terça-feira, 18 de junho de 2019

INOCÊNCIA - Capítulo XXIV - Parte II Um Plano






III – Um plano

Descobri então que Dr. Gustavo estava noivo mas era muito mulherengo, e que trabalhava para minha avó há cinco anos, desde que seu próprio pai se aposentara e passara os negócios da fazenda para ele. Desde então, cuidava de todos os investimentos e propriedades de minha avó e tinha uma procuração assinada por ela para resolver qualquer questão relativa às suas contas bancárias. 

Eu sabia que seria apenas uma questão de tempo. Tudo o que eu precisava fazer, era seduzi-lo. 

Nos dias que se seguiram, eu trabalhava na fazenda com todo afinco e dedicação, pois enquanto trabalhava, podia arquitetar meu plano. Minha avó me tratava como se eu fosse menos que um dos seus empregados, jamais falando comigo, e se eu me dirigisse a ela por qualquer motivo, ela mal me respondia, ou sequer me olhava, limitando-se a respostas grunhidas e monossilábicas.

Após duas semanas, Dr. Gustavo voltou à casa. Servi o café na sala – caprichei na minha aparência, usando um vestido simples, azul claro e novo, que comprara com a mesada que minha avó me proporcionava. Era bem pouco – apenas “para os meus alfinetes,” como ela dissera, mas eu ainda tinha algumas economias, então resolvi investir um pouco na minha aparência, e no meu plano. 

Não pretendia ficar na fazenda trabalhando por cama e comida e uma parca quantidade de dinheiro que dava para os meus alfinetes. 

Naquela tarde, eu lavara os cabelos e os tinha escovado várias vezes, até que suas ondulações ficassem cheias de brilho. Prendera um dos lados com uma pequena flor vermelha de seda, deixando que o lado oposto caísse um pouco sobre o rosto, dando um certo ar de mistério. Usara algumas gotas de um perfume que encontrara sobre a penteadeira de minha avó, e para que ela não percebesse, usei bem pouca quantidade, evitando chegar muito perto dela. Mas eu duvidava que, caso sentisse o perfume, ela se lembrasse dele. O vidro parecia ser bem antigo, e estava empoeirado. Pertencia a alguma época onde a vida tinha sido diferente. Meus cílios eram longos e fartos, e ressaltei-os com um pouco de azeite que passei nas pontas dos dedos, e depois, sobre eles. Era a única coisa disponível. Também usei um ar de batom rosado muito natural que Jandira me emprestara. Resumindo: eu não passaria despercebida em nenhum lugar. Tinha consciência do quanto minha beleza atraía os olhares das pessoas. 

E atraí os olhares do Dr. Gustavo, embora ele tentasse disfarçar. Sorri para ele por cima dos ombros de minha avó, enquanto esperava suas ordens. Ele deixou escapar um pequeno sorriso, corando. 
Deixei os dois conversando na sala, e fui juntar-me à Jandira na cozinha. Ela estava sentada à mesa, tomando um pouco de suco de maracujá. Quando entrei, ela ergueu o copo e me ofereceu um pouco, dizendo que estava na geladeira. Recusei; não queria me submeter aos efeitos calmantes da fruta. Queria estar com todos os meus sentidos bem aguçados. Ela me fitava com ar de curiosidade e fascínio; talvez um pouco de medo. Sentei-me diante dela, tamborilando sobre a mesa com as pontas dos dedos, e sorri. Meu sorriso a desarmou:

-E agora, Cristina? O pato caiu?

Eu dei uma gargalhada:

-E você tem alguma dúvida?

Ela negou com a cabeça.

-E então; vai convencê-lo a ajudar você?

-Não vai ser preciso ‘convencê-lo’, se é que você me entende. Ele está nas minhas mãos. Você conhece a noiva dele?

-Sei que ele tem uma noiva, e que está para se casar dentro em breve, mas nunca a vi. Dr. Gustavo ainda é jovem. Tem fama, se é que você compreende o que eu quero dizer. É um sedutor conhecido.

-E a noiva dele não se importa?

-Deveria? Ele dará a ela uma ótima vida.

