terça-feira, 13 de dezembro de 2016

MINHA VIDA, SUA VIDA – FINAL



Karen e Mafalda colocaram Edith, que desmaiara, deitada no chão, e uma almofada sob sua cabeça. 

-Ela não conseguiu suportar o susto de nos ver tão parecidas. – disse Mafalda.

-Não acha melhor chamarmos um médico? Afinal, ela não é mais uma garotinha.

-Não, olhe: ela já está acordando!

Edith abriu os olhos e deparou com as duas moças olhando para ela, preocupadas. Por um momento, não soube identificar qual delas seria a sua menina, pois ambas tinham os cabelos presos. Porém, lembrou-se de que 
Mafalda tinha a pele bem mais clara que a de Karen. 

-Você está bem, Edith?

-Sim, meu tesouro. Acho que fiquei tempo demais lá fora, no sol.

-Não foi a surpresa? A de nos ver assim, tão parecidas?

Edith tentou levantar-se, e as duas a ajudaram, levando-a para o sofá da sala. Uma das copeiras trouxe um copo de água com açúcar –e ela também levou um susto ao olhar para as meninas, dizendo que parecia que a menina Bella estava de volta. As duas riram.

Mafalda falou, apontando para Karen e para si mesma:

-Bem, como você pode ver, alguma coisa estranha está acontecendo aqui. Espero que Nono tenha uma explicação para isso. 

Edith concordou com a cabeça, e achou melhor não dizer nada. Mas seus olhos se encheram de lágrimas que ela não conseguiu segurar. Karen concluiu:

-Edith, você deve saber de alguma coisa. Nono lhe disse algo? Porque eu notei que ele ficou muito espantado quando me conheceu. 

Edith fechou os olhos.

-Não estou me sentindo muito bem... acho melhor ir me deitar um pouco. 
E ela foi para o quarto sem responder a pergunta de Karen. 
As duas moças ficaram sentadas no sofá da sala em silêncio, pensativas. Mafalda disse:

-É claro que aí tem truta. 

-O que você acha que está acontecendo, Mafalda?

-Não sei, mas desconfio que você e eu somos parentes. Ou não seríamos tão parecidas! Você é exatamente como a Bella. 

-Acho que você pode estar certa. Será que eu tenho uma família, afinal? Não, não quero criar esta ilusão dentro da minha cabeça. Não suportaria saber que não é verdade. Sabe, acho que está na hora de eu ir embora daqui, Mafalda.

-Não! Nem pense nisso. Precisamos esclarecer essa história. Amanhã o Nono virá aqui em casa, e falaremos com ele. Ele sempre vem às sextas. Eu... gostaria muito que fôssemos parentes, Karen. 

Karen olhou para ela por um longo tempo, e disse:

-Eu também. Não porque você é rica, mas porque eu gostei de você desde a primeira vez que eu a vi. E eu nunca tive ninguém.

-Eu sinto que você é a única pessoa que pode me ajudar a sair de dentro desta casa, você pode ajudar a me curar! 

-Eu queria te perguntar uma coisa, Mafalda. E também te pedir desculpas... se fui eu quem fez você ter aquela crise.

-Não, não foi você! É que eu cheguei em meu quarto naquela noite, e havia um jornal antigo com a notícia do crime que matou minha família em cima da minha poltrona. 

-Isso é horrível! Quem teria colocado aquilo ali?

Mafalda hesitou:

-Edith pensa que foi você.

-Eu?! Mas por que eu faria uma maldade dessas? Você não acha que eu...

-Não! Eu sei que foi ela. De alguma forma, ela sempre faz com que eu me lembre do que aconteceu. Toca no assunto “sem querer,” deixa o armário de Bella aberto para que as roupas dela apareçam, enfim... 

-Mas por que ela faria isso?

-Porque ela tem medo que eu fique curada e ela não seja mais necessária aqui. Você, por exemplo, representa uma ameaça para ela.

-Isso é cruel!

-Não, não é cruel. Não é esta a intenção dela. Ela só está com medo, se sentindo ameaçada.

-Mas você contou a ela que eu tentei fazer você sair da casa. Por que?

