terça-feira, 16 de julho de 2019

INOCÊNCIA - Capítulo XXVII - Parte II - O Tempo Passava...





VI– O Tempo passava...

Eu precisava ser forte e aguentar os humores de minha avó. Um dia, enquanto eu servia-lhe o chá da tarde na sala de estar, notei que ela me olhava de cima abaixo, de forma crítica. Ergui-me (estava ajoelhada no chão junto à bandeja) e me mantive o mais ereta possível, as mãos cruzadas na frente da saia. Ela disse:

-Você é uma linda mulher, Cristina. Uma linda mulher... e mulheres como você têm um grande poder. Podem usar de sua beleza de forma perigosa.

Senti meu rosto corar, mas olhei-a nos olhos:

-O que a senhora quer dizer, vovó? (fiz com que o “vovó) soasse bastante irônico):

-Quero dizer que já vi este olhar antes, em outras mulheres perigosas que conheci.

-Como minha mãe?

-Ela demorou um pouco a responder, tomando um gole de chá e fazendo um gesto de descaso com a mão:

-Sua mãe? Não... Flora não é assim. É a pessoa mais sincera que já conheci. 

- Talvez por isso a senhora não tenha gostado dela.
Ela me encarou, e por um momento, achei que jogaria sua fúria sobre mim; mas ela respirou profundamente, e tomando outro gole de chá, disse com a voz controlada:

-Não... eu não queria que ela se casasse com meu filho porque eles eram de mundos diferentes. A sociedade não perdoaria... naqueles tempos... as coisas eram bem piores do que hoje. E eu sabia que seu avô jamais aceitaria a situação, e ele podia ser bem incisivo quando queria... e foi! 

Notei que havia tristeza e sinceridade nas palavras dela. Pela primeira vez, tirara a sua máscara de mulher amarga diante de mim. Ela continuou:

-As pessoas se apaixonam e trazem grande sofrimento a todos. A paixão é a pior coisa que pode acontecer a alguém, pois nos deixa cegos! Melhor é fazer uso da razão, sempre. 

Ela me olhou bem dentro dos olhos:

-Se algum dia eu der a você um bom conselho, será este: controle a sua paixão! Use a sua razão. 

Depois daquilo, ela se levantou e foi fazer a sua cesta. Fiquei pensando no que ela havia me dito. Nunca mais tomei nenhuma atitude na minha vida movida pela paixão. Tudo o que fiz desde aquele dia, foi cuidadosamente calculado com frieza, para meu próprio benefício. E assim cheguei onde cheguei. 

Dias mais tarde, eu estava na cozinha, e Jandira me observava enquanto eu terminava de guardar a louça que ela tinha lavado. Notei seu olhar inquisidor, mas esperei que ela falasse:

-Desistiu do seu plano de ficar rica, Cristina?

-Não. E também não me esqueci de que você concordou em participar dele.

Ela encolheu os ombros:

-Não acredito que vá dar certo, mas eu também tenho meus motivos para querer parte desta herança. Afinal, sou filha de seu falecido avô. Aliás, pensando melhor, nós duas somos parentes.

-Já dizia a minha mãe: “Parente não se escolhe, se engole!” 

Ela riu amargamente, e eu me arrependi do que dissera. Tive pena de Jandira. Olhei para ela, e vi sua pele precocemente envelhecida e suas mãos calosas pelo trabalho duro da fazenda. Eu definitivamente não pretendia passar minha vida daquela forma. Não mesmo!

-Conte-me mais sobre Dr. Gustavo. Você conhece já viu noiva dele, afinal?

-Pessoalmente, não; mas recentemente, na semana passada, eu vi os dois juntos na cidade, quando fui fazer umas compras para D. Helena. 

-E ela é bonita mesmo?

Ela encheu o peito, dizendo devagar:

-Sim. Muito bonita! É uma moça fina, educada e muito bem vestida também. Simpática. Formam um belo casal.

