segunda-feira, 1 de julho de 2019

INOCÊNCIA - Capítulo XXVI - Parte II - A Trama




V- A Trama

Naquela semana, minha vó tratou-me da pior forma possível. Mandou-me alimentar os porcos, lavar o chão da cozinha, faxinar toda a casa da fazenda, e até ajudar na plantação de batatas. Eu fiz tudo o que ela mandou. Fiquei exausta, e minhas mãos se encheram de calos, pois não estava acostumada a trabalhar nos campos. Os homens da fazenda faziam de tudo para amenizar meu sofrimento, e eu sabia que meu poder de sedução sobre eles era grande, mas as mulheres ficavam de olho em mim, e sempre que podiam, aumentavam minha carga de trabalho. Senti no corpo e na alma os seus olhares e palavras cheios de inveja e de raiva. Não rebati, pois a única coisa que me importava, era o meu plano.

Finalmente, duas semanas após todo aquele trabalho, Dr. Gustavo voltou à fazenda de repente, sem avisar. Ele pegou a todos nós de surpresa, e eu estava usando um macacão de brim surrado, pois estivera trabalhando na roça. Meus cabelos estavam suados, presos em um rabo de cavalo empoeirado, e minhas mãos, cheias de calos. Ao olhar para mim, vi pena nos olhos dele. Também percebi que quando minha avó finalmente foi à sala recebe-lo, ele a olhou com desprezo. Ela fez sinal para que ele se sentasse. Fiquei escutando a conversa atrás da porta. 

-Você veio sem avisar, algo de grave aconteceu?

-Não... na verdade, estava de passagem, visitando outro cliente. Achei que poderia economizar a visita da próxima quinta-feira. Desculpe-me vir sem avisar, se a senhora achar inconveniente, posso voltar outro dia...

-Não, mas não faça disso um hábito. Não gosto de surpresas. 
-Bem... passei apenas para trazer estes documentos para a senhora assinar.

Eu ouvi o ruído de papéis sendo remexidos, e de repente, eu soube: meu plano agora estava realmente definido! Bastaria que eu convencesse Dr. Gustavo a fazer minha avó assinar algum documento que me beneficiasse. Talvez eu pudesse usar a minha condição naquela casa para comovê-lo e trazê-lo para o meu lado, e é claro, com uma boa dose de sedução, ele cairia como uma mosca no meu plano. Me atrevi a entrar na sala, a fim de oferecer-lhes um pouco de suco de frutas. Minha avó olhou-me com desgosto, pois eu estava ainda usando o macacão com o qual estivera trabalhando durante o dia. Ela negou minha oferta com a cabeça, fazendo sinal com a mão para me dispensar como se eu fosse uma mosca que tivesse pousado no ombro dela. Mas eu consegui ver o que eu queria: ela assinava os documentos sem ler. Parecia confiar em Dr. Gustavo.

Ensaiei um olhar triste e lancei-o na direção dele, que me comia com os olhos enquanto vovó assinava os documentos, e deixei a sala de cabeça baixa. Fiquei escutando atrás da porta e ouvi o final da conversa:

-Prontinho, tudo em ordem... obrigada, Dona Helena. 

Minha avó resmungou:

-Antes de ir, Dr. Gustavo... gostaria de fazer-lhe uma pergunta.

-Pois não? 

-O senhor está noivo, não está? 

Ele demorou só um pouquinho para responder:

-Sim senhora. 

-De uma moça de excelente família, pelo que fiquei sabendo, e muito bonita também. Rica e prendada.

Ele demorou um pouco mais para responder:

-S-sim...

A voz de minha avó ergueu-se um pouco: 

- Se eu fosse o senhor, prestaria muita atenção ao que vou lhe dizer: conserve seu noivado com esta moça de bem. 

Fez-se silêncio. Eu soube imediatamente aonde minha avó queria chegar, e tive a certeza quando ela continuou:

-Notei seus olhares famintos para minha neta Cristina. Ela não é moça para o senhor. 

-Não sei o que a senhora quer dizer, Dona Helena. Eu...

-Não me interrompa, eu ainda não terminei! Cristina é minha neta sim, mas é filha de uma empregada doméstica. Uma mulher que levou meu filho para longe de mim, uma mulher sem classe e sem ter onde cair morta. Uma empregadinha da fazenda pela qual meu filho se apaixonou.

-Eu... eu ouvi falar dessa história...

-É, eu sei, a cidade inteira sabe. Não vá desgraçar sua vida também por causa de uma moça como Cristina.

Gustavo ergueu-se – escutei o couro do sofá ranger sob ele. Ele falou com a voz firme:

-Bem, Dona Helena, se me permite... já que a senhora teceu comentários livremente sobre a minha vida íntima e me contou um pouco da história da sua família... acho que a senhora deveria tratar sua neta com mais consideração e carinho, ao invés de coloca-la para fazer trabalhos forçados. Com certeza, Cristina é uma bela moça, e poderia ter um belo futuro se a senhora a ajudasse a...

Minha avó gritou:

-Eu não admito que um pirralho como o senhor venha me dar conselhos!!! Ora... onde já se viu tanto atrevimento? Seu pai ficaria muito aborrecido se estivesse ouvindo uma coisa dessas! Foi meu advogado por muitos anos, e nunca faltou-me com o respeito!

