Onde Sempre Era Natal - VII CONTO
Da calçada, Ana e Jorge observavam a construção da sua nova casa. Pedreiros, eletricistas, marceneiros e outros profissionais da construção revezavam-se num entrar e sair sem fim, carregando todo tipo de material e reproduzindo uma música de marteladas, risos, rádio tocando, gritos de instrução e de nomes sendo chamados, e ainda o barulho alegre do carro do sorveteiro que passava e era parado por um dos trabalhadores, que enchia uma caixa com picolés. Era a realização de um sonho antigo. Mal viam a hora de poderem entrar naquele espaço e chamá-lo de seu, o que só fariam dali a dois anos – após muitos aborrecimentos, como falta de dinheiro, problemas com os trabalhadores, uma crise de depressão, paredes recém construídas que tiveram que ser derrubadas, críticas de pessoas insensíveis que visitavam a obra apenas para dar palpites, enfim, uma série de aborrecimentos que geralmente fazem parte de uma construção.
Não é fácil construir. Quando o trabalho é de demolição, tudo fica pronto em um único dia. Mas construção demanda muito trabalho, planejamento, plantas, dinheiro, decepções. Mas tudo o que é feito com amor e determinação, tende a dar certo. Finalmente, Às vésperas do Natal, a casa ficou pronta. Houve uma pequena comemoração entre os novos proprietários e os trabalhadores. Uma mesa improvisada – que consistia em uma longa tábua de madeira apoiada sobre dois cavaletes – foi preenchida com as mais deliciosas iguarias natalinas, e todos puderam desfrutar daquela alegre refeição, entre as decorações natalinas que Ana conseguira arranjar quase na última hora: um pinheiro com algumas bolas e luzes coloridas e um arranjo de mesa que ela mesma confeccionou, usando pinhas que achou sob um pinheiro, folhas secas pintadas com tinta dourada em spray e algumas flores que pegou ali mesmo, no jardim da casa.
Finda a festa, os proprietários andaram pelos cômodos ainda vazios (a mudança estava marcada para depois do natal) e relembraram os momentos mais marcantes daquela obra. Ana e Jorge passaram aquela noite ali, junto à lareira acesa, sobre um cobertor de xadrez vermelho. Durante toda a sua vida, ela se lembraria daquela noite como uma das mais felizes que já tivera.
Finalmente, a mudança! Mais uma vez, a música barulhenta e alegre das pessoas entrando e saindo, carregando móveis e tapetes, coisas sendo colocadas em seus lugares e caixas de papelão sendo abertas para mostrar copos, panelas e louças embrulhados em jornal que deveriam ser cuidadosamente desembrulhados e lavados antes de serem colocados em seus devidos lugares na cozinha; As roupas eram rapidamente penduradas nos cabides do closet, uma refeição era preparada por uma das irmãs de Ana na cozinha enquanto seus jovens sobrinhos instalavam as TVs e aparelhos de som. Um dia feliz que rendeu, ao seu final, uma casa lindamente arrumada e aconchegante. E o silêncio de um sonho cumprido. Ana e Jorge, exaustos, aproveitaram o final da noite para um banho a dois, quente e restaurador, com direito a velas e incensos.
Mas apenas um mês depois, Jorge não voltou para casa. Nunca mais ele voltaria. Ana recebeu a notícia à porta vestindo um avental, o nariz sujo de farinha de trigo. Sua perda fora anunciada por um policial que segurava seu quepe entre as mãos nervosas.
De repente, a casa perdeu seu brilho, e os cômodos tornaram-se frios. Ana caminhou pela casa banhada pela luz do crepúsculo, e escutou o tiquetaquear suave do relógio que ficava na parede da sala de jantar. Ecos de risos felizes ainda ecoavam por aqueles cômodos. Sobre a cama, o pijama dobrado ainda não sabia que nunca mais vestiria alguém. Os sapatos de Jorge com as meias dentro (ela sempre ralhava com ele por nunca lembrar-se de colocar as meias na cesta da lavanderia) foi o que fez as lágrimas descerem em profusão. Ana sentou-se sobre a cama e passou a noite daquela forma, rosto entre as mãos, sem coragem para levantar-se.
Mas alguém chegou, cuidou de tudo. Colocou-a deitada e deu-lhe um tranquilizante. O dia seguinte passou entre uma neblina branca e intensa, cheia de ecos de vozes que sussurravam em seus ouvidos, mãos que acariciavam seus ombros e braços que tentavam segurar a sua dor. Olhares surgiam entre a neblina, lábios moviam-se, mas Ana não compreendia o que eles diziam.
Porém, tudo termina. E aquele dia também terminou. Após algumas semanas, o telefone foi parando de tocar e os passos que percorriam o corredor foram rareando até desaparecerem completamente. Alguém saiu e fechou a porta, dizendo que se ela precisasse de alguma coisa, era só chamar. Deixaram o freezer bem cheio, a casa limpa, as roupas passadas e dobradas nos armários. Mas ninguém sabia o que fazer com as coisas de Jorge, e acharam melhor que ela mesma decidisse, mais tarde.
