segunda-feira, 17 de outubro de 2016

FEITIÇOS DE AMOR – CAPÍTULO XII







Dora chegou no dia seguinte. Perderia o final da nova fase do programa, e apesar de todos terem insistido para que ela ficasse, já que não havia mais nada a ser feito, ela preferiu voltar. Com certeza, teria sido a vencedora. O programa iria ao ar na noite de natal – dali a três dias – e ela não estaria lá. Eu achei uma bobagem ela ter jogado fora a chance de sua vida por causa da morte de vó Duda, que já era anunciada. No contrato estava explícito que desistentes não teriam uma nova chance. 

Eu acho que não teria feito a mesma coisa, mas muitos anos depois, compreendi que Dora tinha uma grandeza de espírito e valores bem diferentes dos meus naquela época. Era mais sensível e madura, e a coisa mais importante para ela, era a família. 

Quando nos vimos, já no velório de Vó Duda, Dora, que tinha ido direto para lá, chegada de viagem, estava de mãos dadas com Fred. Ao ver-me, ela soltou a mão dele, e veio em minha direção, envolvendo-me num abraço que fez desmoronarem todas as minhas resistências: eu literalmente desabei nos braços dela, e naquele momento, Fred era a figura menos importante daquele cenário. Eu o vi cumprimentando formalmente cada membro da família, e depois, ele veio até mim, apertando minha mão formalmente, e depois, sentou-se em um canto da sala, sozinho. Dora ficou comigo o tempo todo, abraçada a mim, ora enxugando minhas lágrimas, ora chorando junto comigo. Mamãe estava inconsolável, enquanto Tia Maya, mais serena, segurava a mão dela. Tia Joana, mais madura, tentava ser forte para as outras duas, mas também estava muito triste. Vó Duda, a figura mais importante daquela família, estava morta. Tia Joana prometera a ela que cuidaria daquela família e a manteria unida. Eu imaginava o peso enorme que ela carregava nos ombros, sem nem mesmo saber de toda a história com a qual teria que lidar. 

Flora, abraçada a papai, não chorava; parecia em estado de choque, e imaginei que ela ficava pensando na cena que vira ao chegar na sala, no dia anterior, e do susto que levara. Alguém dera-lhe um comprimido que a deixara apática, e talvez fosse melhor assim, pois em casa, antes de sairmos para o velório, ela tivera um ataque de nervos, chorando e tremendo sem parar. 

Érica aproximou-se, me abraçou, deu-me os pêsames, e quando nossos olhares se cruzaram, pude ler suas palavras, embora não ditas naquele momento: “Eu não te disse?”

Vó Duda se fora. Eu nunca mais a veria. Chegaria em casa sem deparar com sua figura forte e decidida resolvendo todos os problemas, e ralhando comigo: “Você perdeu o almoço.”  Seu quarto estaria vazio para sempre, e suas coisas seriam doadas algum dia. Sua presença ficaria apenas nas fotos e nas lembranças. 
Após o funeral, que aconteceu debaixo de uma chuva de primavera contínua e fresca, fomos todos para casa em silêncio. Ao abrirmos a porta, vimos a casa toda decorada para o Natal, a árvore de família comprada há muitos anos por Vó Duda num canto da sala, os presentes já empacotados sob ela. A presença dela ainda era forte, e eu respirei fundo, descobrindo no ar o mesmo perfume de talco floral que eu sentira ao cobri-la na tarde do dia anterior. Ela ainda estava lá, e eu poderia fingir, durante alguns segundos, que tudo estava bem. Sentei-me no sofá, fechando os olhos e tentando captar a atmosfera da casa dos tempos em que minha avó andava por ela, dando ordens e colocando as coisas todas em seus lugares. Lembrei-me das tantas vezes em que ela me aconselhara, resolvendo meus grandes problemas de menina, transformando-os em pequenos assuntos perfeitamente tratáveis. Ela tinha o poder de dar aos problemas suas verdadeiras dimensões, expondo sua visão prática das coisas e levando todo mundo junto com ela em seu raciocínio sempre lógico e sensato. 

