segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

O ELEFANTE BRANCO – PARTE III







-Mãe, eu não entendo porque todo mundo fica boquiaberto quando dizemos que estamos morando nesta casa. 

Era final de tarde, e as duas estavam terminando de pintar a parede da sala. Usavam um galão de tinta branca que Alana mandara Iris trazer da lojinha de tintas da cidade. Decidiram que a casa seria toda pintada de branco – por dentro e por fora. 

-Filha, sabe como é... cidade pequena. Gente atrasada. 

Alana estava lavando um dos pincéis com removedor. Rubens havia simplesmente desaparecido naquele dia longo e exaustivo, deixando o trabalho todo para as duas mulheres. Ela já percebera que ele tinha o hábito de descer o penhasco e desaparecer durante horas. 

-Bem, nem todo mundo é atrasado. Ante-ontem conheci um casal de irmãos. Eles tem mais ou menos a minha idade. Os nomes deles são Mercedes e Caio.

-Mesmo? Que ótimo! Fico feliz que você esteja fazendo amigos.

Iris retraiu-se:

-Eu não disse que tínhamos ficado amigos. Só dei uma carona para ela porque estava chovendo. Não acho que temos coisas em comum. Além do mais, o irmão dela é um desses galãs metidos a besta. Só porque é bonito, se acha o rei da cocada. E ela... uma metidinha curiosa e intrometida. 

Alana respirou fundo, lamentando as palavras da filha. Os julgamentos de Iris sobre os outros tinham se tornado bastante cruéis ultimamente. 

-Dê a eles uma chance, Iris... quem sabe...

Iris largou o pincel sobre a lata de tinta, encarando a mãe:

-Eu não tive chance nenhuma, mãe. Por que acha que eu tenho que dar uma chance a todo mundo?

Alana ia responder, mas naquele momento, ambas ouviram ruídos vindo do andar superior da casa, onde Iris ainda não tinha ido, pois Rubens não limpara as enormes teias de aranha. O ruído se repetiu; pareciam passos. As duas se entreolharam, engolindo em seco. Iris olhou para as teias de aranha que ainda enfeitavam o corrimão, e levando a mão à garganta, disse:

-Bem, se aquelas teias não estivesse ali, eu não sei se subiria aquelas escadas... mas com elas ali, nem pensar!

Alana riu:

-Deve ser um pássaro, ou algum outro animal. Olhando lá de fora, percebi que há uma vidraça quebrada em uma das janelas do segundo andar. Nunca fomos lá, e talvez esta seja uma boa chance.

Dizendo aquilo, ela começou a subir os degraus, que estalavam, enquanto limpava as mãos sujas de tinta branca nos bolsos de trás da calça jeans surrada. Íris achou que não deveria deixar a mãe subir sozinha – afinal, qualquer coisa poderia ter produzido aqueles ruídos – e seguiu logo atrás dela. 

Ao chegarem ao patamar, pararam e olharam em volta; o estado da casa no segundo andar era ainda mais desanimador do que no primeiro. O corredor, longo e escuro, estava extremamente sujo, e ao longo dele, estendia-se uma fileira de portas fechadas. Alana deu um passo adiante, tendo Iris agarrada à ponta da sua blusa. Abriu a primeira porta à direita, e o que viu foi um quarto de dormir. Havia uma cama de ferro belíssima e antiga, móveis antigos que talvez precisassem apenas de limpeza e cortinas rasgadas e sujas. Entrou e abriu a janela, que por milagre, não estava emperrada. Iris observou a poeira indo em direção à luz fraca do sol. 

Foram para o outro quarto, segunda porta à direita; este estava completamente vazio, o que destacou a beleza do assoalho de tábuas corridas, mesmo estando sujo. Elas fecharam a porta e foram para a terceira porta à esquerda; era um banheiro grande, de pé direito alto. Os azulejos exibiam pinturas feitas à mão, de uma paisagem que lembrava os penhascos da cidade. Iris teve que admitir que aquele era o banheiro mais lindo que ela já vira. Teve que se conter para não dar um “Oh!” de admiração ao deparar com a banheira de mármore no centro do cômodo, com seus pés de ferro que imitavam patas de leão. 

