PARTE 8 –
O DESPERTAR
Eduína, que era sempre fria e calma, levou um
susto. Achou que aqueles olhos que a olhavam fixamente eram apenas sua
imaginação, e piscou para afastar aquela imagem, mas quando olhou-a novamente, os
terríveis e ao mesmo tempo maravilhosos olhos verdes emitiram um brilho de
vida, e Hélida se mexeu. Eduína, fascinada, afastou-se um pouco do caixão de
vidro, tentando não demonstrar medo, até que Hélida empurrou a tampa com a mão,
sentando-se e espreguiçando-se. Olhou para Eduína como se ela fosse um inseto,
enquanto bocejava, perguntando:
-O que você está fazendo aqui, e quem é você?
Instintivamente, Eduína sabia que aquela
pergunta era desnecessária: Hélida já tinha a resposta. De repente, Félix desceu
as escadas do porão, indo sentar-se no colo de Hélida, que o acariciou enquanto
o gato ronronava, esfregando-se nela. Após alguns segundos, ela o afastou e
saiu do caixão, espreguiçando-se mais uma vez, batendo a poeira do vestido com
as mãos. A cena era simplesmente bizarra, e Eduína nem percebeu que seus olhos
estavam arregalados, e ela, boquiaberta. Hélida olhou-a novamente, desta vez
com mais atenção:
-Você é a filha dela. Hum... vamos lá para
cima. E obrigada por cuidar do meu gato. Ele esperava pela minha volta há muito
tempo.
As duas mulheres subiram as escadas seguidas
por Félix. Ao chegarem na cozinha, Hélida olhou em volta, dizendo:
-Aquele velho não cuidou muito bem da minha
casa nesses anos todos. Olhe só quanta poeira! Você não abre a boca, não fala
nada?
Eduína balbuciou:
-Bem, é que... você há de convir que essa
história toda é meio difícil de engolir... quem tem a chance de estar diante de
uma bru... digo, de uma mulher que morreu há 300 anos e conversar com ela,
vendo-a se mover enquanto prepara um chá?
Hélida pareceu ignorar a fala da outra,
enquanto pediu:
-Me ajude a acender esse fogão. É moderno
demais para mim. E por favor, pode me chamar de bruxa. É o que eu sou. E eu não
morri, fui colocada para dormir.
Eduína acendeu o fogo, enquanto Hélida a
observava atentamente. Depois, a moça foi até o interruptor elétrico e a
cozinha encheu-se de luz. Hélida olhou para cima, surpresa, e deu um leve
sorriso:
-Hum, modernizaram tudo por aqui. Isso é bom. Mas...
o que você faz aqui em minha casa? Como entrou?
- Você sabe. Mas tudo bem, eu posso responder
mesmo assim.
A outra riu abertamente:
- Mesmo sabendo, há coisas que devem ser ditas.
Elas colocaram duas xícaras sobre a mesa. Eduína se perguntava sobre o que
beberiam, já que a casa estivera tanto tempo vazia, mas Hélida abriu o armário
sobre a pia e Eduína viu potes de ervas frescas e um pão de centeio também
fresco. As duas se entreolharam, e Hélida disse:
-Não se esqueça que eu sou uma bruxa. De verdade.
Eduína decidiu que gostava de Hélida. Mal sabia
ela que a bruxa esperava por aquele momento há anos e anos.
As duas mulheres tomaram chá de ervas e comeram
o pão ainda quente servido pela bruxa. Eduína contou-lhe sua história
brevemente, e partilhou a vontade que alguns tinham de finalmente não voltarem.
A bruxa a escutou atentamente, fazendo algumas perguntas de vez em quando. Enquanto
isso, as sombras do dia vagarosamente se transformavam em noite. Quando Eduína
terminou de contar sua história, Hélida ficou em silêncio durante algum tempo,
olhando para seus próprios trajes com insatisfação. E então, diante dos olhos
da moça, as roupas de Hélida começaram a se transformar vagarosamente em um
vestido moderno, de cor marinho, com uma saia rodada na altura dos joelhos, e
um par de botas de cano médio se materializaram sobre os sapatos antigos. Quando
Eduína ergueu os olhos, viu também que os cabelos emaranhados de Hélida estavam
limpos e sedosos, deixando-a ainda mais bonita. Por um momento, Eduína invejou
a bruxa, mas lembrou-se de que ela poderia adivinhar seus pensamentos e varreu
aquele sentimento para longe.