Eu tive, naquele instante, a clara impressão de que era por causa dela que aquela família ainda estava unida. O que seria de nós agora, que teríamos que resolver nossos próprios problemas e lidar com nossas limitações sem a ajuda dela? 
Flora subiu para o seu quarto, e papai e mamãe também. Tia Maya foi para a casa de Tia Joana com ela e Tio Nestor. Dora me abraçou, dizendo que estava exausta pela viagem e que iria descansar um pouco, e deixou a casa junto com Fred. Fiquei sozinha na sala de estar, ouvindo o relógio de parede tiquetaquear. 
De repente, senti o assento do sofá mover-se com o peso de alguém que se sentava suavemente ao meu lado. Abri os olhos, e deparei com Fred. Surpresa, endireitei-me, passando as mãos pelos cabelos instintivamente. Ele me olhou com carinho, e nossos olhares se prenderam por um longo momento, até que ele falou:

-Sinto muito pela sua avó, Eleanor. Mal a conheci, mas gostei dela imediatamente. Era uma pessoa muito sensata e boa, e... bem, eu sinto muito que as coisas tenham terminado assim.

-Todos sabíamos como as coisas terminariam, Fred, inclusive ela. Mesmo assim, obrigada. Mas... nós ... ela tinha realmente melhorado, e chegamos a acreditar que estava e curando. Ela nem ia mais às consultas médicas... achamos que o médico tinha se enganado. Outro dia mesmo, eu e Flora falamos sobre o quanto Vó Duda parecia melhor, e Flora disse que tinha feito um feitiço para que ela se curasse, sabe... e foi exatamente Flora quem a encontrou, ontem. Ela deu um grito. Eu vim correndo lá da cozinha. Eu a cobrira há apenas alguns minutos, sem perceber que estava morta. Foi horrível, Fred... ainda bem que Dora não estava aqui nos piores momentos, dei graças por ela estar bem longe, e feliz, e com você...

De repente, dei-me conta das bobagens que estava dizendo, e corei. Baixei os olhos, calando-me, e Fred, as sobrancelhas cerradas, o rosto muito vermelho, nada disse. Ele apenas deixou que eu falasse e desabafasse. De repente, compreendi que fora Dora quem o mandara ver como eu estava. 

-Foi Dora quem pediu para você vir, não foi?

-Foi, mas eu viria de qualquer jeito. Afinal, somos amigos, não somos? Ela me disse o quanto você era ligada à vó Duda, e... é importante para Dora que você e eu sejamos amigos, sem ressentimentos.

-Talvez ela queira ter certeza de que não vai rolar nada... (mais uma vez, envergonhei-me da minha falta de tato, e desculpei-me imediatamente).

Fred não respondeu, mudando de assunto:

-Mas a vida não parou, Eleanor. Daqui a pouco será Natal, e tenho certeza de que sua avó gostaria que vocês celebrassem a data juntos. A vida continua, sabe... e sempre que você precisar de um amigo para conversar, pode contar comigo.

Ele falou aquilo com tanta certeza que fiquei me perguntando o quanto Dora contara a ele sobre os problemas e segredos de nossa família. Ao mesmo tempo, senti que ele falava exatamente como se fosse um homem bem mais velho, tentando me dar conselhos e apontar o óbvio, usando os clichés que eram geralmente usados por pessoas comuns em situações como aquela. Fiquei com raiva dele, pois não gostava de ser tratada daquela forma. Sempre odiei clichés e opiniões de pessoas de fora sobre meus problemas, opiniões de quem não convivia comigo e queria me dizer o que fazer. Já tinha brigado com uma professora por causa daquilo: ela estava sempre tentando fazer perguntas sobre minha vida pessoal, em uma época em que minhas notas na escola estiveram baixas.

-Sabe Fred... eu tenho uma porção de pessoas com quem contar antes que eu precise contar com você. Mas obrigada mesmo assim.

Eu nem sabia direito porque dissera aquilo para ele. Mas eu disse, e fiquei vendo o constrangimento formar-se no rosto dele, enchendo seus olhos d’água, fazendo com que ele torcesse as mãos de tanto desconforto. Mas no fundo, eu sabia muito bem porque eu estava sendo cruel: meu orgulho estava ferido porque ele não me amava.

E eu amava aquele garoto. De uma forma violenta. Constrangedora. Absurda. Fossem ou não os sentimentos confusos de uma adolescente, eu o amava. E meu ressentimento por não ser amada de volta, me fazia dizer aquelas coisas. Quem sabe, a dor faria com que ele me notasse?

