segunda-feira, 22 de abril de 2019

INOCÊNCIA - Parte I, Capítulo XV







UM CASAMENTO

No dia do casamento de Berta, a casa estava em polvorosa: havia pessoas decorando os corrimões com cordas entrelaçadas de flores do campo, e o pessoal do buffet andava de lá para cá arrumando tendas no jardim, mesas brancas e cadeiras forradas de organza branca. Havia flores por todos os lados, e graças à Tia Aurora, aquele foi o melhor buffet de casamento que eu já vi na vida, até hoje. Meu pai e Tio Duílio, vestindo seus ternos elegantes, fumavam cachimbos na varanda, as pernas cruzadas, envolvidos em longas conversas, esperando a hora do casamento. Notei que meu pai estava nervoso, mas mantinha o controle, enquanto mamãe gritava ordens às pessoas, os cabelos cheios de rolinhos, ainda usando um robe atoalhado, o rosto coberto de um creme branco pegajoso.

Eu usava meu vestido esvoaçante de dama de honra, juntamente com Cândida, Joana e Clara, uma amiga de Berta. Os vestidos eram iguais: saias rodadas esvoaçantes, de várias camadas, um largo laço de cetim rosa-claro amarrado na parte de trás, ombros nus, meias-calças brancas transparentes e sapatos fechados de salto. Era a primeira vez que eu usaria saltos altos, e estava morrendo de medo de cair. Passara horas ensaiando caminhar com eles, e acho que fiz um bom trabalho, fingindo naturalidade ao caminhar.

O quarto de Berta, onde ela se arrumava, estava cheio de amigas excitadíssimas com a ocasião. Todas elas também disputavam vagas em frente ao espelho do armário, ajeitando vestidos e cabelos, dando os últimos retoques na maquiagem, partilhando perfumes, batons, grampos e fitas. Eu estava feliz por ser uma delas. Berta parecia uma deusa grega, com seu vestido longo de saia justa, ombros nus e grinalda de camélias brancas; um vestido ao estilo anos cinquenta. Nunca a tinha visto tão bonita, e senti vontade de chorar. A costureira dava os últimos retoques, verificando se o vestido não tinha nenhum defeito, e ajeitava o véu em volta da minha irmã.

Foi um dia muito feliz. O casamento, que se deu no jardim, foi simplesmente maravilhoso. Nunca me esquecerei do brilho nos olhos de minha irmã quando ela caminhava para o altar de braços dados com papai, que ostentava orgulho, em direção a Sebastian, que a esperava, os olhos vidrados de emoção e paixão. Mamãe finalmente deixou caírem as lágrimas de felicidade, abraçada à Tia Aurora. Até mesmo Eugênio e Flora concordaram em ir ao casamento, aceitando o convite de Berta, que declarou fazer questão da presença deles. Cândida revirava os olhinhos em direção a Marcelo, murmurando segredinhos em seu ouvido. Ele a olhava e sorria de leve, mas será que apenas eu percebia o que estava acontecendo com ele? Seus olhos estavam tristes, e ele parecia deslocado ali. Cândida, agarrada ao braço dele durante a cerimônia e também durante a festa, não o deixava livre um só momento, seguindo-o a todos os lugares, sempre com aquele sorrisinho doce e meiguinho (que para mim, parecia falso). Ele aceitava a presença dela, dirigindo-se a ela com educação e bons modos, mas eu não sentia ali nenhum amor dele por ela, nenhum traço de paixão. Não havia ali a mesma coisa que eu vira naquela noite na cozinha da casa, entre ele e Cristina; não existia ali a alegria de estar junto de Cândida, como quando ele e Cristina estavam juntos.

Quando a festa estava terminando, depois que minha irmã e Sebastian partiram em sua viagem de lua de mel, os convidados começaram a ir embora, e a festa foi esvaziando. Por volta das sete e trinta da noite, restavam apenas algumas mesas ainda ocupadas, e a orquestra se preparava para tocar as últimas músicas. Mamãe estava sentada à mesa, tomando uma bebida. Eu estava ao lado dela, sentindo-me cansada e desanimada, brincando com as pérolas falsas de minha pulseirinha. De repente, Tio Duílio se aproximou, chamando mamãe para dançar. Surpresa, ela aceitou, e os dois caminharam para o meio da pista vazia. Olhei para os lados, procurando por meu pai num gesto automático, mas ele não estava em lugar nenhum.

Minha constatação: Eu estava com ciúmes. Não sabia de onde vinha aquele sentimento.

