sexta-feira, 3 de abril de 2020

MADRE- CApítulo 9






MADRE- Capítulo 9

A última recomendação de Mateus, antes do ônibus sair, foi para eu não deixar de ligar para a minha avó e Nina. E foi o que fiz, assim que o ônibus partiu:

-Vó, eu estou bem. Estou indo conhecer minha mãe. 

-Ah, minha querida! Eu estava aqui, morrendo de preocupação. Nina está comigo. Vai ser minha acompanhante de hoje em diante. Ela está mandando um beijo pra você.

-Mande outro para ela, e diga que eu amo. Estaremos juntas de novo em breve. Nós três. 

-Eu espero que você me perdoe, Aisha...

-Não tem nada para ser perdoado. A senhora fez o que papai e mamãe mandaram. Agora compreendo o porquê das discussões e da distância entre mamãe e você. E Nina... ela... sempre foi tão boa comigo! Se não fossem por vocês duas, acho que eu teria pirado de vez com tantas mudanças repentinas!

-Mas por favor, querida, não odeie seus pais! Eles podem ter errado, mas sempre amaram você demais, e tinham medo de perder você. Um medo que eu partilhava, e que nesse momento, eu confesso, é grande demais. 

-Não! Você não vai me perder, vó! Eu vou entrar em contato, estaremos sempre juntas! Mas eu preciso conhecer a Mayara! Nós devemos isso a ela, e ela é minha mãe, entende?
-Claro, Aisha. Vá conhece-la. 

Desliguei o telefone, e me deixei envolver pela paisagem lá fora, aproveitando para pensar em minha vida e no que estava para acontecer. O ônibus estava quase vazio, e eu estava sentada sozinha, o que era bom, pois pude chorar e rir à vontade, conforme as lembranças chegavam. Pensei no acidente; pensei nos meus amigos da escola, na festa de aniversário que jamais aconteceu. Tive uma ideia: Entrei em uma rede social e abri uma conta. Desta vez, com meu nome e foto verdadeiros! Adicionei todos os meus amigos, e passei a viagem conversando com eles e explicando tudo, pois queria muito resgatar minhas amizades. Elas eram importantes para mim, e não queria perde-las. 

Era tão bom não ter mais nada a esconder! Era tão bom poder postar minhas fotos e dar meu verdadeiro nome! Era tão bom não ter mais medo.

Também passei uma mensagem para meu antigo ‘crush’, que ficou muito entusiasmado ao conversar comigo. Acho que ainda não disse o nome dele: Caio. 

Fiquei sabendo, através dos meus amigos, que a festa foi devidamente aproveitada até o final. Eles me mandaram fotos de tudo, e também de uma homenagem que fizeram para mim. Me disseram que ficaram muito aflitos ao saber que minha família tinha deixado a cidade de repente. Eu pretendia revê-los em breve, na época das férias escolares – mas antes, eu tinha que resolver aonde estudaria. Minha vida escolar tinha sido interrompida no último ano. Ainda faltavam o vestibular, a faculdade. Meu futuro era uma verdadeira incógnita. 

Lá fora, começou a chover, embaçando a paisagem. Adormeci, e acordei quando o ônibus parou. Todos os poucos passageiros já tinham saído, e fui a última a deixar o ônibus. Já era quase noite. 
Torcendo as mãos, minha bela mãe esperava por mim, e ela parecia tão jovem e desamparada, que eu só pude largar a mochila no chão e abraça-la forte. Senti o cheiro dos cabelos dela de encontro ao meu rosto, e meus braços em volta da cintura dela. E tudo me pareceu tão certo, tão familiar! Era como se nós duas nunca tivéssemos sido separadas. 

Ela me levou até sua casa de carro. Após dirigir por mais ou menos cinco minutos, chegamos a um imponente portão de ferro pintado de preto. Minha mãe vivia em uma enorme casa amarela de janelas brancas, nos fundos de um longo passeio cercado por um gramado verde e iluminado por luzes laterais que ladeavam a estradinha. Havia muitas árvores, e sob uma delas, um balanço. Ela me disse que gostava de sentar-se ali, pois balançar a deixava calma.

Minha mãe morava em uma verdadeira mansão! 

Assim que ela parou o carro, um homem veio para leva-lo até a garagem. Ele aparentava ter uns cinquenta anos de idade. Mayara me apresentou:
-Geraldo, essa é minha filha Aisha. Irmã gêmea de minha falecida filha Georgina. Estive a procura dela por muitos anos, e finalmente, ela está aqui!