Eu dei um pequeno soco na mesa:

-Mas por que as pessoas acham que o casamento deve ser o maior objetivo na vida de uma mulher? Passar a vida casada com alguém que a trai, que não a respeita, apenas por segurança financeira?

-Bem, não acho que a gente tenha muitas alternativas. Tem sido assim desde sempre.

-Sim, mas as coisas estão mudando! Nunca ouviu falar no movimento feminista?

-Movimento feminista... sim, li alguma coisa no jornal. Mas isso nunca vai chegar até aqui. Não mesmo.

Olhei para ela. Tinha perdido o ar sisudo, e me tratava melhor. Me atrevi a perguntar:

-Nunca se casou?

Ela corou, baixando os olhos. 

-Não.  Nunca saí desta fazenda.

Eu não acreditava no que estava ouvindo.

-Como? Nunca saiu da fazenda? Nunca viajou, não conhece outros lugares, outras cidades?

-Apenas uma ou duas cidadezinhas vizinhas, que visitei quando acompanhei Dona Helena. Não tive muitas chances de conhecer alguém... isso é... houve uma pessoa, um trabalhador da fazenda. Mas quando Dona Helena e Dr. Vitor perceberam o que estava acontecendo, eles o mandaram embora daqui. Nunca mais o vi. Queria que eu fosse com ele, mas... não tive coragem. 

Fiquei estarrecida com a história de Jandira. 

-E sua mãe? Aonde ela está?

-Morreu no parto. Fui criada pelas pessoas da fazenda. 

Naquele instante, ouvi movimentos e passos na sala de estar. 

-Acho que ele está de saída.

Dizendo aquilo, deixei Jandira sozinha à mesa, pensando em seu passado, e corri para fora, onde fingi estar distraída cuidando de um canteiro que ficava exatamente no caminho que Dr. Gustavo teria que percorrer até chegar ao seu carro, na lateral da casa. Claro, ele me viu, mas fingi não perceber a presença dele. Ao invés daquilo, corrigi minha postura e toquei em uma rosa aberta, cheirando-a de olhos fechados. Eu estava atuando para ele. E funcionou, pois ele se aproximou de mim.

-Boa tarde, moça bonita.

Abri os olhos de repente, fingindo me assustar.

-Boa tarde... Dr. Gustavo. 

Dei a ele meu melhor sorriso, o mais cheio de luz que eu podia forjar. 

Conversamos sobre amenidades durante alguns segundos – o tempo, o calor, as nuvens negras que se aproximavam no horizonte, cada vez mais rapidamente. Então ele chegou mais perto de mim, dizendo:

- Então... você é neta de Dona Helena?

-Sim. Embora ela não goste da ideia, eu sou sim. Meu pai... casou-se com uma das empregadas da fazenda – minha mãe. 

Baixei os olhos, fingindo tristeza e constrangimento.

-Conheço a história, ela é antiga e circula pela cidade toda há anos. Sinto muito. Saiba que não aprovo a atitude dos seus avós em relação ao seu pai, e nem o meu pai a aprovava. Mas... por que está aqui?

-Porque eu queria conhecer minha avó. Meu pai nunca me falou dos meus avós, eu pensava que estivessem mortos. Mas... descobri recentemente que ela estava viva. 

Ele assentiu. 

-Pretende ficar aqui por muito tempo?

-Não sei ainda. 

Ele ergueu meu queixo suavemente com a ponta dos dedos, me obrigando a olhá-lo.

-Você parece ter uma história triste. Não deveria se entristecer, é muito bonita. Você é uma das mulheres mais bonitas que eu já vi. 

Fingi timidez, e agradeci. Naquele instante, a chuva começou a cair forte, e ele se despediu, entrando no carro. Entrei em casa correndo, pois a tempestade fortíssima já encharcava tudo. 

Meia hora depois, ele voltou. O riacho enchera, inundando a estrada, e ele não tinha como passar. Minha avó convidou-o a passar a noite na fazenda. Aquilo era tudo o que eu precisava para levar meu plano adiante!

(Continua...)





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