Mas eu sabia que tinha sido grosseira, e achei melhor não pedir desculpas novamente. Ao invés disso, mudei de assunto, poupando a ambos ainda mais constrangimento:

-Sinto muito por vocês terem sido desclassificados do programa.

Ele fez uma cara confusa:

-Como assim, desclassificados?

Fiquei atônita; ele não tinha lido o contrato? Insisti:

-Vocês abandonaram o programa, e então serão desclassificados. É parte das regras!

Ele riu, compreendendo, afinal, e respondeu:

-Não; passamos a noite gravando nossa última participação nesta fase. O diretor concordou. Foi muito cansativo e difícil, mas pudemos contar com o apoio e a compreensão de toda a equipe. Não seremos desclassificados, Eleanor. É por isso que Dora está tão cansada; nós não dormimos a noite toda. E pegamos o voo das cinco da manhã para chegar aqui a tempo, e viajamos uma hora de ônibus do aeroporto até o velório. 

Compreendi as olheiras profundas debaixo dos olhos de ambos. Saber que ainda estavam concorrendo me fez deparar com sentimentos confusos: Dora não estava de volta, afinal. Depois do Natal, eles iriam embora. Ela iria embora. Fiquei ressentida e feliz por ela ao mesmo tempo. Feliz também por ele. Mas triste por mim. Decepcionada. Confusa.

Confusa.

Minha cabeça doía, e eu disse a ele que eu também estava muito cansada, e precisava dormir. Ele se despediu com um beijo que queimou a minha testa, e que me fez sentir o calor dos lábios dele  na minha  pele até eu adormecer.
Acordei algumas meia hora depois com gente falando na sala de estar. Ainda zonza de sono, desci e deparei com a sala cheia de vizinhos e amigos, que traziam todo tipo de comida. Mamãe, papai, Tia Joana, Tia Maya, Tio Nestor, Érica e seus pais, Flora, Dora, Fred e até mesmo Davi estavam lá, recebendo as pessoas, levando tudo para a geladeira. Eu me sentei nos degraus e fiquei desfrutando aquele cenário, agradecida por ter pessoas tão bacanas em volta de nós. Mas eu não estava a fim de ser sociável. Quando todos foram embora, minutos depois, e ficamos apenas mamãe, papai, Dora e eu, desci as escadas e fui até a cozinha. Encontrei-os sentados à mesa, dividindo a refeição. Quando me viram, ergueram os olhos na minha direção, convidando-me a juntar-me a eles. 
Mamãe explicou-me que Tia Joana, Tio Nestor, Dora, Fred, Tia Maya e Davi estavam na outra casa. Achei melhor assim. Não queria ver Dora e Fred “arrulhando” um para o outro na minha frente. Na mesma hora, senti-me mesquinha por pensar daquela forma. Papai disse:

-Bem, gente... a vida continua. E nós vamos ter a nossa festa de natal aqui em casa, como fazemos todo ano. Convidaremos as mesmas pessoas. Será uma linda ocasião.

Protestei:

-Mas Vó Duda acaba de ser enterrada! Não acho conveniente que a gente comemore!

Mamãe disse:

-Querida... naquela mesma tarde, depois que você foi para o seu quarto, nós estávamos na sala conversando sobre isso, e vó Duda manifestou o desejo de que a festa fosse feita, caso ela morresse. Ela disse que queria ter o prazer de ver a família toda reunida, estivesse onde estivesse. Achei estranha aquela conversa... mas agora eu compreendo melhor.

Olhei para Flora, e ela concordou com a cabeça, dizendo que era verdade o que nossos pais diziam. Uma lágrima desceu pelo rosto dela, que parou de mastigar e disse, a bochecha ainda cheia de comida:

-Ela se despediu da gente, Eleanor... e a gente nem percebeu. Ela sabia que ia morrer ontem. Abraçou todo mundo. Pena que você não estava aqui em baixo.

Papai consolou-a:

-Não chore, minha menininha... tudo isso vai passar. Vamos tentar levar nossas vidas adiante. Vamos fazer o que ela tanto queria, e ficar unidos. Vocês sabem que Vó Duda foi  mãe que eu não tive. Nunca a vi como minha sogra, ela me recebeu de braços abertos e eu lamento muito pelas vezes em que a magoei... precisamos compensar por todos os erros que cometemos.

