segunda-feira, 27 de junho de 2022

SEGUIR PARA TRÁS - Parte 9





 Parte 9

Minha conversa com Jonathan não foi nada fácil. Eu descobri que estava mais apaixonada por ele do que eu pensava, e deixá-lo para que se case com outra não estava nos meus planos. Mas a gente não pode planejar tudo. Eu realmente acreditava que tinha resolvido as coisas, mas dois dias depois que a Priscila me visitou, ele socou minha porta de manhã.

Estou tomando café da manhã na cozinha, ainda de pijamas, meio descabelada, e sei que é ele à porta. Respiro fundo antes de abrir, tentando controlar a minha ansiedade que de repente sobe dos meus pés até o topo da cabeça, me deixando trêmula. Os olhos dele estão rodeados por um par de olheiras escuras, e também estão bem vermelhos. Olho para ele à porta, os cabelos úmidos da chuva fina que cai naquela manhã de domingo. Faço sinal para ele entrar.

Ele me segura pelos ombros:

-Eu não posso deixar você, Valentina, eu estou completamente apaixonado! Não faça isso com a gente...

- Minha voz sai tão embargada quanto a dele:

- Não tem jeito, o que a gente pode fazer? Ela tá grávida, Jonathan! 

- Isso é terrível... eu não estou pronto para ser pai de ninguém... eu sequer tenho onde cair morto, ou onde morar com ela... ela não é a mulher que eu amo. Eu não quero isso para a minha vida, Valentina. Não quero ficar ligado a ela dessa maneira. Você não pode me obrigar a isso.

- Mas o que você quer fazer? Se você é o pai dessa criança... não vejo como... 

Eu me jogo no sofá, totalmente esgotada. Minhas mãos tremem. Ele se joga do meu lado, e segura a minha mão com a mão gelada dele. Ambos estamos chorando. No fundo, somos duas crianças perdidas. Chego à conclusão de que a gente precisa de ajuda. Digo aquilo a ele bem devagar.

-Acho que a gente precisa de ajuda, Jonathan. E se vocês contassem para o pessoal da Instituição?

Ele nega com a cabeça:

- É uma saída... mas a Priscila não quer. Sabe que eles vão fazer de tudo para colocar a criança para adoção, ou então vão movê-la para outro tipo de instituição onde ela vai poder ficar com o bebê. Bem, ela cresceu lá, não queria sair. Sem contar com o fato de que eles vão me demitir, pois já sou de maior, e eu vou perder o emprego e o quarto. 

- Mas nem tudo o que se quer, se pode. Vocês precisam achar uma solução então, já que você não quer casar com ela. Ela tem que ceder de algum lado. Ou então... eu posso falar com meus tios. Eles poderiam ter uma solução.

Ele levanta do sofá, as mãos na cabeça:

-O que? Não! Eu nem conheço eles. São dois estranhos para mim. E eu vi a maneira como seu tio me olhou naquele dia que passou de carro e viu a gente na varanda.

Ele se acalma, sentando-se ao meu lado de novo:

-E tem mais, Valentina: eu jamais aceitaria que você abrisse mão do seu aluguel para ceder o apartamento para a gente. Isso é absurdo. 

-Mas... e se fosse só para ela, então? Eu não cobro nada pelo aluguel, ela pode ficar enquanto precisar.

Ele tentou sorrir:

-Você é uma pessoa muito incrível. Mas olha... a gente se conhece há pouco tempo, nossas realidades são diferentes. A gente começou a vida de maneira diferente. Você não tem nada a ver com os nossos problemas, na verdade. Valentina, eu juro que jamais queria ser um problema pra você... mais uma tristeza na sua vida.

Ignoro a última frase dele.

- Mas eu posso ajudar. A única maneira que eu sei ajudar é essa. Vocês se mudam para o apartamento, você arranja um emprego, sustenta seu filho.

Ele tem um sobressalto:

-“Meu filho...” Isso é tão ... estranho.

Sinto vontade de abraçá-lo, mas isso só vai complicar as coisas. Na verdade, eu não queria estar na pele dele. Ou na dela. Eu continuo, com a frieza e praticidade que adquiri de meu pai:

- Você não precisa se casar com ela. Com o tempo, as coisas se ajeitam... vocês podem morar juntos no começo. Depois, você trabalha e pode pagar um lugar pra você ficar.

Ele não responde.

-As coisas às vezes parecem horríveis no início, mas com o tempo, tudo se ajeita – eu digo. Sei que você está desesperado agora, mas... um filho é um filho... não se joga fora.

Ele me olha de um jeito que eu sei exatamente o que ele está pensando, mas tento ignorar meus próprios instintos: por ele, Priscila faria um aborto e acabaria com todo esse problema. E todos viveriam felizes para sempre? Eu duvido. Não viveríamos felizes. 

Ele me olha, e seu olhar vai se modificando, e de repente, sinto que tudo o que mais o preocupa somos nós dois. Este é o problema. É isso que está impedindo que ele faça o que é certo. Eu me levanto e vou até a gaveta da cabeceira, onde pego as chaves do apartamento na gaveta da cômoda. Hesito, sem saber se estou fazendo a coisa certa. Cada passo que eu dou é dolorido, pois eu sei que estou me despedindo dele. Mas eu sou jovem. Ainda amarei outra pessoa. 