Tentei não me irritar com ela. Continuei:

-Tenho certeza que ela é bonita. Mas eu sou mais bonita do que ela, e muito mais esperta. Que ela desfrute dos seus últimos dias de noivado. Gustavo vai ser meu. 

Ela balançou a cabeça, concordando:

-Pobre homem. Foi pego na teia de uma das tarântulas mais perigosas que conheci.

-Tarântulas não vivem em teias. Só as Viúvas Negras.

Os dias foram passando, e mergulhei numa certa melancolia. Nada acontecia de interessante naquele lugar. Eu trabalhava desde o raiar do sol até o começo da noite. Dedicava cada minuto do meu tempo a limpar, esfregar, capinar, plantar, regar, varrer, cozinhar, remendar, encerar, lustrar, polir... a fazenda nunca estivera em tão boas condições, segundo Jandira e até segundo a minha própria avó. A fim de matar o tempo, eu mergulhava no trabalho doméstico de corpo e alma. Tentava não pensar em meus pais. Tentava não pensar na minha cidade, naquela casa e nas pessoas que deixara para trás. Marcelo? Ele se tornara uma miragem. Às vezes eu me perguntava como eu podia ter passado tanto tempo apaixonada por alguém tão fraco e sem tutano. Ele nunca me procurou, desde que eu fora embora. Simplesmente tirou-me da vida dele – e eu sabia que ele sabia onde eu estava, pois certa vez comentara com ele que um dia iria conhecer minha avó. Se ele tivesse um pouquinho que fosse de bom senso, teria pensado em me procurar ali.

Meu jogo de gato e rato com Gustavo estava ficando cada vez mais interessante. Eu dava corda, e depois puxava. E ela já estava amarrada em volta do pescoço dele, que não conseguia tirar os olhos de mim ou disfarçar sua paixão nem mesmo diante de minha avó. Ela percebia tudo, e nos olhava com desaprovação. Às vezes, ralhava comigo e me mandava de volta para a cozinha, me tratando como empregada doméstica apenas para mostrar a ele quem eu realmente era, qual o meu status dentro daquela casa. Mas eu sabia mais. E queria mais. E teria tudo o que eu queria dentro em breve. 

(continua...)







7 comentários:

  1. Boa noite!
    Hoje senti saudade de visitar os amigos e as amigas blogueiras. Ando um pouco afastada das visitas, a saúde não anda muito legal, mas com fé em Deus estou superando. Nada grave, só a tendinite que me prejudica teclar.

    Certo dia,
    Passou uma criança e achou que aquela flor era parecida com ela: bonita, mas sozinha.
    Decidiu voltar todos os dias.
    Um dia regou, outro dia trouxe terra, outro dia podou, depois fez um canteiro, colocou adubo...
    Um mês depois, lá onde tinha só pedras e uma flor, havia um jardim!..."

    Assim se cultiva uma amizade
    E como nem sempre a distância nos
    permite cultivar as amizades como gostaríamos, espero que esta mensagem possa ser um pouquinho de adubo, para que a nossa amizade nunca morra por falta de cultivo.
    Parabéns pelo post, sempre com bom gosto e criatividade.
    Tenha um fim de semana feliz e abençoado. Beijo no coração.


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  2. Still as captivating as ever, dear Ana...your stories hold me spellbound!!😊😊
    Thank you so much!

    Big Hugs xxx

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  3. Bom dia Ana.
    Hoje li essa parte. Bastante interessante. E o Conselho estão muito bom. Nunca se deixe levar pela paixão,mas pela razão. Se todas as pessoas seguisse quantas coisas ruins não evitariam. Vou com calma lendo os textos antigos para compreender melhor a história. Beijos.

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  4. Ana,
    É uma leitura leve
    e que não dá vontade de
    parar.
    Bjins de ótimo sábado
    e domingo.
    Obs: se por aqui peto da praia
    está frio, eu nem quero
    imaginar como estará aí!
    CatiahoAlc.

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