava daquele tipo de filme, e estranhei que ela o estivesse assistindo. Aproveitei um intervalo para tocar no assunto:

-O que aconteceu ontem quando me ausentei?

Ela bocejou, espreguiçando-se:

-Uma cena de ciúmes, só porque após o jantar papai e Maya foram levar as coisas da mesa até a cozinha e demoraram um pouco a voltar, e mamãe foi atrás deles, e achou os dois de papo perto da pia. Ela fez uma cena tremenda de ciúmes, gritou, esbravejou, tia Maya disse que ia embora, mas Vó Duda a impediu, e então papai achou melhor que ele saísse para evitar novas cenas como aquela. Mas fique tranquila, eles não se separaram nem nada... é temporário, só enquanto a Tia Maya estiver aqui.

-Pois eu acho isso péssimo! Mamãe poderia demonstrar um pouco mais de amor próprio. Achei óbvio demais o modo como ela apareceu toda embonecada ontem. Deixou claro que estava com ciúmes, e deu poderes à Tia Maya. E não sei porque Tia Maya tem que ficar logo aqui, poderia ficar com a Tia Joana e o Tio Nestor. 

-Mas é Vó Duda quem insiste, pois quer que as duas façam as pazes. Ela disse isso ontem. As duas precisam se entender antes que vó Duda... você sabe.

Cortei-a de modo grosseiro:

-Morra. Por que todo mundo tem medo desta palavra? Por falar em morte, acho egoísta a maneira como mamãe está se comportando, brigando à toa na frente da vó, sabendo o quanto ela está doente. 
Poderiam ao menos fingir um pouco.

-Concordo... mas onde você estava ontem, durante todo aquele tempo?

-Lá na beira do rio, pensando na vida.
Ela riu:

-Nossa... você soa como quem tem trinta anos. Agora cale a boca, o filme começou.

Levantei-me da cama em um salto, e voltei para o meu quarto a tempo de ver o celular piscar. Uma mensagem de voz de papai:

-Oi, querida. Estou no Hotel Narciso, se quiser falar comigo. Não se preocupe, está tudo bem comigo e sua mãe, é que eu só quis evitar mais cenas na frente de Vó Duda. Ela ficou bem mal ontem. E por favor, não julgue sua mãe. Não nos julgue. Em breve tudo isso será apenas um pesadelo distante. Se precisar, venha aqui ou então me ligue. Beijos.

A última frase soara um tanto forçada. Se estivesse tudo bem entre eles, ele não teria ido para um hotel. Eu sabia que uma grande ameaça pairava sobre a nossa família, com a chegada de Tia Maya, a doença de vó Duda, os segredos revelados e a partida de Dora. Nada mais seria como antes, o que me assustava. Eu estava acostumada à nossa vida certinha e previsível, e apesar de dizer muitas vezes que gostaria de um pouco mais de ação, na verdade o que eu queria é segurança. Um dia, papai me dissera que segurança é uma palavra vazia de sentidos, pois nada na vida pode ser calculadamente previsto e determinado, pois a vida era sempre cheia de surpresas. Concordei com ele, mas achando que tais surpresas nunca diriam respeito à nossa família. 

Mais ou menos às sete e trinta, escutei o movimento da casa começando: portas batendo e rangendo, barulhos de chuveiro, tilintar de xícaras e talheres na cozinha. Meu estômago roncou, me lembrando de que fazia quase um dia desde a última vez que eu comera. Tomei uma ducha e desci, a fim de resolver pelo menos aquele problema. 

Encontrei Tia Joana na cozinha, pondo a mesa, ajudada por Tio Nestor. Eles me olharam de maneira estranha quando entrei, e vi que Tio Nestor me cumprimentou entre os dentes, e Tia Joana mal me olhou. Sentei-me à mesa:

-Bom dia, gente.

Ambos responderam ao mesmo tempo, as vozes baixas. Tia Joana terminou de coar o café, e sentou-se na minha frente:

-Eleanor... preciso perguntar o que está acontecendo entre você e Dora. Sempre foram tão amigas!

Fingi inocência, e comecei a brincar coma  colher dentro da xícara:

-Não sei do que você está falando, tia. 