-Eu não contei nada! Ela deve ter bisbilhotado, como faz sempre. Foi assim que descobriu.

-Mas ela me disse que foi você quem contou! Nossa... não sei porque ela faz isso. Seu avô é rico, poderia dar uma casa para ela. 

-Não poderia, sem que a minha avó ficasse sabendo. Ela controla todas as finanças. E se ela descobre que a Edith existe, manda ela embora daqui. 

-Mas a casa é sua!

-Eu sei. É minha de fato, mas na verdade só será realmente minha quando meus 
avós morrerem. 

Karen pensou por algum tempo:

-Você mandaria a Edith embora daqui se voltasse a sair como antes?

Mafalda demorou a responder:

-Não sei... talvez. Ela não é problema meu, na verdade. É do Nono. E nem somos parentes. 

-Mas ela acha que é sua avó. Que estranho.

No patamar das escadas, Edith escutava toda a conversa. Lágrimas escorriam dos seus olhos. Lágrimas de orgulho ferido, amor e arrependimento. Mas também, de mágoa, ao saber que sua menina poderia manda-la embora. 

Na sexta-feira à noite, quando Nono chegou, Karen abriu a porta, e ele a beijou na testa, como faria com sua neta. Ela nada disse, e fez sinal para que ele entrasse. Enquanto isso, Mafalda o aguardava no sofá da sala. Ele pareceu confuso, e olhou para trás – onde Karen estava de pé, olhando para ele. As duas moças se uniram, ficando lado a lado na frente de Nono, que de boca entreaberta, olhava de uma para a outra.

-Mas... o que aconteceu aqui, como é que vocês duas...

-Nós pensamos que talvez você pudesse nos explicar, vovô. 

Nono sentou-se no sofá, e elas sentaram-se em poltronas, ficando de frente para eles.

-Ok, eu vou dizer o que eu sei que pode ter acontecido. É que na verdade, sua mãe teve trigêmeas, mas uma delas morreu. 

-Como assim? Então eu tinha outra irmã e vocês esconderam de mim???

Nono fez sinal para que ela se acalmasse:

-Não, ninguém escondeu nada! Eu mesmo fiz o sepultamento da minha neta. Ela se chamava July. Eu vi o corpo. Quero dizer... só se... bem, bebês prematuros são parecidos...

-Vô, você está dizendo que aquele bebê morto pode não ser a minha irmã July?
-Sim, e se isso for verdade, alguém cometeu um crime naquela noite, e provavelmente, trocou as crianças! Mas... por que alguém faria isso? Será tráfico de bebês? (virando-se para Karen) Querida, como você foi parar naquele orfanato?

-Eu não sei, as freiras diziam que alguém me deixou na porta durante a noite, e meu nome – Karen – estava bordado na gola da minha roupa. Mas... se eu não sou Karen... posso ser a July? Posso ser a sua neta?

Nono disse:

-Olhe, é preciso antes que alguns exames sejam feitos...

Mafalda precipitou-se:

-Para que, Nono? Olhe bem para ela, e depois, olhe bem para mim. E para as fotos de Bella! Ela é minha irmã!

-Sim, eu sei, mas pela lei, as coisas tem que ser feitas da maneira correta. July, digo, Karen, você poderia fazer alguns exames amanhã de manhã? Eu mesmo a levarei. Nossa... Célia vai ficar louca ao saber. Sua avó, sabe... o nome dela é Célia. E mandarei investigar quem entrou e quem saiu do hospital naquela noite. 
Quero tudo esclarecido o mais rapidamente possível. 

Karen notou que Nono parecia mais feliz do que gostaria de demonstrar, e ela ficou feliz também. A menina que não tinha ninguém, que era sozinha no mundo, de repente tinha uma irmã, avós e uma família! Quem sabe, primos, primas, tios, tias... e ela queria conhecer todos eles. 

De repente, todos olham para a porta, e veem Edith de pé, muito pálida. Nono vai até ela:

-Edith, você está bem?

