terça-feira, 3 de maio de 2022

SEGUIR PARA TRÁS - PARTE 5



Parte 5


Aqui estou eu, sentada em minha sala de estar limpa e cheirosa sem saber o que fazer do resto do meu dia – ou da minha vida. Silêncio de uma manhã de sexta-feira. Meu pai foi enterrado ontem. Minha mãe morreu quando eu tinha sete anos. Nunca vejo meus avós. Minha mãe tinha sido amante de meu pai antes de se casar com ele. Fernanda, a ex-mulher de meu pai, se matou ao saber que minha mãe estava grávida de mim, o que, de certa forma, significa que eu tive alguma culpa nisso. Meu pai mentiu para mim a vida toda, dizendo que ele e mamãe eram um casal perfeito cujo amor transcendental superava a morte, enquanto escondia o fato de ter tido uma amante durante dois anos enquanto minha mãe estava doente.

Tenho 17 anos, e acho que é tarde demais para reconstruir minha relação com meus avós, pois eles já são bem idosos e não estão interessados em novidades em suas vidas. E se quisessem saber de mim, teriam tentado me visitar, teriam enfrentado meu pai. Mas quem sabe, a minha visão pudesse despertar neles algumas memórias de coisas que eles preferiam não lembrar? Eles tinham perdido uma filha. Perderam a filha duas vezes: quando ela saiu de casa para se casar com meu pai e depois que ela morreu. Lembro de meus avós me visitando quando eu era pequena, e são lembranças vagas, mas eu também me lembro que depois daquelas visitas sempre tão raras e breves, meu pai e minha mãe sempre brigavam, e meu pai nunca estava presente quando meus avós vinham. Minha mãe se afastou dos próprios pais por causa de meu pai. E se hoje meus avós e eu não temos nenhuma intimidade, é por causa dele.

Mas lá vou eu estabelecendo culpas de novo. Minha tia me pediu para não julgar o meu pai. Ela disse que ele cometeu erros, mas que me amava, e eu sinto que era verdade. É estranho que crescer signifique desconstruir a imagem que temos dos nossos pais. Eles são apenas pessoas comuns, que erram e falham, e dizem coisas absurdas, e fazem coisas bizarras. Não são os heróis que às vezes imaginamos.

Mas eu sinto falta do meu pai. Eu sinto falta dele, e me arrependo das vezes em que olhei ele desacordado na cama de hospital e desejei que ele morresse. Eu só estava cansada, exausta, para ser mais precisa, e os médicos diziam que ele não ia melhorar, só ia piorar cada vez mais, exatamente como a minha mãe. 

Eu tenho lembranças muito vagas da minha mãe. Nenhuma memória inteira, só pedaços enevoados de momentos. Temos alguns vídeos que meu pai fez de nós três juntos. Bia – minha mãe – era uma mulher um pouco acima do peso, de cabelos pretos e lisos cortados na altura dos ombros, grandes olhos castanho-claros, enfim, uma pessoa comum, diferente da imagem que minha tia Atena fizera de Fernanda. Mas quando ela sorri, seu riso se espalha em luz na tela do computador. Os olhos dela são expressivos e cheios de vida, principalmente quando ela me olha. Não me lembro da maioria daquelas cenas que ficaram gravadas, é como ver o vídeo sobre a vida de outra pessoa a maior parte do tempo, mas eu digo a mim mesma que se trata de mim, aquela criança sou eu, é a minha vida, a minha família. 

Minha mãe não era nenhuma beldade. As roupas dela eram comuns, jeans e camisetas lisas e vestidos estilo boho. Meus pais pareciam um casal de hippies. Mas minha tia Atena me disse que minha mãe era de família muito rica. Meu pai me dizia a mesma coisa. Talvez ela fosse bonita quando conheceu meu pai. 

Vou até o quarto dele, abro o armário dele a procura de mais memórias. É muito estranho mexer nas coisas de alguém que já morreu. A todo momento, penso que estou invadindo a privacidade dele. Eu nunca abri o armário do meu pai, a não ser para pegar roupas para levar para o hospital. Esta é a primeira vez que eu abro o armário do meu pai a procura de segredos ou memórias. Sim, isso configura uma invasão de privacidade, então, para me sentir melhor, vou até a garagem e trago algumas caixas de papelão; assim, posso fingir que estou separando as roupas e sapatos dele para doar – e não há muita coisa, na verdade. Coloco tudo em três caixas de tamanho médio. Tem coisas aqui que eu nunca o vi usar. Elas cheiram a mofo.

Mas logo encontro o que eu estava procurando: uma caixa de papelão na prateleira de cima, bem no fundo. Ali, encontro documentos – a certidão de nascimento de minha mãe, a escritura da casa, algumas contas antigas pagas. E debaixo de tudo, uma fotografia colorida grande, meio-desbotada e um pouco amassada. Meu pai bem jovem e bonitão está ao lado de uma mulher lindíssima, loira, alta, parece uma modelo de revista. Ela é séria, e tem olhos tristes. Só pode ser a Fernanda. Talvez esta seja a única lembrança que meu pai tinha daquela fase de sua vida, e me pergunto se minha mãe sabia sobre essa foto. Fico muito tempo olhando a foto. Chego à janela, tentando reter a imagem na minha cabeça, caso um dia a foto desapareça, e depois volto a olhar para confirmar se consegui.