-Não se faça de boba. Sei que você está vivendo momentos difíceis, mas isso não é motivo para destratar minha filha. O que houve?

Eu pigarreei, tentando evitar aquela conversa – que com certeza, teria que acontecer. Olhei de rabo de olho, e vi Tio Nestor me olhando fixamente, com um ar entre zangado e magoado. Ele disse:

-Nunca vi vocês assim, tão afastadas, e tudo começou quando você ficou sabendo que Dora foi aceita no programa de TV. 

Eu não respondi. Nervosa, senti a garganta apertar e doer. Se falasse, choraria, então apertei a colher com força entre os dedos e evitei olhar para eles. Tia Joana falou:

-Eleanor... esta será a primeira vez que você e Dora ficarão separadas. Talvez seja isso? Você está com medo de perder sua amiga?

Concordei com a cabeça, sabendo que ela estava certa, mas havia algo mais que eu não queria admitir: a inveja e o ciúme. O medo de ficar sozinha naquela cidadezinha enquanto acompanhava a carreira de Dora pela TV e pelas revistas. O pavor de ver minha prima gordinha alcançar um sucesso que pertencia, ao meu ver, às pessoas bonitas e populares como eu. A frustração por não ter nenhum talento especial que me diferenciasse da maioria das pessoas. Eu queria ser especial como ela, saber cantar e tocar um instrumento, compor e escrever poemas. Mas apesar de já ter secretamente tentado, eu era um fracasso. Minha voz desafinava, e quando pegava num lápis ou me sentava ao computador, só saiam coisas ridículas e desconexas, sem sentido, ridículas mesmo. Eu me sentia ridícula diante de Dora, e por isso, fingia que eu era superior e fazia com que ela andasse sempre à minha sombra, manipulando-a de todas as formas e deixando-a sempre à mercê de minhas escolhas. E queria acreditar que era assim: eu era a prima e amiga legal que ajudava a outra amiga a sentir-se alguém, e sem mim, ela não seria nada. 

Gostava de pensar que a minha amizade era um presente que ela deveria valorizar e jamais desprezar ou contestar, sob o risco de perde-la. Tia Joana suspirou:

-Menina, vocês estão crescendo. A vida não pode ficar sendo sempre a mesma coisa, sabe? As pessoas mudam, as coisas mudam. Mas mesmo assim, tais mudanças podem ser muito boas! Tenho certeza de que a amizade de vocês pode ser para sempre. Acredite em mim, Dora está sofrendo com a sua atitude. Ela esperava mais apoio de sua parte. Ela esperava que você a elogiasse, dissesse que acredita nela e que a apoia. É isso que os amigos de verdade fazem.

Dizendo aquilo, ela começou a colocar os pães e o bolo sobre a mesa. 

Tia Maya apareceu à porta, usando uma camisola preta longa sob um penhoar rendado. Os cabelos pretos estavam presos em um coque meio-desmanchado, e ela estava sem maquiagem, embora deslumbrante. Espreguiçando-se e beijando Tia Joana no rosto, exclamou:

-Nossa! Que cheirinho bom! – e me olhando: - Bom dia, Eleanor. Bom dia a todos.

Eu não respondi, mas fiquei olhando para ela de rabo de olho. Meus sentimentos a respeito de Tia Maya eram confusos, e eu não sabia como reagir a ela. Tio Nestor serviu-se de um gole de café que ele colocou em um copinho que estava sobre a pia, e pegando uma fatia de bolo, começou a comer de pé, junto à pia, e de boca cheia, disse:

-Vou indo. Bom dia pra quem fica. Tenho que abrir a loja.

Eu disse:

-Mas hoje é domingo!

Ele concordou:

-Eu sei. Mas um fornecedor fará uma entrega hoje cedo e tenho que estar lá. Mas volto para o almoço, que hoje vai ser lá em casa, Ok, Maya? Em homenagem à sua chegada.

Ela concordou, sorrindo:

-OK! Obrigada, Nestor! Vocês estão sendo uns anjos para mim. Espero conseguir dobrar Agnes... queria tanto que ela me aceitasse!