Edith aceita a ajuda de Nono, segurando-se no braço dele antes de sentar-se. Ela olha a todos nos olhos antes de começar seu discurso:

-Não precisa chamar a polícia, Nono. Eu sei o que aconteceu. Só não pensei que aquele bebê voltaria a aparecer, e que aquela história teria que ser contada, um dia. 

-Edith! Você sabia de tudo?

Ela acena, cm a cabeça, concordando. 

-E quem trocou os bebês? Você a conhece?

Mafalda interrompe Nono, dizendo com raiva:

-É claro que ela conhece, e manteve segredo esses anos todos, enganado a todos nós, inclusive a você, Nono! Sabe por que? Porque deve ter sido ela mesma!

-Mafalda, não faça acusações sem antes ouvir Edith, por favor, minha neta!

Edith o interrompeu:

-Mas ela tem razão, Nono... fui eu quem trocou as crianças. Sei que eu errei, e me arrependi muito, mas fiz para tentar reparar uma injustiça. A mãe do bebê morto passava por depressão, e não suportaria saber que seu bebê morrera. Ela dizia sempre que tentara cometer suicídio algumas vezes, mas que quando soube que estava grávida, só conseguia pensar na alegria que seria ter seu bebê nos braços... ela não tinha nada! E seu filho tinha três lindos bebês saudáveis! E eram ambos duas crianças... achei que seria até bom para eles não terem que cuidar de três bebês. 

Nono olhava o chão, as mãos cruzadas sobre os joelhos. Pensava no quanto Edith o enganara, e que talvez tivesse se aproximado dele por interesse. Isto, depois de roubar uma de suas netinhas! Que espécie de ser humano era aquela mulher? Ele aprendera a amá-la, apesar de tudo; não seria fácil odiá-la de uma hora para outra, mesmo sabendo do que sabia. Mafalda disse, a voz embargada:

-E ela vem tentando me manter dentro desta casa para que ela possa continuar morando aqui, Nono! Ela deixa retratos do acidente dos meus pais e de Bella onde eu possa ver... faz coisas que me deixam triste e que me colocam em crise. Achei que era por medo de me perder e também ao senhor, mas é por medo de perder a casa e a boa vida que leva aqui! 

Nono estava arrasado. Ele olhou para Edith, e perguntou-lhe:

-É verdade, Edith?

Ela negou com a cabeça:

-Eu amo Mafalda como se fosse minha neta. Só quero o bem dela.

Sem pensar, Karen se viu perguntando:

-Como quis o meu, Edith?

Edith olhou para ela, e começou a chorar. 

-Eu não queria te fazer mal! Achei que seria feliz e que seria amada! Jamais poderia imaginar que aquela mulher a abandonaria depois de tudo o que me contou! 

-Mas ela não era a minha mãe verdadeira! Você fez com que eu passasse toda a minha vida sozinha, Edith! Eu não tive família, passei muitas dificuldades! Tive muitos problemas por isso! 

Todos ficaram em silêncio, pensando no que fariam ou diriam em seguida. 

Finalmente, Mafalda disse, em tom magoado:

-Edith, eu quero que você saia da minha casa. 

Edith sentiu o pânico tomar conta dela. Olhou para Nono, e suplicou-lhe:

-Nono, por favor me perdoe pelos meus erros! Todos vocês precisam me perdoar! Mafalda, eu sempre a amei coo se fosse minha própria neta...e Karen, quando eu a vi, quando pus meus olhos em você, logo senti que você era a chance de eu redimir meus erros do passado! Você está aqui agora, e é o que importa!

Karen olhou-a, e disse calmamente:

-Não é não, Edith. Você está se esquecendo dos anos em que eu vivi em um orfanato, sem família! Dos anos em que eu e minhas irmãs fomos separadas, e que por isso, não cheguei a conhecer Bella, ou meus pais. 

-Mas... Mafalda, você mesma me contou que seus pais não passavam de jovens mimados e imaturos! Karen, eu pensei que você teria a chance de crescer sob a guarda de uma mãe amorosa e responsável... e Nono, eu me apaixonei por você de verdade... pense em todos esses anos em que estamos juntos e felizes... eu nunca exigi nada de você! Você acha que eu passei todos estes anos fingindo?