Meses se passaram, e Ana foi se erguendo aos poucos. A vida continuava, como sempre. Logo seria natal. Os pássaros ainda cantavam lá fora, e o carro do sorveteiro passava pela rua tocando sua música alegre. As roupas de Jorge iam ser doadas, e ela penduraria as suas no lugar, espalhando-as para que o espaço fosse preenchido. Triste coisa, doar as roupas e pertences de alguém que já se foi... mas a vida continua. Pelo menos, era esta frase que ela mais ouvia desde que tudo acontecera.
As mãos de Ana, após esvaziarem o armário, percorreram as prateleiras mais altas a fim de verificar se ainda restava alguma coisa. Foi quando as pontas dos seus dedos tocaram a superfície de uma caixa. Ela pegou a escada na área de serviço, e subiu. No cantinho da prateleira vazia, uma caixa embrulhada para presente, com um papel estampado de pequenas rosas debruadas de dourado. Ana abriu-a, ainda de pé sobre o degrau da escada. Havia um envelope e vários enfeites de Natal.
Ana compreendeu logo que Jorge comprara aqueles enfeites para seu primeiro natal naquela casa, que seria justamente, naquele ano. A carta dizia:
“Querida Ana,
Sei o quanto você adora o Natal. Comprei estes enfeites assim que nossa casa ficou pronta, e guardei-os até o dia de hoje para fazer-lhe uma surpresa. Espero que fique feliz. E que nesta casa sempre haja a presença do espírito do natal, durante todos os dias do ano, pois o Natal é uma época em que todos nos lembramos que devemos ser felizes. Eu quero que você seja feliz, não importa o que aconteça.
Com amor, Jorge.”
Ana enxugou uma lágrima que caiu. Pegando a caixa e seu conteúdo, dirigiu-se ao quarto de hóspedes – ainda vazio. Já sabia como atender o pedido de Jorge.
Saiu e comprou lindos enfeites e uma árvore de natal, e também uma poltrona de veludo vermelho. Também adquiriu uma cortina e almofadas com motivos natalinos, luzes, enfim, toda a espécie de decoração natalina que ela achou bonita, e com ela, enfeitou todo o quarto. Quando pendurou as últimas luzes, já era noite.
Pegou uma fotografia emoldurada de sua lua de mel, onde ela e Jorge sorriam para a câmera, e lembrou-se daquele momento. Colocou-a sobre a mesa junto a poltrona, e debaixo dela, a carta que encontrara. Aquele quarto seria onde ela estaria sempre perto de
Jorge. Ali seria sempre Natal.
Os anos foram passando, e Ana, que era uma linda moça e ainda muito jovem, casou-se novamente e teve dois filhos. Seguiu à risca os conselhos de seu primeiro marido: ser feliz, guardando sempre o espírito do natal dentro de si e dentro daquela casa, não importando o que acontecesse. Sempre que ela se sentia triste ou desanimada, entrava no quarto do natal, fechava a porta e procurava lembrar-se de todos os motivos que tinha para agradecer em sua vida.
Recordava bons momentos, quando tinha obtido sucesso, quando seus filhos nasceram, passeios e viagens, enfim, coisas boas. Todos os seus amigos sabiam do quarto do natal, e de vez em quando, pediam para passar alguns momentos dentro dele, o que Ana nunca negava.
Eu sei disso, porque eu mesma passei muitas horas ali naquele quarto. Ana era minha amiga.
Uma situação que pode acontecer com qualquer um de nós:
ResponderExcluira vida antes e depois, de um acontecimento de perda. No caso, Ana soube
superar a perda inesperada do marido e conseguiu reconstruir a sua vida.
O Natal, parece mágico, faz renascer as esperanças...Um belíssimo conto de Natal!
Feliz Natal, Feliz Ano Novo!
Oi Ana, linda história.
ResponderExcluirAcredito que Natal se festeja quando se é feliz, sempre amei o Natal, mas, depois de viver tantos anos de mentira, não quero mais comemorar o natal. Respeito a todos, hoje só me lembra tristeza...
Abraços carinhosos
Maria Teresa
Ana estou chegando menina, fiquei afastada quase mês os netinhos me fazem cortar um doze, só de noitão agora tenho tempo, até uns três dias atrás não, porque o Lorenzo chorava muito, tadinho do meu menininho tão pequenino, mas agora melhorou e eu posso ao menos de noitão visitar os amigos,também já programei algumas postagens.
ResponderExcluirQue belo conto, que lição de vida, uma perda é sempre difícil, mas Ana conseguiu uma forma de reconstruir a vida, de levá-la adiante, uma guerreira, bjos Luconi