Achei a voz dela um tanto afetada. Tio Nestor saiu.  Naquele momento, mamãe entrou, já vestida e – surpresa – maquiada.

-Bom dia, gente.

Ela sentou-se e começou a tomar o café, servindo-se de uma grossa fatia de bolo. Logo, Vó Duda entrou na cozinha, usando um vestido cinza com pala bordada de preto. Eu adorava aquele bordado, feito à mão por ela mesma. Eram umas rosas de formato intrincado, que pareciam mover-se ao sabor do vento. Só ela conseguia dar movimento a um simples bordado. Flora chegou em seguida, beijando a todos – inclusive Tia Maya. Estávamos todos comendo em silêncio, quando a porta dos fundos abriu e papai entrou:

-Bom dia!

Ele também sentou-se à mesa conosco. Mamãe corou ao vê-lo, e eu notei que ele evitava olhar para Tia Maya – talvez com medo de começar outra cena. Vó Duda, com sua impecável e habitual sinceridade, cortou o silêncio:

-Bem... afinal, a família está reunida novamente. E espero que desta vez, sem nenhuma palhaçada como a de ontem (ela fuzilou minha mãe com os olhos, e mamãe corou novamente). Agora acho que já passou da hora de colocarmos os pingos nos ‘is.’ Eu não tenho mais tempo e nem energia para desperdiçar.

Ficamos todos pouco à vontade, esperando ela continuar. Vó Duda saboreou nosso silêncio, tomando seu café, e depois emendou:

-Hoje eu quero deixar uma coisa bem clara entre os membros desta família: quero que vocês possam se entender. E você, Berto, vai tratar de ficar em sua casa junto à sua esposa e filhos, onde é o seu lugar. 

Papai interrompeu-a:

-Mas vó Duda, eu acho melhor...

-Cale a boca. O melhor para uma família é que seus membros se entendam e permaneçam unidos.
Naquele momento, notei a falta de Dora. Mas não me atrevi a interromper vó Duda a fim de perguntar sobre ela. Vó Duda continuou:

-Maya, você foi a mais injustiçada de todos. Eu a mandei para longe, quando deveria ter insistido que você ficasse e lutasse pelo que era seu. Ao invés disso, apoiei os caprichos de Agnes, achando que assim estaria protegendo você dos arroubos dela. Eu peço desculpas. Seu lugar é entre os membros desta família à qual você pertence, e é amada por todos nós, inclusive por Agnes. Porém, as coisas agora estão assim: Agnes e Berto estão casados, e tem duas lindas filhas, e é assim que as coisas devem permanecer. Respeite este arranjo.

Tia Maya baixou os olhos, mas não disse nada. Mamãe pigarreou, desconfortável, mas também ficou calada.

-Quanto a você, Agnes... você errou muito, e continua errando. Trate bem à sua prima, que na verdade, deveria ser considerada como uma irmã. Os erros do passado já estão no passado, e não podem ser mudados, mas podem ser perdoados. Perdoe Maya, pois ela tem muito mais a perdoar de você do que você dela. 

Todos achamos que ela já tinha terminado, mas após alguns minutos de silêncio, Vó Duda voltou a falar:

-Quanto a vocês, Joana e Nestor, vocês estão responsáveis por esta família depois que eu me for, já que parecem ser os mais sensatos por aqui. sua missão é manter a todos unidos, sempre. (e olhando para mim):

-E você, mocinha, não cometa os mesmos erros que estou tentando consertar: fique feliz pelo sucesso de sua prima e amiga, dando a ela o apoio de que necessita. 

Eu me encolhi na cadeira, sentindo vergonha. Olhando para Flora, Vó Duda exclamou:

-E você, minha pequena flor, é o mais lindo fruto desta família. Agora, vamos todos tratar de seguir com a vida e deixar para trás o que houve ontem. 

Após terminar de falar, o semblante de minha avó assumiu um ar cansado e triste. Pareceu a mim que ela tinha colocado uma grande parte de sua energia – a que lhe restava – na elaboração daquele discurso. Depois do café, ela foi deitar-se novamente. 