Finalmente, Hélida respondeu:
- Eles querem saber se é possível não voltar? Eles
me puseram em uma caixa de madeira por duzentos anos! Depois, me transferiram
para aquele mausoléu de vidro no porão da minha própria casa, onde passei os
últimos cem anos. E por que? Simplesmente porque eu era uma bruxa.
-Mas como isso aconteceu?
Hélida franziu as sobrancelhas, parecendo
zangada. Depois, em um tom de voz calmo e quase cínico, começou sua narrativa:
- Porque bruxas deveriam ser destruídas. Queimadas
vivas, torturadas, presas, privadas de todos os seus bens, humilhadas em praça
pública, enfim, postas para dormir e trancadas em caixas de madeira, quando
eram poderosas demais para serem mortas. No meu caso, eles fizeram um pacto. Se
eu fosse posta para dormir indefinidamente, sacrificariam treze almas ao
demônio, e construiriam doze casas parecidas com a minha, que seriam seus
templos. E ainda diziam que eu era a coisa ruim!
Eduína ficou chocada:
- Quer dizer então que as treze casas são...
- Templos. E a cada treze anos, a sua maravilhosa
família sacrifica treze jovens mulheres ao seu “deus” a fim de aplacarem sua
fúria e manterem o pacto. E adivinhe só quem será uma delas dentro em breve?
Eduína engoliu em seco, levando a mão instintivamente
ao próprio pescoço:
A bruxa riu alto. Eduína sentiu um arrepio
percorrer sua espinha, reconhecendo o medo pela primeira vez em sua vida.
-Mas... como? Me disseram que eu sou uma deles,
e que me tiraram daqui para que eu não fosse morta por minha avó...
-Querida, como você é ingênua. Acha mesmo que
herdou aquela casa, aquela fortuna? Acha mesmo que Lázaro é seu papai e Viviane
a sua mamãe? Você é uma das treze, só isso. As outras serão trazidas dentro em
breve pela mesma história que trouxe você aqui. Estão sendo criadas por pais
adotivos – seus verdadeiros pais foram mortos... “acidentalmente.” E vocês são
especiais, todas vocês. Porque sofrem de algum grau de sociopatia. E não têm
nenhum parente vivo, ou seja, ninguém sentirá falta de vocês.
-Sociopatia?
-Exato. E você sabe muito bem que jamais
conseguiu amar ninguém, ou sequer gostar de alguém. Sempre foi solitária, nunca
sentiu falta de ninguém, nunca realmente sentiu necessidade de amigos. Você é
fria como uma pedra de gelo, e ambiciosa. E eles a criaram assim. Você inclusive
foi medicada para tal.
-Mas eu assinei vários documentos assumindo a
herança!
-Todos eles falsos, sua tola. E toda a fortuna
que eles adquiriram pertenceu a mim, à minha família. Nada disso pertence a
eles.
- Mas... e como eles podem... e quanto a você,
como você despertou?
-Você me despertou, embora eu não estivesse
realmente dormindo. Minha alma vagou livremente, e eu pude acompanhar tudo o
que acontecia por aqui. Não pude escapar
de suas armadilhas, pois fui presa, amordaçada e drogada; mas durante esses
acontecimentos, eu pude lançar-lhes uma maldição, que foi a de retornarem e
continuarem retornando sem terem descanso.
Eduína começou a sentir-se bastante
desconfortável.
-Mas... por que eu a despertei?
- Eles não sabem, mas você foi parte da
maldição que eu lancei: uma mulher chamada Eduína me despertaria. E me ajudaria
em minha vingança.
(continua)