Procederam para a quarta porta, a da janela quebrada; não tinha venezianas – parecia terem sido arrancadas ou então tinham caído de tão velhas. A luz da tarde entrava e iluminava um cenário parecido com o do primeiro quarto, mas ao invés da cama de casal, havia duas camas de ferro de solteiro. Alana começou a pensar que realmente gostava da casa e dos objetos que tinha acabado de encontrar. Iris pensava a mesma coisa, mas não daria o braço a torcer, pois temia que se admitisse, a mãe decidisse não vender a casa e ela teria que ficar enterrada naquele lugarejo para o resto da vida.

Foram para a quinta e última porta; Alana girou a maçaneta, mas esta não abriu. Estava trancada. Ainda conseguiram escutar um ruído farfalhante por trás da porta, mas não conseguiram abri-la nem mesmo forçando-a. concluíram que algum animal deveria ter feito seu ninho ali dentro.
Alana desceu as escadas e foi até a edícula pegar seu molho de chaves. Alguma delas deveria abrir aquela porta. Voltou correndo para a casa grande, onde Iris a esperava sentada nos degraus da varanda. Ela não ficaria sozinha dentro daquela casa de jeito nenhum... as duas voltaram a subir as escadas, e Alana experimentou todas as chaves que tinha, mas nenhuma delas abriu a porta. 

Finalmente, ela disse:

-Bem, Rubens deve ter a chave. Quem sabe... amanhã falaremos com ele.

-Isso é, se ele voltar... já reparou que ele às vezes passa a noite fora?

-Bem, isso não é da nossa conta, mocinha. Ele é um homem, com certeza deve ter alguém...

-Talvez alguém tão cego quanto sua tia Bárbara. Quem teria coragem de beijar aquela cara apavorante, com aquela cicatriz enorme?

Alana riu alto, e as duas caminharam de volta para a edícula, fechando a porta do casarão à chave. Mais tarde, enquanto jantavam, deu um pequeno sermão na filha sobre não comentar a aparência das pessoas. 

E íris provou estar certa, pois Rubens não voltou para casa naquela noite. 
Por volta das quatro da manhã, as duas acordaram ao mesmo tempo ao ouvirem um estrondo. Assustadas, ambas correram em direção aos quartos uma da outra, se encontrando no pequeno corredor:

-Mãe, você ouviu aquilo?

-Sim, filha... 

Alana não sabia o que dizer, ou o que fazer. Não queria assustar a filha mais do que ela já estava assustada, e tinha que se controlar. Tentou soar informal:

-Deve ter sido um balão...

-Não; acho que foi um tiro. E de espingarda, ou alguma arma bem grande. Dessas de matar elefantes. Será que aconteceu alguma coisa com alguém?

Alana sentiu calafrios subindo pela espinha. 

-Não há nenhuma casa por perto. Acho que deve ter sido outra coisa, quem sabe, uma onda batendo na praia lá em baixo...

-Mãe, você sabe que ondas não fazem esse barulho. Está tão assustada quanto eu, mas ainda teima em achar que eu sou uma criança!

Alana foi até a cozinha, e colocou uma chaleira de água no fogo. O barulho tirara-lhes o sono, de qualquer forma, e resolveu que uma boa xícara de chá poderia acalmá-las. Íris apareceu minutos depois, enrolada em seu robe felpudo. Aceitou a xícara de chá que a mãe serviu-lhe, pegando-a com as duas mãos, tentando aquecê-las com o calor da xícara. 

-Mãe, não acha melhor a gente ir dar uma olhada na casa grande?

Só de pensar em abrir a porta e mergulhar na escuridão da noite, Alana sentiu-se mais que desconfortável.

-Está muito frio lá fora. E escuro também. 

-Se vamos mesmo morar aqui, precisamos aprender a não temer esse lugar. Precisamos mostrar quem manda aqui. 

Alana tentou sorrir:

-Temer este lugar? Como assim? Do que você está falando, filha?

-Eu me sinto desconfortável aqui. Acordo toda noite à mesma hora, por volta das 3 da manhã, e só consigo voltar a dormir quando começa a amanhecer. Eu sinto uma coisa esquisita quando estamos naquela casa, mãe... um medo sem razão de ser. Como se, a qualquer momento, alguma coisa fosse surgir do nada e me pegar. E tenho tido alguns pesadelos estranhos com a praia abaixo do penhasco...