-Lave a boca ao falar de meus pais, Mafalda! Ou melhor, você não tem o direito de falar deles!

Nono pediu:

-Por favor, Mafalda, não grite assim! Está me deixando com dor de cabeça.

Em um tom de voz quase inaudível, Mafalda repetiu:

-Eu quero que ela saia, Nono. 

Nono passou a mão sobre o rosto, como se estivesse muito cansado. De repente, parecia ter envelhecido anos em apenas alguns minutos. Olhou para Edith:

-Edith, vá arrumar suas coisas. Você vai voltar ao apartamento. Pelo menos, até conseguir outro local para você ficar. 

-Mas Nono! Você sabe que eu não tenho ninguém. Larguei meu emprego por causa de você! Não posso ser jogada na rua! Eu já tenho idade! 

-Não estou jogando você na rua, Edith. E não vou abandoná-la. Pagarei uma pensão até seu último dia de vida, ou o meu. Enquanto isso, você terá tempo de escolher um outro caminho. Dê-se por sorte por eu não resolver denunciá-la! 

Edith pegou o que ainda lhe restava de dignidade, e saiu em silêncio.

Enquanto arrumava as malas, as lágrimas mal deixavam-na enxergar o que estava fazendo. Tantos anos de dedicação àquela casa e àquela família, e agora estava sendo mandada embora! É claro que ela tinha errado, mas tinha se arrependido! E amava muito a Nono e sua neta. 

Fechou a mala, sentando-se na cama e olhando em volta. Aquele tinha sido o seu quarto durante anos, e agora, ela estava deixando tudo aquilo para trás. Acariciou a colcha e a cama onde ela e Nono se amaram tantas vezes. Pegou a mala, e desceu as escadas devagar. 

Quando chegou na sala, as meninas tinham saído. Nono olhou para ela quando a viu, dizendo:

-Pode ficar aqui, Edith. Mafalda permitiu que você ficasse. Quem vai embora é ela. 

Edith largou a mala, exclamando:

-Mas... como? Ela não pode sair, ela não consegue sair.

Nono olhou para ela, e ela percebeu que a raiva dele tinha passado:

-Ela está lá fora no jardim, caminhando com a irmã. 

Edith não pode deixar de sorrir. 

-Mesmo? Eu fico feliz que ela tenha conseguido! E estou feliz que você tenha me perdoado, Nono!

Ele olhou para ela antes de sair:

-Quem disse que eu a perdoei?


*       *        *        *

 Mafalda e July deram as mãos e entraram no táxi. Estavam saindo em uma viagem pelo mundo juntas.  Quando voltassem, o apartamento delas estaria pronto. July ficara conhecendo as avós e seu outro avô. Todos foram gentis com ela, e ficaram felizes ao saberem da verdade, mas logo voltaram à sua frieza e distância habituais, e July percebeu que eles estavam apenas sendo educados e polidos. Também soube que sua única e verdadeira família, eram Mafalda – sua irmã – que a amava realmente, E Nono.

Nono e Edith terminaram tudo. Ela ficou vivendo na casa, em companhia da copeira. Nono pagava todas as despesas, mas reduzira todos os gastos a apenas o essencial. Edith vagava pela casa sozinha, sentindo falta de Mafalda e de Nono, que não mais a visitava. Às vezes pensava em procurar por Célia e contar a ela toda a verdade, mas tinha medo de que Nono a abandonasse por completo depois que ela fizesse aquilo. E ela ainda o amava – iria amá-lo e sentir sua falta pelo resto da vida, e não existe castigo pior do que este. 

As irmãs tiveram tempo de conversar muito, colocando em dia todos aqueles anos em que estiveram separadas. Aos poucos, Mafalda deixou de tomar os medicamentos. Estava livre, para recomeçar a sua vida e deixar para trás o que tinha perdido. E quanto a July, estava livre para olhar para o futuro e finalmente, poder sonhar, ficando feliz pelo que tinha ganho. 

Durante a viagem, as moças conheceram seus futuros maridos. Casaram-se e passaram a viver em casas próximas. Nunca mais elas se separaram. 








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