De fato, parece que depois daquela manhã as coisas começaram a melhorar entre todos. Ninguém podia negar a força da influência de vó Duda. Finalmente, pude perguntar por Dora, no que Tia Joana respondeu:

-Ela está em casa, com o seu pianista...

Quase caí da cadeira:

-Fred está lá?

-Você já o conhece?

Contive meu entusiasmo, enquanto estava sob os olhares de todos:

-Sim, de vista, pois eu indiquei o caminho para ele ontem à noitinha. 

Flora logo percebeu meu interesse:

-Pelo jeito, deve ser um tremendo gato.

Arregalei os olhos:

-É bonitinho sim...

Todos riram. O ambiente se descontraiu, e o café da manhã terminou sem maiores perturbações.
Mais tarde, fomos todos almoçar em casa de Tia Joana e Tio Nestor. Eu passei algum tempo escolhendo uma roupa legal, pois fiquei sabendo que Fred estaria lá – convidado de Dora para o almoço. O fato de minha prima não ter me falado que estava pensando em contratar um pianista para tocar com ela não me afetava mais. Eu só pensava em rever Fred. 

Acabei escolhendo um vestido estampado com flores miúdas, coberto por uma renda preta. Calcei um par de sandálias baixas, escovei os cabelos tentando fazê-los brilhar o máximo possível, passei um pouquinho de blush, delineador sob os olhos e um batom incolor. Achei que meu visual despojado agradaria um músico como ele. Flora, usando sua velha jardineira jeans, surpreendeu-se ao me ver no corredor:

--Nossa... então a coisa é séria.

Eu ri, mas não respondi. Eu não tinha a mania de responder as perguntas retóricas das pessoas. 

Quando chegamos lá, as mulheres foram para a cozinha, papai e Tio Nestor foram olhar algumas coisas na oficina e Vó Duda sentou-se na poltrona, junto à janela, onde uma brisa refrescante soprava. Eu, Flora , Dora e Fred fomos até o quarto de Flora, a fim de escutar o arranjo que Fred tinha feito para uma das músicas de Flora. A letra tinha sido escrita por ela, e o arranjo estava perfeito. Ele a acompanhou, tocando violão. Contou-nos que tocava piano, violão e baixo. 

Enquanto a música era executada – a voz perfeita de Dora parecia ter sido feita para o arranjo de Fred – eu não conseguia tirar os olhos dele. Tentei disfarçar, mas eu estava simplesmente apaixonada. Olhava os dedos dele que percorriam as cordas do violão com maestria, os cabelos ondulados que às vezes caiam sobre a testa, dando-lhe ainda mais charme, a boca perfeita se abrindo em um sorriso e deixando revelar os dentes tão brancos. Eu queria beijar aquela boca!
Finalmente, fomos chamados para almoçar, e o encanto que eu sentia foi quebrado por alguns instantes.

Eu nunca ficara tão fragilizada perto de um rapaz antes. Sempre sabia o que dizer e dominava a situação com graça, mas Fred me deixava tímida, sem-jeito. Eu derrubei o copo de suco, espetei a boca com o garfo, e ao espetar uma coxa de frango, vi-a escorregar para fora do prato e aterrissar sobre a toalha de linho branco de Tia Joana. 

Fred foi o alvo das atenções, respondendo às perguntas de todos com simpatia. Vi que Vó Duda também se deixara apaixonar pelos encantos dele. Depois do almoço, ele a ajudou a sentar-se no sofá, e pegando o violão, tocou para ela uma antiga canção, tão antiga, que surpreendeu a todos o fato de ele conhece-la. Flora me olhava de soslaio, e erguia a sobrancelha, piscando quando ninguém estava vendo. 

Era impossível não se apaixonar por ele. Eu estava bebendo de sua presença, e me deixando embriagar rapidamente, enquanto ele era tão gentil comigo quanto o era para com todos. Nem me passava pela cabeça que ele não se apaixonaria por mim, pois eu sempre tivera todos os garotos aso meus pés. Achei melhor começar a jogar o meu charme, e de tardinha, quando alguns assistiam TV, outros conversavam no jardim e vó Duda dormia no sofá, aproximei-me dele. Estava sentado na varanda, dedilhando o violão de minha prima. Dora tinha ido ajudar Tia Joana na cozinha.