E de repente, mais uma constatação: eu estava apaixonada por Tio Duílio. Vê-lo dançando com mamãe, a mão em volta de sua cintura fina, os olhos presos nos olhos dela, me pareceu não somente inadequado, mas atrevido, desrespeitoso e escandaloso. Senti meu rosto esquentar e ficar vermelho. Olhei para as outras mesas para ver a reação das outras pessoas, mas parecia que ninguém estava prestando atenção ao que estava acontecendo naquela pista de dança. Seria apenas minha imaginação? Se Cristina estivesse ali, ela com certeza saberia me dizer! Aquele momento foi apenas um dos muitos durante os quais senti a falta de Cristina.

Finalmente, a música acabou. Os dois voltaram à mesa, sentando-se ao meu lado. Me ouvi perguntar, a voz zangada: 

-Onde está papai?

Mamãe me olhou de olhos arregalados: 

-Foi ao toalete.

 Tio Duílio, que me conhecia como ninguém mais, derramou seu olhar macio sobre mim, e fazendo sinal para a orquestra, que já se preparava para recolher os instrumentos, pediu que tocassem “Moonlight Serenade.” E me arrastou para a pista – tentei resistir, mas ele me puxou delicadamente.

E durante os dois ou três minutos mais longos da minha vida, eu me deixei apaixonar completamente por ele. A sua mão em volta da minha cintura queimava; a outra mão segurava a minha e quase fazia com que ela desaparecesse. Eu tinha medo de me mover e quebrar o feitiço. O perfume dele entrava pelas minhas narinas, fazendo com que partes do meu corpo, que haviam estado adormecidas durante um longo tempo, vibrassem e se aquecessem. O olhar dele penetrava o meu, e eu me sentia como se tivesse desaparecido e me tornado invisível para o resto do mundo, exceto para ele. Naquele momento, eu me esqueci do fato de que ele tinha trinta e sete anos, e eu, quase dezesseis; me esqueci que ele era o melhor amigo de meu pai, e sócio também. Nem me lembrei de que eu ainda era virgem, e ele, um homem que já tinha sido casado, e que com certeza, andava cercado de mulheres maduras e belíssimas.

Eu só sabia que eu o queria: estava totalmente apaixonada por Duílio. Se ele me beijasse ali, naquele momento, eu não me importaria com o que os outros iriam pensar, com o escândalo da situação, ou com a possível desaprovação de meus pais: eu iria embora dali com ele, para qualquer lugar. Largaria a escola, a família, as convenções. Lembrei-me de minha conversa com Cristina sobre quebrar convenções, e eu estava disposta a fazer aquilo, se ele quisesse.

Mas a música terminou. Os membros da orquestra, desmontando os instrumentos e colocando-os  em caixas, conversavam entre si, soando cansados. A magia tinha se quebrado. Ele me conduziu pela mão de volta à mesa. Estávamos ambos sérios e calados. Eu tinha certeza absoluta de que ele sabia exatamente como eu me sentia, ele sabia do turbilhão de emoções que ele me despertava. Quando voltamos à mesa, papai e mamãe conversavam. Os dois nos olharam quando nos sentamos. Duílio largou minha mão, que ficou durante algum tempo ainda, sentindo o calor deixado pela mão dele. Disfarçadamente, levei-a às narinas, e pude sentir seu perfume. Papai começou a falar de negócios, e Duílio, prestando atenção ao que ele dizia, de vez em quando me olhava rapidamente. Mamãe estava muito séria, e mantinha os olhos baixos. De repente, dizendo-se cansada, deu boa noite a todos e foi para dentro de casa.

Achei que eu deveria segui-la. Mas não consegui. Fiquei ali, sentada, fingindo que terminava meu suco de frutas batizado com Vodka, enquanto fazia de tudo para não encarar Duílio, sendo que o que eu mais queria naquele momento, é que papai se erguesse da cadeira, desejasse boa noite e nos deixasse à sós.

As outras mesas já estavam vazias, e o cerimonial começava a recolhê-las. Havia garçons e homens de macacão em toda parte, gritando ordens uns aos outros enquanto enchiam caminhões. A noite mais mágica de minha vida chegava ao fim: a noite em que eu me apaixonei pela primeira vez. A noite em que Tio Duílio passou a ser apenas Duílio, o meu amor. A minha paixão.


(continua...)




3 comentários:

  1. OI ANA!
    PRENDEU-ME DO INÍCIO AO FIM.
    PARABÉNS.
    ABRÇS

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  2. Boa tarde!
    CONVITE!
    Passando para lhe convidar para uma festinha virtual, amanhã dia 11-06
    Será um prazer lhe encontrar nessa festa. Os amigos e amigas não podem faltar!
    Desde já obrigada!
    Pensamento para refletir:
    " Aprendi
    Que sou mais forte que imaginava...
    Que posso ir mais longe depois de pensar que não podia mais...
    Que realmente a vida tem valor e eu tenho valor diante da vida!”

    A festinha será aqui no meu mais antigo blog
    https://professoralourdesduarte.blogspot.com/


    Abraços da amiga Lourdes Duarte

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