Após arrumar as coisas em caixas, ligo para uma instituição de caridade que vai buscar tudo horas depois. Enquanto espero, assisto filmes na TV. Como cookies de chocolate. Durmo no sofá da sala. Me arrasto até a varanda, onde me sento embrulhada em uma manta, olhando a rua vazia. De vez em quando, um carro passa. Às vezes as pessoas nos carros me olham, e fico pensando no que elas pensam ao me verem. Não sabem nada de mim, da minha vida, do que eu estou enfrentando. É assim com todo mundo: ninguém sabe o que a pessoa que está sentada ao lado dela no ônibus está passando. Não sabem que aquele menininho no consultório médico, esperando sua vez enquanto brinca com um carrinho, tem uma doença incurável. Muitas vezes, eles mesmos tem doenças incuráveis e não sabem, nem desconfiam. Estão a ponto de descobrir, o que mudará todas as suas perspectivas, expectativas e sonhos.

Uma vez eu vi um filme em que o marido saía de casa ao descobrir que sua mulher estava doente; não conseguia lidar com o problema. A vida da gente pode mudar a qualquer momento, de forma radical, e tudo o que sempre foi certo pode se mostrar bem diferente. 

A caminhonete da casa de caridade encosta junto ao meu portão. O motorista sai, e ao olhar para ele, percebo que não deve ter mais que vinte anos de idade, e que ele é lindo. Ele sorri ao me ver, e eu me levanto (ainda embrulhada na manta) e sem retribuir o sorriso, vou até o portão e o abro para que ele entre. Ele me diz boa tarde, e eu respondo entre os dentes. Não quero ser mal-educada, mas falar dói. Ele me segue casa adentro, e aponto as caixas para ele no chão da sala. Ele me pergunta:

- Isso é tudo?

Concordo com a cabeça. Ele me olha longamente, e sinto meu coração acelerar. Ele me pergunta:

-Você está bem?

E eu não sei mais quem eu sou, ou o que acontece, ou porque acontece: de repente, estou me debulhando em lágrimas bem na frente dele. Não é um choro doce, mas um choro quase raivoso, de revolta mesmo. Ele fica estupefato, sem saber como agir, mas de repente ele caminha até mim e me envolve em seus braços com manta e tudo.

Eu me deixo abraçar por ele, o rosto em seu pescoço, sentindo o cheiro de malva dos seus cabelos curtos e pretos cortados em camadas. Sinto o formato do seu queixo quadrado contra a minha testa. Sinto as mãos dele, fortes, me amparando. Ele é mais alto do que eu, mais forte, e me sinto segura aninhada contra ele. Raramente, alguém me abraça. Nem mesmo meu pai me abraçava muito. Ele não diz nada, apenas me deixa chorar. E eu choro. 

Quando finalmente eu pareço ter esgotado todas as minhas lágrimas (pelo menos, naquele momento), ele me encara com seus olhos castanhos, emoldurados por sobrancelhas negras arqueadas. Ele é realmente lindo, penso. Eu poderia me apaixonar por ele, se... mas eu nunca me apaixonei, nem sei o que é paixão. E talvez nem seja a hora apropriada, então eu o empurro, devagar e docemente, para cada vez mais longe de mim. Ele se deixa levar pelas minhas palmas, cumprindo a distância que eu ponho entre nós. Murmuro um “desculpe” cheio de vergonha. Ele diz que está tudo bem, e me pergunta se tem alguma coisa que ele poderia fazer por mim. Sacudo a cabeça, dizendo um “não”. Ele me olha, e os olhos dele parecem lavas quentes escorrendo pelo meu rosto, ombros, corpo. 

Largo a manta sobre uma poltrona, porque de repente, eu começo a sentir calor. Logo me arrependo, pois me lembro de que estou vestindo calças de moletom rasgadas nos joelhos e uma blusa de lã velha e cheia de bolinhas. Tarde demais: ele me olha da cabeça aos pés, muito sério. De repente, a boca dele se abre, e espontaneamente, ele diz:

- Você é tão linda!

Fico surpresa. Nunca ninguém me disse aquilo antes. Dou um meio sorriso (porque acho que uma garota que acaba de perder o pai não tem o direito de sorrir tão cedo). Ele corresponde, e me estende a mão:

- Meu nome é Jonathan. 

E assim termina meu primeiro dia como órfã.


(CONTINUA...)





2 comentários:

  1. E cá continuo eu presa neste emaranhado de pontas...
    Será o Jonathan capaz de criar laços com esta jovem, tão a precisar de voltar a sorrir por inteiro.
    Brisas doces, Ana*

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  2. Hoy estoy muy feliz de compartir con cualquier persona aquí que tenga una enfermedad o se sienta mal, no debe darse por vencido porque hay una esperanza para las personas con herpes, vih/sida, diabetes, hepatitis A, B, C, cáncer u otras enfermedades. sufría de herpes y cáncer de colon hasta que conocí al Dr. Itua en línea, alguien estaba dando testimonio sobre él sobre cómo la curó de cáncer de mama y lupus, luego me comuniqué con el Dr. Itua por correo electrónico: drituaherbalcenter@gmail.com para hablar con él antes de ordenar de su Tienda de hierbas en https://drituaherbalcenter.com/shop/ El Dr. Itua prepara los medicamentos a base de hierbas y luego me los envía aquí en Ecuador, donde recibo el producto a base de hierbas a través del servicio UPS Couriere y el Dr. Itua me instruye sobre cómo tomar los medicamentos a base de hierbas durante 30 días para curar y tomé las hierbas medicinales y estoy curado hoy. Estoy muy agradecida por lo que el Dr. Itua ha hecho por mí y el gran trabajo a base de hierbas que me brindó durante mi tiempo de prueba del herpes obstinado y el cáncer de colon, pero hoy estoy bien y saludable.
    Muchas gracias Dr. Itua.

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