Alana tentou ser paciente; afinal, elas estavam passando por muitas mudanças, e a maioria delas, não era muito agradável. Colocou-se por trás de Iris, acariciando seus cabelos:

-Minha pobre querida... esse lugar também me dá arrepios, às vezes... mas infelizmente, é o que eu tenho no momento. Prometo que assim que a nossa pequena reforma ficar pronta e conseguirmos vender este lugar, nós vamos voltar para casa. Ou então iremos para onde você quiser. Quanto aos sonhos e as esquisitices, não dê importância, elas são apenas consequências da imaginação fértil de uma adolescente muito criativa e inteligente. 

De repente, ela se lembrou dos novos amigos que a filha tinha feito:

-Por que você não tenta se enturmar, por enquanto? Essa moça que você conheceu... quem sabe, ela pode ser legal? E o irmão dela, tente olhar para ele com outros olhos. Talvez surja até uma paquera, quem sabe...

Iris corou, e indo até a pia, começou a lavar as xícaras. Pensou nas palavras da mãe, e concluiu que se elas estavam ali, e se teriam que ficar ali por enquanto, então era mesmo melhor tirar proveito da situação.

-Você está certa, mãe. Vou tentar me enturmar com eles. Quem sabe, posso convidar Mercedes para vir aqui um dia desses?

-Claro! É assim que se fala!

Mais tarde, na cama, Alana pensava na filha. Sentia-se muito culpada por tudo o que estava acontecendo. Fizera sempre e apenas o melhor que podia, mas tinha a impressão de que nunca era o suficiente. 

E em seu coração, o medo de que a filha descobrisse que ela e Mario não estavam muito bem antes do sumiço dele, e que ela pensava em pedir o divórcio. Se Iris soubesse daquilo, acabaria culpando-a pelo desaparecimento do pai. Mas como ela poderia descobrir? Ninguém mais sabia daquilo, além dela mesma. 
E não havia ninguém culpando-a pelo desaparecimento do marido, a não ser ela mesma. Alana culpava-se, e mortificava-se. No fundo, ainda amava Mario, e achava que sempre o amaria, de alguma forma. Muitas vezes ela se perguntou o que os tinha afastado daquela maneira, mas nunca encontrou a resposta. Nem mesmo quando foi busca-la nos braços de outro homem. O caso durou pouco tempo, pois ela logo caiu em si e sentiu o vazio daquele relacionamento. Ela não conseguiria amar a ninguém mais, a não ser ao marido. Mario nunca ficara sabendo- ela tinha sido cuidadosa. Mesmo assim, às vezes pensava se o relacionamento que tivera fora do casamento não teria sido a causa do desaparecimento repentino dele.

Enquanto isso, Iris pensava que jamais convidaria Mercedes e Caio para aquela casa caindo aos pedaços. 

Na manhã seguinte, quando as duas foram em direção à casa grande a fim de terminar a pintura da sala, encontraram a porta da frente escancarada. 

Enquanto elas permaneciam paradas em frente a entrada da casa, sem coragem para entrar, Alana sentiu um enorme pavor; tinha certeza de que deixara a porta da frente trancada na noite anterior. Estavam totalmente sozinhas naquele lugar. Ninguém se daria ao trabalho de escancarar aquela porta a fim de assustar duas mulheres sozinhas. Só havia uma explicação: Rubens fizera aquilo.
Iris segurou a mão da mãe, e Alana percebeu que a mão da filha estava gelada. Sempre que sentia medo, desde muito pequena, as mãos de Iris ficavam frias. Alana tentou concentrar-se e decidir o que fazer. Nunca tinha se visto em situação semelhante, mas sempre ouvira dizer que em casos como aquele, a melhor coisa era não entrar em casa. 

Às vezes, as casas velhas guardam histórias que ninguém mais está aqui para contar; porém, quem for sensível e caminhar por elas, poderá ouvir o que elas tem a dizer através dos retratos nas paredes, móveis quebrados, restos de cores, ecos que os pés produzem ao tocarem o chão e principalmente, dos silêncios que elas guardam. Iris era uma destas pessoas: ela conseguia escutar o que os lugares diziam. Ela ouvia as vozes dos que há muito já haviam se calado. Ela apenas ainda não sabia disso, até aquela manhã. 