Eu estava achando aquela conversa toda patética. Parecia ser parte de um dramalhão mexicano. Vó Duda não era daquela maneira, ela não era de fazer dramas! Toda aquela lengalenga me irritava profundamente. Sem querer, ergui a voz:

-Mas o que está acontecendo com vocês? Nós não somos assim, tão... piegas! Vó Duda não era assim. O que deu nessa família? Acham que esse ar de arrependimento enganará Vó Duda, esteja ela onde estiver? 

Mamãe gritou:

-Cale-se, Eleanor! Você não respeita os sentimentos alheios?

-Respeito, quando são reais, mãe! Mas isso é patético! Olhem só pra vocês!

Saí correndo dali. Na minha cabeça, eu via minha mãe, uma manipuladora que enganara e continuava engando Tia Maya; meu pai, um homem que, por medo de mudar e assumir seus próprios sentimentos, permanecia ao lado de uma mulher que não amava mais, enquanto o grande amor de sua vida estava bem ali, se jogando nos braços de outro bem na sua frente; minha irmã, sempre tão forte, bancava a frágil garotinha. Tudo era mentira. 

Corri e corri, indo parar novamente na beira do rio onde eu sempre ia quando me sentia oprimida ou aborrecida com alguma coisa. A proximidade da água, o ruído calmante da correnteza, o canto dos passarinhos, a inocência da natureza, tudo me deixava mais calma. 

Eu me surpreendi ao encontrar Tio Nestor sentado na outra margem, pescando calmamente. Sozinho. 

Ele me viu, e era tarde demais para voltar e fingir que eu não o vira. Ele também percebeu que eu estava chorando, e vagarosamente, recolheu seu material de pesca, caminhando até onde eu estava – para meu desgosto, que tinha ido ali a fim de ficar sozinha. Tio Nestor era parte da família, mas nunca conversávamos muito. Ele era como se fosse parte do cenário, um a presença constante, alguém que estava sempre ali mas nunca participava de verdade. Calado, calmo, silencioso, avesso aos dramas familiares, quem sabe, indiferente a eles. Estranhei a presença dele ao meu lado, e nada disse. Deixei-o ficar ali. ele desenrolou a linha, colocou o anzol e jogou-o na água, sentando-se calmamente ao meu lado. Grunhiu, como era de costume:

-Você não anda nada bem, hein?

Não respondi. Como poderia estar bem com tudo o que estava acontecendo naquela família? E como ele poderia estar bem?

Ele ficou em silêncio. Vimos a rolha afundar na água, e ele ergue-se, enrolando a linha no carretel rapidamente, pegando um peixe dourado que se debatia. Senti pena do bicho, que lutava pela vida. Lembrei-me de quantas vezes eu comera os peixes pescados naquele rio sem nem sequer cogitar que para que eu os comesse, eles precisariam morrer antes, passando por todo aquele processo de lenta sufocação. Ele o colocou dentro do isopor. Num impulso, enfiei a mão lá e pegando-o, joguei-o de volta na água. O animal ainda deu um salto, as escamas brilhando aos últimos raios de sol, e nadou para longe. Eu tio me olhou, os olhos esbugalhados:

-Hey! O que foi isso, menina?

-Uma morte por dia é o bastante. Além disso, tem comida lá em casa que vai dar pra semana toda. Aposto que na casa de vocês também tem.

Ele riu, concordando com a cabeça.

-Na verdade, só vim aqui para relaxar. Muita tensão, sabe.

-É. Muita tensão.

-Tá chorando por causa da Vó Duda? Isso não vai trazê-la de volta.

-Eu sei, tio. Sabe, às vezes, você é um perfeito idiota.

Ele me olhou, rindo. Não parecia estar magoado comigo. Ao invés disso, respondeu, o tom de voz normal, de quem acaba de concluir um fato óbvio:

-Você também.

Aquela resposta me surpreendeu. Eu acabei caindo na risada. Ele desmanchou meus cabelos, passando a mão no alto de minha cabeça como se eu fosse uma garotinha. Endireitei meus cabelos. Olhei para ele, que começava a recolher sua tralha novamente:

-Já vai?

-Já. Fazer o que por aqui, se eu não posso pescar e você não está a fim de papo?

-Senta aí, tio. Por favor. 

Ele acabou de juntar as coisas, e sentou-se de novo. Os grilos já começavam a cantar, aproveitando o comecinho da noite.