-Oi, Fred.

Ele abriu um sorriso ao me ver.

-Oi, Eleanor. Sente-se aqui ao meu lado!

Obedeci bem depressa, cheia de entusiasmo, e fiz questão de roçar meu joelho no dele rapidamente. 

-O que você está tocando?

-Nada... é só uma ideia que tive para uma música.

-Dora deu sorte em poder contar com você, pois você toca muito bem!

-Obrigada, Eleanor.

Meu nome sendo dito por ele era a música mais bonita. Joguei meus cabelos para o lado, deixando que caíssem sobre um dos ombros, sabendo que meu perfume exalaria até ele. De fato, ele respirou mais fundo:

-Adoro este perfume. É Nina, não é?

Sorri, concordando com a cabeça:

-Sim, é meu favorito também.

De repente, ele pareceu melancólico, e encostou o violão contra a parede.

-O que foi?

Ele baixou os olhos, cruzando as mãos entre os joelhos entreabertos:

-Este perfume me faz lembrar de alguém.

Uma pessoa que foi muito especial para mim.

Fiquei com ciúmes; afinal, estaria ele apaixonado por alguém?

-Alguém que fez ou faz parte de sua vida?

-Alguém que fez parte... estamos separados há um ano. 

-E ficaram juntos por quanto tempo?

-Por cinco anos, desde que eu tinha 15. 

Fiz as contas rapidamente: Fred tinha vinte anos de idade. Cada coisinha que eu conseguia descobrir sobre ele ficava rolando dentro da minha cabeça de um lado para o outro, como uma bala de sabor muito doce: “Ele sabe tocar violão e baixo além de piano.... está se preparando para fazer faculdade de Direito no ano que vem... não tem irmãos nem irmãs... no momento, tem uma banda de rock, e eles tocam em alguns bares e restaurantes nas noites de quinta e sexta... e ele teve alguém importante em sua vida... e tem vinte anos...”

E ele é lindo. E cheira bem. E é a pessoa mais sexy que eu já vi. E tem uma voz de veludo azul, com toques de vermelho nos cantinhos. E seu hálito cheira a hortelã e chá de erva cidreira. E ele está sentado bem junto de mim, e se eu quiser, posso estender a mão e tocar em seu rosto. Vejo os pelos dos braços dele se arrepiarem ao falar do seu ex-amor. Me atrevi a perguntar:

-O que aconteceu? Vocês brigaram?

-Não. Ela morreu. Ficou doente, sabe... durante um ano e meio. Sempre pensei que ela sairia daquela, afinal, essas coisas só acontecem com os outros. 

Imediatamente, entendi o carinho que ele tivera por minha avó desde o início, e me envergonhei de 
trazer à tona memórias tão doloridas.

-Me desculpe, eu não sabia... desculpe... nossa, como sou sem-jeito!

Ele sorriu tristemente:

-Não se preocupe, gosto de falar sobre Helena. Mas já estou bem agora. A gente se acostuma, sabe... eu é que peço desculpas, afinal, mal nos conhecemos e venho despejar meus problemas sobre você.
E ele imediatamente colocou uma barreira entre nós. Tornou-se mais frio, e a intimidade que nascera recolheu-se, para meu desencanto. Ele ainda estava muito apaixonado pela outra menina, ou pela imagem dela que restara. Eu teria que ir com calma, ter mais paciência e tato.

Dora aproximou-se, e logo percebeu o clima entre a gente. Não disse nada, mas eu sabia exatamente o que ela estava pensando. Esta é a vantagem (ou desvantagem) de se conhecer alguém tão bem quanto nós nos conhecíamos.


(Continua...)




Um comentário:

  1. Problemas de família todos têm, não tem jeito mesmo, o ciúmes parece ser o maior desencadeador de desavenças. Como fui filha única, não fazia ideia dessas desuniões.
    Suas histórias parecem bem reais, gratidão pela partilha, abraços carinhosos
    Maria Teresa

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