Enquanto as duas ficavam de pé em frente a porta de entrada, de mãos dadas, pensando no que deveriam fazer em seguida, Rubens aproximou-se delas por trás, sem que elas o vissem, dando-lhes um grande susto, que fez com que as duas começassem a rir alto ao verem que era ele, que era apenas Rubens. Mãe e filha se entreolharam e até sentiram alívio ao verem a cara feia do velho caseiro olhando-as por cima da grande cicatriz que lhe cortava a face. 
Rubens demorou-se um pouco antes de perguntar, com seu habitual mau humor:

-Qual é a graça?

Alana respondeu:

-Bom dia pra você também, Rubens. Então... você chegou cedo e abriu a casa? 
Vai recomeçar o trabalho?

-Não sei do que você está falando, moça. Acabo de chegar aqui.

O sorriso sarcástico de Alana morreu:

-Como assim? Tenho certeza absoluta de que deixamos a casa trancada ontem, quando saímos no final da tarde! Com certeza, você tem as chaves!

Ele grunhiu:

-Não, não tenho. Eu as entreguei a você: uma cópia para cada uma. São as donas agora, não são?

-E você não ficou com uma cópia?

-Não, não fiquei.

E os dois ficaram conversando, sem perceber que Iris adentrara a casa. 
Lá dentro, os grãos de poeira dirigiam-se para a luz do sol que vinha das janelas como se fosse uma multidão em procissão. Iris deu alguns passou e respirou fundo antes de começar a subir as escadas. Ela o fez devagar, desviando o máximo que podia das malditas teias de aranha – que naquele momento, era o que ela menos temia. De alguma forma, ela sentia que havia alguma coisa a mais naquela casa. Ao chegar no topo das escadas, o longo corredor escuro quase a fez parar. Iris sentiu um arrepio tenebroso correndo pela espinha, e engoliu em seco. Mas ela foi em frente. Tentava manter-se lúcida, dizendo a si mesma que era só uma casa como as outras, repetindo aquele mantra que ela mesma sabia que era absurdo, enquanto se dirigia para a porta trancada ao final do corredor, a mesma que ela e a mãe não tinham conseguido abrir no dia anterior. 

Íris parou diante dela e encostou o ouvido, tentando escutar algum ruído. Instintivamente, levou a mão à porta – mesmo sabendo que ela estaria trancada – mas ao tocá-la e girar a fechadura, ela simplesmente se abriu. Surpresa, ela sentiu o coração bater na garganta e teve que se segurar para não sair correndo dali; lembrava de uma cena em um filme de terror que ela assistira, um filme que sua mãe criticara, dizendo-lhe que não fazia bem ficar assistindo aquelas coisas, e ela agora se arrependia por tê-lo assistido, porque ele lhe dera aquela memória aterrorizante com a qual comparar seu presente momento. 

Íris empurrou a porta, que se abriu vagarosamente, rangendo. Piscou os olhos várias vezes a fim de acostumar-se com a escuridão do quarto. Quando conseguiu, percebeu que ele era o maior quarto da casa, realmente espaçoso. Havia no centro uma cama de ferro parecida com as outras camas que tinham encontrado nos outros quartos, só que esta estava coberta por uma colcha preta com rendas e bordados  cor de mel. A colcha era esquisita; parecia ser muito antiga, mas estava quase perfeita, a não ser por um pouco de poeira, e Iris percebeu que aquele quarto estava estranhamente mais limpo do que os outros. A cama tinha um dossel cujas cortinas negras estavam abertas.

Em um dos cantos, havia uma cômoda grande e pesada, de madeira escura, com muitas gavetas. Ela abriu a primeira gaveta, e deu com artigos de langerie muito velhos, mas cuidadosamente dobrados. Íris pegou um deles, sentindo a maciez da seda e a delicadeza das rendas. Na segunda gaveta, havia camisolas – todas elas, pretas e rendadas. Na terceira gaveta, camisas de cetim femininas e blusas rendadas, anáguas de seda, e meias-calças – todas na cor negra. Íris percebeu que tudo estava em ótimo estado, e gostou das roupas, pensando que poderia usá-las. 
A quinta e última gaveta revelou frascos de perfume. Frascos muito antigos. Alguns estavam vazios. Todos eles eram muito belos, e pareciam muito caros. Ela leu os nomes e viu que a maioria eram franceses, mas havia alguns com letras diferentes que ela não conseguiu ler, talvez de países que ela achou que fossem remotos demais. 