-Pois não, Dona Helena. Da mesma forma, gostaria que nossa relação continuasse a ser estritamente profissional. Se a senhora acha que fui desrespeitoso, peço desculpas; mas também não gostaria que a senhora se sentisse na liberdade de opinar sobre a minha vida íntima. Ou sobre a vida íntima de minha noiva. 

Achei que após aquele mal-entendido entre ambos, eu teria realmente a minha chance de dar início ao meu plano. Assim, fiquei lá fora, sentada nas escadas da varanda esperando Gustavo sair. O sol se punha em lindas cores. Eu aproveitei toda a ocasião – a beleza daquela tarde, meu estado lastimável após um dia de trabalho na fazenda, a discussão que ele acabara de ter com D. Helena. 

Senti a presença dele de pé atrás de mim, e fingi que secava uma lágrima. Quando ele falou comigo, simulei um leve susto:

-Cristina? Você está bem?

-Oh... sim, eu estou bem. Como vai o senhor?

-Senhor? Por que está me chamando assim?

Ergui-me, limpando a mão na barra da saia e deixando um bom pedaço da minha coxa aparecer de relance:

-Minha avó acha melhor desse jeito. O senhor já vai?

-Pare com isso, Cristina. Não me chame de senhor. Prometo que será um segredo só nosso. 

Os olhos dele faiscavam. Eu já tinha ganho aquela briga! Confesso que ele também me atraía muito, mas eu não podia deixar que as emoções me dominassem, ou poderia colocar tudo a perder. Tentaria manter a minha própria paixão sob controle até que eu pudesse usá-la na hora certa, a meu favor. E quando isso acontecesse, seria simplesmente como o rebentar de uma represa de águas selvagens. Dr. Gustavo aproximou-se, erguendo o braço na minha direção e pegando a minha mão, que estava suja de barro.

-Suas mãos não são feitas para esse tipo de trabalho, Cristina. Você é uma verdadeira dama!

Puxei a mão:

-Não, não sou... sei muito bem qual é o meu lugar nesta casa, e na vida. Sabe, eu sou filha de um casal de caseiros. Eles são empregados em uma casa de pessoas muito abastadas. E eu... bem, nasci por lá. Sou o que se pode chamar de cria da casa.

Naquele momento, tive uma lembrança realmente dolorosa, de quando Berta usara aquela expressão para referir-se a mim e humilhar-me diante de seu noivo. Mas eu me ergueria, e voltaria para aquela casa como alguém que venceu na vida. Eu teria tudo: meu salão de beleza, a fazenda de minha avó e se quisesse, o amor de Gustavo. Continuei o meu discurso:

-E o senhor está noivo de outra moça, e tenho certeza de que ela é realmente... bonita, educada, e... rica!

Ele me interrompeu:

-Ela é isso tudo sim, Cristina. E uma excelente mulher. Mas desde que vi você pela primeira vez, eu me pergunto se devo manter meu noivado com ela.

Corei de satisfação; estava sendo mais fácil do que eu pensava!

-Mas é claro que deve, Dr. Gustavo!  Eu jamais pensaria em... em roubar o noivo de outra mulher. Por favor, o senhor deve ir agora. Ainda tenho que ajudar a preparar o jantar. Minha avó gosta de jantar pontualmente às sete, e se não estiver tudo pronto até lá, ela... ela...

Ele me segurou pelo braço novamente:

-Ela o que, Cristina? Você está sendo maltratada? 

Tentei desvencilhar-me, mas ele me obrigou a olhá-lo de frente:

-Não! Eu não quis dizer isso... é que vó Helena é muito metódica. 

Vagarosamente, ergui meu olhar e plantei-o no dele. Meu cabelo caía sobre o meu olho esquerdo, e eu estava consciente do meu cheiro de fêmea, pois meu último banho tinha sido pela manhã, e depois eu tinha suado no campo o dia todo. Sabia que meus olhos deveriam estar muito azuis, brilhando em destaque na pele bronzeada do meu rosto. De repente, ele me puxou, e enlaçando-me pela cintura, roubou-me um beijo cheio de paixão e fogo. Senti a língua dele abrindo caminho entre meus lábios, e sua mão forte apertando meu quadril, enquanto descia e subia vagarosamente. Deixei-me beijar por algum tempo, ofegante. A paixão que ele demonstrava era correspondida, e eu não conseguia mais fugir daquilo.

Num esforço para recuperar o domínio da situação, eu o empurrei (lamentando ter de fazer aquilo) e entrei na casa correndo, sem olhar para trás. Encostei-me na parede do corredor para recuperar o fôlego, enquanto escutava os passos dele descendo as escadas da varanda devagar. 

(Continua...)




4 comentários:

  1. Muito bom de ler! Obrigada :)

    Beijos e um excelente dia

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  2. Achei bem interessante o teu blog. Muito conteúdo de qualidade... Passei a seguir. Se quiser conhecer o meu, será um prazer.
    DOUG BLOG - https://blog-dougblog.blogspot.com/

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  3. Very intriguing and engrossing, as always, dear Ana.😊😊
    I so enjoy reading your work...and thank you so much for sharing your amazing talent with us! xxx

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  4. Um conto bem narrado e prazerosa leitura Ana. Gosto das suas inspirações.

    Desejo uma ótima semana.
    Abraço!

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