Chego na sala, onde o encontro sentado no mesmo lugar, olhando para o chão. Estico as chaves para ele. Ele as olha. Digo:

-Essas são as chaves do apartamento. Não renovarei o contrato, já avisei aos locatários. Ele está mobiliado. Acredito que estará livre daqui a um ou dois meses. Tudo o que vocês precisam fazer, é esconder que a Priscila está grávida até lá. Ele é pequeno, mas dá para começar. O aluguel nem é minha principal renda. Acredite, não preciso dele. Minha mãe me deixou uma boa grana, meu pai me deixou esta casa e um pouco de dinheiro; tenho outras formas de renda.

Ele começa a chorar muito. Balanço as chaves diante dele, minha voz se eleva:

-Pega logo, Jonathan! Não torne tudo ainda mais difícil. E olha... neste envelope tem grana. Leve a Priscila ao médico. É meu ginecologista pessoal, ele vai indicar um bom obstetra.

-Eu me sinto... humilhado.

-Não é hora para ter orgulho. Uma criança depende de vocês.

- Mas e nós, Valentina?

-Não tem mais “nós.”

Tento fazer a minha voz soar dura, mas ela se quebra no meio da frase. Ele me abraça forte de repente, e eu me deixo ficar de olhos fechados nos braços dele. 

E então estão acabadas as tardes passeando com ele. As tardes sob as cobertas assistindo filmes, as voltas no caminhão da Instituição. Fim das tentativas tão árduas de controlarmos a nossa libido, os nossos instintos. Não mais carinhos, não mais o cheiro dele, a batida na porta que me elevava o espírito. Solidão de novo. A mais pura, intensa, imensa solidão. Eu estou voltando. Estou seguindo para trás.

Dezesseis dias depois, estou sentada diante dos meus tios. Sei que perdi peso de novo. Meus tios me olham, mas não fazem comentários sobre as roupas mais largas que o normal, embora me olhem com preocupação.

- E então, Tia Atena, é isso. Resolvi aceitar o convite da minha avó.

Meus tios estão me olhando, incrédulos. Estamos sentados na cozinha da casa deles, tomando uma xícara de chocolate quente. Tio Heitor parece indignado, mas quando ele vai abrir a boca, Tia Atena dá um chute nele por baixo da mesa. Eu sei, pois ela erra o chute e acaba me acertando.  Deixo escapar um “ai”, mas todo mundo entende tudo. Ele respira fundo e não diz nada, mas vejo o rosto dele ficando vermelho e sei que ele vai explodir a qualquer momento. Tia Atena diz:

-Mas... o que fez você mudar de ideia tão rápido? Você me disse que estava começando a namorar...

-É, mas não deu certo. E eu quero passar um tempo com meus avós, pois eles também são a minha família. 

Eu não quero contar a verdade toda porque sei que Tia Atena e Tio Heitor vão ser contra eu deixar o Jonathan e a Priscila morando lá. Mas o apartamento é meu, e eu faço o que quiser. O inquilino acabou vagando o apartamento mais cedo, e Priscila e Jonathan se mudaram para lá. Falei com eles por telefone. Nenhum dos dois pareciam estar felizes, mas pelo menos, estavam aliviados. Jonathan conseguiu um emprego de barman em um bar badalado da cidade, enquanto Priscila conseguiu um emprego online trabalhando de casa. A vida continuaria para todos nós. 

Mas estou diante dos meus tios agora, decidindo a minha vida; continuo:

-Não vou me mudar para lá, vou ficar apenas alguns dias ou semanas.

Tio Heitor explode finalmente:

-O suficiente para aquela ... aquela senhora encher sua cabeça contra o seu pai! Ela vai inventar uma porção de histórias horríveis sobre ele – ele berra.

Eu perco a compostura:

-E por que ela faria isso? Meu pai está morto, e minha mãe também. Ela não teria motivos. Eu não tenho nada a ver com essa história deles.

Tia Atena tenta acalmar os ânimos:

-Parem de gritar, ou então os vizinhos vão chamar a polícia... Heitor, ela tem direito a visitar os avós. 

Ele a fuzila com o olhar. Eu alinhavo tudo:

-Ela tem razão. Tenho o direito, e vou. De primeira classe. No próximo mês.

-Mas você ainda estará em período de aulas! – ele diz.

-Mas eu já passei de ano, tenho nota sobrando. Posso ir um mês mais cedo.

Tio Heitor bufa de indignação:

- Acho que seu pai cometeu um erro enorme emancipando você! Deveria tê-la deixado sob a nossa guarda!

Arregalo os olhos:

-Sério? Por que? Eu sei muito bem cuidar de mim! Meu pai fez um ótimo trabalho comigo, tio. Não precisam se preocupar. Não estou aqui pedindo permissão, tio, apenas comunicando minha decisão. Afinal, devo muito a vocês. (Abrando o tom de voz).

Tia Atena está coma cabeça apoiada na mão, cotovelo sobre a mesa, enquanto desenha círculos com o dedo no tampo de madeira. Sei que eu os estou decepcionando. Mas é a minha vida.

Mais tarde, nós jantamos juntos a macarronada quase fria e sem sabor da minha tia, que naquela noite estava ainda pior, e então, após ajudá-la a lavar os pratos, eu me despeço deles e vou embora para casa. 


(continua...)





Um comentário:

  1. Muito bom, tu escreves muito bem, além da escrita correta, o conteúdo é excelente e fica a vontade de saber o restante. Ótima semana, beijos ;)

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