Íris fechou as gavetas cuidadosamente; voltaria mais tarde para escolher o que ela queria levar. Olhou em volta, e não viu nada muito interessante, a não ser uma poltrona de veludo vermelho e uma cadeira estofada com o mesmo veludo da poltrona. De repente, ela sentiu o ímpeto de sentar-se naquela poltrona. Ela parecia convidá-la. E assim o fez. 
Mas quando ela recostou a cabeça no encosto alto, foi tomada por um sono incontrolável, e Iris deixou-se levar por ele.

De repente, ela estava caminhando pela casa, mas agora, tudo estava diferente: as paredes e móveis estavam limpos, as cortinas e tapetes eram novos e ela podia ouvir vozes de pessoas que riam e conversavam pela casa. Iris não conseguia ver a si mesma, e foi caminhando pelo corredor, surpresa pela aparência diferente da casa, quando de repente viu uma moça ruiva de cabelos longos, usando roupas antigas, vindo na sua direção. Ela ria alto, perseguida por um menino que deveria ter entre cinco e sete anos. Os dois brincavam. Íris sentiu-se tensa ao vê-los se aproximando, pois não poderia explicar como ela tinha ido parar ali, mas os dois passaram por ela – ou através dela – sem vê-la. 

Iris seguiu-os até o quarto, que estava muito diferente, decorado em cores claras e alegres, e viu quando a moça sentou-se na cama e o menino abraçou-a, chamando-a de mãe. Ela também sentiu em si mesma a intensidade do amor que unia aquelas duas criaturas, e de repente, teve vontade de chorar ao adivinhar o futuro que os separaria. 

Íris sentiu como se estivesse sendo puxada para trás. O vácuo fez com que ela tivesse a sensação de estar sendo esvaziada, de tão rápido que tudo aconteceu; era como naqueles sonhos em que as pessoas tem a sensação de estar caindo em um precipício. Ela estava no mesmo quarto – desta vez, o lugar parecia diferente; tudo estava negro: cortinas, colchas, tapetes e as roupas da moça, que agora parecia alguns anos mais velha, e bem mais triste. Ela chorava, sentada na poltrona de veludo vermelho. Segurava um lenço branco bordado, e Iris adivinhou que ela mesma o bordara. Assim que se perguntou o que acontecera ao menino, Iris soube: ele estava morto; caíra do penhasco sobre as pedras lá em baixo, junto ao mar, enquanto brincava. Ela olhou para baixo e viu seu corpo inerte sendo lavado pelas ondas, cujas espumas ficavam vermelhas. Ela escutou e ouviu o grito que saiu da garganta dos pais do menino quando, ao procurá-lo, depararam com a cena. 

E ela também soube que ele a culpava; alegava que ela não tinha tomado conta da criança como deveria. Ele passou a beber muito. Ele deixou de trabalhar, e tornou-se taciturno e violento. 

Mais um puxão, e íris viu quando ele pegou a moça pelo braço, jogando-a no chão. Ela bateu a perna direita com força contra o degrau da lareira, quebrando-a. depois daquilo, tornou-se manca. Íris viu toda a beleza do seu rosto desaparecer e transformar-se em amargura. A moça virou uma mulher triste, enraivecida e encurvada, menos pelas tantas surras que o marido dava nela, e mais porque ter perdido a única pessoa que amara. 

Mas ela encontrou alguém. Alguém que a enxergou, e viu a beleza que ainda restava nela. Alguém que lhe deu a mão e a amou. 

Mais um forte puxão, e Iris despertou com as vozes da mãe e de Rubens, que conversavam no corredor. Assustada, ela olhou em volta, ainda emocionada, como se tivesse assistido a um filme muito triste. Naquele momento, Alana entrou no cômodo:

-Iris! Você abriu a porta! Como conseguiu?

-Ela esfregou os olhos, bocejando:

-Não sei. Ela só estava aberta, e eu entrei. Mãe... tive o mais estranho dos sonhos.

Mas Alana já estava no corredor, ralhando com Rubens, e não a escutou.

(continua...)





Um comentário:

Obrigada por visitar-me. Adoraria saber sua opinião. Por favor, deixe seu comentário.

A RUA DOS AUSENTES - Parte 4

  PARTE 4 – A DÉCIMA TERCEIRA CASA   Eduína estava sentada em um banco do parque. Era uma cinzenta manhã de quinta-feira, e o vento frio...