-Logo vai escurecer, Eleanor. Precisamos ir. Ou isso aqui vai encher de morcegos. E mosquitos.

Dizendo aquilo, ele espantou alguns que voavam em volta da gente. Pegou o repelente na mochila, me dando um pouco, e espalhamos tudo na pele, fazendo os mosquitos se afastarem. 

-Tio, a Dora está muito apaixonada pelo Fred, não está?

-Parece que sim.

Ele não entrou em detalhes, e eu sabia que se eu perguntasse alguma coisa a mais, ele não me diria. Tio Nestor era assim: calado. Só falava o suficiente, o que era um arranjo bem adequado, pois Tia Joana falava pelos cotovelos. Mas para meu espanto, ele começou:

-Você queria saber se tem alguma chance com o Fred, não é? Pois eu acho que tem, Eleanor. E estou dizendo isso mesmo sabendo que a minha filha Dora poderá se machucar. Porque eu sinto que cedo ou tarde, é o que vai acabar acontecendo mesmo. O menino vive falando da namorada que morreu. Ele não a esqueceu. Tentei abrir os olhos de Dora, mas ela está cega de paixão. Joana também falou com ela, sabe, mas Dora acha que conseguirá fazer com que Fred esqueça a ex. mas é impossível competir com uma rival que já morreu, e que está ainda muito viva na memória de alguém que não quer esquecê-la. 

Ele fez uma breve pausa, e depois continuou:

-Joana foi arrumar as coisas dele na gaveta, e achou uma foto da menina morta entre as coisas dele. 

Achei aquilo bizarro. Senti pena de minha prima.

-Quem sabe, se você falasse com ela, ela ouviria você? sempre foram tão amigas...

Eu ri:

-É. Mas agora somos rivais... acho que não seria adequado tentar convencer Dora a tomar cuidado com o Fred, não é, tio?

Ele pensou um pouco antes de responder:

-Tem razão... mas eu acho que ele tem uma quedinha por você. Acho mesmo. Está fascinado pela Dora, por causa da música que ela faz. Mas ela não é a garota certa para ele. Eu não vejo os dois se acariciando ou se beijando. Ficam de mãos dadas como dois irmãozinhos, e ela contou à mãe que ele não... você sabe... durante todo esse tempo em que ficaram juntos e sozinhos, só namoraram. Não rolou nada entre eles. Talvez seja até por causa do programa, a imagem que eles tentam passar de casalzinho feliz. O marketing. 

-Será, tio? Mas... se isso for verdade, ela vai sofrer muito por ele!

-A gente não pode impedir quem a gente ama de sofrer. Faz parte da vida, do aprender a viver. 

Mas alguns minutos de silêncio, e ele disse:

-Eu já percebi a forma como Fred olha para você, e é bem diferente da forma como ele olha para a minha filha. Ele te olha com paixão. Uma paixão que poderia fazer com que ele esquecesse a outra.

Corei: aquela declaração, vinda de Tio Nestor, era no mínimo, inusitada. Com certeza, ele estava enganado. Eu disse aquilo a ele:

-Tio, você está errado. Só pode estar.

-Eu sou homem, e eu sei. Ele olha para você da mesma forma que...

Ele se calou, corando. Eu completei a frase:

-Da mesma forma que meu pai olha para Tia Maya, não é?

Ele concordou com a cabeça, levantando-se do chão e batendo o barro das calças. 
Me puxou pela mão:

-Vamos voltar para casa. Ainda tem muita água debaixo dessas pontes mal construídas, menina. Pontes que sua avó sedimentou, pensando ser o melhor para todo mundo. Mas agora que ela se foi, eu não sei se as estruturas vão suportar tanta água. Fique preparada, querida sobrinha. 

Eu sabia que ele estava coberto de razão. 






3 comentários:

  1. A cada capítulo aumenta a tensão e e a nossa expectativa. Estou amando acompanhar esse conto Ana
    Lindo demais!
    Beijos e uma linda semana

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  2. Eu gosto de ler, mas confesso que ultimamente não tenho lido muito.

    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  3. Boa noite, Ana, o teu conto, nos faz refletir como viver é complicado, como nossos sentimentos nos traem...
    Bom, agora com vovó Duda morta, todos vão se libertar...
    Abraços carinhosos
    Maria Teresa

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