O pobre homem pareceu muito confuso, mas assim que recuperou a fala, disse:

-Seja bem-vinda, senhorita Aisha. Fico feliz que vocês tenham se encontrado!
Dizendo aquilo, ele entrou no carro e dirigiu para a lateral da casa. Achei estranha a atitude surpresa dele, mas nada disse. Entramos por uma varanda envidraçada e cheia de plantas, como uma estufa, e fomos dar em um salão ricamente decorado. Eu nunca tinha visto tantas coisas bonitas na minha vida.  Havia duas mulheres que trabalhavam na casa e foram nos receber e Mayara me apresentou novamente. As mulheres se entreolharam, parecendo muito confusas e espantadas, e baixando a cabeça, fizeram-me um leve cumprimento e saíram da sala. Mayara disse:

- Deixe eu levar você até o seu quarto.

Achei aquela frase surreal: será que eu ficaria morando naquela casa com ela? Tinha prometido à minha avó e Nina que voltaria! Mas aquela era uma decisão para eu tomar mais tarde. 
Ela me conduziu por uma escadaria curva e larga de madeira encerada, forrada por um belo tapete verde-escuro. Chegamos a um corredor também acarpetado de verde, e abrindo a segunda porta à direita, ela fez sinal para que eu entrasse:

Prendi a respiração: o quarto era enorme! Tinha até uma lareira. A cama era de ferro trabalhado, uma linda cabeceira cheia de rosas de padrões intrincados, pintadas em cores reais; tão reais, que davam a impressão de serem de verdade. Eu nunca tinha visto nada tão lindo! O tapete era cheio de desenhos maravilhosos de flores e ervas, uma verdadeira obra de arte onde eu planejei ficar durante muito tempo até que eu tivesse percorrido todas aquelas tramas. E as paredes... era uma casa antiga, e elas tinham uma pintura maravilhosa, uma paisagem campestre com montanhas, lagos, árvores, céu. Parecia original, embora restaurada.
Mayara abriu o armário: ele estava cheio de roupas! Diante da minha surpresa, ela disse:

-Eu as comprei para você. É claro que mais tarde poderemos sair e você escolherá tudo o que quiser, mas achei que seria bom que você tivesse algo para vestir. Espero que goste. Agora tome um banho, troque de roupa e descanse um pouco. Daqui a duas horas eu a chamarei para jantarmos juntas. 

Ela me beijou suavemente na testa e eu fiquei sentada na cama, olhando embasbacada para tudo aquilo.
Mas depois fiz o que ela tinha sugerido, e escolhi umas calças jeans e uma túnica branca bordada de linha branca na pala. Ela era linda, de mangas longas, e o tecido era macio e esvoaçante. Calcei também umas sapatilhas brancas sem salto. Fiquei espantada porque as roupas serviam perfeitamente, parecendo terem sido feitas sob medida. 

Aquilo era um conto de fadas e eu era a princesa, pensei. 

Saí do quarto e parei no sopé das escadas, a mão no corrimão. Pude vislumbrar o magnífico lustre de cristal, a beleza da escadaria curva, o bom gosto da decoração da sala silenciosa. Depois, respirando profundamente, comecei a descer os degraus bem devagar, tomando posse daquilo tudo com o olhar. Eu era a filha de Mayara, e aquilo tudo também me pertencia, afinal.

(continua...)




5 comentários:

  1. Mais um bonito texto. Adorei ler...Obrigada pela partilha!
    -
    Quero sair deste flagelo...
    -
    Beijo e um excelente fim de semana.
    "Vai ficar tudo bem

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  2. Belo capitulo, li alguns anteriores e pouco a pouco coloco em dia! bjs, chica

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  3. É sempre salutar e refrescante para o espirito ler textos de quem escreve divinamente. Gostei muito de ler

    Saudações cordiais

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  4. Oh I so love coming here to catch up with your amazing work...it is really intriguing and addictive!
    You are a fantastic novelist 😊😊 and many, many thanks for sharing!!
    Stay safe...

    Hugs xxx

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  5. Olá Ana,
    Linda continuação do conto,fiquei embasbacada tal qual Aisha. Como num conto de fadas a menina ficou feliz.
    Obrigada por partilhar

    Boa semana Santa.

    Abraço!

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